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quarta-feira, 27 de março de 2024

Forró na Feira de Bom Jardim é Bom D+









Professor Edgar Bom Jardim - PE

Como o Ceará se tornou o primeiro lugar do Brasil a abolir a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea



Pintura do século 19 mostra escravizadas trabalhando

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL

Legenda da foto,

Pintura do século 19 mostra escravizadas trabalhando

  • Author,Edison Veiga
  • Role,De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

Um dos principais teatros do Rio de Janeiro de 140 anos atrás, o Polytheama Fluminense, teve uma noite histórica em 25 de março de 1884. Foi quando se ouviu primeira vez, a marcha para orquestra Marselhesa dos Escravos, "numa festa em honra ao Ceará livre" — conforme registrou o antigo jornal Rua do Ouvidor, em uma edição comemorativa ao movimento abolicionista.

A música foi composta e regida por Antônio Cardoso de Menezes (1848-1915), um dos mais renomados musicistas do período conhecido como segundo império brasileiro.

Eram os ecos de um acontecimento histórico ocorrido naquele mesmo dia a cerca de 2,5 mil quilômetros da capital do país: na então província do Ceará estava extinta a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea decretar o fim desse regime de trabalho forçado em todo o território nacional.

A declaração coube ao médico e político Sátiro de Oliveira Dias (1844-1913), então presidente da província. De acordo com informações do Senado, ele teria dito que "para a glória imortal do povo cearense e em nome e pela vontade desse mesmo povo, proclamo ao país e ao mundo que a província do Ceará não possui mais escravos".


Reverberou a notícia não só localmente. Um dos mais importantes nomes do movimento abolicionista, o farmacêutico e jornalista José do Patrocínio (1853-1905) estava em Paris e enviou uma carta ao escritor Victor Hugo (1802-1885), participando a ele a novidade. A carta de resposta do francês afirmava que a iniciativa cearense era um sinal de que "a barbárie recua e a civilização avança".

"O grande significado, o maior impacto [do fato ocorrido no Ceará] foi ter efetivamente começado, ter sido a primeira abolição do Brasil. Logo depois veio no Amazonas [em 10 de julho do mesmo ano] e isso mostrava que era um caminho que se fortalecia", analisa à BBC News Brasil a historiadora Martha Abreu, professora na Universidade Federal Fluminense e pesquisadora na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

"O movimento abolicionista estava ganhando os seus primeiros resultados e o país já não era só escravista", acrescenta ela. "Foi uma vitória simbólica e política que teve enorme repercussão, animando o movimento abolicionista."


Professor na Universidade Estadual Paulista, o historiador Paulo Henrique Martinez enfatiza que, após o ato, "o fim do trabalho escravo se tornava uma realidade econômica e social concreta" no Brasil.

"Uma opção política sem riscos para os grandes proprietários rurais que tinham investido recursos na aquisição e manutenção de cativos", diz ele, à BBC News Brasil.

Ele também destaca o "efeito multiplicador" do ocorrido, algo buscado pelas campanhas abolicionistas. "A abolição mostrava-se como o resultado de ações efetivas, de uma campanha ativa e dinâmica, impulsionada pela sensibilização e o engajamento da opinião pública e pela mobilização de maior apoio político e social", afirma.

"Este foi o primeiro êxito coletivo, ultrapassando as vitórias alcançadas em situações individuais, localizadas e de pequenos grupos, como o apoio clandestino a fugas, a compra de alforrias ou iniciativas humanitárias e piedosas de senhores de terras e proprietários de cativos em áreas urbanas."

Pesquisador no grupo Intelectuais e Política nas Américas, da Universidade Estadual Paulista, e professor no Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, o historiador Victor Missiato situa a abolição no Ceará como "um marco dentro de um movimento amplo pelo fim da escravidão".

"Representa um marco político institucional, para além de um marco cultural, social e histórico", avalia ele, à BBC News Brasil. "Marca o início da abolição e isso ocorra dentro das instâncias representativas, dentro de um império que não estava mais tão centralizador como antes."

Missato atenta para o fato de que o ato denota que havia "uma flexibilidade provincial" e uma certa "autonomia provincial" dentro do império.

“É interessante pensar e falar sobre esse momento porque a gente fala sobre a abolição longe de uma perspectiva do episódio. Tratar o 13 de maio de 1888 [data da Lei Áurea] como um raio no céu azul é bastante complicado porque não é isso, [a abolição] é consequência de um acúmulo de lutas de atores diversos, de sociedades”, argumenta à BBC News Brasil o historiador Vitor Hugo Monteiro Franco, autor do livro Escravos da Religião e pesquisador na Universidade Federal Fluminense.

“São essas pessoas que conduzem a abolição e não uma canetada da princesa Isabel. Perceber a abolição mais como um acúmulo de lutas do que como um episódio isolado é sempre muito bem-vindo e interessante”, defende ele.

Pouca dependência econômica da escravidão

Ilustração mostra escravizados trabalhando no séc 19

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL

Mas é preciso analisar o contexto da província cearense para entender como e por que esse marco institucional ocorreu lá. E a primeira razão que explica esse pioneirismo está não exclusivamente nas pressões sociais, mas também no viés econômico.

"Uma das razões é que em 1872 os escravos eram apenas 4% da população do Ceará, e esse percentual foi diminuindo em razão da venda de escravos cearenses para as regiões cafeeiras de São Paulo", explica o historiador Renato Pinto Venancio, professor na Universidade Federal de Minas Gerais e autor de, entre outros, Cativos do Reino: a circulação de escravos entre Portugal e Brasil.

"A grande seca dos anos 1877-1879 [na região] acelerou esse processo de venda de escravos para outras regiões", salienta ele. "Em outras palavras, no início da década de 1880, a classe dominante local não dependia mais economicamente dos escravos."

Abreu concorda. "Precisamos ver que a escravidão negra não era o carro chefe da mão de obra no Ceará, não era fundamental para o movimento econômico de lá. Havia muitos trabalhadores já libertos, muitos indígenas escravizados ou não, então há uma importância não tão grande da mão de obra escrava negra, o que faz não haver uma classe senhorial que se agarrasse na escravidão como se aquilo, caso acabasse, representasse a sua morte", lembra a historiadora.

"A dinâmica econômica naquela província, por um lado, foi revelando a obsolescência e a inviabilidade da mão de obra cativa e, por outro, a organização e atuação de associações e de líderes abolicionistas e que assumiu, naquelas circunstâncias, dimensões e eficácia política singular", diz Martinez.

"A excepcionalidade do que aconteceu no Ceará é testemunha dessa circunscrição ao contexto regional e cearense pois o fato não se repetiu em nenhuma outra província do Império."

Missiato lembra do contexto abolicionista brasileiro, sobretudo depois de leis restringindo e, depois, proibindo o chamado tráfico negreiro, ou seja, a chegada de novos escravizados, pelo Atlântico, diretamente da África.

Isto acabou intensificando um comércio interno de escravizados. E o nordeste se tornou um grande fornecedor para o sudeste, onde a cafeicultura ia crescendo e absorvendo mais mão de obra.

"Com o café já deslocando o centro do poder econômico do país para o sul, muitos escravos começam a sair da região nordeste por meio do tráfico interno", comenta. "É um contexto que deixou o número de escravos ao norte muito reduzido."

Especificamente no Ceará, isso era ainda mais intenso. "Porque ali, historicamente, a agricultura de cana de açúcar não era a única grande produção econômica. Havia pecuária, circulação comercial e atividades que não exigiam tanto a mão de obra escrava. Além disso, a presença indígena era muito forte", analisa ele.

Movimento abolicionista

Pintura mostra um mercado de escravizados no século 19

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL

Legenda da foto,

Pintura mostra um mercado de escravizados no século 19

Contudo, o contexto social, político e histórico também não pode ser negligenciado. A luta de parte da sociedade pela abolição era grande em diversos pontos do país — e o Ceará fazia parte desse movimento.

"Havia no Ceará a partir de 1850 um movimento político intelectual muito forte, com impacto na opinião pública e uma incipiente sociedade civil, que lutava pelas ideias abolicionistas e absorviam as ideias que vinham de fora", diz Missiato.

"A conjuntura do movimento abolicionista era uma realidade no Brasil", acrescenta Abreu.

"E, principalmente a partir dos anos 1880, tinha ramificações em todas as grandes cidades. Estava enraizado nos setores intelectuais, entre os letrados. Era um movimento urbano, artístico e social muito importante, junto a irmandades negras e associações de trabalhadores."

O historiador Martinez ressalta a participação da elite.

"Convém lembrar que a base social do abolicionismo no Ceará contou com representantes de grupos econômicos poderosos, os seus contatos no Rio de Janeiro, acesso e influência parlamentar na Assembleia do Império", pontua.

"No início da década de 1880 surgiram agremiações de abolicionistas na província. Em 1882, José do Patrocínio participou de atos e encontros pelo fim da escravidão no Brasil. Em 1883, foi criada a Confederação Abolicionista com a finalidade de coordenar campanhas e ações em todas as províncias do Império. A Sociedade Abolicionista Cearense integrou o agrupamento de entidades associativas que esteve na origem desta Confederação."

Jangadeiros

Houve nessa província um antecedente importante da luta. Por isso, Venancio atenta que, "apesar dessas condições estruturais favoráveis", não pode ser esquecido o papel do movimento abolicionista no episódio de 1884. "Ele [o abolicionismo] existiu no Ceará e inclusive teve apoio popular, como no caso dos jangadeiros", afirma.

Abreu comenta que os jangadeiros "foram um grande exemplo" do movimento abolicionista naquela região.

Em janeiro de 1881, os jangadeiros que atuavam no Porto de Fortaleza decidiram fazer uma greve, fechando o porto ao tráfico de escravizados. A ação foi liderada pela Sociedade Libertadores Cearense. Até 1884, esse movimento teve altos e baixos, inclusive com confrontos entre os militantes e a polícia.

Os ânimos só começaram a ser apaziguados quando Sátiro Dias assumiu o governo da província, em 1883. Simpático às ideias abolicionistas, ele passou a dialogar com os grevistas e, claro, a extinção da escravidão no Ceará acabou sendo a hábil solução do político.

Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará em 1884: articulação nacional

CRÉDITO,ACERVO BIBLIOTECA NACIONAL

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Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará em 1884: articulação nacional

Repercussão

"Uma medida dessas [a abolição cearense] soltou a chama da liberdade, que se espalhou pelo país inteiro, ainda que naquela época as notícias demorassem um pouco mais para serem conhecidas", afirma à BBC News Brasil o advogado Humberto Adami, presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão da Ordem dos Advogados (OAB) do Brasil no Rio de Janeiro, vice-presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escradião Negra do conselho federal da OAB e presidente da Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros.

"A primeira notícia de abolição da escravidão acabou fazendo com que seguidores dessas ideias seguissem lutando por elas", complementa.

A historiadora Abreu lembra que, nesse momento, havia uma verdadeira rede de abolicionistas, com intercâmbio de informações. "E o Ceará acaba ganhando uma projeção enorme", ressalta ela.

"Foi o primeiro rompimento da ordem escravista nacional. Saiu em todos os lugares. Teve comemorações em Londres e Paris, afinal a rede abolicionista era internacional. O Ceará passou a fazer parte, junto a outros locais, dessa evidência do fim da escravidão. Quanto mais territórios livres houvesse no mundo, melhor", analisa.

Venancio comenta que "a recepção da abolição do Ceará na corte" foi "muito positiva e acelerou a adesão ao abolicionismo".

"Os protagonistas e as ações verificadas no Ceará foram saudados e aclamados pelos dirigentes e participantes nas campanhas pela abolição em diferentes cidades, jornais e pronunciamentos públicos, sobretudo no Rio de Janeiro. O líder dos jangadeiros que promoveram o boicote ao desembarque de cativos no porto de Fortaleza, posteriormente, foi recebido e festejado no Rio de Janeiro, proporcionando aglomerações e animando discursos, artigos, conferências e conversas nas ruas, teatros e salas de visitas", enumera Martinez.

"O debate sobre o tema e os rumos a serem seguidos para abolir a escravidão em todo o Império adquiria presença e crescente visibilidade pública. Nos gabinetes ministeriais, nos discursos parlamentares, nos tribunais, nos círculos de negócio e do comércio as opiniões, críticas e argumentos sobre a abolição eram aventadas e discutidas abertamente, sendo incorporadas à agenda política até a Lei Áurea, em 1888."

Segundo o historiador, a busca de uma solução política a curto prazo se tornou urgente, porque era preciso espantar "o temor da participação popular e da autonomia que adquiriram o protesto negro e a revolta dos cativos nas fazendas". "Ainda que as resistências a ela tenham sido duras e persistentes nos quatro anos seguintes aos episódios no Ceará", pondera ele


Professor Edgar Bom Jardim - PE

Lula e Macron: o que une e o que afasta o presidente francês do brasileiro



Lula e Macro

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Legenda da foto,

Lula e Macron durante visita do presidente brasileiro a Paris. Macron chega nesta terça-feira (26/03) ao Brasil para uma viagem de três dias

  • Author,Leandro Prazeres
  • Role,Da BBC News Brasil em Brasília

presidente da França, Emmanuel Macron, chega ao Brasil na terça-feira (26/3) para sua primeira visita bilateral a um país da América Latina desde que assumiu o poder, em 2017.

O país será o único da região a ser visitado desta vez pelo presidente francês. Ele vai ficar três dias e passar por cinco cidades: Belém, Rio de Janeiro, Itaguaí (RJ), São Paulo e Brasília.

Macron terá encontros com o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) no início e no final da viagem.

Sua visita tem um caráter simbólico importante, avalia Carolina Pavese, a doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics (LSE) e especialista em Europa


"Essa visita é simbólica para romper um período de tensão nas relações entre o Brasil e a França vivido durante o governo Bolsonaro", diz Pavese à BBC News Brasil.

Durante os quatro anos em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) governou, ele e o presidente francês chegaram a trocar farpas públicas. A visita marca, portanto, uma reaproximação.

"É uma aproximação tardia, uma vez que Macron ainda não havia vindo ao Brasil ou à América Latina, mas que finalmente está ocorrendo."

O presidente francês será recebido em Belém por Lula, com quem mantém um relacionamento aparentemente mais amistoso do que o que teve com Bolsonaro.

Segundo o Itamaraty, o comércio, o combate às mudanças climáticas e a cooperação militar serão alguns dos principais eixos da visita de Macron ao Brasil.

Lula e Macron já deram demonstrações de convergências em temas que vão do combate ao avanço da extrema-direita no mundo, defesa do meio ambiente e a necessidade de um cessar-fogo no conflito na Faixa de Gaza.

Apesar disso, diplomatas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a viagem de Macron também deverá deixar evidentes as principais divergências entre os dois presidentes.

Entre elas estão a oposição de Macron ao acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul e o tratamento dado pelo Brasil durante as reuniões do G20, presidido pelo Brasil, à guerra na Ucrânia.

Submarinos, combate à direita radical e Gaza

Submarino brasileiro

CRÉDITO,ALAN SANTOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

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Submarino Riachuelo foi lançado ao mar em 2018 e é da leva de embarcações de programa firmado entre Brasil e a França. Macron participará do lançamento do terceiro submarino de um total de cinco previstos


Um dos principais pontos de convergência entre Lula e Macron é a cooperação militar entre os dois países. Há expectativa de que os dois países assinem memorandos de entendimento nesta área durante a passagem de Macron pelo Brasil. De um lado, a França é um importante fornecedor de produtos de defesa no mercado internacional. Do outro, o Brasil é um importante consumidor de tecnologia militar francesa.

"Para além dos ganhos diplomáticos dessa visita, há uma agenda objetiva e pragmática de cooperação em áreas importantes da agenda brasileira e francesa. Entre elas, uma das principais é a cooperação em assuntos de defesa", disse Carolina Pavese.

Um dos principais eventos da viagem de Macron ao país será sua participação na cerimônia de lançamento ao mar do submarino "Toneleiro", o terceiro produzido pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), fruto de um acordo firmado pelo Brasil e a França em 2008, quando Lula estava em seu segundo mandato.

No total, o programa prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um movido a propulsão nuclear. O custo estimado das embarcações é de R$ 31 bilhões. O projeto é considerado estratégico pelo Brasil pois apenas seis países no mundo têm submarinos nucleares: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China e Índia.

Esse tipo de embarcação utiliza um reator nuclear para gerar a energia que vai impulsioná-lo. Esse tipo de propulsão dá mais autonomia ao submarino. Isso não significa, porém, que ele carregará armas nucleares.

O Brasil é signatário de tratados internacionais contra a utilização de armas desse tipo.

A vinda de Macron acontece em um momento em que França e Brasil vem aumentando o diálogo em torno da parte mais sensível do Prosub, que é a parte nuclear. Até agora, o acordo com a França previa cooperação e troca de tecnologia na parte naval dos submarinos e não na parte nuclear.

O Brasil vem encontrando dificuldade em obter auxílio tecnológico para a parte nuclear do projeto, que inclui o acondicionamento do reator no casco e sua conexão com o sistema que vai gerar a sua propulsão.

Nos últimos meses, o governo francês enviou emissários ao Brasil para tratar do assunto e, na sexta-feira (22/03), a secretária para Europa e América do Norte do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que os dois países vêm conversando sobre a possibilidade de os franceses ajudarem o Brasil na fase nuclear do projeto.

"É uma área em que talvez houvesse uma resistência no passado, mas hoje já há conversas sobre essa possibilidade: de que a França coopere conosco inclusive nesse aspecto à luz da energia nuclear, do combustível nuclear", disse a embaixadora Maria Luisa Escorel de Moraes, Secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty durante uma entrevista coletiva à qual a BBC News Brasil participou.

"[A participação de Macron no lançamento do submarino] talvez será será um dos momentos mais importantes da visita à luz da importância do setor da defesa (para os dois países), não só para defesa, mas porque o desenvolvimento de equipamentos de defesa de um, modo geral, costumam transbordar para outros setores da nossa economia", disse diplomata.

Além da cooperação militar, Macron e Lula também convergem quando o assunto é combate ao crescimento da direita radical.

Na França, a principal adversária política de Macron durante as eleições de 2022 foi Marine Le Pen, maior liderança do partido de direita Reagrupamento Nacional. No Brasil, o principal adversário político também é um político de direita: Jair Bolsonaro.

Lula e Macron já fizeram discursos críticos à ampliação da direita radical.

“Muitos dos nossos compatriotas votaram em mim não pelas minhas ideias, mas para barrar as ideias da extrema direita”, disse Macron logo após ser reeleito em 2022.

Em setembro do ano passado, foi a vez de Lula se manifestar sobre o assunto.

"O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas", disse Lula em discurso na Assembleia Geral da ONU.

Ainda no âmbito político, os governos do Brasil e da França vêm convergindo em relação às tentativas de pôr um fim ao conflito na Faixa de Gaza.

Em outubro do ano passado, pouco depois do início da ofensiva israelense sobre o território palestino, a França apoiou uma proposta que o Brasil havia feito ao Conselho de Segurança da ONU propondo pausas humanitárias em meio ao conflito.

A França é membro permanente do conselho e tem direito a veto e, na época, o Brasil exercia a presidência rotativa do colegiado.

A proposta, no entanto, acabou sendo rejeitada pelo veto dos Estados Unidos.

Publicamente, Macron e Lula condenaram as ações terroristas praticadas pelo Hamas contra Israel, mas vêm criticando o governo israelense pela escala da reação militar na Faixa de Gaza, embora o tom adotado pelo brasileiro tenha causado reação por parte de Israel.

"De fato, hoje, civis estão sendo bombardeados. Esses bebês, essas senhoras, esses idosos são bombardeados e mortos. Então, não há razão para isso e não há legitimidade. Por isso, nós instamos Israel a parar", disse Macron em entrevista à BBC News em novembro do ano passado.

Lula, por sua vez, classificou a ação de Israel na Faixa de Gaza como um "genocídio" e fez uma menção ao extermínio de judeus pelo regime nazista.

"O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus."

Após a fala, o governo de Israel reagiu e declarou que o presidente brasileiro é persona non grata no país.

Na linguagem diplomática, a expressão se aplica a um representante estrangeiro que não é mais bem-vindo em missões oficiais em determinado país.

Autoridades francesas afirmaram, na semana passada, que a crise no Oriente Médio estará na agenda de discussões entre Lula e Macron.

combatente na guerra da ucrânia

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Lula e Emmanuel Macron têm divergido sobre a guerra na Ucrânia

Acordo com União Europeia e guerra na Ucrânia

A relação entre Lula e Macron também é marcada por divergências. A principal delas, apontam especialistas, é a oposição de Macron à conclusão do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, negociado desde 1999.

Em 2019, durante o governo de Bolsonaro, Mercosul e União Europeia assinaram o acordo. Para entrar em vigor, no entanto, o acordo precisava passar por uma revisão técnica e pela ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos.

Após quatro anos paralisado, o acordo voltou a ser negociado após a mudança de governo no Brasil, com a chegada de Lula ao Palácio do Planalto, em 2023.

As negociações, no entanto, foram travadas após os europeus fazerem novas exigências ambientais que foram consideradas descabidas pelos negociadores do Mercosul.

Nos últimos meses, Macron deu diversas declarações contrárias ao acordo. Segundo ele, as regras poderiam acabar permitindo a entrada de produtos oriundos do Mercosul produzidos sem o respeito às normas ambientais europeias.

"O que é incompreensível e que e eu mesmo não sei explicar é que, enquanto nós mesmos colocamos regras de produção, importamos produtos que não respeitam essas regras", afirmou Macron em fevereiro.

Lula, por sua vez, rechaçou a oposição ao acordo em dezembro de 2023, após Macron fazer novas críticas ao tratado.

"Se não tiver acordo, paciência. Não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil e que não digam mais que é por conta da América do Sul. Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais", disse Lula.

Para o professor de Relações Internacionais da ESPM, Demetrius Pereira, a oposição de Macron é uma resposta à pressão contra o acordo feita por agricultores franceses.

"É um lobby muito forte e que, historicamente, realiza protestos muito ruidosos contra a possibilidade de maior entrada de produtos agrícolas estrangeiros", disse o professor à BBC News Brasil.

Para a professora Carolina Pavese, apesar do tom amistoso entre Lula e Macron, os dois deverão agir de forma pragmática em relação ao acordo.

"Amigos, amigos, negócios à parte. Essa relação pode ser amistosa, mas os presidentes continuarão a demonstrar suas insatisfações em torno desse tema em que há uma divergência tão clara. É óbvio que o fato de serem próximos facilita as conversas, mas não é suficiente para resolver esse impasse", disse a professora.

A embaixadora Maria Luísa Escorel de Moraes afirmou que o acordo comercial entre os dois blocos deverá ser discutido por Lula e Macron nesta semana, mas disse que, por se tratar de uma visita bilateral, o tema não será central ao longo da viagem.

"Esse assunto poderá ser tocado [...] mas essa negociação é entre o Mercosul e a Comissão Europeia. Não é uma negociação com os países da União Europeia individualmente. A Comissão Europeia fala por todos os países. E a grande maioria é a favor (do acordo)", disse a diplomata.

A segunda divergência que poderá ficar evidente durante a passagem de Macron pelo Brasil é com relação à guerra na Ucrânia.

Especialistas avaliam que Macron tentará influenciar o governo brasileiro a dar mais espaço para o conflito ucraniano durante as reuniões do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo que, neste ano, é presidido pelo Brasil.

O tema vem causando entraves nas reuniões de líderes já realizadas até o momento. Em março, por exemplo, houve um impasse durante a reunião de ministros de finanças do grupo sobre como o conflito seria tratado no comunicado final do encontro.

Segundo o jornal "O Estado de S.Paulo", o impasse se deu porque um grupo de países defendia que o tema fosse tratado como "War on Ukraine", ou seja: Guerra contra a Ucrânia. Outro grupo, defendia que o tema fosse tratado como "War in Ukraine", ou seja: Guerra na Ucrânia.

"A expectativa é de que Macron tente influenciar a agenda do G20 para que o Brasil dê mais importância ao conflito na Ucrânia. Apesar de o Brasil condenar a invasão russa, o país vem tratando esse assunto com muita cautela e Macron gostaria de uma posição mais enfática", disse Carolina Pavese.

Na semana passada, autoridades do governo francês disseram a jornalistas que Macron tentará encontrar "convergências" sobre o tema com Lula para definir uma possível agenda de suporte à Ucrânia.

O presidente francês têm sido um dos principais aliados do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, desde que a Rússia iniciou sua ofensiva militar sobre o país em 2022.

Lula, por sua vez, vem sendo criticado por parte da comunidade internacional em razão da sua postura em relação ao conflito.

Ele deu declarações apontando que tanto Zelensky quanto o presidente russo, Vladimir Putin, seriam responsáveis pela guerra.

Em fevereiro do ano passado, por exemplo, Lula disse em entrevista que o Brasil não forneceria armas para a Ucrânia, contrariando diversos aliados europeus e os Estados Unidos.

Em abril do ano passado, Lula chegou a criticar os Estados Unidos e a Europa por fornecerem armamentos para a Ucrânia, o que, para os europeus, é considerado fundamental para evitar o avanço russo sobre o país.

O governo aliás, não atendeu a pedidos para fornecer armamentos ao país.

A diplomata Maria Luísa Escorel de Moraes disse, na semana passada, que a guerra na Ucrânia, assim como o conflito em Gaza, deverá fazer parte das conversas entre os dois presidentes.

A expectativa é de que Lula e Macron se dirijam à imprensa na quinta-feira (28/03), último dia da viagem do presidente francês


Professor Edgar Bom Jardim - PE