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quarta-feira, 27 de março de 2024

Como o Ceará se tornou o primeiro lugar do Brasil a abolir a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea



Pintura do século 19 mostra escravizadas trabalhando

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL

Legenda da foto,

Pintura do século 19 mostra escravizadas trabalhando

  • Author,Edison Veiga
  • Role,De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

Um dos principais teatros do Rio de Janeiro de 140 anos atrás, o Polytheama Fluminense, teve uma noite histórica em 25 de março de 1884. Foi quando se ouviu primeira vez, a marcha para orquestra Marselhesa dos Escravos, "numa festa em honra ao Ceará livre" — conforme registrou o antigo jornal Rua do Ouvidor, em uma edição comemorativa ao movimento abolicionista.

A música foi composta e regida por Antônio Cardoso de Menezes (1848-1915), um dos mais renomados musicistas do período conhecido como segundo império brasileiro.

Eram os ecos de um acontecimento histórico ocorrido naquele mesmo dia a cerca de 2,5 mil quilômetros da capital do país: na então província do Ceará estava extinta a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea decretar o fim desse regime de trabalho forçado em todo o território nacional.

A declaração coube ao médico e político Sátiro de Oliveira Dias (1844-1913), então presidente da província. De acordo com informações do Senado, ele teria dito que "para a glória imortal do povo cearense e em nome e pela vontade desse mesmo povo, proclamo ao país e ao mundo que a província do Ceará não possui mais escravos".


Reverberou a notícia não só localmente. Um dos mais importantes nomes do movimento abolicionista, o farmacêutico e jornalista José do Patrocínio (1853-1905) estava em Paris e enviou uma carta ao escritor Victor Hugo (1802-1885), participando a ele a novidade. A carta de resposta do francês afirmava que a iniciativa cearense era um sinal de que "a barbárie recua e a civilização avança".

"O grande significado, o maior impacto [do fato ocorrido no Ceará] foi ter efetivamente começado, ter sido a primeira abolição do Brasil. Logo depois veio no Amazonas [em 10 de julho do mesmo ano] e isso mostrava que era um caminho que se fortalecia", analisa à BBC News Brasil a historiadora Martha Abreu, professora na Universidade Federal Fluminense e pesquisadora na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

"O movimento abolicionista estava ganhando os seus primeiros resultados e o país já não era só escravista", acrescenta ela. "Foi uma vitória simbólica e política que teve enorme repercussão, animando o movimento abolicionista."


Professor na Universidade Estadual Paulista, o historiador Paulo Henrique Martinez enfatiza que, após o ato, "o fim do trabalho escravo se tornava uma realidade econômica e social concreta" no Brasil.

"Uma opção política sem riscos para os grandes proprietários rurais que tinham investido recursos na aquisição e manutenção de cativos", diz ele, à BBC News Brasil.

Ele também destaca o "efeito multiplicador" do ocorrido, algo buscado pelas campanhas abolicionistas. "A abolição mostrava-se como o resultado de ações efetivas, de uma campanha ativa e dinâmica, impulsionada pela sensibilização e o engajamento da opinião pública e pela mobilização de maior apoio político e social", afirma.

"Este foi o primeiro êxito coletivo, ultrapassando as vitórias alcançadas em situações individuais, localizadas e de pequenos grupos, como o apoio clandestino a fugas, a compra de alforrias ou iniciativas humanitárias e piedosas de senhores de terras e proprietários de cativos em áreas urbanas."

Pesquisador no grupo Intelectuais e Política nas Américas, da Universidade Estadual Paulista, e professor no Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, o historiador Victor Missiato situa a abolição no Ceará como "um marco dentro de um movimento amplo pelo fim da escravidão".

"Representa um marco político institucional, para além de um marco cultural, social e histórico", avalia ele, à BBC News Brasil. "Marca o início da abolição e isso ocorra dentro das instâncias representativas, dentro de um império que não estava mais tão centralizador como antes."

Missato atenta para o fato de que o ato denota que havia "uma flexibilidade provincial" e uma certa "autonomia provincial" dentro do império.

“É interessante pensar e falar sobre esse momento porque a gente fala sobre a abolição longe de uma perspectiva do episódio. Tratar o 13 de maio de 1888 [data da Lei Áurea] como um raio no céu azul é bastante complicado porque não é isso, [a abolição] é consequência de um acúmulo de lutas de atores diversos, de sociedades”, argumenta à BBC News Brasil o historiador Vitor Hugo Monteiro Franco, autor do livro Escravos da Religião e pesquisador na Universidade Federal Fluminense.

“São essas pessoas que conduzem a abolição e não uma canetada da princesa Isabel. Perceber a abolição mais como um acúmulo de lutas do que como um episódio isolado é sempre muito bem-vindo e interessante”, defende ele.

Pouca dependência econômica da escravidão

Ilustração mostra escravizados trabalhando no séc 19

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL

Mas é preciso analisar o contexto da província cearense para entender como e por que esse marco institucional ocorreu lá. E a primeira razão que explica esse pioneirismo está não exclusivamente nas pressões sociais, mas também no viés econômico.

"Uma das razões é que em 1872 os escravos eram apenas 4% da população do Ceará, e esse percentual foi diminuindo em razão da venda de escravos cearenses para as regiões cafeeiras de São Paulo", explica o historiador Renato Pinto Venancio, professor na Universidade Federal de Minas Gerais e autor de, entre outros, Cativos do Reino: a circulação de escravos entre Portugal e Brasil.

"A grande seca dos anos 1877-1879 [na região] acelerou esse processo de venda de escravos para outras regiões", salienta ele. "Em outras palavras, no início da década de 1880, a classe dominante local não dependia mais economicamente dos escravos."

Abreu concorda. "Precisamos ver que a escravidão negra não era o carro chefe da mão de obra no Ceará, não era fundamental para o movimento econômico de lá. Havia muitos trabalhadores já libertos, muitos indígenas escravizados ou não, então há uma importância não tão grande da mão de obra escrava negra, o que faz não haver uma classe senhorial que se agarrasse na escravidão como se aquilo, caso acabasse, representasse a sua morte", lembra a historiadora.

"A dinâmica econômica naquela província, por um lado, foi revelando a obsolescência e a inviabilidade da mão de obra cativa e, por outro, a organização e atuação de associações e de líderes abolicionistas e que assumiu, naquelas circunstâncias, dimensões e eficácia política singular", diz Martinez.

"A excepcionalidade do que aconteceu no Ceará é testemunha dessa circunscrição ao contexto regional e cearense pois o fato não se repetiu em nenhuma outra província do Império."

Missiato lembra do contexto abolicionista brasileiro, sobretudo depois de leis restringindo e, depois, proibindo o chamado tráfico negreiro, ou seja, a chegada de novos escravizados, pelo Atlântico, diretamente da África.

Isto acabou intensificando um comércio interno de escravizados. E o nordeste se tornou um grande fornecedor para o sudeste, onde a cafeicultura ia crescendo e absorvendo mais mão de obra.

"Com o café já deslocando o centro do poder econômico do país para o sul, muitos escravos começam a sair da região nordeste por meio do tráfico interno", comenta. "É um contexto que deixou o número de escravos ao norte muito reduzido."

Especificamente no Ceará, isso era ainda mais intenso. "Porque ali, historicamente, a agricultura de cana de açúcar não era a única grande produção econômica. Havia pecuária, circulação comercial e atividades que não exigiam tanto a mão de obra escrava. Além disso, a presença indígena era muito forte", analisa ele.

Movimento abolicionista

Pintura mostra um mercado de escravizados no século 19

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL

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Pintura mostra um mercado de escravizados no século 19

Contudo, o contexto social, político e histórico também não pode ser negligenciado. A luta de parte da sociedade pela abolição era grande em diversos pontos do país — e o Ceará fazia parte desse movimento.

"Havia no Ceará a partir de 1850 um movimento político intelectual muito forte, com impacto na opinião pública e uma incipiente sociedade civil, que lutava pelas ideias abolicionistas e absorviam as ideias que vinham de fora", diz Missiato.

"A conjuntura do movimento abolicionista era uma realidade no Brasil", acrescenta Abreu.

"E, principalmente a partir dos anos 1880, tinha ramificações em todas as grandes cidades. Estava enraizado nos setores intelectuais, entre os letrados. Era um movimento urbano, artístico e social muito importante, junto a irmandades negras e associações de trabalhadores."

O historiador Martinez ressalta a participação da elite.

"Convém lembrar que a base social do abolicionismo no Ceará contou com representantes de grupos econômicos poderosos, os seus contatos no Rio de Janeiro, acesso e influência parlamentar na Assembleia do Império", pontua.

"No início da década de 1880 surgiram agremiações de abolicionistas na província. Em 1882, José do Patrocínio participou de atos e encontros pelo fim da escravidão no Brasil. Em 1883, foi criada a Confederação Abolicionista com a finalidade de coordenar campanhas e ações em todas as províncias do Império. A Sociedade Abolicionista Cearense integrou o agrupamento de entidades associativas que esteve na origem desta Confederação."

Jangadeiros

Houve nessa província um antecedente importante da luta. Por isso, Venancio atenta que, "apesar dessas condições estruturais favoráveis", não pode ser esquecido o papel do movimento abolicionista no episódio de 1884. "Ele [o abolicionismo] existiu no Ceará e inclusive teve apoio popular, como no caso dos jangadeiros", afirma.

Abreu comenta que os jangadeiros "foram um grande exemplo" do movimento abolicionista naquela região.

Em janeiro de 1881, os jangadeiros que atuavam no Porto de Fortaleza decidiram fazer uma greve, fechando o porto ao tráfico de escravizados. A ação foi liderada pela Sociedade Libertadores Cearense. Até 1884, esse movimento teve altos e baixos, inclusive com confrontos entre os militantes e a polícia.

Os ânimos só começaram a ser apaziguados quando Sátiro Dias assumiu o governo da província, em 1883. Simpático às ideias abolicionistas, ele passou a dialogar com os grevistas e, claro, a extinção da escravidão no Ceará acabou sendo a hábil solução do político.

Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará em 1884: articulação nacional

CRÉDITO,ACERVO BIBLIOTECA NACIONAL

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Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará em 1884: articulação nacional

Repercussão

"Uma medida dessas [a abolição cearense] soltou a chama da liberdade, que se espalhou pelo país inteiro, ainda que naquela época as notícias demorassem um pouco mais para serem conhecidas", afirma à BBC News Brasil o advogado Humberto Adami, presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão da Ordem dos Advogados (OAB) do Brasil no Rio de Janeiro, vice-presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escradião Negra do conselho federal da OAB e presidente da Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros.

"A primeira notícia de abolição da escravidão acabou fazendo com que seguidores dessas ideias seguissem lutando por elas", complementa.

A historiadora Abreu lembra que, nesse momento, havia uma verdadeira rede de abolicionistas, com intercâmbio de informações. "E o Ceará acaba ganhando uma projeção enorme", ressalta ela.

"Foi o primeiro rompimento da ordem escravista nacional. Saiu em todos os lugares. Teve comemorações em Londres e Paris, afinal a rede abolicionista era internacional. O Ceará passou a fazer parte, junto a outros locais, dessa evidência do fim da escravidão. Quanto mais territórios livres houvesse no mundo, melhor", analisa.

Venancio comenta que "a recepção da abolição do Ceará na corte" foi "muito positiva e acelerou a adesão ao abolicionismo".

"Os protagonistas e as ações verificadas no Ceará foram saudados e aclamados pelos dirigentes e participantes nas campanhas pela abolição em diferentes cidades, jornais e pronunciamentos públicos, sobretudo no Rio de Janeiro. O líder dos jangadeiros que promoveram o boicote ao desembarque de cativos no porto de Fortaleza, posteriormente, foi recebido e festejado no Rio de Janeiro, proporcionando aglomerações e animando discursos, artigos, conferências e conversas nas ruas, teatros e salas de visitas", enumera Martinez.

"O debate sobre o tema e os rumos a serem seguidos para abolir a escravidão em todo o Império adquiria presença e crescente visibilidade pública. Nos gabinetes ministeriais, nos discursos parlamentares, nos tribunais, nos círculos de negócio e do comércio as opiniões, críticas e argumentos sobre a abolição eram aventadas e discutidas abertamente, sendo incorporadas à agenda política até a Lei Áurea, em 1888."

Segundo o historiador, a busca de uma solução política a curto prazo se tornou urgente, porque era preciso espantar "o temor da participação popular e da autonomia que adquiriram o protesto negro e a revolta dos cativos nas fazendas". "Ainda que as resistências a ela tenham sido duras e persistentes nos quatro anos seguintes aos episódios no Ceará", pondera ele


Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 24 de março de 2024

Populista ou popular? Quem foi João Goulart, presidente derrubado pelo golpe militar de 1964


João Goulart durante entrevista no Rio de Janeiro

CRÉDITO,ARQUIVO PDT

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Populista, comunista, de esquerda, popular? Quem foi Jango, o presidente derrubado pelo golpe militar de 1964, que completa 60 anos

  • Author,Vinícius Mendes
  • Role,Para a BBC News Brasil

Quem escutava rádio na tarde de 25 de agosto de 1961 foi surpreendido, de repente, com um boletim fora de hora do Repórter Esso, principal noticiário do país à época.

Não era trivial, dada a importância do acontecimento: "o senhor Jânio Quadros acaba de renunciar à Presidência da República!".

Seu vice-presidente, João Goulart, de quem, aliás, era adversário político, só saberia da notícia no dia seguinte, em Cingapura, aonde chegara após uma longa viagem pela China.

Começaria ali um périplo de 12 dias até que João Goulart – ou Jango, como era chamado desde a infância – saísse do país asiático e fosse empossado presidente do Brasil. Nesse intervalo de duas semanas, enquanto o cargo máximo da República titubeava na capital do país, Jango girou parte do mundo esperando uma definição



"Se tratando de um líder trabalhista combatido pelos conservadores militares e civis desde os anos 1950, e ainda voltando de uma viagem a um país comunista, era esperada uma reação das Forças Armadas", contextualiza seu biógrafo mais famoso, o historiador Jorge Ferreira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em João Goulart: uma biografia (Record, 2011)


"Foi uma reação golpista, acima de tudo, porque ele tinha o direito constitucional de assumir o cargo", continua Ângela de Castro Gomes, professora emérita do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), lembrando que, naquela época, a vice-presidência era um cargo eletivo – e que, no pleito de 1960, Jango ganhara de Milton Campos, candidato da chapa de Jânio, com 41% dos votos.

No Brasil, essa reação havia começado, na verdade, horas depois da renúncia de Jânio Quadros, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, tomou uma posse provisória do governo anunciando que, se Jango voltasse ao Brasil, seria preso ainda no aeroporto – mesmo sem nenhuma acusação formal. Antes de ser dele, aquela era uma decisão da junta das Forças Armadas que, no pano de fundo, assumira o comando do país, e que quase impetrou o golpe militar três anos antes de se consumar


De Cingapura, o ainda vice-presidente brasileiro voou para Paris, na França, onde convocou uma entrevista coletiva para confirmar seu regresso.

"Pelos dispositivos constitucionais do meu país, considero-me o novo presidente do Brasil", afirmou. Depois, porém, foi a Nova York, nos EUA, esperar os desdobramentos do seu anúncio.

No Brasil, a divisão se acirrava primeiro nos bastidores e, depois, nas ruas. Em Porto Alegre, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, reuniu chefes militares locais em torno de um movimento que ficaria conhecido como "Campanha da Legalidade" e que, como diz o nome, reforçava o rito legal sobre a posse de Jango.

Em paralelo, protestos convocados por sindicatos e movimentos sociais irrompiam em favor do ainda vice-presidente em São Paulo, em Pernambuco e no extinto estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro.

"A sensação era de que ia explodir uma guerra civil", diz o historiador Rodrigo Patto Sá, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor de vários livros sobre aquela época – entre eles, Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar (Cia. Das Letras, 2021).

"Foi quando as vozes da moderação – que sempre surgem no Brasil – entraram em cena."

Manifestação popular durante a Campanha da Legalidade liderada por Leonel Brizola em 1961

CRÉDITO,ACERVO ÚLTIMA HORA

Mesmo diante dos riscos, Brizola era a única alternativa segura para a volta de João Goulart ao país. Assim, de Nova York, ele foi a Buenos Aires, na Argentina, e depois a Montevidéu, no Uruguai, por onde finalmente penetrou o território brasileiro em um avião alugado às pressas pelo governador gaúcho.

Nesse interim, os militares iam costurando, tensos, um acordo político com os partidos no Congresso, admitindo a posse desde que ela acontecesse dentro de um novo desenho institucional: o parlamentarismo. "Aquilo foi um arranjo para evitar a guerra, mas os envolvidos sabiam, mesmo os opositores do Jango, que não ia funcionar por muito tempo. O sistema nasceu morto", avalia Patto Sá.

"Era a saída mais honrosa para eles", prossegue Jorge Ferreira. O historiador conta como o ainda vice-presidente relutou, mas, ao fim de uma longa negociação conduzida por um político mineiro sem cargo à época, Tancredo Neves, que viajara a Montevidéu representando Mazzilli, acabou por aceitar a proposta.

Ele fez uma rápida escala em Porto Alegre para acenar ao povo nas ruas e, então, voou a Brasília – onde, em paralelo, os deputados ratificavam o combinado e tornavam o governo do Brasil parlamentarista.

Jango ficaria no poder, oficialmente, até o primeiro dia de abril de 1964.

Capa da revista Fatos e Fotos de setembro de 1961, com retorno de Jango ao Brasil para assumir presidência

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Capa da revista Fatos e Fotos de setembro de 1961, com retorno de Jango ao Brasil para assumir presidência

De deputado a ministro

Gaúcho de São Borja, mesma cidade de Getúlio Vargas, a cerca de 580 km da capital do Estado, João Goulart nasceu em uma família proprietária de grandes porções de terras no interior do Rio Grande do Sul. Entrou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Porto Alegre (hoje parte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) em 1935, com 16 anos.

Segundo Jorge Ferreira, foi nessa mesma época que Jango conheceu Getúlio, e que o então ditador do Estado Novo teria lhe dado um conselho definitivo: entrar para a política, já que ele "falava muito bem".

João Goulart começou a cumprir aquele destino pouco mais de uma década depois, com o pai já morto e quando ele assumira o controle dos negócios familiares.

Aconteceu também pelas mãos de Getúlio, que o convidou para presidir a filial local do seu recém-fundado Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Tempos depois, em 1947, ele assumiu seu primeiro cargo público, de deputado estadual, após somar 4,1 mil votos nas eleições locais.

Getúlio Vargas ao centro e Jango à direita, com charuto na mão

CRÉDITO,WIKIMEDIA COMMONS

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Em 1952, enquanto trabalhadores faziam greves por todo o país, Getúlio (ao centro) chamou Jango (dir. com charuto na mão) para ser seu ministro do Trabalho

"O PTB era um partido progressista", explica Ângela Gomes. "Isso significa dizer, principalmente, que era um partido de esquerda, embora essas classificações fossem diferentes naquela época, em que a esquerda muito mais ligada ao PCB [Partido Comunista Brasileiro]", completa.

Rodrigo Patto Sá lembra como o PTB, que havia sido criado por Getúlio justamente para antagonizar com o PCB, foi se inclinando à esquerda nos anos 1950, embora dentro dos seus próprios limites. "O programa do partido era melhorar as condições dos trabalhadores. Os comunistas queriam acabar com a propriedade privada e colocar os operários no poder. Eram duas coisas bastante diferentes."

Jango deixou a presidência nacional do PTB já no exílio no Uruguai, em 1965, mas permaneceria no partido até sua morte, em 1976.

Em 1950, Jango e Getúlio eram mais do que conterrâneos: haviam se tornado confidentes. "É que ali existia uma questão central na política brasileira: quem seria o herdeiro político de Getúlio? Ela era relevante, já que uma característica inata dos líderes carismáticos é a intransmissibilidade", aponta Christian Lynch, que leciona Pensamento Político Brasileiro no Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

"Jango só foi ocupando esse lugar porque ambos sabiam que ele nunca seria uma sombra ao carisma do Getúlio."

As eleições daquele ano marcaram essa relação de complementariedade e, enquanto Goulart subia um degrau na carreira política, elegendo-se deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Vargas voltava ao poder com os votos de quase metade do eleitorado brasileiro à época (48%).

Foi, antes de tudo, um período tumultuado na vida de Goulart – ou, na percepção de Lynch, de "provação". "Era um sacrifício que ele precisava cumprir para mostrar a Getúlio que tinha condições de ser seu herdeiro", analisa.

O professor do IESP-UERJ se refere a um intervalo de meia década em que Jango passou por vários postos públicos: foi deputado federal, secretário do Interior e Justiça do Rio Grande do Sul e ministro do Trabalho.

Este último cargo foi, aliás, a prova final. Em 1952, enquanto trabalhadores organizados faziam greves seguidas pelo país e a União Democrática Nacional (UDN) tensionava o campo político como oposição, Getúlio chamou seu candidato a herdeiro para costurar uma relação melhor do governo com os sindicatos.

"Os militares não gostaram. Principalmente quando ele tomou a decisão de tirar a antiga interferência da pasta na definição das lideranças sindicais, que abriu espaço para comunistas encabeçarem os sindicatos. O temor das Forças Armadas era que a esquerda começasse a ascender demais no país por meio do Jango", diz Rodrigo Patto Sá, da UFMG.

A maior crise do cargo aconteceu pouco mais de um ano depois de assumi-lo, em 1954, quando, em meio à revisão do salário mínimo, protestos tomaram as ruas das capitais brasileiras reivindicando um ajuste de 100%. O empresariado, por sua vez, concordava com um aumento de até 40%.

Em fevereiro daquele ano, a tensão escalou ainda mais quando coronéis do Exército formalizaram uma reclamação do sucateamento das Forças Armadas ao Ministério da Guerra, apontando a "má administração da coisa pública" como causa da situação.

Publicados nos jornais, o "Manifesto dos Coronéis" virou uma arma apontada, pela UDN, na direção de Jango, que deixou o ministério naquele mesmo mês – não sem deixar nas mãos de Getúlio uma proposta de reajuste do salário mínimo em 100%, ratificada pelo presidente três meses depois.

Viria, então, a maior crise pessoal, naquele agosto, quando Getúlio se suicidou dentro do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então sede do governo federal.

"Quando o telefone [dele] tocou, ele achou que tinha acontecido um golpe de Estado. Nem de longe imaginava que se tratava do suicídio do Getúlio", conta Jorge na biografia. Para Lynch, não se tratava só de uma impressão.

"Não há dúvidas de que Getúlio foi deposto", afirma ele. "Mas, acima de tudo, foi um momento crucial na história brasileira, porque mostrou a força do trabalhismo como movimento e, ao mesmo tempo, deixou evidente que as elites não controlavam mais o poder político. Ali, João Goulart já era protagonista."

Oswaldo Aranha discursando no enterro de Getúlio Vargas, em São Borja (RS), em agosto de 1954. Ao centro, cabisbaixo, o herdeiro político do ex-presidente, João Goulart

CRÉDITO,GERVÁSIO BAPTISTA/AGÊNCIA BRASIL

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Oswaldo Aranha discursando no enterro de Getúlio Vargas, em São Borja (RS), em agosto de 1954. Ao centro, cabisbaixo, o herdeiro político do ex-presidente, João Goulart


O 'perigo' comunista

No final de 1954, convencido pelo PTB, Jango concorreu ao Senado pelo Rio Grande do Sul, mas perdeu a eleição para a coligação liderada pela UDN.

Foi um período rápido de incertezas: no começo do ano seguinte, em meio às investidas dos militares no entorno do governo provisório de Café Filho, ele negociou um acordo do seu partido com o PSD, do então governador mineiro, Juscelino Kubitschek, para concorrer como vice na chapa na eleição presidencial de 1955.

Foi nessa época que João Goulart passou a ser chamado mais firmemente de "comunista", inicialmente por um de seus opositores mais ferrenhos, o jornalista Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa, e gradativamente em todos os conflitos políticos. O "comunismo de Jango" se tornaria uma acusação grave, primeiro tomada pelos militares, depois pela população e, então, pela própria história, com consequências significativas na trama do golpe de 1964.

"Até hoje chamá-lo de comunista é, para alguns setores da sociedade, um jeito de legitimar o que aconteceu", diz Ângela Gomes, da FGV-RJ.

Esse diagnóstico tem, de fato, impactos presentes. A BBC News Brasil revelou, em abril de 2019, por exemplo, que o governo do então presidente Jair Bolsonaro enviou um telegrama à ONU afirmando que, em 1964, não houve golpe de Estado no Brasil, e que o regime militar instaurado naquele ano fora necessário para "afastar a crescente ameaça de uma tomada comunista" do país.

O texto ainda citava que Jango fora deposto com "o apoio da maioria da população".

Dois anos depois, Bolsonaro vetou um projeto de lei aprovado amplamente no Congresso que nomeava quase a totalidade da rodovia BR-153, entre Cachoeira do Sul (RS) e Marabá (PA), com o nome de João Goulart.

A justificativa do governo à época era que homenagens como essas não devem se inspirar em "práticas dissonantes das ambições de um Estado democrático".

Pesquisando aquele período para o último livro que publicou, Patto Sá percebeu que, ao contrário da narrativa que ficou para a história, era raro encontrar menções diretas a Jango como um "comunista". Para o professor da UFMG, esse sequer foi o álibi para justificar a saída dele do cargo, em 1964, mas sim o fato de o presidente ter ampliado o espaço de atuação política de grupos à esquerda dentro do governo.

"Até porque ele era herdeiro de Vargas, que combatia o comunismo, além de ser um dos fazendeiros mais ricos do Brasil à época", relembra ele.

O resultado da eleição presidencial de 1955 é usado hoje como demonstração inequívoca da popularidade de Jango: com 44,2% dos votos, ele voltou a bater Milton Campos, da UDN, e se elegeu vice-presidente com sobras. Sua votação foi maior do que a do próprio Juscelino, que venceu Juarez Távora com 35,6%.


Reformas de base

O discurso de posse de João Goulart como presidente do Brasil, após a renúncia de Jânio, naquele 7 de setembro de 1961, caberia perfeitamente no Brasil de hoje. Diante de uma polarização violenta nas ruas, ele usou a ocasião para se colocar como "guardião da unidade nacional", pedindo que que, dali em diante, se "dissipassem todos os ódios e ressentimentos pessoais".

"A conjuntura era muito difícil", afirma Jorge Ferreira em seu livro. "Ele assumiu a Presidência em uma situação emergencial: uma gravíssima crise militar, contas públicas descontroladas, o país endividado interna e externamente, além da delicada situação política. Ainda mais grave, Jango não tinha como implementar seus projetos reformistas".

A impossibilidade estava, em primeiro lugar, no novo desenho institucional. "Ele achava que poderia superar essas limitações com a força que tinha nas ruas – e ele tinha mesmo", explica Christian Lynch, do IESP-UERJ. Institucionalmente, sua estratégia foi tentar ampliar espaço ao centro, usando, como ferramenta, a aliança anterior com o PSD que havia elegido a chapa com Juscelino.

Mas, para além disso, havia uma impossibilidade de agenda. Segundo Ângela Gomes, da FGV-RJ, o programa político de Jango já estava estabelecido desde os anos 1950, sobretudo por meio de Francisco San Tiago Dantas – que seria seu ministro da Fazenda até meses antes do golpe.

Jornalista e advogado, ele era o autor intelectual das chamadas "reformas de base": um conjunto de leis que pretendiam transformar, entre outras coisas, o acesso à terra, à cidadania e às universidades públicas.

Cartazes em mobilização pelas reforma de base

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL/CORREIO DA MANHÃ

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Mobilização pelas reformas de base teve sempre forte vigilância das Forças Armadas

Havia também planos de mexer no sistema eleitoral, acabando com o impedimento de voto aos analfabetos e permitindo eleições de soldados e cabos, e de rever todo o sistema fiscal, eliminando o déficit do Tesouro Público, além de um projeto para enxugar a máquina pública.

Para Rodrigo Patto Sá, não eram propostas radicais em si mesmas, embora ativassem conflitos com a direita. "O ponto central não era tanto empreender as reformas, mas sim o protagonismo das alianças de esquerda que o governo de Jango estava fazendo – que, no clima da época, tinha um efeito muito mais intenso."

Christian Lynch, por sua vez, salienta como ainda hoje há um erro histórico em ler as reformas de base de Jango como demandas apenas do campo da esquerda. Ao contrário, existia um consenso entre todo o espectro ideológico de que o país vinha sendo administrado por leis anacrônicas – e que era preciso mudá-las para desenvolver o país.

"A divisão residia aí, porque desenvolvimento, para a esquerda, era um projeto vindo de baixo para cima, distribuindo renda e propriedade. Para a direita, por sua vez, era estipular uma ordem sem dividir o poder com o 'andar de baixo'", explica.

Para ele, não é trivial que muitas reformas de base tenham sido implementadas pelos próprios militares posteriormente, como o Estatuto da Terra, promulgado em novembro de 1964 pelo governo do general Humberto Castelo Branco.

Às voltas com as limitações do parlamentarismo, Jango conseguiu antecipar o plebiscito previsto quando da sua posse, sobre a continuidade do modelo, de 1965 para dois anos antes. Ergueu uma coalizão à esquerda, angariou apoio na imprensa e até nas Forças Armadas e venceu o pleito com 80% dos eleitores decidindo pelo retorno do presidencialismo. Assim, entrou em janeiro de 1963 como queria ter feito em setembro de 1961: como presidente, de fato, do Brasil.

Na sua segunda posse, Jango ainda nunciou seu programa econômico, chamado de Plano Trienal e assinado por um economista de peso: Celso Furtado, ligado ao grupo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da ONU.

Jorge Ferreira elenca as prioridades daquele projeto: combater a inflação sem comprometer o crescimento e, depois, reformar o aparelho administrativo – bancos, regime fiscal e, então, fazer a reforma agrária.

"Reforma agrária era vista, até por setores que não estavam à esquerda, como um jeito de desenvolver o país, dada a quantidade de trabalhadores rurais que o Brasil possuía. Mesmo alguns nomes da direita defendiam isso. Mas o anticomunismo e principalmente as ações das Ligas Camponesas começaram a mudar essa percepção comum", diz Lynch, se referindo aos grupos de camponeses organizados que passaram a invadir fazendas no interior do país.

No ano do golpe, Jango se agarrou ainda mais às suas reformas de base – principalmente à agrária que, também segundo Ângela Gomes, lhe aparecia como a solução para todos os problemas econômico do Brasil. Nas ruas, a disputa narrativa começava a ganhar corpo pela perspectiva à direita e, em março, segundo Jorge Ferreira, já havia um "anticomunismo espalhado pela sociedade", mas sobretudo apontado na direção de Jango.

Foram alguns dos meses mais críticos do século 20 do Brasil. No dia 13 de março de 1964, o presidente falou de improviso em um comício organizado por grupos à esquerda, ligados ao PCB e ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em frente à estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro.

Segundo os jornais da época, 200 mil pessoas estavam no evento, e ouviram Jango defender novamente suas reformas – especialmente a agrária.

"[Ela] não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo", disse ele, em meios aos aplausos da multidão. "Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo", prosseguiu.

Jango durante Comício das Reformas, na Central do Brasil, às vésperas do golpe militar, em 1964

CRÉDITO,MEMORIAL DA DEMOCRACIA

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Jango durante Comício das Reformas, na Central do Brasil, às vésperas do golpe militar, em 1964

Em um momento definitivo daquela fala – e do futuro do país –, Jango atacou parte da Igreja Católica, contrária à reforma, vociferando que "nem os rosários podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da propriedade privada da terra".

A frase foi tomada, dias depois, por uma freira anônima de São Paulo, Ana de Lourdes, para acusar o presidente de atacar a fé católica. A reação seria outro comício, na Praça da Sé, na capital paulista, chamada Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, que acabou se transformando na maior demonstração da oposição a Jango. Pelos números oficiais, 200 mil pessoas participaram.

"Nos cartazes, a tônica era o anticomunismo", conta Jorge Ferreira. "'Verde e amarelo, sem foice e sem martelo' ou 'Abaixo os pelegos e os comunistas'".

Em 2003, o antigo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) doou à Unicamp, em São Paulo, um calhamaço de pesquisas políticas feitas nas décadas anteriores e, em uma delas, aparecia que Jango tinha, naquele mês de 1964, 70% de aprovação popular.

"Mas ali já estavam acontecendo várias conspirações militares. Algumas em curso desde 1961", conta Patto Sá. "Na altura dos comícios, elas apenas se intensificaram".

Em paralelo, o governo planejava novos eventos públicos, à luz da Central do Brasil, e que desaguariam em um grande evento também na Praça da Sé.

Os comícios planejados não tiveram tempo de acontecer: depois de radicalizar o discurso em meio a revoltas na caserna, Jango despachava no gabinete do Palácio das Laranjeiras, na Guanabara, no dia 31 de março de 1964. Enquanto isso, um general de Minas Gerais, Olímpio Mourão Filho, antecipava o movimento previsto inicialmente pelas Forças Armadas para o dia 2 de abril e colocou suas tropas em direção ao Estado, saindo de Juiz de Fora, a uma distância de não mais do que 185 km.

Jango voou para Brasília, e depois para Porto Alegre, onde esperava liderar outra resistência ao golpe iminente mobilizada pelo mesmo Brizola.

Foi quando Auro de Moura Andrade, presidente do Senado indicado por Jango – e que lhe empossara presidente em 1961 –, decretou, em Brasília, a vacância do cargo, justificando que o presidente havia deixado o país.

"Foi uma manipulação para viabilizar o golpe e conseguir reconhecimento internacional imediato, principalmente dos EUA", explica Patto Sá.

A história parecia se repetir: enquanto Ranieri Mazzili assumiu a Presidência provisória das mãos de Moura Andrade, João Goulart preparava sua saída do território brasileiro pelo Uruguai – por onde entrara quatro anos antes. Ainda passou alguns dias em São Borja e depois em Itaqui (RS), numa fazenda que foi a leilão no ano passado, sem acabar com nenhum comprador.

Segundo os jornais da época, sete pessoas morreram nos protestos de rua no Rio e em Recife, no Pernambuco, em meio à transição.

Jango ficou no Uruguai até 1973, quando o país também sofreu um golpe militar. Não sem preocupações: em 2019, a viúva dele, Maria Thereza Goulart, contou ao jornal Folha de S. Paulo que, certa vez, foi detida em um posto do exército do país durante uma viagem com amigos, e que ela chegou a ficar nua diante dos soldados.

"Meu marido nunca ficou sabendo", disse. Em janeiro deste ano, a Justiça Federal exigiu que a União pague uma indenização de cerca de R$ 80 mil a ela pelos episódios daqueles dias de março de 1964, como o saque de bens que a família tinha no Rio Grande do Sul.

Naquele mesmo ano de 1973, Juan Domingo Perón se reelegeu presidente na Argentina, e acenou positivamente à ideia de receber o colega brasileiro como exilado político. Jango permaneceria no país vizinho por mais três anos, até morrer, em sua fazenda em Mercedes, na província de Buenos Aires, em 1976. Ele foi enterrado em São Borja, sua terra natal.

Restos mortais de Jango foram enviados a Brasília, em 2013, para processo de exumação. Na chegada, caixão foi recebido com honras militares e presença de ex-presidentes

CRÉDITO,JANE ARAÚJO/AGÊNCIA SENADO

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Restos mortais de Jango foram enviados a Brasília, em 2013, para processo de exumação. Na chegada, caixão foi recebido com honras militares e presença de ex-presidentes

Em novembro de 2013, em um dos raros consensos dentro do Congresso, a sessão que declarou a vacância do cargo, em abril de 1964, abrindo caminho para o golpe, foi oficialmente anulada.

Naquela mesma época, o corpo de Goulart foi retirado do túmulo para uma exumação – já que corria a dúvida de que ele tinha sido assassinado no exílio. O processo durou até o ano seguinte e não chegou a nenhuma conclusão.

Um mês depois, na esteira das solenidades, foi organizada uma sessão na Câmara para devolver o cargo de presidente a Goulart. Uma única voz dissonante subiu à tribuna, segundo o arquivo do Câmara: a do então deputado federal Jair Bolsonaro.

"Querem apagar um fato histórico de modo infantil. (...) Tiremos o peso dos militares. Salvamos o país de um regime ditatorial."



Professor Edgar Bom Jardim - PE