Radialista Gustavo Negreiros que atacou a ativista Greta Thumberg (//Reprodução)
Gustavo Negreiros disse que a ativista de 16 anos está 'precisando de sexo'; o programa de rádio, em dois dias, perdeu três dos quatro patrocinadores.
Por Eduardo F. Filho.
O jornalista e advogado Gustavo Negreiros viu sua vida mudar nos últimos dois dias. Durante a transmissão do programa 96 Minutos da rádio 96 FM de Natal (RN), ele fez críticas e comentários misóginos sobre a jovem ativista Greta Thunberg, de 16 anos. Segundo ele, a garota “está precisando de sexo”. Foi demitido. Dois dias depois do ocorrido, a VEJA, o radialista fez um mea-culpa: “Estou pagando pelo meu erro”.
“Ela é mal-amada. Se ela também não gosta de homem, que ela pegue uma mulher, se ela for lésbica. Ela está precisando de sexo. Ela é uma histérica mal-amada”, gritou na ocasião. A sua colega de bancada, tentou, sem sucesso, dizer que as palavras não tinham a “menor noção”. Gustavo completou: “Vá fumar o seu baseadozinho, sua maconha, de volta para a Suécia”. Confira o vídeo do momento:
A fala de Negreiros gerou revoltas nas redes sociais. O programa perdeu dinheiro com o caso: a Unimed Natal, uma das principais patrocinadoras, decidiu sair de cena, assim como a empresa de implantes dentários Oral Sin Natal, que também retirou o patrocínio.
“Eu estou vivendo em um turbilhão. Estou triste e muito abalado. Fiz um comentário infeliz, já perdi dois empregos, minha vida foi destruída. Passei do ponto, não consigo me enxergar nas palavras que disse”, disse Negreiros
O jornalista foi demitido da rádio nesta quarta-feira, 25. Antes de sair, pediu desculpas no ar: “Eu, de fato, não estava preparado para o comentário, porque tem algumas informações que eu não sabia. Antes de qualquer coisa eu digo que errei”, afirmou na ocasião.
Greta Thunberg, que já foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz, é portadora de um tipo de autismo e se notabilizou por ser a líder de uma mobilização espontânea feita por jovens na Suécia para alertar sobre os perigos do aquecimento global. Por isso, está sendo alvo de ataques de políticos brasileiros e ao redor do mundo.
A extensão de 150 milhões litros na cota de importação do etanol dos Estados Unidos para o Brasil pautou praticamente todas as palestras do Fórum Nordeste 2019. E não teria como ser diferente. Afinal, para os produtores da região, que esperavam uma taxação de 20% no combustível importado, a resolução do Governo Federal causou preocupação no setor. Contudo, quais as causas e o que pode ser feito para reduzir o impacto dessa medida, em especial, para os produtores do Nordeste?
Em seu discurso, o presidente da Datagro Consultoria, Plínio Nastari, explicou que o vácuo na produção de etanol no País como um todo torna praticamente impossível suprir a demanda pelo combustível sem que se recorra à importação. "No Nordeste, a estimativa da produção de etanol está entre 2,3 e 2,4 bilhões de litros. Desse total, 850 milhões são de etanol anidro e 1,6 bilhão de hidratado, sendo que o consumo no Nordeste do combustível é de 2,95 bilhões de litros do anidro e 1,85 bilhão de litros do hidratado. O resultado é um total de 4,7 bilhões de litros. Para suprir a diferença, só pelo etanol importado ou do Centro Sul”, explica Nastari.
Mas, se essa importação é proveniente de um vácuo de produção, por que essa renovação da cota com imposto zerado está criando tanta polêmica entre os produtores? “É o mesmo sistema que os Estados Unidos adotam para fazer a sua proteção no mercado de açúcar. Só os volumes que não são iguais. Eles dão uma cota para o Brasil equivalente a 100 milhões de litros de etanol e o Brasil está concedendo uma cota sete vezes maior”, pondera Nastari. Segundo ele, uma solução para a problemática seria o setor lutar para que o uso dessa cota tarifária seja direcionado aos produtores. "Se os produtores ficarem encarregados de fazer essa importação, eles vão administrar a venda para o sistema de distribuição de forma organizada, atendendo essa diferença entre o consumo e o que é a produção local", indica Nastari.
Para o consultor da União Nordestina dos Produtores de Cana (Unida), Gregório Maranhão, a sugestão pode ser um combustível para que os produtores avancem nas discussões com o governo Federal. “Para sorte nossa, no momento em que recebemos uma punhalada, temos Plínio Nastari para nos fornecer munição para uma reivindicação de contrapartidas que sejam capazes de neutralizar essa medida inadequada”, afirma. Diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Décio Oddone diz que a discussão não se reume ao Nordeste. “É muito bom ver este tipo de debate em outros estados do Brasil”, ressalta.
Segundo o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Eduardo Sampaio, o governo está trazendo agora algumas medidas compensatórias à extensão da cota. “Estamos examinando várias medidas, uma delas já foi tomada, que foi pulverizar melhor a cota e distribuí-las em diferentes agentes econômicos. Outra é a revisão da tributação de PIS/Cofins na importação e uma última, que ainda está em exame, é a questão de limitar a importação aos portos do centro-sul”, revela Sampaio.
Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE
Ninguém duvida das armadilhas das violências.Elas se sofisticam, ganham espaços tecnológicos, mascaram brutalidades cotidianas. A violência nunca se foi da história. A mitologia mostra deuses irados e vingativos. O militarismo tem adeptos seculares. Os pactos sociais buscam, muitas vezes, estabilidade e sossego, porém as surpresas trazem desgovernos ou as desigualdades estimulam o desuso do diálogo. A violência é ampla e complexa. Simboliza lutas ou inibe reações, inventa turbulências, organiza quadrilhas, infiltra-se nas dominações políticas. Não significa, apenas, o corpo morto, as misérias propagadas pelo fome, a manutenção do trabalho escravo. Há as violências simbólicas que reproduzem preconceitos, justificam racismos, consolidam crenças separatistas e multiplicam as ordem ditas moralistas. É um sinal de ruína crescente.
A sociedade se amedronta, fecha suas portas, gerencia suas andanças, se enclausura.O perigo parece um grande fantasma de garras assassinas.Está na rua, na casa do vizinho, no trânsito, nas moradias abandonadas, nos olhares. A segurança passou a ser, para oportunistas, um negócio atraente. O capitalismo não vacila e atrai muita gente para seus planos de guarda privada. Porém os sustos permanecem e o medo se fixa. Os governantes colaboram para instabilidade e se ligam aos esquadrões que desconstroem e mantêm territórios de poder. A desconfiança se generaliza. Quem mais sofre? Quem é vítima? Quem alicia? Quem simpatiza com os milicianos? Quem fabrica as estatísticas?
É inegável que a sociedade não se despediu das disputas covardes, nem elegeu um ética que satisfizesse utopias. Quem controla os governos promete punir, discute planos, mas escolhe seus parceiros estranhos e alguns celebram a eficiência das polícias pela quantidade de intimidações e a quebra de comunidades carentes de qualquer ajuda. Eliminar quem incomoda a agitação do capital ressuscita manobras fascistas. O pior: muitos silenciam e se negam a criticar e resistir. No Brasil, as noticias nefastas são frequentes, mata-se, cerca-se o desfavorecido com uma crueldade atiçada por hienas fardadas e cínicas
Morreu Ágatha levando seu sorriso. Quantas pessoas não desaparecem sem deixar vestígios? Como sobrevivem os refugiados na aridez diária de seus desmantelos? A história está cheia de invisibilidades. O que se conta? O que se quer contar? As informações circulam anunciando que há controles e tentam argumentar com arrogâncias. O sistema não se move sem invejas e corrupções articuladas. Tudo isso expande pessimismo, fragiliza rebeldias, fortalece privilégios. As minorias alicerçam seus poderes cultivando agressividades e traçando hierarquias. A violência existe e serve para manter concentrações de riqueza e aprisionar sonhos. Quem a festeja se aproxima do desequilíbrio fatal e não observa que o desamparo adoece e tortura. Há cansaços e desmanches no meio de coragens que ainda produzem ruídos e reações. Não custa se abraçar com quem se nega a aceitar psicopatias programadas e oficiais.
Por Paulo Rezende. A astúcia de Ulisses.
Professor Edgar Bom Jardim - PE
Os participantes que obtiveram a nota mínima exigida no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) devem buscar as secretarias estaduais de educação ou institutos federais para obter o documento que comprova a conquista da qualificação. Nesta quarta-feira (25), o Ministério da Educação (MEC), divulgou orientações a esses estudantes.
As secretarias estaduais de Educação devem ser procuradas para emitir o certificado. Além disso, no caso do aprovado no ensino médio, também é possível pedir o documento em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia que firmaram Termo de Adesão ao Encceja. O candidato deve ir ao instituto que indicou no momento da inscrição para realizar a solicitação do certificado. O atendimento pode ser realizado em 283 campus de 32 institutos credenciados que estão espalhados em 24 unidades da Federação. Apenas Ceará, Alagoas e Tocantins não possuem unidades cadastradas. Apesar de não ser obrigatório, levar a página impressa com o resultado ajudará o atendente no processo de identificação da nota e fará com que o certificado seja emitido mais rapidamente. O resultado da prova realizada em 2019 está previsto para dezembro e poderá ser consultado no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira .
Tem direito ao certificado de conclusão do ensino fundamental ou do ensino médio o participante que atingiu, no mínimo, 100 pontos em cada uma das áreas de conhecimento e tirou nota igual ou maior do que 5 em redação. A certificação pode ser solicitada por participantes aprovados no exame em edições de anos passados, desde 2006.
Certificação parcial Aqueles estudantes que obtiveram a nota mínima em uma área do conhecimento, mas não nas quatro provas do Encceja, podem requerer a declaração parcial de proficiência. Com ela, o participante poderá se inscrever apenas para as áreas nas quais não obteve a pontuação necessária na próxima edição do exame.
No caso da declaração parcial de proficiência em linguagens, códigos e suas tecnologias, no ensino médio, o estudante deve ter atingido, ao mesmo tempo, o mínimo de 100 pontos na prova e 5 pontos na redação, na mesma edição do exame.
No ensino fundamental, pode solicitar a declaração parcial de proficiência quem conseguiu, pelo menos, 100 pontos em língua portuguesa, língua estrangeira moderna, artes e/ou educação física. O participante também precisa ter alcançado nota 5 ou superior em redação, na mesma edição do Encceja.
Encceja O Encceja é um exame para jovens e adultos que não tiveram oportunidade de concluir os estudos na idade apropriada. Os interessados em tentar o certificado do ensino fundamental devem ter, no mínimo, 15 anos de idade completos na data da prova; para obter o certificado do ensino médio, a idade mínima exigida é de 18 anos.
Professor Edgar Bom Jardim - PE
A polícia concluiu que o projétil que atingiu Ágatha Félix, 8, tem formato "adequado a armas de fogo do tipo fuzil", mas não está em condições de ser comparado às sete armas apreendidas com policiais militares que estavam trabalhando na noite em que a menina foi morta.
Isso porque foi encontrado dentro do corpo da criança apenas um fragmento deformado desse projétil. Segundo o laudo do ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli), ele consiste em um núcleo de chumbo endurecido, sem seu revestimento metálico, pesando 4,5 gramas e medindo até 21,55 mm de comprimento.
Não será possível saber nem o calibre da arma que foi disparada. O projétil está "destituído de elementos técnicos para determinar calibre nominal, número e direcionamento das raias [ranhuras que indicam o calibre], bem como de microvestígios de valor criminalístico, fato que o torna inviável para o exame microcomparativo", diz o relatório.
Foram apreendidos cinco fuzis e duas pistolas com policiais da UPP Fazendinha [Unidade de Polícia Pacificadora]. Desses armamentos, três fuzis foram usados na noite em que Ágatha foi baleada, e os outros quatro ainda passam por um teste de eficácia, para saber se funcionam.
Um outro laudo, do IML (Instituto Médico Legal), apontou que a menina tinha apenas uma perfuração nas costas. Ela morreu com lacerações (cortes) no fígado, no rim direito e em vasos do abdômen. Uma reconstituição do caso está marcada para a próxima terça-feira (1).
A kombi em que ela foi atingida já foi periciada e continua no estacionamento da delegacia, acessível a qualquer um que passa ao lado da unidade, com os vidros abertos. É possível ver a marca do tiro no banco traseiro, mas não há furos no porta-malas, que estava aberto no momento do disparo.
DepoimentosAté a tarde desta quarta (25), haviam sido ouvidas 20 pessoas no total, segundo a Polícia Civil, sendo 11 policiais militares: oito da UPP Fazendinha, um sargento supervisor e dois da UPP Nova Brasília, que ajudaram no socorro.
Segundo o site G1, parte deles afirmou que a equipe disparou pelo menos duas vezes para se defender de criminosos. O grupo teria sido alvejado por um homem na garupa de uma moto e depois por traficantes de diferentes ângulos do Alemão.
Além dos policiais, prestaram depoimento na Delegacia de Homicídios do Rio o motorista, o proprietário da kombi e mais três testemunhas. Nesta quarta também falaram quatro parentes de Ágatha –a mãe, o pai, um tio e uma tia.
Os pais rejeitaram veementemente a versão da PM de que um confronto ocorria no momento dos disparos, de acordo com o advogado Rodrigo Mondego, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ que tem acompanhado a família no caso.
"Não se sabe se estava tendo uma briga de bar atrás, um marido tentando matar a mulher atrás, um traficante de drogas dando tiro a esmo ou se foi o próprio policial que atirou, mas não havia tiroteio no local", disse ele à imprensa na porta da delegacia.
A mãe de Ágatha, única dos familiares que estava dentro da kombi quando a menina foi atingida, afirma que não viu de onde partiram os tiros, mas que vieram da direção onde estavam policiais. Ela se lembra de ter avistado mais de dois agentes na rua.
Já o motorista da kombi, que prestou depoimento no sábado (21) e novamente na terça (24), afirmou que viu quatro policiais –dois de cada lado da via–, sendo que um deles teria atirado contra dois motociclistas sem camisa que passaram em alta velocidade ao lado da van. Ele havia encostado o veículo para que uma família desembarcasse.
Tudo em torno de Paulo Coelho é superlativo. Do banheiro para visitas decorado com um quadro assinado por Andy Warhol ao elevador de vidro que vai da sala de estar ao enorme terraço sob os Alpes suíços. Dos mais de 325 milhões de livros vendidos e um bilhão de leitores em 150 países, ao recorde de escritor vivo mais traduzido do mundo e quase 50 milhões de seguidores em redes sociais. Da tortura a que foi submetido durante três meses, em 1974, à forma contundente como critica o governo brasileiro, em 2019.
"O esfacelamento daquilo que o nosso país representava.
"Um delírio."
"Um Brasil totalmente polarizado" que está "caminhando para o mesmo clima de terror" da ditadura.
Em seu apartamento, em Genebra, o escritor revelou o que pensa sobre Jair Bolsonaro e disse à BBC News Brasil estar cumprindo um "compromisso histórico"
"O compromisso histórico é não ficar calado. Eu tenho que falar. Vou perder leitores? Vou. Tenho perdido? Devo estar perdendo? Não sei. Eu não fico contabilizando", diz, enquanto a esposa Christina Oiticica, que acompanha a entrevista, assente com um leve gesto de aprovação.
Em livros como Hippie, o mais recente (2018), ou O Aleph, de 2010, Paulo Coelho alerta que o passado pode destruir o presente. Mas, nesta entrevista, ele decide lembrar com detalhes dos meses em que foi espancado, teve os genitais presos a eletrodos e foi trancafiado nu, com um capuz, em uma sala gelada e escura por agentes da ditadura.
"Se o passado se repete no presente, já não é mais passado, é presente."
Em mais de uma hora de conversa, o escritor também fala sobre o momento em que rompeu com o PT ("estou fora"), a desilusão com o comunismo ("tudo cinza e triste"), a experiência no caminho de Santiago de Compostela ("a jornada é o que conta, e isso vale para política e religião") e a relação com os críticos ("sobrevivi a todos").
Também dá sua opinião sobre figuras contemporâneas como os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), o papa Francisco, o guru bolsonarista Olavo de Carvalho, o YouTuber Felipe Neto e o pintor Romero Brito.
Também fala sobre Jesus: "mais politicamente incorreto, impossível".
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Você é essa figura global. Estamos em Genebra, você está no Guinness Book como o autor vivo mais traduzido no mundo e conversa com gente de toda parte. O que as pessoas têm perguntado sobre o Brasil ultimamente?
Paulo Coelho - As pessoas ficam muito constrangidas em perguntar sobre o Brasil. Elas não perguntam. Eu tenho que dar uma entrada para as pessoas perguntarem. Eles vêm e dizem: "Ah, pois é, você viu que ele ofendeu a primeira-dama francesa". Aí eu tenho que falar alguma coisa. Mas eu procuro evitar a conversa Brasil porque eu não posso no momento falar bem do meu país, e falar mal é muito chato.
BBC News Brasil - Você tem, por outro lado, se colocado pelo Twitter. Como você vê este momento no Brasil?
Paulo Coelho - Eu tenho 72 anos e nunca vi nada igual. Eu já vivi ditadura, democracia, muitas fases do Brasil, mas nunca vi o que está acontecendo agora. É um delírio. Necessitava (Howard Phillips) Lovecraft, um escritor de ficção científica, para descrever o Brasil. Fico muito triste com o que está acontecendo.
Uma coisa é certa: não se morre de tédio com a política brasileira, porque todo dia tem-se uma coisa nova. Por outro lado, francamente, o que é isso? Que é isso? O que o presidente brasileiro está fazendo para colocar o Brasil em tanta saia justa?
BBC News Brasil - Você fala de alguma situação específica?
Paulo Coelho - Tudo, tudo, tudo. Vai desde o aquecimento global às queimadas na Amazônia. Parece que o Brasil virou um Estado de negação. As pessoas negam a realidade. "Ah, vou me fechar aqui e não quero ver o que está acontecendo." Isso é muito triste. Veja, você tem um chanceler, Ernesto Araújo, que é um cara completamente despreparado. Não tem maturidade, não tem experiência, não tem nada que justifique a posição que ocupa. E o cara diz qualquer coisa. "Ah, eu fui à Itália, estava frio, então não tem aquecimento global". Meu amigo, um dos sintomas do aquecimento global é o frio (nota da redação: o processo de mudança climática inclui temperaturas mais extremas isoladamente e uma média maior de aquecimento no longo prazo. Clique aqui para ler mais).
Você tem um presidente que, no fundo, eu nem sei se está muito contente de ter sido eleito. É muito confortável estar na oposição. O Brasil está assistindo horrorizado ao esfacelamento daquilo que nosso país representava. Ou seja: Uma luz em um mundo que vivia em trevas.
BBC News Brasil - Você fez críticas ao presidente, ao chanceler. Você se preocupa de alguma maneira que essas críticas desagradem a parte dos seus leitores?
Paulo Coelho - Mas óbvio. Não, não. Preocupar é uma palavra muito forte. A essa altura, eu tenho um compromisso histórico e o compromisso histórico é não ficar calado. Eu tenho que falar. Vou perder leitores? Vou. Tenho perdido? Devo estar perdendo? Não sei. Eu não fico contabilizando isso. No Brasil. Mas, fora do Brasil, eu não acredito. Acho que todo mundo está olhando o Brasil neste momento com muita suspeita.
BBC News Brasil - Um assunto delicado, mas trazido por você mesmo recentemente frente a declarações do presidente Bolsonaro. Pode contar o que aconteceu no dia 28 de maio de 1974 - e nos dias que se seguiram?
Paulo Coelho - Bom, durante o governo militar eu era um louco. Nada mais aceitável do que ser um louco com 26 anos. Você tem que passar por um período de loucura para não ficar fazendo loucura depois. Então era tudo: sexo, drogas, rock'n roll. Era o "hipismo". E os militares achavam, como acham hoje em dia, porque o Brasil vive um momento também muito conservador, que tinham que entender tudo. Aí eles não entendiam as minhas músicas. Eles achavam: "bom, se está fazendo sucesso, se está todo mundo cantando, alguma coisa está errada". Quem são esses caras aí? Raul Seixas e Paulo Coelho. Alguma coisa está errada porque a gente não entende o que eles estão falando. Então, chamaram o Raul para depor. O Raul era o cantor. Como diz o Elton John, "Don't Shoot Me, I'm Only the Piano Player" (Não atire em mim, eu sou apenas o pianista). Mas a eminência parda, o cara perigoso, o ideólogo era o letrista. Então eles me prenderam. Agora, tem que justificar uma prisão. Não acharam nada.
Quando eu estava preso oficialmente, fichado, com impressão digital, meus pais conseguiram mandar um advogado. Aí eu falei para o meu advogado "olha, não aconteceu nada, está tudo bem". Aí, me soltaram no mesmo dia e me sequestraram em frente ao aterro do Flamengo. Me arrancaram do táxi, me jogaram na grama, me botaram a arma. Eu olhei para aquele hotel e disse "Putz, eu tenho 26 anos, vou morrer olhando o hotel Glória? Isso não é justo. Eu não estou pronto para morrer." Mas aí há um bloqueio, há um mecanismo de defesa que você simplesmente entrega ao seu destino. Acho que fiquei uns 20 ou 30 minutos (pensando) "Ah, tá. Já que eu vou morrer, eu vou morrer".
Aí, em um dado momento, quando cheguei ao centro de tortura, que só fui descobrir muito tempo depois que era na rua Barão de Mesquita, voltou o instinto de sobrevivência. Mas até lá eu estava entregue. Aí eu fui torturado, apanhei, essas coisas todas.
BBC News Brasil - Qual era a sua situação nesse momento?
Paulo Coelho - Eu estava de capuz, em uma cela. Não via ninguém. Apanhando, óbvio. Mas apanhar não é uma coisa séria. Mas quando eu olhei, debaixo do capuz, os caras tinham posto a máquina de choque. Eu já tinha levado choque feito doido, mas choque de doido não dói. (Nota da redação: Aos 20 anos, Paulo Coelho foi internado pela primeira vez pelos pais em um manicômio). Agora, aquele choque ali era para machucar, tá? Eu olhei assim e me assustei muito. Aí eu disse: "ah, deixa que eu me torturo". Lembrei da casa de saúde. Aí comecei a me lanhar. Enfiei as unhas no corpo e comecei a me arrebentar. E começou a sair sangue.
Os caras disseram: "é maluco". Aí a tortura diminuiu, aí no dia seguinte voltou. Eles queriam saber como estava a guerrilha na Bahia. Porra, meu amigo. Eu confesso! Como está a guerrilha? Eu assino aqui. O que você quer é que aquilo pare. Agora, a pior tortura não é aquela que te agride fisicamente. A pior tortura é a psicológica.
Então, eles me botaram numa coisa chamada geladeira. É uma caixa, de 3x3, estou chutando, a porta hermeticamente fechada. Um ar condicionado. Você está nu. Eu estava nu o tempo todo. Só com capuz. Tortura é uma coisa que é uma violência total. Essa geladeira, é uma coisa que eles não me tocavam. Me fechavam lá dentro, botavam aquele ar condicionado tremendamente frio, e era tudo escuro, pintado de preto. Você não tem mais nenhuma sensação.
BBC News Brasil - Noção de tempo?
Paulo Coelho - Noção de tempo, distância, nada, você só tem um frio congelante. Ali eu pirei. Acho que o pior momento da tortura foi o tempo que eu passei na geladeira. Porque eu disse "estou enlouquecendo, estou enlouquecendo". Até então eu era um maluco beleza. Um cara que fez minhas loucuras, da minha juventude. Mas ali eu estava virando louco mesmo. Estava perdendo a minha capacidade de pensar. Não sabia se era reversível ou não.
Aí foi isso. Quando eu saí da prisão, saí como entrei. Sem explicação. Nunca fui processado, nunca fui ao Tribunal Militar. Nada. Fui preso em maio, fiquei preso até junho. Você perde a noção de data.
Mas aquele medo fica. Aquele terror fica.
BBC News Brasil - Li histórias de que ser preso acabava virando um estigma, porque as pessoas ficam com medo de se aproximar, ou se associar.
Paulo Coelho - Todo mundo. O meu próprio parceiro na época, o Raul, não deu mais notícias. Não atendeu meus telefonemas. Os meus amigos sumiram. Porque ser visto com um preso... E isso existe até hoje. Se esse cara foi preso... Alguma coisa tem de errado, então é melhor não ser visto com ele, podem estar fotografando...
O Brasil vivia um clima de terror. Para o qual está se encaminhando eu acho agora. O Brasil está totalmente polarizado e eu acho que as coisas infelizmente estão caminhando para o mesmo clima de terror. Você já não diz o que pensa. Nem na família. Não é porque vão te prender, torturar ou bater. É porque as pessoas perderam completamente a capacidade de diálogo. Ou você é a favor, ou é contra. Não existe conversa. E a mesma coisa naquela época.
BBC News Brasil - No seu livro Hippie, você diz que a gente precisa fazer as pazes com o passado para não destruir o presente. Em O Aleph, você diz que o passado é um bom lugar a se visitar, mas não um bom lugar para se viver. Em 2013, você tuitou - visite a sua alma, não visite o seu passado. Por que agora é importante trazer esse passado agora?
Paulo Coelho - Porque é um presente. Não é um passado. Eu, por exemplo, se fosse visitar meu passado, não escrevia mais. Escrevi durante tanto tempo, escrevi tantos livros, graças a Deus, sucesso no mundo inteiro. Estou com 325 milhões de livros vendidos até junho. Isso significa, tomando uma média de três leitores por livro, quase um bilhão de pessoas lendo os meus livros. Então, se vou visitar isso, eu não escrevo mais. Primeiro, fico paralisado pelo medo desses leitores, do que eles querem ou deixam de querer. Pô, o meu prazer é escrever. É isso que eu gosto e é isso que justifica a minha existência.
Caramba, eu poderia estar vivendo só de música e de memórias. Aquele cara chato que chega no bar "Ah, eu fiz uma música. Gita. (Paulo Coelho cantarola) "Eu sou, a luz das estrelas..." E o cara: "Ah, já sei qual é, já ouvi". Viver no passado é um perigo, é mortal.
Agora, se o passado se repete no presente, já não é mais passado, é presente.
BBC News Brasil - Ainda sobre esse passado que reaparece: a censura é outro tema que voltou à tona com o episódio da Bienal. E você citou no Twitter seu livro 11 Minutos, que fala sobre sadomasoquismo, prostituição, e estava ali exposto sem ser recolhido.
Paulo Coelho - É, eu sugeri que censurassem meu livro porque é um livro sobre prostituição. Curiosamente, e o meu segundo livro mais vendido.
Os caras não têm muita noção de nada. Eles vão pelos trending topics do Twitter para ver o que está acontecendo. Eu disse ao meu editor lá no Brasil: "Põe aí bem visível, quero ver se eles vão pegar. Se pegarem, eu vou criar um problema mundial'. Não pegaram.
Acredite se quiser: mesmo durante a ditadura, com todas essas músicas, eu sendo considerado um subversivo potencial, porque eles não tinham nada para provar contra mim, eu só tive uma música censurada. Que se chamava Óculos Escuros. Eu troquei o título e botei um que não tem nada a ver que diz Como Vovó já Dizia, mandei para a censura e passou. Não existia a menor lógica na repressão.
BBC News Brasil - O Felipe Neto fez aquela ação de comprar todos os livros e distribuí-los. Você chegou a elogiar inclusive.
Paulo Coelho - Não só elogiei, senti uma certa inveja positiva. Disse: porra, o cara teve essa ideia e eu não tive. Eu disse, porra, eu queria ter tido essa ideia. Mas aí ele começou a ser ameaçado. E eu resolvi me posicionar para que a pessoa seja defendida. Na época da repressão, digo no governo militar, quando as pessoas eram presas, elas eram agarradas na rua, sei lá, em qualquer lugar, e elas tinham que gritar o nome para que todo mundo soubesse que a pessoa estava sendo presa. Porque uma vez que as pessoas sabem, isso já é um escudo de proteção. A mesma coisa valia para o Felipe Neto. Não vamos deixar que as coisas sejam assim, não. Além do mais, o Twitter é uma falsa caixa de repercussão porque existem as milícias virtuais e você nunca sabe o que é real. Eu posto uma coisa e eu não leio comentário, porque a maioria é robô.
BBC News Brasil - Ainda sobre o Twitter, você postou uma frase do Bolsonaro dizendo várias vezes que é ele quem manda. "Sou eu quem manda, sou eu quem manda".
Paulo Coelho - É, era para o Moro! (Risos)
BBC News Brasil - Exato. Você pergunta se Moro entendeu bem. Qual era o recado?
Paulo Coelho - O Bolsonaro é quem manda! O Bolsonaro tem isso, ele é um capitão, tem educação militar e tem esse senso de hierarquia. Você, se fizer alguma coisa errada, quem manda sou eu. Você vê que há um conflito entre Moro e Bolsonaro desde que Moro entrou para ser ministro da Justiça, contra o conselho de várias pessoas. Mas quem manda é Bolsonaro.
BBC News Brasil - E qual é o seu conselho ao Moro?
Paulo Coelho - Eu não tenho conselho ao Moro. O Moro não faz parte do meu universo. Moro é uma pessoa que eu não entendo muito bem, sabe? Eu vi agora os desmandos da "Vaza Jato". Esse sim que é um cara corajoso. O...
BBC News Brasil - Glenn Greenwald?
Paulo Coelho - Esse cara é um ícone para mim. Ele está lá, está falando tudo aquilo e desmascarando uma coisa que você diz "Ah, vamos fazer isso porque está certo". Voltando a Maquiavel: "Ah, os fins justificam os meios". Não justificam.
Vamos usar um exemplo concreto. Santiago de Compostela, eu fiz em 1986. Eu demorei 56 dias, a média é 30. Eu ficava o tempo todo no começo querendo chegar a Santiago de Compostela. Quando cheguei, foi um anticlímax. Acabou. E agora?
A jornada é o que conta. É o que é importante, né? E isso vale para política, para religião, vale para tudo. É o processo que vai te deixar em paz com a vida ou de mal com a vida, e não aonde você vai chegar. Porque nós vamos chegar todos a um mesmo lugar chamado morte.
BBC News Brasil - Outro dia você disse que "antigamente as paredes tinham ouvidos e que agora os ouvidos têm paredes". Você estava falando sobre polarização, fake news... É isso?
Paulo Coelho - Acho que hoje em dia se criou um universo completamente artificial e existe uma mudança irreversível. Não adianta dizer que a comunidade social está criando isso ou aquilo. Mas hoje em dia você consegue se aproximar da sua tribo, seja ela de luz ou de trevas, e entende que não está sozinho. Quando você entende isso, aquilo te cria uma barreira em torno. E acabou. Você tem lá seus 10 amigos que compartilham da ideia de que a Terra é plana, que os ETs estão lá na Área 51 dos EUA e pronto.
BBC News Brasil - A gente está emburrecendo por isso?
Paulo Coelho - Eu não sei se a gente está emburrecendo, eu não sei se a gente sempre foi burro, eu não sei se eu sempre acreditei em coisas que queria acreditar. Óbvio, não vou acreditar que a Terra é plana. Mas eu acredito em extraterrestres. E muita gente não acredita. Eu acredito em Deus. E tem gente que pensa que Deus não existe. Então, você é você e a maneira como vê o mundo.
Eu, como todas as pessoas da minha geração, namorei o comunismo. Eu queria visitar os países comunistas. E já era muito difícil. Conseguimos, eu atravessei o muro de Berlim, e o cara me perguntou "Quanto dinheiro você tem?". Digo: "Tenho em torno de 4 mil dólares", vamos dizer. Aí o cara diz "Não, exatamente, os trocados". Eu disse, tá bom. Sentei com minha mulher e começamos a contar as moedas. E passavam outras pessoas que moravam da DDR, na Alemanha Oriental. E aí eu comecei a ver a humilhação que eram as pessoas que chegavam.
Fomos para a DDR, para a República Tcheca, Romênia, Hungria. E era tudo cinza. Tudo triste. As pessoas eram infelizes. Eu disse, porra, é isso que eu estou defendendo? Nem defendendo, eu não era um cara atuante. Era um simpatizante. Eu disse "Não, isso não está com nada". É muita repressão e... estou fora.
BBC News Brasil - Em 2016, em abril, você disse em um texto: "Fui petista, fiz campanha, me decepcionei, resisti o quanto pude às constantes desilusões, incompetência, etc. Mas chegou um dia em que eu disse basta". E aí, há pouco tempo, você disse que pode amar o seu país, mas você deve...
Paulo Coelho - Você pode amar o seu país e desprezar o seu governo. Eu flertei com o PT. Mais do que flertei. Eu fiz campanha, eu fui apoiar nas Olimpíadas, apoiei a Copa do Mundo. E aí eu comecei a ver que era uma coisa que não estava levando a lugar nenhum. Não digo que os resultados dos governos Lula não foram bons, mas da Dilma já não foi. Já é uma coisa meio falsa.
Não sei. Aí eu disse: "Ah, não, estou fora do PT."
BBC News Brasil - Você tem essa frase de você deve amar seu país, mas desprezar seu governo. Você é um cara desiludido com a política?
Paulo Coelho - Boa pergunta. Eu não sei te responder. Eu acho que o mundo vem do seu momento auge, a Acrópole, Atenas, de onde vem a palavra "política", onde as pessoas realmente discutiam. Aí depois se criou uma casta e depois essa casta se julgou no dever de ditar o que a gente pensa. "Ah, mas seria Anarquia!". Eu não acredito.
Acho que se todo homem tivesse o poder de interferir no seu país e no seu governo nós teríamos um Congresso, um Executivo, um Judiciário, que é um poder muito importante, mas nós teríamos uma voz popular muito importante. Então eu acho que infelizmente nós caminhamos para a consolidação dessa casta política. Acho que a política tem que passar por uma reforma muito grande.
BBC News Brasil - Essa discussão sobre a desilusão com os políticos, a descrença com o político tradicional é algo que está em voga e, por exemplo, teria ajudado a eleger figuras como Donald Trump, nos EUA, ou, no Brasil, o João Doria, que vem do mercado, ou no Rio de Janeiro o Wilson Witzel, que é um juiz. Como vê esse fenômeno?
Paulo Coelho - Aí é que está. Quando não se oferece alternativas concretas, você parte para coisas que terminam dando no Bolsonaro. O cara acredita que o nazismo é de esquerda, meu amigo. "O nazismo é de esquerda..." Os judeus ficaram chateadíssimos com esse comentário.
BBC News Brasil - Você falou hoje sobre uma tristeza sobre o Brasil de hoje, uma série de preocupações que você tem. Queria saber o que ainda te dá orgulho no Brasil.
Paulo Coelho - O povo. O povo. O povo. Eu espero que esse povo não seja contagiado com o que está acontecendo. Embora, no momento, você veja que as pessoas estão ficando muito radicais. Muito. O evangélico já não tolera o católico, o cara de esquerda não tolera o de direita, o de direita odeia todo mundo. Você vê nas biografias do Twitter. "Fulano de tal ferrenho anticomunista". De onde esse cara tirou que é anticomunista? O que ele acha? Que o Brasil vai ser de repente invadido por hordas de soviéticos que estavam ocultos na Amazônia, depois que queimarem sai aquele bando de soviéticos para atacar o Brasil, todos com aquela estrelinha vermelha? Comunismo não existe mais. Nunca existiu, existia um regime soviético horroroso.
Aí eu digo, que é isso, porque as pessoas falam isso? Ah, porque as pessoas precisam de uma bandeira para defender. O cara vai lá e tem a bandeira anticomunista. Podiam inventar uma coisa melhor, mais moderna. "Antipoluição". Mas o cara é anticomunista porque sofreu ali uma lavagem mental. Esse anticomunismo é muito recente, é da eleição do Bolsonaro para cá. Todo mundo da direita virou anticomunista.
Na Academia Brasileira de Letras eu fui eleito na vaga de um ícone da direita, que era o Roberto Campos, que eu atacava enquanto estudante. E o Roberto Campos tem uma frase muito boa. Ele diz que "A violência da flecha dignifica o alvo". Então, quando é atacado com muita violência, de alguma maneira aquele ataque te dignifica. Ou te mata ou te faz viver, mas ao menos você é dignificado. Não há nada pior do que ignorar.
BBC News Brasil - O termo guru já foi muito usado para descrever você e é algo que você rechaça. Hoje esse termo voltou à tona e vem sendo muito usado para descrever outro escritor, o Olavo de Carvalho. Queria saber se você já o leu e o que acha dele?
Paulo Coelho - Não, não li e não tenho opinião. Não é uma coisa que entra no meu universo.
BBC News Brasil - E porque a ideia de guru incomoda?
Paulo Coelho - A mim? Porque guru é um cara que mostra o caminho. Eu sempre fui a favor de que cada um de nós saiba o caminho que deva seguir. A vida nos dá todas as ferramentas, faz a gente encontrar as pessoas certas, no momento certo, o problema é reconhecer.
BBC News Brasil - Sobre religião e espiritualidade. Você é um cara que se reconciliou com o catolicismo, depois de experimentar outras filosofias e religiões. Hoje, estima-se que na próxima década o Brasil deve se tornar um país de maioria evangélica, protestante.
Paulo Coelho - Eu acredito que sim.
BBC News Brasil - Queria saber como vê esse fenômeno.
Paulo Coelho - Bom, cada um tem direito de escolher, não é? Eu acho que religião é uma coisa de foro íntimo. Sou católico, tenho uma grande admiração pelo protestantismo. Eu acho que cada um tem sua escolha, sobretudo nessa área. Essa coisa "Ah, paga dízimo". E daí, meu amigo? A pessoa paga dízimo, o cara que lê meu livro paga direito autoral, alguém paga a BBC...
O problema é a radicalização. O cara invadir uma bienal em nome dos costumes. Cristo era um cara mais politicamente incorreto, impossível. Vivia cercado de mulher. Bebia. O primeiro milagre dele, nas bodas de Caná, ele transforma água em vinho, não vinho em água. Se cercava dos piores elementos, do cobrador de impostos, Matheus, dos pescadores. Amaldiçoava a elite da época. Por exemplo: ele passa por uma figueira, ele olha, a figueira não dá figo para ele porque não é época. Ele amaldiçoa a figueira! Então é um cara que eu adoro, porque é uma pessoa feito todos nós.
Agora, a leitura da Bíblia são outros quinhentos. As pessoas leem o que elas querem. E isso está gerando um fanatismo. E o Brasil infelizmente pode caminhar para um conservadorismo cultural.
BBC News Brasil - A gente está perto do Sínodo da Amazônia, essa grande reunião de bispos no Vaticano, e o Brasil vai acabar sendo assunto por lá. Lembro que você não gostava de Bento 16. Queria saber sua impressão sobre o Papa Francisco.
Paulo Coelho - Muito boa. Muito boa. Eu estou pensando se vou ou não ao Vaticano agora, porque vai ser canonizada agora uma santa que me deu de comer chamada irmã Dulce. A primeira santa brasileira. Eu estava mendigando na Bahia, eu tinha fugido de casa, e ela me deu de comer. Hoje em dia, graças a Deus, a gente ajuda aos hospitais dela, a gente tem uma fundação que ajuda algumas coisas, entre as quais algumas unidades dos hospitais da irmã Dulce.
Penso se vou ou não, estou nessa fase de preguiça, para encontrar o papa. Porque eu já recebi sinais de que ele gostaria de encontrar comigo também.
BBC News Brasil - Você o vê fazendo um trabalho interessante?
Paulo Coelho - Vejo um trabalho muito interessante. Que as pessoas atacam, mas as pessoas atacam tudo. Atacar é livre. Fazer o trabalho que é difícil.
BBC News Brasil - Você é o único escritor que eu já vi na vida defendendo a pirataria dos próprios livros. Por quê?
Paulo Coelho - Claro.
BBC News Brasil - Por quê?
Paulo Coelho - Eu defendo a pirataria porque tem gente que não tem dinheiro ou acesso à livraria. Agora mesmo a gente mandou containers de livros para a África. Na África, não existem muitas livrarias, mas existe o celular e as pessoas podem baixar. Então, baixa pirata.
E depois, ao contrário do que as pessoas pensam, o mundo não é ganancioso. As pessoas respeitam quando você é generoso. Eu respeito quando são generosos comigo. Então, não vivo na defensiva. Nem com direitos autorais, nem com relação a nada. Acredito na maldade e na bondade humana.
BBC News Brasil - Como acha que você vai ser descrito no futuro nos livros de história e literatura? Que lugar você acha que vai ocupar lá para frente na nossa literatura?
Paulo Coelho - Não tenho a menor ideia e não é uma coisa que me preocupa.
Eu me lembro que no começo diziam que eu ia durar 3 anos, que era moda. Eu estou ocupado com o aqui e o agora. Uma coisa seja dita: eu, Paulo Coelho, sobrevivi a todos os meus críticos. Eles simplesmente sumiram, desapareceram. Mas eu continuei e continuei porque não tentei agradá-los. Eu nunca tentei agradar ao crítico. Eu sempre fui absolutamente consciente do que eu queria fazer e continuei fazendo e sobrevivi aos críticos.
BBC News Brasil - Lembrei de uma frase sua: você inclusive compara os críticos aos eunucos. Qual é a frase do harém?
Paulo Coelho - Crítico é que nem eunuco de harém. Vê fazer, sabe a melhor maneira de fazer, mas não pode fazer porque não tem material necessário. Então, o crítico é o cara que, coitado, não deu para nada e vai ser crítico.
A história está cheia de exemplos de gente que foi pisada. Isso vai desde Richard Wagner, o compositor, até o que se faz com o Romero Britto hoje em dia no Brasil. O Romero Britto é um fenômeno mundial e também não liga para crítica.
Se o meu trabalho vai ficar ou não vai ficar, eu espero que fique, óbvio. A literatura está passando por várias mudanças, então vamos ver.
BBC News Brasil - Você é um cara que chora? Qual foi a última vez?
Paulo Coelho - Eu choro muito. Não me lembro a ultima vez, deve ter sido ontem, eu vi um documentário e chorei. Eu acho a lágrima um dom. Um dom. Ela expressa. Eu não choro de raiva, nunca, mas choro de emoção.
Eu nunca posso ter como garantido o que aconteceu comigo. Então tem que estar sempre reverenciando esse milagre. E reverenciar esse milagre é fazer alguma coisa seja por mim, seja por meu semelhante.
Quando eu doei meus livros, era na língua dos colonizadores. O francês e o inglês. Você começar a ver seus livros surgindo em línguas locais, suaíli, iorubá... Que prêmio maior existe para o escritor? Que seu trabalho viaje, que sua alma seja compreendida. No fundo, se escreve para isso.
BBC News Brasil - Você também se emociona com música? Pensando no Paulo Coelho roqueiro, parceiro do Raul, compunha para Elis, Rita Lee... A música ainda emociona ou o rock morreu?
Paulo Coelho - A música é sempre geracional. Eu escuto o que escutava quando tinha 26 anos. Eu não evoluí. Nem eu e nem ninguém. Você fica naquela fase e pronto, e ouve aquilo várias vezes. Eu escuto o que escutava, desde Led Zeppelin, a Chitãozinho e Xororó, ou Raul Seixas, ou Roberto Carlos. Antigos.
Ricardo Senra e Elisa KriezisEnviados da BBC News Brasil a Genebra