segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Coreia do Norte divulga fotos do espaço após lançamento de míssil mais potente em 5 anos



Visão da Terra, supostamente vista de míssil norte-coreano

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Japão e Coreia do Sul dizem que o míssil atingiu uma altitude máxima de 2.000 km

A Coreia do Norte divulgou fotos que afirma terem sido tiradas após lançamento de míssil mais potente em cinco anos.

As fotos raras, tiradas do espaço, mostram partes da península coreana e áreas vizinhas.

Pyongyang confirmou nesta segunda-feira (31/1) que testou um míssil balístico de alcance intermediário (IRBM, na sigla em inglês) Hwasong-12.

Em sua potência máxima, ele é capaz de viajar milhares de quilômetros, colocando áreas como o território americano de Guam ao seu alcance.

O teste voltou a acender o alerta entre a comunidade internacional

Visão da Terra, supostamente vista de míssil norte-coreano

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Japão e Coreia do Sul dizem que o míssil atingiu uma altitude máxima de 2.000 km

A Coreia do Norte divulgou fotos que afirma terem sido tiradas após lançamento de míssil mais potente em cinco anos.

As fotos raras, tiradas do espaço, mostram partes da península coreana e áreas vizinhas.

Pyongyang confirmou nesta segunda-feira (31/1) que testou um míssil balístico de alcance intermediário (IRBM, na sigla em inglês) Hwasong-12.

Em sua potência máxima, ele é capaz de viajar milhares de quilômetros, colocando áreas como o território americano de Guam ao seu alcance.

O teste voltou a acender o alerta entre a comunidade internacional



Pyongyang realizou um número recorde de sete lançamentos de mísseis apenas no mês passado — uma intensa onda de atividade que foi fortemente condenada pelos EUA, Coreia do Sul, Japão e outras nações.

A Organização das Nações Unidas (ONU) proíbe a Coreia do Norte de realizar testes de armas balísticas e nucleares — e impõe sanções severas. Mas o país desafia regularmente a proibição.

Autoridades dos EUA disseram nesta segunda-feira que o recente aumento nas atividades justifica novas negociações com Pyongyang.

O que aconteceu no lançamento do Hwasong-12?

A Coreia do Sul e o Japão foram os primeiros a denunciar o lançamento no domingo, após detectá-lo em seus sistemas antimísseis.

Eles estimam que o míssil percorreu uma distância moderada para um IRBM, cerca de 800 km, e atingiu uma altitude de 2.000 km antes de pousar nas águas do Japão.

Em sua potência máxima e em uma trajetória padrão, o míssil é capaz de viajar até 4.000 km.

Duas fotos do lançamento do míssil da Coreia do Norte e duas da Terra tiradas do míssil no espaço

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Imagens divulgadas pela agência de notícias norte-coreana mostram o lançamento do míssil e fotos tiradas do míssil no espaço


A Coreia do Norte confirmou o lançamento do míssil nesta segunda-feira, por meio de reportagens na imprensa estatal. Os testes insubordinados do país são normalmente divulgados pela imprensa estatal um dia após sua ocorrência.

A agência de notícias estatal KCNA informou que o teste do míssil foi realizado para "verificar sua precisão". E foi angulado propositalmente para pousar "levando em consideração a segurança dos países vizinhos".

A imprensa estatal também publicou imagens raras, algumas das quais afirma terem sido tiradas por uma câmera instalada na ogiva do míssil.

Uma das imagens revela o momento do lançamento e outra aparentemente mostra o míssil em pleno voo, tirada de cima.

O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, não estava presente para observar o lançamento de domingo, diferentemente de três semanas atrás, quando fotos mostraram sua participação no lançamento de um teste de míssil hipersônico — um tipo mais avançado de tecnologia, desenvolvida para burlar os sistemas de detecção de mísseis.

Estes mísseis só foram testados pela Coreia do Norte três vezes no total.

Por que a Coreia do Norte disparou o míssil?

Ankit Panda, analista da Coreia do Norte, disse que a ausência de Kim e a linguagem usada na imprensa para descrever o lançamento sugerem que este teste teve como objetivo verificar se o sistema de mísseis funcionava como deveria, em vez de exibir novas tecnologias.

Infográfico faz comparação em relação ao alcance dos mísseis em poder da Coreia do Norte

Ainda assim, é a primeira vez que o Hwasong-12, um míssil com capacidade nuclear de porte significativo, é lançado desde que a Coreia do Norte começou a dialogar com os EUA durante o governo do ex-presidente Donald Trump — o que levou a uma desaceleração nas atividades de mísseis.

A última vez que o Hwasong-12 foi testado foi em 2017, quando Pyongyang o lançou seis vezes, incluindo duas vezes sobre a ilha japonesa de Hokkaido, o que disparou o alerta para os moradores de lá.

Em 2018, depois que Kim encontrou Trump, a Coreia do Norte anunciou uma suspensão nos testes de armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) de maior alcance.

Mas no ano seguinte, à medida que as relações azedaram, Kim disse que eles não estavam mais presos à declaração de moratória.

No domingo, o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, disse que com o último lançamento, a Coreia do Norte "chegou perto de destruir a declaração de suspensão".

Há várias razões para o aumento das atividades de mísseis da Coreia do Norte neste ano, que foi sinalizada por Kim em seu discurso de Ano Novo.

Analistas dizem que os testes refletem o desejo de Kim de pressionar os EUA a voltarem às negociações nucleares há muito tempo estagnadas, representam uma demonstração de força para as potências regionais e globais e podem ser fruto de uma necessidade prática de testar novos sistemas de comando militar e de engenharia.

O momento também é significativo, dado que os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim começam no fim desta semana, e a eleição presidencial da Coreia do Sul está marcada para março.

"É consistente com seu comportamento passado de tentar intimidar a Coreia do Sul e o novo presidente", avalia Daniel Pinkston, professor de relações internacionais da Universidade de Troy, nos EUA, que mora na Coreia do Sul.

Também houve um aumento nos testes, à medida que a economia norte-coreana sofre com sanções lideradas pelos EUA, dificuldades impostas pela pandemia e décadas de má administração.

No início deste mês, os EUA impuseram mais sanções à Coreia do Norte.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 29 de janeiro de 2022

Memória Fotográfica do Rio Tracunhaém


Imagem Edgar S Santos - Museu de Bom Jardim



Rio Tracunhaém necessita de limpeza, obras de saneamento, contenção e regulação de enchentes. Chuvas de grandes proporções ocorrem em muitas cidades nordestinas neste mês de janeiro de 2022.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

O que foi o Domingo Sangrento, que marcou conflito na Irlanda do Norte e completa 50 anos


Uma vítima do Domingo Sangrento é carregada pelas ruas de Derry
Legenda da foto,

Domingo Sangrento deixou 13 mortos e 15 feridos na Irlanda do Norte

Treze pessoas morreram e pelo menos 15 ficaram feridas quando membros do Regimento de Paraquedistas do Exército Britânico abriram fogo contra manifestantes de direitos civis em Bogside — uma área predominantemente católica de Londonderry/Derry, na Irlanda do Norte — no domingo de 30 de janeiro de 1972.

O dia ficou conhecido como Domingo Sangrento.

E é considerado em grande medida como um dos episódios mais sombrios do período de violência na Irlanda do Norte conhecido como The Troubles.

Os eventos que levaram ao Domingo Sangrento

A Irlanda do Norte abriga uma comunidade nacionalista de maioria católica que tradicionalmente favorecia a união com a República da Irlanda, e não com o Reino Unido, do qual faz parte.

A partir dos final dos anos 1960, essa comunidade católica ampliou sua reivindicação por direitos e oportunidades iguais à dos protestantes - e cresceu a percepção entre parte dos unionistas (os que defendiam a integração com o Reino Unido) de que o predomínio protestante da Irlanda do Norte estava ameaçado. A tensão se converteu em violência, e o governo britânico respondeu colocando tropas nas ruas em 1969.

Com a escalada, o governo também passou a impor um controle mais rígido sobre a Irlanda do Norte em 1971. Grupos paramilitares, tanto os republicanos quanto os leais ao Reino Unido, se tornavam cada vez mais letais.

Na manhã daquele 30 de janeiro de 1972, cerca de 15 mil pessoas se reuniam na área de Creggan, em Derry, para participar de uma passeata pelos direitos civis.

Manifestantes pelos direitos civis nas ruas de Derry no Domingo Sangrento

CRÉDITO,PA

Cinco meses antes do Domingo Sangrento, em agosto de 1971, em um cenário de escalada da violência e aumento de ataques a bombas na Irlanda do Norte, uma nova lei havia sido implementada dando às autoridades o poder de manter as pessoas presas sem julgamento. O governo britânico havia decidido que essa era a única maneira de restaurar a ordem.

Milhares de pessoas se reuniam em Derry naquele dia 30 de janeiro para uma manifestação organizada pela Associação de Direitos Civis da Irlanda do Norte para protestar contra a medida.

O governo havia proibido tais protestos. Tropas foram mobilizadas para policiar a marcha.

Como o dia se desenrolou

A passeata começou pouco depois das 15h (horário local), e o destino previsto era o centro da cidade.

No entanto, barricadas do Exército bloquearam os manifestantes — e a maioria foi direcionada para Free Derry Corner, em Bogside.

Free Derry Corner em julho de 1972
Legenda da foto,

Muitos manifestantes marcharam em direção a Free Derry Corner

Após prolongados embates isolados entre grupos de jovens e o Exército, soldados do Regimento de Paraquedistas começaram a efetuar prisões.

Pouco antes das 16h, pedras foram lançadas e os soldados responderam com balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água. Dois homens foram atingidos e ficaram feridos.

Às 16h07, os paraquedistas passaram a prender o maior número possível de manifestantes.

Às 16h10, os soldados britânicos começaram a abrir fogo.

De acordo com evidências do Exército, 21 soldados dispararam suas armas, descarregando ao todo 108 balas de verdade.

Qual foi a resposta imediata?

Os disparos provocaram uma ira generalizada em Derry e em outros lugares.

A Embaixada Britânica em Dublin foi incendiada por uma multidão enfurecida.

No dia seguinte ao Domingo Sangrento, o governo anunciou que haveria um inquérito liderado pelo presidente do Supremo Tribunal, Lorde Widgery.

Fotos das vítimas: Patrick Doherty, Gerald Donaghey, John Duddy, Hugh Gilmour, Michael Kelly, Michael McDaid, Kevin McElhinney, Bernard McGuigan, Gerard McKinney, William McKinney, William Nash, James Wray e John Young
Legenda da foto,

As vítimas, na fileira de cima (da esquerda para a direita): Patrick Doherty, Gerald Donaghey, John Duddy, Hugh Gilmour, Michael Kelly, Michael McDaid e Kevin McElhinney. Na fileira de baixo: Bernard McGuigan, Gerard McKinney, William McKinney, William Nash, James Wray e John Young

O julgamento de Widgery inocentou amplamente os soldados e as autoridades britânicas de culpa, embora ele tenha descrito os disparos dos soldados como "no limite do imprudente".

A conclusão foi ridicularizada pelas famílias das vítimas, que passaram anos fazendo campanha por um novo inquérito público.

O inquérito de Saville

O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair anunciou então que um novo inquérito seria realizado, liderado pelo juiz Lorde Saville.

Ele foi aberto em 1998 e finalizado em 2010, sendo o inquérito mais longo da história jurídica britânica, com um custo de cerca de £200 milhões.

O inquérito constatou que nenhuma das vítimas representava uma ameaça ou fazia qualquer coisa que justificasse os disparos.

E afirmou que nenhum aviso foi dado a nenhum civil antes de os soldados abrirem fogo — e que nenhum dos soldados disparou em resposta a ataques com bombas ou pedras.

Saville descobriu que houve "alguns disparos por parte de paramilitares republicanos", mas que, no geral, o Exército atirou primeiro.

David Cameron, que era primeiro-ministro na época da divulgação do relatório, disse que os assassinatos foram "injustificados e injustificáveis".

Apoiadores das famílias das vítimas do Domingo Sangrento na Guildhall Square, em Derry, assistindo ao pedido de desculpas do então primeiro-ministro britânico, David Cameron

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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A Guildhall Square, em Derry, ficou lotada quando David Cameron pediu desculpas em nome do Estado em 2010

O que aconteceu depois de Saville?

O Departamento de Polícia da Irlanda do Norte (PSNI, na sigla em inglês) abriu uma investigação de assassinato depois que o relatório Saville foi divulgado.

Demorou vários anos para ela ser concluída, e os detetives enviaram seu dossiê ao Ministério Público no final de 2016.

Após avaliarem 125 mil páginas de material, os promotores disseram em 14 de março que iriam processar o soldado identificado como F pelos assassinatos das vítimas James Wray e William McKinney.

Ele também foi acusado pelas tentativas de assassinato de outras vítimas: Patrick O'Donnell, Joseph Friel, Joe Mahon e Michael Quinn.

Em 2 de julho de 2021, foi anunciado que o Soldado F não seria julgado após uma decisão do Ministério Público.

Em um comunicado, o órgão público disse que, após "consideração cuidadosa", a decisão havia sido tomada devido a outra decisão judicial recente, que considerou inadmissíveis as evidências usadas na acusação do Soldado A e do Soldado C no assassinato de Joe McCann.

Isso ocorreu devido às circunstâncias em que as provas foram obtidas.

A decisão de não prosseguir com o caso agora é alvo de um processo de revisão judicial após uma contestação legal apresentada pelo irmão de uma das vítimas do Domingo Sangrento.

BBC



Professor Edgar Bom Jardim - PE

Como Guerra Civil levou a 1ª epidemia de drogas dos EUA





Na foto, enfermeira e feridos na Guerra Civil dos EUA

CRÉDITO,LIBRARY OF CONGRESS

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Diarreia, disenteria e outras doenças que podiam ser fatais eram comuns entre os soldados e tratadas com opioides. Na foto, enfermeira e feridos na Guerra Civil.

O médico Albert Wymer Henley servia como cirurgião do Exército dos Estados Confederados na Guerra Civil americana (1861-1865) quando começou a usar morfina.

Durante o conflito, o então tenente do 36º Regimento de Infantaria do Mississippi contraiu febre tifóide e passou a sofrer de diarreia crônica. Em 1863, aos 28 anos de idade, foi capturado por forças da União e mantido prisioneiro por várias semanas, o que debilitou ainda mais sua saúde.

"Seguindo o conselho de ilustres médicos (…), tive de usar opiáceos devido a complicações de doenças formidáveis e dolorosas", escreveu Henley em 1878. "Era morte ou ópio. Eu, naturalmente, preferi o segundo. Mas, se pudesse prever o futuro, teria escolhido a primeira opção de bom grado."

Quando fez essa confissão, Henley já lutava contra a dependência de morfina havia 15 anos. "Só Deus sabe quantas vezes tentei me livrar e quantas vezes fracassei", escreveu Henley, que descrevia sua condição como uma "escravidão cruel"


Henley morreu em 1893, aos 58 anos de idade. Seu caso é um entre milhares de soldados tratados com morfina e outros opioides durante a Guerra Civil que se tornaram dependentes, no que historiadores descrevem como a primeira grande epidemia de drogas nos Estados Unidos.


Hoje, mais de 150 anos depois do fim daquela guerra, o país enfrenta uma nova epidemia de drogas, iniciada na década de 1990 e que, segundo os dados mais recentes, deixou mais de 100 mil mortos por overdose somente no período entre abril de 2020 e abril de 2021.

Segundo historiadores, há vários paralelos entre as duas crises, entre eles o fato de que ambas começaram com medicamentos legais prescritos por médicos, se estenderam por várias décadas e deixaram milhares de mortos.

O historiador Jonathan Jones, professor do Instituto Militar da Virgínia, pesquisou arquivos médicos, diários pessoais, registros de serviço militar e de pedidos de pensão, entre outros documentos do século 19, para reconstruir a vida e a morte de 200 soldados que ficaram dependentes de opioides durante a Guerra Civil.

"A maioria morreu de causas ligadas ao abuso de opioides", diz Jones à BBC News Brasil.

Sua pesquisa sobre a origem e o impacto daquela crise resultou no livro Opium Slavery: The Civil War Veterans and America's First Opioid Crisis ("Escravidão do Ópio: Os Veteranos da Guerra Civil e a Primeira Crise de Opioides da América", em tradução livre), com lançamento previsto para 2023.

Morfina pelo correio


"Opioides já eram amplamente usados nos Estados Unidos antes da Guerra Civil", ressalta Jones.

No século 19, o ópio e substâncias derivadas, como morfina e láudano (mistura de ópio e álcool), eram medicamentos comuns no país, vendidos sem restrições e recomendados por médicos para tratar de uma série de problemas de saúde, como dor de cabeça, cólicas menstruais, febre, tosse, diarréia e insônia.

"Havia tantas maneiras de consumir", observa Jones. "Você podia injetar ópio ou morfina, e também usar ambos em forma de pó ou comprimidos."

O historiador ressalta que as substâncias eram legais, acessíveis e baratas, além de servirem de ingrediente em uma série de outros remédios. Em lojas de departamentos, como a Sears, Roebuck & Co, era até mesmo possível encomendar kits com a droga e seringas e receber a mercadoria pelo correio.

"Foi só no início do século 20 que os narcóticos começaram a ser regulados nos Estados Unidos", lembra Jones.

Amputações e sequelas

Mas, com o início da Guerra Civil, em 1861, os opioides e, principalmente, a morfina, passaram a ser usados mais amplamente para aliviar a dor dos feridos, e houve uma explosão no número de prescrições.

Muitos soldados que lutaram na Guerra Civil enfrentaram amputações e sequelas permanentes. A imagem mostra quatro feridos fotografados entre 1861 e 1865

CRÉDITO,LIBRARY OF CONGRESS

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Muitos soldados que lutaram na Guerra Civil enfrentaram amputações e sequelas permanentes. A imagem mostra quatro feridos fotografados entre 1861 e 1865

O conflito entre a União e os Estados Confederados deixou mais de 700 mil mortos. Muitos dos sobreviventes tiveram de superar ferimentos gravíssimos, amputações e sequelas permanentes.

As péssimas condições sanitárias dos campos de batalha levavam a diarreia, disenteria e outras doenças que debilitavam os soldados e podiam ser fatais e que também eram tratadas com opioides.

Além disso, alguns soldados usavam as substâncias para se automedicar e combater o medo e o estresse antes das batalhas.

"Milhões de soldados da Guerra Civil sofreram problemas físicos horríveis, ferimentos a bala, amputações, lesões realmente traumáticas. E não havia muito o que os médicos pudessem fazer além de oferecer analgésicos", afirma Jones.

'Indispensável como pólvora'

Vários relatos da época ilustram como ópio e morfina eram administrados em enormes quantidades para tratar dos feridos.

O médico Silas Weir Mitchell, que era cirurgião no hospital Turner's Lane, na Filadélfia, escreveu sobre como, em apenas um ano, cerca de 40 mil injeções de morfina foram aplicadas em soldados naquele estabelecimento.

Mitchell destacava casos como o de um soldado da União que recebeu injeções com altas doses de morfina três vezes por dia durante os quatro meses em que ficou internado.

Jones cita um manual médico usado pelas forças confederadas segundo o qual "o ópio é a droga mais indispensável do campo de batalha, tão importante para o cirurgião como pólvora para a artilharia".

Segundo o manual, cirurgiões militares deveriam usar opioides para aliviar a dor dos feridos, tratar de vômitos, diarreias, sangramentos internos, inflamação de ferimentos a bala e espasmos musculares nos amputados e até mesmo para sedar os pacientes.

'Comedores de ópio'

Quando esses combatentes voltaram para casa, continuaram a usar morfina e outros opioides para aliviar dores e problemas crônicos resultantes da guerra.

"Muitos desses ferimentos nunca foram curados, eram lesões que causaram dor para o resto da vida", salienta Jones.

Um relatório da comissão de saúde do Estado de Massachusetts em 1872 afirmou: "Soldados que adquiriram o hábito em hospitais militares ainda estão dependentes do uso de ópio".

Em 1889, quase 25 anos depois do fim da guerra, o médico James Adams escreveu sobre o "grande número" de veteranos que ainda sofriam de diarreia crônica. "Como era de se esperar, muitos se tornaram comedores de ópio", disse o médico.

Mesmo entre os que se curaram completamente dos ferimentos e doenças contraídas na guerra, muitos já estavam dependentes e mantiveram o uso de opioides, que continuavam a ser facilmente obtidos, sem restrições.

Crise de proporções nacionais

Antes da Guerra Civil, médicos e até mesmo muitos americanos comuns já sabiam que o consumo de opioides podia levar à dependência. "Mas o número de casos ainda não havia explodido. As pessoas sabiam que o problema existia, mas ainda não era urgente", observa Jones.

Após a guerra, no entanto, o problema se tornou uma epidemia de proporções nacionais. Não há números exatos mas, segundo historiadores, centenas de milhares de americanos enfrentavam dependência de opioides no final do século 19.

Apesar de a crise afetar também a população geral e especialmente as mulheres, a atenção da imprensa e da sociedade se concentrava nos ex-soldados que haviam se tornado dependentes.

O historiador Jonathan Jones pesquisou arquivos médicos, diários pessoais e outros documentos do século 19 para investigar a origem e o impacto da crise

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O historiador Jonathan Jones pesquisou arquivos médicos, diários pessoais e outros documentos do século 19 para investigar a origem e o impacto da crise

"Esses veteranos tinham um lugar especial na sociedade americana, eram celebrados, colocados em um pedestal. Então, o fato de terem se tornado dependentes (de drogas) virou notícia", ressalta Jones.

Corpo coberto de feridas

Depoimentos da época ilustram o sofrimento físico e mental enfrentado por esses ex-combatentes. Era comum que precisassem usar opioides diariamente, durante décadas, em doses cada vez maiores à medida que a tolerância às drogas aumentava.

Muitos sofriam de fadiga, náusea, constipação, indigestão, perda extrema de peso, impotência e tinham o corpo coberto de feridas nos locais das injeções. Como não conseguiam trabalhar, dependiam da família e de amigos.

"Eu não conseguia dormir até receber uma injeção. Minha esposa tinha de acordar a qualquer hora da noite para aplicar a seringa. Minha saúde estava tão debilitada que eu vivia confinado a uma cama", escreveu em 1871 o médico John Patterson, que havia lutado pela União e começou a usar morfina na guerra, por prescrição de outro médico.

Registros de um hospital militar no Estado de Indiana descrevem o estado físico do marinheiro George Gardner, que lutou com as forças da União, ao ser admitido na instituição, em 1891.

Segundo o documento, Gardner havia perdido um terço de seu peso, chegando a apenas 45kg, e apresentava feridas em marcas de injeção que cobriam "toda a superfície de seu corpo, do pescoço para baixo". Ele morreu de overdose dois anos depois.

'Dor não é desculpa'

Mas, em vez de simpatia, o drama desses soldados provocava críticas. Os ex-combatentes, antes respeitados por seus sacrifícios durante a guerra, passaram a ser humilhados e vistos como imorais, fracos e sem força de vontade para deixar o vício.

Segundo Jones, mortes por overdose eram noticiadas como sendo culpa dos dependentes e não dos médicos que haviam receitado a droga.

"É incrível como a reação do público, da mídia e até do governo depois da Guerra Civil é semelhante ao que vimos nas duas últimas décadas em relação à atual crise de opioides", compara.

Muitos foram presos ou internados contra a vontade em instituições para doentes mentais, onde era comum que sofressem abusos. O estigma em relação à dependência de drogas também dificultava que conseguissem receber pensão ou tivessem acesso à moradia pública.

Supostas curas para dependência se transformaram em uma indústria milionária. Produtos como o “antídoto” S. B. Collins (na foto) eram anunciados nos jornais

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Supostas curas para dependência se transformaram em uma indústria milionária. Produtos como o “antídoto” S. B. Collins (na foto) eram anunciados nos jornais

Um exemplo é o caso de Clinton Smith. Ferido com um tiro durante a guerra, ele passou a depender de morfina para combater a dor crônica e acabou morrendo de overdose em 1884, duas décadas após o fim do conflito.

Quando sua mulher, Eliza Smith, conquistou o direito de receber pensão militar, o então presidente americano, Grover Cleveland, condenou o veterano por sua incapacidade de suportar dor sem recorrer a drogas e vetou o pagamento à viúva. Segundo o presidente, dor não era "desculpa" para tomar morfina.

Curas milagrosas e golpes

Muitos tentavam se livrar da dependência por conta própria, mas a maioria não suportava os sintomas da ausência súbita de narcóticos no organismo e acabava recaindo. Esse fracasso era recriminado pela sociedade da época.

"Se eu não tomasse morfina, ficava completamente prostrado. Sentia muito calor em um momento e muito frio no instante seguinte", descreveu Joseph Darrow, que havia lutado com as forças da União, em um depoimento em 1868.

"Eu tentei tantos remédios diferentes e fracassei que fiquei completamente desencorajado e desisti, em desespero", confessou Darrow, na época com 35 anos de idade, ao afirmar que era "escravo do hábito de usar morfina" havia seis anos.

As supostas curas para dependência logo se transformaram em uma indústria milionária. Centenas de clínicas de tratamento se espalharam pelo país, mas essas eram caras e inacessíveis para a maioria dos dependentes.

Muitos acabavam vítimas de golpes e falsos "antídotos milagrosos", que eram anunciados em grande número nos jornais da época e na verdade continha opioides, agravando ainda mais o problema.

"Havia muita fraude na época, quando nem as drogas e nem a prática de medicina eram reguladas", salienta Jones. "As pessoas se aproveitavam do desespero dos dependentes."

Tarde demais

Segundo Jones, com o tempo e o enorme número de dependentes, muitos veteranos de guerra passaram a resistir à recriminação e a insistir que sua situação era culpa dos médicos que haviam receitado os opioides.

"Por volta da década de 1890, a situação começou a mudar, e as pessoas passaram a ser mais solidárias com os veteranos dependentes de drogas", afirma o historiador.

"Foi também nessa época que o governo americano começou a proibir o uso de ópio entre imigrantes chineses", ressalta Jones, lembrando que esses imigrantes substituíram os ex-soldados como alvo das críticas da sociedade.

Mas, segundo Jones, apesar da simpatia que conquistaram no fim de suas vidas, os ex-combatentes que enfrentavam dependência nunca receberam ajuda.

"É realmente uma história muito trágica", diz Jones. "A crise só terminou quando eles morreram, seja de overdose, de outros problemas exacerbados pelo abuso de opioides ou pela idade avançada."

"Gradualmente, o governo, médicos e ativistas de proteção ao consumidor passaram a adotar medidas que ajudaram a solucionar a epidemia, mas já era tarde demais para os veteranos da Guerra Civil", afirma o historiador.

  • Alessandra Corrêa
  • De Washington (EUA) para a BBC News Brasil
Professor Edgar Bom Jardim - PE