sábado, 31 de julho de 2021

A incrível civilização antiga que mumificava os mortos 2 mil anos antes dos egípcios




Múmia chinchorro

CRÉDITO,IMAGEN DE CHILE/FELIPE CANTILLANA

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Múmias da cultura chinchorro foram incluídas na Lista do Patrimônio Mundial pela Unesco nesta semana

"As mais antigas evidências arqueológicas conhecidas de mumificação artificial de corpos", segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), estão presentes na América do Sul, na costa árida do deserto do Atacama.

Há mais de 7 mil anos, essa região foi habitada por uma sociedade de caçadores-coletores na qual os mortos tinham grande importância. As habilidosas técnicas de mumificação da cultura chinchorro datam de 2 mil anos antes dos egípcios.

O valor foi reconhecido pela Unesco, que incluiu no fim de julho de 2021, suas múmias e a área que guarda seus achados arqueológicos na Lista do Patrimônio Mundial.

Múmia chinchorro

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No início, técnica era usada apenas em crianças e recém-nascidos mortos

Uma sociedade de pescadores

A cultura chinchorro habitou a região entre os portos de Ilo, no Peru, e Antofagasta, no Chile.

Apesar de muito árida, a área tinha recursos marinhos em abundância devido aos efeitos da corrente fria de Humboldt, que cria um fenômeno chamado ressurgência no oceano, e dos diversos riachos que a atravessam para desembocar no mar.


Assim, os chinchorro se especializaram na exploração dos recursos marinhos e chegaram a desenvolver diversas ferramentas para facilitar a atividade pesqueira, como um anzol feito de espinhos de cactos e pontas de arpão.

A descrição feita pela Unesco fala ainda de "ferramentas feitas de materiais de origem mineral e vegetal, bem como instrumentos simples feitos de ossos e conchas".

Informações do Museu Chileno de Arte Pré-Colombiana dão conta de que, "a partir de tumores encontrados nas orelhas das múmias da época, sabe-se que mergulhavam em grande profundidade".

A habilidade para a pesca permitiu que eles construíssem assentamentos semipermanentes na foz dos rios e riachos da área.

Embora existam poucas informações sobre a forma como se organizavam, há indícios de que se reuniam em grupos de 30 a 50 pessoas que aparentemente tinham alguma relação de parentesco.

Múmia chinchorro e pesquisadores

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Até hoje foram analisadas cerca de 208 múmias

Como os chinchorro mumificavam os mortos

Segundo informações da Universidade de Tarapacá, no Chile, que tem liderado a pesquisa e conservação da cultura chinchorro, o processo de mumificação consistia na extração dos órgãos e vísceras dos mortos por meio de incisões e na sua substituição por vegetais, penas, pedaços de couro, lã e outros materiais.

Também se removia o couro cabeludo e a pele do rosto e abria-se o crânio para retirar o cérebro — depois de seco, ele era preenchido com cinzas, terra, argila e pelos de animais.

Por fim, modelava-se o rosto, que era adornado com uma peruca feita com cabelo humano. O corpo ganhava uma vestimenta de tecido vegetal e era coberto com uma camada de argila.

Embora no início os chinchorro mumificassem apenas recém-nascidos e crianças — que eram preservados junto de estatuetas de barro —, em seu auge, por volta de 3.000 a.C., eles chegaram a mumificar todo tipo de membro da sociedade, independentemente da idade.

Diferentes tipos de múmias

Ainda segundo a Universidade de Tarapacá, até o momento foram analisadas 208 múmias. O estudo da amostra revelou que as técnicas de embalsamamento usadas por esse povo variaram ao longo do tempo e foram simplificadas nos estágios finais, ao contrário do que aconteceu com os egípcios, que foram sofisticando suas técnicas.

Há múmias negras, cobertas por óxido de manganês; múmias vermelhas, pintadas com óxido de ferro; e múmias enfaixadas. Entre os pontos em comum que compartilham estão a peruca, uma máscara facial e bastões para reforçar o corpo.

"A cultura chinchorro considerava suas múmias como parte do mundo dos vivos, o que explica por que deixavam os olhos e a boca abertos e usavam macas, feitas de fibra vegetal ou pele de animal, para transportá-las", destaca a Universidade de Tarapacá.

As avançadas técnicas de embalsamamento, auxiliadas pelas condições climáticas do ambiente desértico e salino do Atacama, levaram à preservação das cerca de 120 múmias que hoje estão no acervo do Museu Arqueológico de San Miguel de Azapa, no Chile.

BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Por que Getúlio Vargas inventou em 1930 o Ministério do Trabalho, extinto e agora recriado por Bolsonaro





Ciro Nogueira com Bolsonaro

CRÉDITO,REUTERS

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Trabalho foi recriado em reforma para acomodar Ciro Nogueira no governo

*Esta reportagem foi publicada originalmente em 10 de novembro de 2018 e atualizada em 28 de julho de 2021, com a notícia da recriação do Ministério do Trabalho

Extinto pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em janeiro de 2019, logo após sua posse, o Ministério do Trabalho volta a existir: uma Medida Provisória publicada na quarta-feira (28/7) recria a pasta, que passa a ser ocupada por Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e volta a ter atribuições que, desde o início do governo atual, estavam com o Ministério da Economia.

A recriação da pasta, como Ministério do Trabalho e Previdência Social, faz parte de uma reforma ministerial de Bolsonaro que dá mais poder ao Centrão, bloco de apoio ao presidente no Congresso que tem como um de seus expoentes o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), agora nomeado ministro da Casa Civil.

Esse período de dois anos e meio sem o Ministério do Trabalho foi inédito desde que Getúlio Vargas (1882-1954) criou a pasta, após chegar ao poder.

Na época, em 26 de novembro de 1930, a ideia era que a pasta fosse responsável por intermediar as relações entre trabalhadores e empresários, algo até então sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura.

"Era uma política alinhada com o que se pensava então sobre o papel do Estado como um mediador das relações entre grupos e indivíduos", explica Renan Pieri, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e do Insper.

"Vargas dá um golpe de mestre e assume a dianteira deste processo, estatizando estas relações."

A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi uma das primeiras iniciativas de Vargas ao assumir o governo por meio de um golpe, após a Revolução de 1930, que culminou com a deposição do então presidente Washington Luís (1869-1957) e o impedimento de que seu sucessor, Júlio Prestes (1882-1946), assumisse o cargo, dando fim à República Velha.

Getúlio Vargas

CRÉDITO,PLANALTO

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Vargas criou o ministério para intermediar relações entre trabalhadores e empresários, função até então do Ministério da Agricultura

A pasta foi batizada de "ministério da Revolução" por Lindolfo Collor (1890-1942), seu primeiro titular e avô do ex-presidente Fernando Collor de Melo.

"Essa revolução se refere a uma ruptura com a velha oligarquia agrária por meio da criação de um Estado positivista, a instauração de um modelo legal e burocrático que passa a organizar as relações sociais por meio do monopólio da força através de um sistema normativo", diz Marcelo Nerling, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP).

"O Estado passa a ser o protagonista, baseado na crença de que é possível mudar a realidade social por meio de normas criadas de cima para baixo."

Nerling explica que não havia na época no Brasil um Estado como conhecemos hoje. "A administração pública só começa a se organizar a partir da década de 1930. Até então, as principais forças do país estavam concentradas nos municípios, comandados por coronéis. Era um modelo descentralizado e patrimonialista, em que não se separava o público do privado."

Qual foi o impacto da criação do Ministério do Trabalho?

Uma das primeiras medidas do novo ministério neste sentido foi criar uma nova regulamentação da atividade sindical, com critérios para a criação de sindicatos.

Entre as novas regras, estava haver uma única representação para profissionais de uma categoria dentro de uma mesma região, um mínimo de 30 membros, com ao menos dois terços de brasileiros, veto a qualquer manifestação política e ideológica, punições a empresários que impedissem a sindicalização dos trabalhadores e a aprovação da entidade pelo ministério - até então, não se dependia de autorização do governo.

O ministro Collor declarava na época que enxergava os sindicatos como uma forma de mediar os conflitos e tinha como objetivo trazer estas organizações para a órbita do novo ministério para que passassem a ser controladas pelo Estado.

"Vargas queria que os sindicatos se tornassem satélites do governo, politizando as relações entre empresas e trabalhadores", diz Pieri.

Na época, o Brasil ainda era um país extremamente rural, mas havia uma indústria nascente, que ganha força em reação ao crescente impedimento de importar produtos da Europa a partir da Primeira Guerra Mundial.

Ao mesmo tempo, a abolição da escravatura lançou um grande contigente de mão de obra ao mercado enquanto houve simultaneamente uma chegada massiva de imigrantes a partir do fim do século 19, facilitada pela Constituição de 1891, que, ao mesmo tempo, consagrou o direito de livre associação.

Surge, assim, uma classe de trabalhadores urbanos e de profissionais liberais, e se formam os primeiros movimentos sindicais, que foram reconhecidos e regulamentados em lei ao longo da primeira década do século 20, primeiro para os trabalhadores agrícolas e, depois, para os urbanos.

"Com a formação de uma economia de mercado, foi natural a formação de sindicatos especializados para representar os trabalhadores", diz Pieri.

Ao mesmo tempo, nas questões relativas a direitos, o regime de Vargas buscava atender reivindicações históricas dos trabalhadores, alinhado com a ideia da outorga dos direitos trabalhistas pelo Estado.

"Vargas havia acompanhado o que ocorreu na Rússia a partir de 1917 com a revolução, quando, em meio ao conflito entre capital e trabalho, o proletariado assumiu o poder. Então, ele, que era um capitalista, sabia aonde isso poderia acabar", diz Nerling.

"Vargas sabia que, se os trabalhadores fizessem greve atrás de greve para reivindicar direitos, poderiam quebrar o capital. Ele opta por chamar para si a responsabilidade de regular estas relações, cria leis que vinculam os cidadãos. Entrega os anéis para não perder os dedos."

O que mudou a cada Constituição?

O ministério teve sob Vargas uma atividade legislativa intensa. Foram lançadas medidas importantes, como a criação da carteira profissional (precursora da atual carteira de trabalho e previdência social), a regulamentação do trabalho feminino e infantil e o estabelecimento de juntas de conciliação de conflitos entre patrões e empregados, que seria um embrião da Justiça do Trabalho, criada pela Constituição de 1934 e que passaria a atuar a partir de 1941.

Homem segurando carteira de trabalho

CRÉDITO,CAMILA DOMINGUES/ PALÁCIO PIRATINI

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Ministério criou a carteira profissional, precursora da atual carteira de trabalho e previdência social

Também se destaca a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, que mudaram o sistema previdenciário do país. Ainda seriam instituídos o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas e o descanso semanal, as férias remuneradas e a indenização por dispensa sem justa causa.

Uma das iniciativas de maior peso foi a instituição em 1943 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que unificou as leis trabalhistas existentes até então. O dia em que recebeu a sanção presidencial, 1º de maio, passaria a ser o Dia do Trabalho, feriado celebrado até hoje em todo o país.

As décadas após a primeira era Vargas foram marcadas por diversas mudanças nas leis e direitos trabalhistas.

Em 1946, a Assembleia Constituinte convocada após o fim da ditadura, acrescentou novos pontos como o direito à greve e o descanso remunerado aos domingos e feriados.

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) surge em 1966, já durante o regime militar, para proteger o trabalhador demitido sem justa causa com uma conta aberta em seu nome, vinculada a seu contrato de trabalho, na qual são depositados mensalmente o correspondente a 8% do salário.

A Constituição de 1967 instituiu a aplicação da legislação trabalhista a empregados temporários, a proibição de greve em serviços públicos e atividades essenciais e o direito à participação do trabalhador no lucro das empresas, entre outras medidas.

A partir da Constituição de 1988, passam a ser previstos medidas de proteção contra demissões sem justa causa, o piso salarial, a licença maternidade e paternidade, o veto à redução do salário, a limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais e proibição de qualquer tipo de discriminação quanto a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Também foi criado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado em parte ao custeio do Programa de Seguro Desemprego.

"São políticas criadas e geridas dentro do Ministério do Trabalho, por ele oferecer um corpo técnico e orçamento dentro do governo para discutir essas relações, mas que têm muito mais a ver com o ambiente político de cada época, a pressão popular por mudanças e cada governo do que com o órgão em si", avalia Pieri.

O economista destaca que a partir dos anos 1990, a pasta assume um papel cada vez mais de fiscalização do cumprimento das normas e leis trabalhistas e na gestão de recursos como os do FGTS e do FAT.

Extinção

Quando o Trabalho foi extinto, não foi a primeira vez que a pasta foi fundida com outras áreas.

Ao surgir em 1930, o ministério também era responsável por indústria e comércio. Em 1960, passou ser Ministério do Trabalho e Previdência Social.

Tornou-se puramente Ministério do Trabalho em 1974. Em 1990, voltou a incorporar a Previdência.

Jair Bolsonaro

CRÉDITO,REUTERS

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Presidente havia extinguido o Ministério do Trabalho

Dois anos depois, passou a ser o Ministério do Trabalho e da Administração Federal e, em 1999, do Trabalho e Emprego.

Em 2015, virou mais uma vez Ministério do Trabalho e Previdência Social, até, em 2016, tornar-se novamente apenas Ministério do Trabalho.

Ao tratar do tema, Bolsonaro declarou na época em entrevistas que o trabalhador terá de "decidir entre menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego".

"Os encargos trabalhistas fazem com que se tenha aproximadamente 50 milhões de trabalhadores brasileiros na informalidade", disse à rádio Jovem Pan.

  • Rafael Barifouse
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Guerra do Paraguai: a história do conflito armado mais sangrento da América Latina





Ilustração de batalha na Guerra do Paraguai

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi a mais sangrenta na história da América Latina

Na história da América Latina, não houve nenhum conflito armado em que lutaram e morreram tantos homens como na Guerra do Paraguai.

O Brasil, a Argentina e o Uruguai perderam cerca de 120 mil soldados. Mas a verdadeira tragédia foi enfrentada pelo país que, há um século e meio, terminou derrotado no conflito com esses três países aliados: o Paraguai.

Para o Paraguai, não foi só uma derrota militar, mas sim um massacre que alguns historiadores consideram um genocídio.

As cerca de 280 mil vítimas paraguaias representavam mais da metade da população do país.

A vasta maioria dos mortos era de homens — o Paraguai teve sua população masculina praticamente dizimada.


Contam os repórteres da época que, quando terminou a "Guerra Grande" — como a chamam os paraguaios —, havia no país quatro mulheres para cada homem (e, em algumas regiões, 20 mulheres por homem).

Um desastre demográfico que, segundo muitos historiadores, atrasou gravemente o desenvolvimento do país.

Cadáveres de paraguaios mortos na Guerra do Paraguai

CRÉDITO,BIBLIOTECA NACIONAL DEL URUGUAY

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O uruguaio Javier López fotografou cenas da guerra para a Casa Bate & Cía; nesta imagem, corpos de paraguaios mortos em batalha

O que aconteceu?

A pior guerra na história da América Latina teve origem em um conflito interno que surgiu no Uruguai e passou rapidamente para o nível regional (alguns dizem que por conta de interesses comerciais do Império Britânico).

Foi em 1864, poucas décadas após os países sul-americanos declararem suas independências das potências europeias, e quando as fronteiras das novas nações ainda estavam sendo definidas.

A faísca que desencadeou tudo foi uma disputa entre os partidos tradicionais do Uruguai: o Partido Nacional (ou Branco), que governava, e o Partido Colorado.

O governo de Bernardo Prudencio Berro, do Partido Branco, era o único aliado regional do Paraguai e lhe garantia uma saída ao mar (embora, na prática, antes da guerra, os paraguaios usassem principalmente o porto de Buenos Aires para chegar ao Atlântico).

Já os colorados, liderados pelo general Venancio Flores, tinham o apoio do Brasil.

Por isso, quando Flores, com a ajuda do Brasil, encabeçou uma revolução para derrubar Berro, o presidente paraguaio, o marechal Francisco Solano López, decidiu sair em defesa do governo uruguaio.

Solano López ordenou a captura de um barco mercante brasileiro e invadiu o Estado brasileiro do Mato Grosso, que o Paraguai e o Brasil disputavam.

A partir dali, ele pretendia enviar suas tropas até o Uruguai, mas para isso precisava atravessar a Província argentina de Corrientes.

Francisco Solano López

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Francisco Solano López foi nomeado Herói Máximo da Nação no Paraguai em 1936; o dia de sua morte, 1º de março, foi declarado Dia dos Heróis em sua memória

Foi assim que a Argentina entrou no conflito. O presidente do país, Bartolomé Mitre, era aliado dos colorados uruguaios, como o Brasil.

Por isso, ele negou o pedido de Solano López para atravessar Corrientes, e quando o marechal invadiu a Província, a Argentina se uniu ao Brasil e ao novo governo uruguaio contra o Paraguai.

As vítimas civis

Parte do motivo pelo qual a Guerra do Paraguai — ou Guerra da Tríplice Aliança — foi tão sangrenta foi o pacto que Argentina, Brasil e Uruguai fizeram para não encerrar o conflito até que Solano López fosse morto (o que ocorreu em 1º de março de 1870).

Isso fez com que a guerra se estendesse mesmo depois de o Paraguai ter sido invadido e arrasado, graças à enorme disparidade entre o tamanho e o poder de fogo entre as forças aliadas e as paraguaias.

Segundo o historiador paraguaio Fabián Chamorro, o dado mais "estremecedor" da guerra foi que a maioria das vítimas paraguaias não eram soldados (que eram cerca de 90 mil), mas sim a população civil, incluindo meninos, velhos e mulheres.

Milhares de meninos e adolescentes também morreram nas frentes de batalha, já que, diante do extermínio de suas tropas, Solano López começou a recrutar soldados cada vez mais jovens.

A historiadora alemã Barbara Potthast, que investigou em profundidade a Guerra do Paraguai, disse à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que esses meninos e jovens haviam atuado como "uma barreira humana para que o exército (inimigo) não avançasse".

Menino soldado argentino

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Havia meninos nos dois lados da Guerra do Paraguai — como este argentino que tocava tambor em um batalhão de infantaria

O caso mais tristemente célebre foi o da batalha de Campo Grande (ou Acosta Ñu, para os paraguaios), em 16 de agosto de 1869, na qual cerca de 20 mil soldados brasileiros lutaram contra aproximadamente 3.500 menores paraguaios, que morreram em sua maioria.

Por causa dessa batalha, o Dia da Criança no Paraguai se celebra em 16 de agosto.

Novo mapa

O pano de fundo da guerra, além do conflito político, foi a disputa territorial.

Antes do embate, o Paraguai tinha acordos territoriais com o Brasil e a Argentina.

Depois da guerra, o país perdeu grande parte do território que reivindicava — e que segundo Chamorro representava mais de 150 mil quilômetros quadrados, além de 25% do território paraguaio.

O Brasil incorporou áreas aos atuais Estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, e a Argentina conseguiu anexar as atuais Províncias de Formosa e Misiones.

Território do Paraguai antes e depois da guerra

Além disso, o Brasil ocupou o Paraguai por seis anos e exigiu uma indenização pela guerra.

"A guerra nos condenou a décadas e décadas de prostração econômica", disse à BBC News Mundo o historiador Fabián Chamorro.

"Devastou o país e, de certa forma, o Paraguai nunca se recuperou de tudo isso. Nunca teve um apoio da parte dos aliados para voltar a florescer economicamente, e demograficamente a catástrofe foi gigantesca", afirmou.

Uma das consequências indiretas da guerra, segundo Chamorro, foi que o Paraguai "não recebeu a migração de grande escala que receberam os vizinhos Argentina, Brasil e Uruguai".

"As consequências continuaram a ser sentidas por muito tempo, e periodicamente afloram no espírito paraguaio", conclui o historiador.


Professor Edgar Bom Jardim - PE