domingo, 6 de fevereiro de 2022

5 frases famosas atribuídas a personagens históricos que nunca as disseram




Mahatma Gandhi

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Mahatma Ganhdi nunca disse uma das frases mais famosas atribuídas a ele

Inserir casualmente uma citação de uma pessoa famosa no meio de uma conversa geralmente é uma maneira rápida de comunicar o que estamos pensando. Mas você tem certeza de que a citação que você está repetindo está correta?

Abaixo, por exemplo, reunimos cinco frases populares de figuras históricas que estão erradas ou, pior, nunca foram ditas por elas.

'Seja a mudança que você quer ver no mundo' - Mahatma Gandhi

Mahatma Gandhi, líder do movimento de independência contra o domínio britânico na Índia, é a fonte de muitas citações.

Entre eles está essa acima, que enfatiza a responsabilidade pessoal como ponto de partida para a mudança globa


O problema é que não há registro de ele tenha dito ou escrito essa frase

A coisa mais próxima que ele falou a respeito foi publicada em 1913 no jornal Indian Opinion (fundado por ele): "Nós apenas refletimos o mundo. Todas as tendências presentes no mundo exterior são encontradas no mundo do nosso corpo. Se pudéssemos mudar nós mesmos, as tendências do mundo também mudariam."

'Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo' - Voltaire

Esta citação, supostamente do escritor e filósofo francês Voltaire, é frequentemente usada por defensores da liberdade de expressão.

Em poucas palavras, ele diz que se você acredita fortemente no direito das pessoas de falarem o que pensam, você defenderá esse direito mesmo quando elas disserem algo que você realmente acha ofensivo ou não quer ouvir.

pintura do rosto de Voltaire

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Muitos defensores da liberdade de expressão confiam nesta frase que Voltaire não disse

Voltaire, que viveu entre 1694 e 1778, certamente acreditava na liberdade de expressão.

Grande parte de seus escritos atacava as tentativas da Igreja Católica de restringir a liberdade das pessoas da época. Mas é quase certo que ele nunca expressou suas opiniões nos termos dessa "frase mais citada".

A citação se origina de uma biografia de Evelyn Beatrice Hall publicada em 1906, mais de um século após a morte de Voltaire.

No livro, a autora tenta resumir o pensamento de Voltaire sobre a liberdade de expressão e escreveu essa frase para transmitir a ideia.

'Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada' - Edmund Burke

Edmund Burke foi um filósofo, estadista e escritor irlandês do século 18, e um deputado por mais de 20 anos. Entre suas frases mais citadas está essa acima.

Mas o biógrafo de Burke nega que o filósofo a tenha dito.

Edmund Burke

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Edmund Burke é considerado o pai do liberalismo conservador britânico

David Bromwich, autor de The Intellectual Life of Edmund Burke (A vida intelectual de Edmund Burke), disse à Reuters: "Não sei se alguém famoso atribuiu (a frase a Burke), mas esse erro de atribuição tem tido uma vida longa", agregando que não vê sentido na frase nem acha que Burke diria algo "tolo" assim. "O silêncio dos homens bons não é a única coisa necessária para o triunfo do mal", opina.

O que Burke disse, em 1770, foi: "Quando homens maus se unem, homens bons devem se associar; caso contrário, eles vão acabar, um por um, fazendo um sacrifício impiedoso em uma luta ingrata".

A citação parece ter sido distorcida logo depois, e até foi referenciada pelo ex-presidente dos EUA, John F. Kennedy, em um famoso discurso em 1961.

'Eu não posso mentir. Eu cortei a cerejeira' - George Washington

Entre seus seguidores, George Washington (o primeiro presidente dos Estados Unidos) era famoso por sua honestidade.

George Washington

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Há quem defenda que a frase atribuída a Washington é completamente inventada

Isso é frequentemente ilustrado por uma história em que Washington, com 6 anos de idade, cortou a preciosa cerejeira de seu pai, mas, quando seu vandalismo foi descoberto, o menino imediatamente admitiu o erro.

É uma história amada e contada muitas vezes, que se tornou um símbolo das virtudes de Washington.

Ela apareceu pela primeira vez no relato do biógrafo Mason Locke Weems sobre a vida de Washington, que foi publicado um ano após a morte do político em 1799.

Mas, curiosamente, a história não foi incluída no livro de Weems até a quinta edição, publicada em 1806.

Sem nenhuma outra evidência antes disso, alguns argumentam que a história poderia ter sido completamente inventada.

'Que comam brioche' - Maria Antonieta

Diz-se que quando Maria Antonieta, rainha da França durante o período que antecedeu a Revolução Francesa (1789), foi informada de que seus súditos não tinham mais pão para comer, teria dito: "Que comam brioches!"

A frase é para mostrar como ela não tinha contato com a realidade da população pobre da França, ou que ela simplesmente não se importava.

Maria Antonieta

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Essa frase já era usada para demonstrar a falta de contato com o povo de muitos aristocratas.

A história parece ter surgido nos escritos do filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau por volta de 1767, mas ele só a atribui a "uma grande princesa".

Mas como Maria Antonieta era criança na época, é improvável que ela fosse a princesa a quem ele se referia.

Além disso, histórias semelhantes sobre diferentes aristocratas esnobes circulavam há anos.

A frase foi especificamente ligada a Maria Antonieta pela primeira vez em um panfleto do escritor Jean-Baptiste Alphonse Karr publicado 50 anos após sua morte, o que também sinaliza que a atribuição a ela dificilmente estava correta.

BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Quais são os interesses da China no conflito entre Rússia e Ucrânia?



Vladimir Putin com Xi Jinping nesta sexta (4 de fevereiro)

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Vladimir Putin com Xi Jinping nesta sexta (4 de fevereiro); países emitiram comunicado reafirmando sua 'amizade sem limites'

Enquanto Estados Unidos e Rússia trocam ameaças cada vez mais agressivas sobre a crise na Ucrânia, um outro importante ator da geopolítica mundial também vem se manifestando com firmeza: a China.

Cerca de 100 mil soldados russos encontram-se atualmente na fronteira com a Ucrânia, e os americanos acusam Moscou de planejar invadir a ex-república soviética.

Nos últimos dias, Pequim pediu calma para ambos os lados, insistindo para que as potências abandonem a mentalidade competitiva herdada da Guerra Fria. Porém, ao mesmo tempo, o gigante asiático já deixou claro que compartilha das preocupações de Moscou.

Nesta sexta-feira (4/2), o presidente russo, Vladimir Putin, desembarcou em Pequim para acompanhar a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno a convite do líder chinês Xi Jinping. Os dois líderes se reuniram antes da abertura do evento e, segundo o Kremlin, tiveram "discussões calorosas"

Em um comunicado divulgado após a reunião, os dois países afirmaram que "a amizade entre [Rússia e China] não tem limites, não há áreas 'proibidas' de cooperação" e que pretendem "combater a interferência de forças externas em assuntos internos de países soberanos"

É de se imaginar que, numa eventual escalada das tensões com a Ucrânia e o Ocidente, a China ficaria do lado da Rússia, país que é seu aliado de longa data e ex-camarada comunista. Mas os motivos que levaram Pequim a apoiar o governo de Vladimir Putin no atual confronto vão muito além da afinidade histórica.

Rússia e China contra o Ocidente

Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, classificou as preocupações da Rússia em relação à sua segurança nacional como "legítimas", afirmando que elas deveriam ser "levadas a sério e discutidas".

ChinXi Jinping em reunião por videoconferência com Putin, em dezembro de 2021

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É de se imaginar que, numa eventual escalada das tensões com a Ucrânia e o Ocidente, a China ficaria do lado da Rússia; acima, reunião bilateral entre os dois países em 2021


Já na segunda-feira (31/1), o representante de Pequim na ONU, Zhang Jun, foi ainda mais longe e disse abertamente que a China discordava das alegações dos EUA de que a Rússia está ameaçando a paz internacional.

Ele também criticou os Estados Unidos por convocar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, afirmando que a "diplomacia do megafone" americana "não era propícia" para as negociações.

Baseada em um discurso diplomático ponderado, a China tem tomado uma posição cautelosa e sutil em relação à crise, esquivando-se de manifestar qualquer tipo de apoio ao uso de força militar.

Mas alguns dos meios de comunicação estatais que cobrem a crise têm sido mais diretos. Com o crescimento do sentimento anti-Ocidente no país, a crise na Ucrânia foi retratada na China como mais um exemplo do fracasso da política externa ocidental.

Na opinião da imprensa controlada por Pequim, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, aliança militar ocidental) sob o comando dos Estados Unidos está adotando uma posição agressiva ao se recusar a respeitar o direito soberano de outros países - como Rússia e China - de defender seu território.

O jornal Global Times chegou a dizer que o relacionamento e o vínculo cada vez mais próximos entre a China e a Rússia são "a última defesa que protege a ordem mundial". Já um relatório da agência de notícias estatal Xinhua afirmou que os EUA estavam tentando "desviar a atenção doméstica " e "reviver a sua influência sobre a Europa" com seu comportamento.

Segundo Jessica Brandt, diretora da área de política do centro de estudos Brookings Institution, o discurso de Pequim foi divulgado em vários idiomas no Twitter - que é proibido na China -, em uma tentativa de moldar a visão do restante do mundo em relação aos EUA e à Otan.

"O objetivo é minar o soft power dos Estados Unidos, manchar a credibilidade e o apelo das instituições liberais e desacreditar a imprensa livre", disse ela à BBC, acrescentando que este é um exemplo de como Pequim discute o confronto entre o Kremlin e a Ucrânia quando convém aos seus interesses.

No comunicado emitido nesta sexta, a China apoiou a posição russa em relação à Otan e condenou a "expansão" da organização. No documento, as duas nações ainda pedem que a aliança militar "abandone suas abordagens ideológicas da Guerra Fria" e respeite a "soberania, segurança e interesses de outros países".

Objetivos compartilhados, inimigo comum

Os governos de China e Rússia vêm se aproximando e, segundo especialistas, podem ter criado a conexão mais próxima entre as potências desde a era de Stálin e Mao.

A crise da Crimeia de 2014 na Ucrânia empurrou a Rússia para os braços da China, que ofereceu a Moscou apoio econômico e diplomático em meio ao isolamento internacional.

Desde então, o relacionamento floresceu ainda mais. A China é o maior parceiro comercial da Rússia há anos e atingiu no ano passado um novo recorde de US$147 bilhões em comércio bilateral.

Protesto na Ucrânia

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Ocidente advertiu que ampliaria sanções a Moscou no caso de uma invasão à Ucrânia

Os dois países também assinaram um acordo para estreitar seus laços militares no ano passado e intensificaram os exercícios militares conjuntos.

Ambos os países têm relações particularmente tensas com o Ocidente, o que é crucial para sua aliança.

"Pequim e Moscou têm um interesse comum em reagir contra os EUA e a Europa e expandir seu papel na política internacional", diz Chris Miller, professor assistente de História Internacional da Universidade Tufts.

No caso de uma escalada no conflito com a Ucrânia que resulte na imposição de sanções ocidentais à Rússia, os especialistas acreditam que a China provavelmente fornecerá ajuda econômica para Moscou, assim como já fez no passado.

A assistência pode chegar em forma de fornecimento de sistemas alternativos de pagamento, empréstimos para bancos e empresas russas, uma expansão da importação de petróleo russo ou até mesmo a rejeição total dos controles de exportação dos EUA.

No entanto, tudo isso significaria um ônus financeiro significativo para a China - razão pela qual os especialistas acreditam que Pequim, ao menos por enquanto, se contentou em apoiar Moscou apenas com palavras de aprovação.

"O apoio manifestado apenas por meio da retórica é um movimento de baixo custo para Pequim", diz Miller.

Um conflito militar na Ucrânia certamente tiraria a atenção dos EUA de outras questões, o que sem dúvida beneficia a China. Mas muitos observadores acreditam que Pequim realmente diz a verdade quando afirma não querer uma guerra.

A China busca estabilizar as relações com os EUA neste momento, aponta Bonnie Glaser, diretora do programa sobre a Ásia do centro de estudos americano German Marshall Fund. Se Pequim ampliar ainda mais seu apoio a Moscou, "poderia criar mais tensões com os EUA, incluindo uma divisão mais clara entre democracia e autocracia", afirmou a especialista à BBC.

Em um artigo publicado recentemente, o cientista político Minxin Pei afirmou que Pequim está provavelmente "protegendo suas apostas" em relação à crise, pois desconfia das verdadeiras intenções de Moscou.

Além disso, dar mais apoio à Rússia pode provocar reações negativas da União Europeia, o segundo maior parceiro comercial da China. Segundo Pei, esse descontentamento europeu poderia assumir a forma de apoio a Taiwan em sua luta por independência com Pequim.

Putin em Pequim nesta sexta

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Putin em Pequim nesta sexta; ambos os países têm relações particularmente tensas com o Ocidente, o que é crucial para sua aliança

'Taiwan não é a Ucrânia'

Americanos e chineses observam de perto o conflito na Ucrânia, que pode servir como um teste para a lealdade dos Estados Unidos com seus aliados.

Muitos questionam se os EUA poderiam intervir militarmente se a Rússia decidir, de fato, invadir a Ucrânia, ou se o país faria o mesmo caso a China decida intervir em Taiwan, uma ilha que se vê como independente e tem os americanos como maiores aliados.

A preocupação em relação ao uma guerra dos EUA com a China por causa de Taiwan é vista como legítima na Ásia, já que a rivalidade EUA-China não para de crescer e Taiwan relata cada vez mais invasões de aviões militares chineses em seu espaço aéreo.

Os EUA evitam comentar sobre sua posição no caso de um ataque. E apesar do acordo que obriga os americanos a fornecer suporte militar a Taiwan em momentos de ameaça, Washington reconhece por meio de sua diplomacia a ideia defendida por Pequim de que Tibete, Hong Kong, Macau e Xinjiang (todas áreas que reivindicam autonomia perante a China) fazem parte do mesmo país.

Especialistas, no entanto, afirmam que não é correto comparar a situação de Taiwan com a da Ucrânia e argumentam que as duas crises são alimentadas por interesses geopolíticos distintos.

"A China não é a Rússia, e Taiwan não é Ucrânia. Os EUA têm muito mais em jogo com Taiwan do que com a Ucrânia", diz Bonnie Glaser.

  • Tessa Wong
  • BBC News

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Governador Paulo Câmara pede que Bolsonaro respeite o povo nordestino




O governador Paulo Câmara (PSB) pediu ao presidente Jair Bolsonaro (PL) respeito ao povo nordestino. Em live, na noite desta quinta-feira (3), o presidente usou uma expressão empregada para se referir a nordestinos de forma depreciativa. Ao comentar a revogação de mais de duas dezenas de decretos de luto oficial, Bolsonaro errou o estado de nascimento do líder religioso Padre Cícero (1844-1934) e chamou assessores de pau de arara. A fala teve forte repercussão nas redes sociais.

"O presidente Bolsonaro já se referiu aos brasileiros do Nordeste como Paraíbas, cabeçudos e, agora, Paus-de-arara. Essa reiterada prática de repetir estigmas e preconceitos só contribui para manter o país dividido e ampliar a cortina de fumaça em torno de um governo que desmontou políticas públicas, desdenhou de milhares de mortes pela covid-19 e trouxe de volta a inflação, aumentando as desigualdades. Respeite o povo do Nordeste", criticou Paulo Câmara.

O termo pau de arara é usado para se referir de forma depreciativa a nordestinos. A expressão refere-se aos caminhões usados na migração, em décadas passadas, de pessoas pobres do Nordeste para outras regiões do país.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Óleo de coco resiste a altas temperaturas e não libera substâncias nocivas





Volta e meia, a utilização de gorduras em cozimento e frituras é assunto que levanta polêmica e dúvidas. Não seria diferente, portanto, com o óleo de coco, cada vez mais popular nas prateleiras de supermercados. 

De acordo com Ana Paula G. Karam, nutricionista funcional, é preciso atentar para as propriedades de cada gordura. Quando se trata de levar ao fogo, a vantagem fica com as saturadas. É o caso do óleo de coco, por exemplo, que conserva melhor suas propriedades mesmo em altas temperaturas.

Ainda segundo Karam, as moléculas presentes no óleo de coco já estão quebradas. Isso significa que ele consegue se manter estável durante todo o processo de preparo de um alimento. “A vantagem do óleo de coco é que ele conserva suas características e não libera substâncias prejudiciais ao organismo ao longo do cozimento. Além disso, ele preserva seus antioxidantes, que são essenciais para conter o envelhecimento da pele”, explica.

E o azeite?
O mesmo não ocorre com as gorduras insaturadas, como a do azeite, que sofre com a quebra das cadeias quando aquecida. Isso significa que, durante um processo de grelhar, por exemplo, o extrato da oliva libera compostos nocivos, como acroleína e hidrocarbonetos.

“Algumas dessas substâncias são fatores de risco para doenças metabólicas, como diabetes, e também para problemas cardiovasculares. Outras, podem até ser cancerígenas no longo prazo. Por conta disso, o óleo de coco é o mais indicado para esse tipo de uso culinário”, revela a especialista.

Outros benefícios
Além de ser aliado no preparo dos alimentos, o óleo de coco ainda tem ação termogênica, que ajuda, entre outras coisas, a regular nosso metabolismo e no controle do colesterol. “Podemos destacar também suas propriedades antifúngicas e anti-inflamatórias. Ou seja, o consumo de óleo de coco contribui para fortalecer nossa imunidade, ajudando a combater uma infinidade de bactérias, leveduras, fungos e vírus”, completa Ana Paula.

Folha de Pernambuco


Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

‘A família achava que ele teria segurança no Brasil’: a morte do jovem congolês que causa comoção e revolta



Moïse faz sinal de joinha com a mão

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Moïse pertencia à etnia Hema e chegou ao Brasil em 2011 fugindo de conflitos em seu país

*Atualizada às 11h de quarta-feira (02/2).

O congolês Moïse Kabamgabe chegou ao Brasil em 2011 junto com seus três irmãos. Eles vieram em busca de segurança, em razão do conflito entre as etnias Hema e Lendu na República Democrática do Congo.

Mais de 10 anos depois, Moïse se tornou vítima da violência no Brasil. Em 24 de janeiro, o jovem foi espancado até a morte em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ).

Segundo relatos de familiares da vítima, o congolês foi agredido por cobrar duas diárias, que somavam R$ 200, de serviços prestados no estabelecimento.


"Espancar um rapaz dessa forma não é coisa de ser humano, essas pessoas não são seres humanos. Não sei se essas pessoas têm coração, se têm filhos, irmãos ou se sentem dor", desabafa um parente, que pediu para não ter a identidade divulgada por medo de represália.


"A gente chegou aqui e os brasileiros sempre foram pessoas boas. Mas, hoje, não sei mais", disse a mãe do rapaz, Ivana Lay, em relato ao jornal "O Globo" publicado nesta terça-feira (01/2).

A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) apura o caso sob sigilo. Em breve comunicado à BBC News Brasil, informou que analisou câmeras de segurança instaladas no local em que o rapaz foi agredido e disse que está ouvindo testemunhas.

Na terça-feira, três homens foram presos. De acordo com o G1, eles devem responder por homicídio duplamente qualificado, impossibilidade de defesa e meio cruel.

Em entrevista ao programa SBT Rio, um dos presos afirmou que os agressores não queriam tirar a vida de ninguém e declarou que o rapaz não foi espancado por ser "negro ou de outro país". O suspeito argumentou que agiram para defender um homem que Moïse supostamente teria tentado agredir.

A defesa da família do congolês afirma que os suspeitos devem adotar uma versão na qual dizem que agiram em legítima defesa para tentar reduzir uma possível condenação.

A reportagem não conseguiu contato com as defesas dos suspeitos do crime até a atualização deste texto.

A busca por segurança


A família de Moïse pertence à etnia Hema. O conflito étnico com o povo Lendu já causou mortes violentas, desnutrição e outras inúmeras dificuldades para o Congo, o maior país da África subsaariana.

Conforme parentes do rapaz, o pai dele tinha envolvimento com a política do país e se preocupava com a segurança da família. Em razão disso, decidiu que os filhos precisavam sair do Congo.

Moïse e os irmãos conseguiram status de refugiados no Brasil. Quando chegaram por aqui, logo foram acolhidos pela comunidade congolesa e foram recebidos por familiares que haviam chegado anteriormente.

Os garotos foram matriculados em escolas públicas, começaram a aprender o idioma e logo se adaptaram à vida em solo brasileiro.

"Aqui, a gente tem muita solidariedade como congolês quando alguém chega e não conhece nada. A gente busca alguma forma para abrigar, acompanha a pessoa e ajudar na documentação até a pessoa conseguir fazer as coisas sozinha e trabalhar", diz o congolês Placide Ikuba, que chegou ao país em período próximo ao de Moïse e conhecia o rapaz.

Segundo o parente de Moïse que conversou com a BBC News Brasil, sob a condição de anonimato, a violência no Brasil sempre assustou, mas parecia algo distante.

"A gente já tinha visto crimes na televisão e muita barbaridade, mas a gente não acreditava que fosse acontecer algo assim na nossa família", desabafa o familiar.

Em 2014, a mãe do jovem congolês, Ivana Lay, também chegou ao Brasil. Ela e os quatro filhos acreditavam em um futuro melhor por aqui.

A morte do jovem

Imagem do Google Street View mostra quiosque em frente a praia

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Quiosque onde Moïse foi morto; segundo relatos, estabelecimento continuou funcionando normalmente depois

Na comunidade de congoleses, Moïse era considerado um jovem muito querido.

"Ele era um moleque que estava sempre com a gente, era muito cativo e muito querido na comunidade. Ele era um moleque muito legal, que gostava de estar sempre com os amigos", diz Nsuka Kaluba, ex-presidente da comunidade de congoleses no Rio de Janeiro.

O jovem fazia vários serviços informais para sobreviver, um deles era no quiosque. Segundo a mãe dele, o rapaz já havia trabalhado na barraca anteriormente e conhecia todos no local.

"Ele era trabalhador e muito honesto. Ganhava pouco, mas era dele. No final, chegava com parte do dinheiro e me dava para ajudar a pagar o aluguel. E reclamava, dizendo que ganhava menos que os colegas", disse ela em entrevista ao Globo.

No dia do crime, segundo familiares, Moïse falou para um amigo que iria pegar o dinheiro atrasado no quiosque.

De acordo com parentes do rapaz, ele passou a ser agredido logo que cobrou pelo serviço prestado em dias anteriores.

Um vídeo que mostra a agressão ao jovem foi divulgado pela imprensa nesta terça-feira. No registro é possível ver que a situação começou por volta das 22h25, quando um homem pega um pedaço de pau e Moïse pega uma cadeira. Pouco depois, outros dois homens chegam, jogam o rapaz no chão e ele começa a receber diversos tipos de agressão.

Na filmagem é possível ver o jovem levando socos, chutes e até golpes com pedaços de pau. Cerca de 10 minutos depois, os agressores amarram as mãos e os pés do rapaz com um fio. Em determinado momento, quando o rapaz está caído no chão, tentam reanimá-lo.

Segundo parentes do rapaz, ele só foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) cerca de 40 minutos depois, quando já estava morto.

A Polícia Militar informou, em nota à BBC News Brasil, que não foi acionada para atender o caso de agressão contra o jovem. Segundo a entidade, uma equipe passava pelo local quando avistou uma viatura do Samu e foi verificar. No local, o serviço médico já havia atestado a morte dele.

"Ele saiu de uma disputa de etnias e violência que não têm limites, e ninguém esperava que isso fosse acontecer no Brasil, que recebeu a família de braços abertos", diz o advogado Álvaro Quintão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ).

Quintão, junto com a OAB-RJ, tem representado a família e apoiado nas questões jurídicas do caso.

"O que fizeram foi uma barbaridade. Espancaram de forma covarde até a morte", diz. "A gente vê no vídeo que não há nenhuma proporcionalidade na agressão, que mesmo depois de desacordado ele continuou apanhando. Não há nada que possa caracterizar legítima defesa ali", declara.

O advogado ressalta que os envolvidos podem ter a pena aumentada se for comprovado que o crime teve característica racista e xenofóbica.

Pessoas na rua segurando cartazes

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Parentes e amigos de Moïse Kabamgabe fizeram protesto na Barra da Tijuca pedindo Justiça

Segundo Quintão, não havia necessariamente, a princípio, relação entre o espancamento do rapaz e xenofobia ou racismo.

"Mas após o início das agressões, o fato de ele ser negro e não ser brasileiro, ser africano, fez com que as pessoas ignorassem aquele espancamento", declara.

"Havia pessoas assistindo aquilo e o quiosque continuou funcionando normalmente depois que ele morreu, como se nada tivesse acontecido. Aí temos a dose de racismo estrutural. Era apenas mais um corpo negro morto, uma situação banalizada pela sociedade", acrescenta.

Dias após o crime, a comunidade congolesa no Brasil lamentou a morte do jovem por meio de uma nota e disse que o caso não manifesta somente "o racismo estrutural na sociedade brasileira, mas claramente demonstra a xenofobia dentro das suas formas contra o estrangeiro".

No sábado (29/1), familiares e amigos protestaram contra a morte do jovem em frente ao quiosque. Eles cobraram que os responsáveis pelo crime sejam punidos. Nas redes sociais, milhares de pessoas passaram a compartilhar a imagem de Moïse pedindo que o caso não seja esquecido.

  • Vinícius Lemos
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE