quarta-feira, 24 de novembro de 2021

'O ecocídio vai ser o genocídio do século 21'




Fumaça de poluição

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

O advogado Rodrigo Lledó integra um grupo de especialistas que defende que a destruição do meio ambiente seja considerada crime pelo Tribunal Penal Internacional

Matar o próprio lar.

Esta é a definição da palavra de origem grega e latina "ecocídio", que está ganhando cada vez mais notoriedade no mundo devido à emergência climática.

A pesca industrial que leva à perda de várias espécies, os derramamentos de óleo, a pecuária intensiva que causa desmatamento em áreas como a Amazônia e a poluição por plástico nos oceanos são alguns dos exemplos de atos que causam graves danos ambientais.

Diante desta situação, cientistas, acadêmicos e líderes ambientais de diversos países alertam sobre a necessidade de transformar o ecocídio em um crime internacional que penaliza a destruição generalizada do mundo natural.

Algo que, atualmente, não existe.



Por isso, um grupo de especialistas renomados está trabalhando para que o Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional (TPI), seja modificado e inclua o ecocídio entre seus crimes.

O advogado chileno Rodrigo Lledó faz parte deste grupo. Na entrevista a seguir, ele analisa por que é importante responsabilizar criminalmente a destruição ambiental, por que ainda existem países que resistem a esta ideia e quão próximos estamos realmente do ecocídio ser incluído no Estatuto de Roma.

Rodrigo Lledó

CRÉDITO,RODRIGO LLEDÓ

Legenda da foto,

O advogado e acadêmico Rodrigo Lledó é diretor da Fundação Internacional Baltazar Garzón

Línea

BBC News Mundo - O que é o ecocídio?

Rodrigo Lledó - É qualquer ato ilegal ou arbitrário perpetrado sabendo-se que existe uma possibilidade significativa de causar graves danos ao meio ambiente, ou que estes (danos) serão extensos ou duradouros.

Não é um termo novo, ao contrário do que se pensa. Fala-se em ecocídio desde a Guerra do Vietnã, quando os Estados Unidos pulverizaram o agente laranja e outros produtos químicos na selva vietnamita.

Um avião lança agente laranja sobre uma floresta no norte do Vietnã em 1966

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Um avião lança agente laranja sobre uma floresta no norte do Vietnã em 1966

Então, na década de 1970, a destruição do meio ambiente foi incluída como um crime de guerra.

No entanto, isso foi bom para os anos 1970. Mas hoje temos uma emergência climática decretada, e ela está acontecendo em tempos de paz. Portanto, falta uma forma penal de criminalizar a destruição deliberada do meio ambiente em tempos de paz.

BBC News Mundo - Por que é importante que o ecocídio seja reconhecido como crime hoje?

Lledó - Porque estamos em uma emergência climática. Porque a destruição do meio ambiente, mesmo que não se acredite, é lícita a nível internacional. É totalmente legal. Você pode ir para mar aberto e despejar toneladas e toneladas de produtos químicos, e isso não é ilegal.

Isso tem que mudar, tem que ser um crime. Ou, pelo menos, ilegal.

BBC News Mundo - As multas ou regulamentações que atualmente se aplicam em alguns países não são suficientes?

Lledó - Isso de que "quem polui paga" é muito bom, mas no fim das contas o que acontece com esses atos de poluição é que quem paga é o consumidor.

Porque a poluição se traduz em preços. Neste momento, por exemplo, o preço da eletricidade subiu muito devido ao aumento das licenças de emissão de CO2 impostas pela União Europeia.

Lixo e plástico à beira-mar

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

'Precisamos que o direito penal internacional se adeque e responda à mudança climática'

Com o ecocídio, a ideia é responsabilizar penalmente e individualmente aqueles que causam danos. Tem que haver medidas preventivas para que isso não aconteça e, se acontecer, tem que ir para a cadeia.

BBC News Mundo - De uma perspectiva histórica, o ecocídio será um crime importante no futuro?


Lledó - Provavelmente.

Em 1948, no Tribunal de Nuremberg, falamos sobre crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio porque eram os problemas que a humanidade enfrentava naquela época. A Segunda Guerra Mundial tinha acabado de terminar.

Mas, hoje em dia, a humanidade enfrenta outros problemas e, por isso, precisamos que o direito penal internacional se adeque e responda a esses problemas. E o maior problema é justamente a mudança climática.

Então, assim como olhamos para trás, para o genocídio ou crimes contra a humanidade, no final, o ecocídio será como o genocídio do século 21.

BBC News Mundo - E quão perto estamos de o ecocídio ser um crime internacional?

Lledó - Vai depender dos Estados membros do Tribunal Penal Internacional.

Tribunal Penal Internacional

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Para que o ecocídio seja criminalizado internacionalmente, é preciso o apoio de 2/3 dos Estados membros

Em 2019, antes da pandemia, dois Estados concordaram em tipificar o ecocídio como um delito: Vanuatu e Maldivas. Que particularidades eles têm? São países insulares, que em questão de 10 ou 15 anos estarão submersos. Na verdade, eles já sofreram a invasão do mar e, portanto, sérios danos às suas plantações e outras coisas terríveis.

O que resta agora é que os Estados digam: sim, queremos que seja um crime da competência do Tribunal. Então, você tem que convencê-los...

Mas, para modificar o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, é necessária a aprovação de dois terços dos Estados membros. Por isso, é provável que demore vários anos.

BBC News Mundo - Quais as justificativas para não aceitar a tipificação do ecocídio como crime internacional?

Lledó - Justificativas que se concentram em não incomodar as empresas. Porque existem empresas altamente poluidoras que vão ter que modificar seu sistema produtivo.

Por este motivo, foi considerada a possibilidade de um período de transição, dar a elas um prazo para se adequarem. A ideia não é criminalizar as empresas por acaso, mas pelo risco que representam.

Desmatamento

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

O desmatamento pode se tornar um crime internacional se o ecocídio for incluído no Estatuto de Roma

O que é preciso fazer é que essas mesmas empresas desenvolvam a sua atividade, mas tomando medidas para não agredir o meio ambiente. Porque hoje em dia danificar o meio ambiente sai de graça e depende de um Estado regular ou não. E quanto aos Estados falidos? Ou em alto mar, onde é terra de ninguém?

BBC News Mundo - Esta resistência também tem a ver com o fato de muitas pessoas e países ainda não estarem conscientes do que está acontecendo, certo?

Lledó - Sim, claro. Por muito tempo, tem havido uma falta de consciência. Mas também houve muita desinformação para poder continuar produzindo petróleo, etc... Há interesses.

E, se você olhar a atitude dos Estados, a pergunta que eles fazem é: quanto mais podemos esquentar o planeta? E, na realidade, não sabemos. Estamos brincando com fogo. Mas que estamos nos aproximando de um desastre, é claro que estamos, e cada vez mais. É irresponsável.

E não se trata de ser catastrófico e dizer que vamos nos extinguir. Mas vamos pagar caro. Nossos filhos e netos terão muita dificuldade. Vai ser complexo cultivar, vai custar muito caro. As áreas cultiváveis ​​vão ser reduzidas assim como as áreas habitáveis.

BBC News Mundo - Que países latino-americanos poderiam se beneficiar mais se o ecocídio for tipificado como crime?

Lledó - Acho que sobretudo os países que abrigam a Amazônia, como Equador, Colômbia e Brasil. Dependemos da Amazônia, é o pulmão do mundo.

BBC News Mundo - E as empresas que, apesar de prejudicarem o meio ambiente, trazem grandes benefícios a suas comunidades?

Lledó - A definição de ecocídio leva em consideração a desproporção entre o benefício esperado versus o dano a ser causado. Ou seja, posso provocar um dano ao meio ambiente se houver um benefício enorme para a humanidade.

Por exemplo, uma represa que vai gerar eletricidade de forma limpa para milhares de pessoas.

Ficha de arquivo onde está escrito 'mudança climática'

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Especialistas querem que o dano ao meio ambiente seja crime a nível internacional

Porque se transformamos o meio ambiente, se o danificamos, tem que haver uma proporção, tem que ser sustentável, que nos beneficie e permita seguir vivendo como humanidade. Do contrário, o que estamos fazendo é suicídio na verdade.

Por exemplo, a produção de abacate no Chile deixa toda a área de Petorca seca, para quê? Para benefício financeiro de um homem que é dono daqueles abacates. Há uma enorme desproporção entre o dano que causa e o benefício social. Então, este seria um caso de ecocídio.

BBC News Mundo - Você acredita que a tipificação do ecocídio pode realmente ajudar a acabar com o problema ambiental?

Lledó - É um passo importante, mas claramente não resolve todos os problemas.

É importante que outras iniciativas de mais longo prazo, como um tribunal ambiental e uma convenção internacional vinculante, se tornem realidade também.

  • Fernanda Paúl
  • BBC News Mundo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Dia da Consciência Negra: 10 expressões do português de origem racista




grupo de pessoas

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

No dia a dia, é possível que você esteja utilizando, sem saber, palavras que se originaram da discriminação a negros ou que remetem à escravidão

O histórico de escravidão e discriminação a negros no Brasil deixou marcas que se estendem para a linguagem que utilizamos no dia a dia.

Em muitos casos, a associação da cor preta a algo negativo fica evidente em frases como: você está na minha "lista negra", ela comprou o computador no "mercado negro" ou sou a "ovelha negra" da família. Mas certas expressões de origem racista são muito menos óbvias.

Para gerar conscientização e sugerir que sejam abolidas do cotidiano, a Defensoria Pública da Bahia lançou para o Dia da Consciência Negra - celebrado em 20 de novembro - uma espécie de dicionário de expressões racistas.

"Nosso idioma foi construído sob forte influência do período de escravização e muitas destas expressões seguem sendo usadas até hoje, ainda que de forma inconsciente ou não intencional. Precisamos repensar o uso de palavras e expressões que são frutos de uma construção racista", diz o texto de introdução da cartilha, chamada "Expressões Racistas do Cotidiano".

Conheça dez expressões de origem racista citadas nesse dicionário que ainda integram o vocabulário de muitos brasileiros:

1. Criado-mudo

A cartilha da Defensoria Pública da Bahia diz que, embora haja mais de uma explicação para a origem dessa palavra, uma delas faz referência "aos criados, geralmente pessoas escravizadas, que deveriam segurar objetos para seus senhores e eram proibidos de falar".

Por causa disso, o dicionário recomenda que a palavra "criado-mudo" seja substituída no dia a dia das pessoas por "mesa de cabeceira". Em 2019, a rede de móveis Etna anunciou no Dia da Consciência Negra que iria abolir o termo do seu catálogo e de todas as suas lojas.

Em campanha de vídeo, a empresa explicou que, embora muitas pessoas utilizem "criado-mudo" sem saber da sua origem, o nome remete ao período da escravidão no Brasil, quando pessoas escravizadas passavam dia e noite imóveis ao lado da cama para atender aos pedidos dos "senhores".

"Sem nos dar conta, ainda carregamos termos racistas como esse, mas sabemos que é sempre tempo de mudar e evoluir", dizia o vídeo lançado pela Etna em 2019.

2. Da cor do pecado

A cartilha da Defensoria Pública da Bahia explica que a expressão "da cor do pecado", muitas vezes usada como "elogio" por pessoas brancas, carrega a cultura racista de "hipersexualização dos corpos negros, estigmatizados no período colonial, quando os 'senhores' violentavam sexualmente mulheres negras e encaravam isso como um momento de diversão".

Outras expressões citadas na cartilha também remetem a essa sexualização das pessoas negras, principalmente das mulheres. A publicação destaca que essa objetificação abre caminho para violência sexual e discriminações.

foto

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Cartilha da Defensoria Pública destaca que uso de expressões de origem racista podem significar microagressões a pessoas negras

"A expressão 'mulata tipo exportação', por exemplo, muitas vezes dita como forma de elogio, reforça o estereótipo hipersexualizado que recai sobre mulheres negras, que vem desde a época em que as escravas eram objetificadas e erotificadas, e são vistas até hoje como mulheres que supostamente não servem para casar", diz o documento.

3. A dar com pau

A expressão "dar com pau", usada hoje em dia para expressar "abundância" ou "grande quantidade", também remete à violência da escravidão.

"Expressão originada nos navios negreiros. Muitos dos capturados preferiam morrer a serem escravizados e faziam greve de fome na travessia entre o continente africano e o Brasil. Para obrigá-los a se alimentar, um 'pau de comer' foi criado para jogar angú, sopa e outros alimentos pela boca", diz o dicionário da Defensoria Pública da Bahia.

Por isso, a publicação sugere que, em vez de dizer, por exemplo: "tinha gente a dar com pau", as pessoas digam "tinha muita gente" ou "basante gente".

Outra variação da expressão com origem na escravidão, também muito usada hoje em dia, é: "nem a pau". Nesse caso, ela pode ser substituída por: "de jeito nenhum".

4. Nas coxas

A expressão "nas coxas" costuma ser usada para se referir a algo mal feito. Mas, segundo a cartilha da Defensoria Pública da Bahia, ela tem origem na "época da escravidão brasileira, quando as telhas eram feitas de argila, moldadas nas coxas de pessoas escravizadas. Como tamanho e formato variavam, a expressão remete a algo mal feito".

5. Denegrir

Essa palavra, usada para dizer que alguém está "manchando" a imagem ou reputação de alguém, vem do latim denigrāre, que significa "enegrecer".

"Possui na raiz o significado de 'tornar negro'. Utilizado como sinônimo de difamar ou caluniar, reforça, mais uma vez, ser negro como negativo, ofensivo", diz o "dicionário" da Defensoria Pública da Bahia.

6. Disputar a nega

Essa expressão, usada para se referir a "desempatar um jogo", tem base tanto na escravidão quanto na misoginia e no desprezo à mulher, segundo a cartilha.

"Àquela época, era comum ver os senhores de escravos colocando como prêmio em jogos ou apostas uma mulher negra escravizada", diz a publicação da defensoria, que recomenda que não utilizemos mais essa expressão.

7. Meia tigela

Assim como "nas coxas", meia tigela é expressão usada frequentemente para se referir a algo medíocre ou mal feito. Mais uma vez o termo tem origem na escravidão.

"Os negros que trabalhavam à força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar suas metas. Quando isso acontecia, recebiam como punição apenas metade da tigela de comida e ganhavam o apelido de 'meia tigela', que hoje significa algo sem valor e medíocre", diz o dicionário de Expressões Racistas do Cotidiano.

8. Macumba

A palavra originalmente era usada como nome de um instrumento de percussão de origem africana, semelhante a um instrumento de reco-reco, diz a cartilha.

Mas, no Brasil, passou a ser utilizada de maneira pejorativa para se referir às oferendas a orixás nas religiões de matriz africana. A defensoria destaca que cada religião de matriz africana tem nome próprio para se referir a oferendas e sugere que os termos corretos sejam adotados no cotidiano, sem atribuir conotação negativa a um rito que deve ser respeitado como parte de uma religião.

Segundo a cartilha, no candomblé e na ubanda, fala-se em "ebó" ou "despacho" para tratar de oferendas a orixás ou entidades espirituais. "Vamos deixar de estereotipar religiões de matriz africana e cada um seguir com sua fé", sugere a publicação da defensoria.

9. Mulato/a

A cartilha destaca que o termo "mulato", na língua espanhola, se referia ao filhote macho do cruzamento do cavalo com a jumenta ou da égua com o jumento- o que em português chamamos de mula.

O termo, que define o animal mestiço, passou a ser usado, segundo o dicionário Houaiss, a partir do século XVI como analogia para se referir a filhos de mãe branca e pai negro ou vice-versa. Ou seja, compara-se um animal mestiço com um ser humano que descende de brancos e negros.

"A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz 'mulata tipo exportação', reiterando a visão racista do corpo da mulher negra como mercadoria", diz o dicionário de Expressões Racistas do Cotidiano.

10. Escravo



Uma discussão cada vez mais em voga diz respeito ao uso da palavra escravizado no lugar de "escravo", para se referir aos africanos trazidos à força ao Brasil durante a colonização portuguesa.

O dicionário da Defensoria Pública da Bahia explica qual o argumento por trás disso: "Usar a palavra 'escravo' sugere que seja uma característica e condição inerente à pessoa, sendo que foi algo imposto ao povo africano, que foi sequestrado e torturado pela escravidão. A palavra sugere desumanização, esquecendo a história e o legado desses povos para a história mundial."

Apesar dessas expressões nem sempre serem usadas com a "intenção" de ofender ou discriminar, a publicação da defensoria sugere que as pessoas voluntariamente abram mão delas, porque elas reforçam uma cultura de subjulgar, sexualizar e inferiorizar os negros.

"O racismo se revela de diversas formas em nossa sociedade. Estas microagressões, além de reproduzirem um discurso racista, ao identificarem a negritude como marcador de inferioridade social, afetam o bem estar de pessoas negras", diz a Defensoria Públca da Bahia.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Golpe do Pix: hackers contam como enganam vítimas; saiba como se proteger




Homem em ambiente escuro olhando para tela de computador

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Hackers dizem como enganam vítimas e roubam dados

Uma aposentada de 78 anos recebeu, no fim de julho, uma ligação do filho dizendo que uma suposta funcionária do banco entrou em contato relatando que criminosos tentaram acessar a conta bancária dela.

A mulher então foi a uma agência na cidade de Santos, no litoral paulista, e fez os procedimentos que a suposta funcionária indicou.

No dia seguinte, a aposentada recebeu uma nova ligação avisando que os procedimentos não tinham sido completados e a orientou para ir a um caixa eletrônico concluí-los. Logo depois de seguir os passos, ela tentou fazer uma compra no débito em uma farmácia e teve a operação negada.

Ao entrar no aplicativo do banco, a aposentada percebeu que tinham sido feitas diversas transações, incluindo um Pix no valor de R$ 24,7 mil e diversos empréstimos. Os golpistas tiraram dinheiro da conta até que o saldo ficasse negativo.

A vítima estima que o prejuízo total tenha sido de quase R$ 60 mil. O caso é investigado como estelionato pelo 3º Distrito Policial de Santos.


A BBC News Brasil ouviu dois hackers (que dizem não aplicar mais golpes), especialistas em segurança digital e o delegado da divisão antissequestro do Garra, da Polícia Civil de São Paulo, para entender como esses crimes são cometidos e como se proteger.

Os hackers disseram que os golpes podem ser divididos em duas categorias.

O mais comum é aquele que envolve algum contato entre o golpista e a vítima. E um mais sofisticado, que envolve programas de computador e invasões de dispositivos eletrônicos.

As transações por Pix foram integralmente implantadas no Brasil há um ano, no dia 16 de novembro de 2020.

Em entrevista à BBC News Brasil, o delegado titular da 3ª Delegacia Antissequestro, da Polícia Civil de São Paulo, Tarcio Severo, confirmou que o número de sequestros-relâmpago, crime antes considerado adormecido, disparou após a implantação do Pix no Brasil e que há inclusive quadrilhas migrando para esse tipo de crime.

Uma semana após a reportagem, o Banco Central anunciou que limitarias o valor das transferências bancárias feitas das 20h às 6h.

Ataque hacker


Há vários tipos de ferramentas digitais para aplicar o golpe. A mais comum chama-se capturador de sessões. Nela, o golpista envia um PDF ou um e-mail para a vítima com um arquivo que, caso seja aberto, vai infectá-la de alguma forma.

Com o vírus implementado, quando a vítima abrir um aplicativo de banco, o invasor automaticamente receberá uma notificação em sua tela informando que a vítima abriu uma sessão no banco. O hacker então captura a sessão daquela pessoa, com a combinação de senhas, para conseguir obter acesso à conta dela.

Os bancos, entretanto, reforçaram a segurança nesse sentido, ressaltou o delegado.

"Mesmo que o hacker tenha a sua senha e sua conta, ele geralmente não consegue logar (acessar pela internet) no banco por ser de um local diferente (do autorizado) ou (por que o banco) identifica um acesso não autorizado", explica.

O vírus permite que o hacker use o computador da própria vítima para acessar o site do banco e fazer transferências via Pix. Em casos em que o banco exige algum tipo de número fornecido por um token, o hacker precisa clonar o número do celular da vítima para ter acesso ao código do token.

Segundo especialistas, isso é feito em parceria com pessoas que trabalham em operadoras de telefonia, que bloqueiam o chip da pessoa e o recadastra em um outro chip, do hacker. O custo desse serviço ilegal varia entre R$ 400 e R$ 500.

Além desses programas que furtam sessões de bancos após infectar o equipamento das vítimas, também há os phishings — mensagens falsas que induzem a vítima a compartilhas seus dados — dos simples aos mais avançados. Os mais básicos são aqueles em que o golpista cria uma página falsa na qual a vítima acessa por meio de um link de oferta enganosa ou algo parecido.

Hoje, ele é mais incomum porque as pessoas vão direto no endereço do site quando querem comprar algo, em vez de acessar por meio de um link. Mas esse tipo de golpe ainda ocorre.

Pessoa encapuzada em ambiente escuro mexendo em computador

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Receita Federal bloqueou, até setembro de 2021, mais 2,7 milhões de tentativas de golpes envolvendo o Pix

O phishing mais complexo exige que o hacker tenha acesso ao DNS (Domain Name System) da vítima. Ao digitar um endereço para acessar um site, o DNS do computador identifica a qual endereço de IP esse site corresponde, analisa se ele é confiável e prossegue com o acesso.

Se um hacker acessa o DNS, ele pode "enganar" o computador da pessoa sobre qual site está sendo acessado. No navegador da vítima, aparecerá o endereço digitado pelo usuário, com o cadeado verde ao lado, que atesta a segurança da página. Mas, na verdade, trata-se de uma página falsa que alguém clonou para enganar o DNS do computador da vítima.

Mas conseguir acesso ao DNS para vítima para alterar esses dados é a parte mais difícil da invasão. Uma das formas é incluir algum código em algum site de acesso em massa — como um portal de notícias ou um site de gaming — para que o hacker possa trocar o DNS de diversos usuários que tenham senhas facilmente decifráveis em seu roteador (como "1234").

Esse método hoje, ele explica, é mais difícil de ocorrer em sites de bancos, que investiram em novas tecnologias de proteção. Mas costumava ser algo comum.

Um hacker ouvido pela BBC News Brasil explicou que a maior dificuldade desse método é espalhar o vírus ou conseguir vítimas. Quando o criminoso consegue isso, ele rouba o dinheiro imediatamente e o usa para comprar criptomoedas e ocultar a sua origem.

Isso criou um segundo mercado paralelo: o de vendas de licenças de programas para hackers. Para ganhar dinheiro cooperando com o crime, mas "sem sujar as mãos", alguns programadores desenvolvem programas que roubam dados e "alugam" a licença de um programa desses por até R$ 2 mil por semana.

SMS emergencial

Um dos golpes mais comuns é o do SMS emergencial, no qual o golpista dispara milhares de mensagens automáticas pedindo socorro e solicitando uma transferência via Pix para solucionar um problema financeiro.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que poucas pessoas caem nesse tipo de golpe, mas que ainda assim é vantajoso para o golpista.

"Se o cibercriminoso mandou mensagem para mil pessoas e uma delas caiu no golpe, já é um estrago gigantesco. Ainda mais se ele conseguir acesso a uma conta e conseguir fazer um empréstimo pessoal, consignado, fazer transferências. Ele chega a roubar R$ 10 mil por dia. Um negócio muito lucrativo para ele", afirmou Emílio Simoni, especialista em segurança digital e diretor do dfndr Lab, do grupo CyberLabs-PSafe.

Como se proteger?

Segundo Simoni, a maioria dos golpes aplicados por hackers exigem uma engenharia social para enganar as vítimas, muitas vezes com o criminoso se passando por banco ou por empresa.

"É comum o golpista dizer que o cliente está com um problema no Pix e que precisa fazer uma transferência para testá-lo. Ou até dizem que se ele fizer um Pix vai receber em dobro porque o sistema está com problemas."

De acordo com o especialista, a Receita Federal bloqueou, até setembro de 2021, mais de 2,7 milhões de tentativas de golpes envolvendo o Pix.

1. Baixe um antivírus

Uma das maneiras de proteger o celular de um golpe é instalando um software antivírus no aparelho. Simoni disse que o mais baixado no Brasil é o Defender Security, gratuito e criado no Brasil — com 200 milhões de downloads e 6 milhões de aparelhos que o usam diariamente. Segundo ele, aplicativos de defesa contribuem para que o aparelho não fique vulnerável a ataques.

2. Fique atento ao visitado e desconfie de mensagens recebidas

Além de instalar um antivírus, o especialista em segurança cibernética disse que as pessoas precisam desconfiar de mensagens e ligações de desconhecidos. Essa é a origem da maior parte dos golpes que envolvem estelionato.

"Na dúvida, procure a instituição que entrou em contato. Ligue para o gerente perguntando se realmente há uma cobrança, retorne a ligação para o número que te procurou e tome cuidado ao passar seus dados pessoais, principalmente senhas.

Um desses ataques é aplicado por meio de conexões wi-fi ou páginas de sites confiáveis, como portais de notícias e lojas de departamento.

3. Escolha senhas seguras e difíceis

Criado por hackers em 2013, o programa DNS Change invade celulares com senhas de wi-fi fáceis, como "12345678" ou "adm1234" e troca a identidade do aparelho.

Desta forma, o golpista consegue ter acesso ao aparelho e espelhar a tela em seu computador sempre que o usuário entrar em um site ou página que o interesse, como a de um banco. O hacker usa uma página falsa para que o usuário coloque suas senhas, número de agência e conta.

Segundo Simoni, especialista em segurança, cerca de 40% dos celulares brasileiros estão vulneráveis a esse tipo de golpe porque possuem senhas fáceis ou não têm senha.

  • Felipe Souza -
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Professor Edgar Bom Jardim - PE