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É uma triste coincidência que a agressão ao ministro Alexandre de Moraes e seus familiares por parte de um empresário bolsonarista, no aeroporto de Roma, tenha ocorrido quando João Cézar de Castro Rocha está lançando o livro "Bolsonarismo - da guerra cultural ao terrorismo doméstico" (Autêntica). Professor de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Castro Rocha se dedica há anos ao estudo das estratégias da extrema direita brasileira e na obra atual constata uma perigosa transformação. A agressividade dos bolsonaristas está passando do discurso para o enfrentamento físico.
"O bolsonarismo passou do limite da possibilidade de convivência na pólis", afirmou o professor à coluna. "Ou nós reagimos agora ou as consequências para o futuro serão funestas".
A tese que o pesquisador defende no livro é que a extrema direita liderada por Jair Bolsonaro deixou de lado a narrativa da guerra cultural e passou ao confronto real, que acontece de várias formas. Como, por exemplo, a agressão ao ministro Moraes. É o que chama de terrorismo doméstico
Castro Rocha defende que sejam tomadas medidas rigorosas e céleres contra os agressores. "O 8 de janeiro não acabou, o ataque a Moraes mostra isso", diz ele.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Terrorismo doméstico
O bolsonarismo começou usando a estratégia de guerra cultural, mas não era mais possível continuar apoiando o governo apenas com base nisso. Porque não se pode reduzir a morte a um meme. Não se pode reduzir a vida à disputa de narrativa política. Havia duas opções: abandonar o bolsonarismo -- e em parte muitos o fizeram, e Bolsonaro perdeu a eleição, como o Trump, nos Estados Unidos - mas há os que insistiram em apoiar o Bolsonaro. É escandaloso que esse seja o caso de dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras. Tiveram que abandonar a guerra cultural como disputa narrativa pra abraçar a guerra cultural como forma de vida. Estamos aqui a um passo de um ethos religioso. É perfeitamente compreensível que o apoio das igrejas neopentecostais a Bolsonaro tenha se ampliado neste momento.
Uma vez que o bolsonarismo passa a uma espécie de quase seita religiosa, a derrota eleitoral deixa de ser aceitável. Pior: se é assim, então aquele que discorda de você não é um adversário político com o qual deva dialogar. É um ímpio, é alguém que tem que ser eliminado. A violência que era simbólica se torna física. Houve vários casos no Brasil, como o assassinato do Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu e outros episódios. A minha hipótese então é que o bolsonarismo se tornou terrorismo doméstico que se manifesta de formas diversas.
Da violência simbólica à violência física
"O que aconteceu com o ministro Alexandre de Moraes é a pior demonstração possível. Ele é agredido verbalmente e o filho é agredido fisicamente. O bolsonarismo no Brasil hoje não pode mais ser compreendido apenas como guerra cultural. É preciso entender que com a pandemia o ethos religioso passou a ser dominante, a guerra cultural foi de disputa narrativa para forma de vida
Quando isso acontece, entramos na esfera da seita. Sendo assim, não há possibilidade alguma para a política. Não há espaço algum para aceitação de qualquer nível de contraditório. Quem discorda é respondido com sarcasmo, que é uma violência simbólica, ou com violência física. Isso quer dizer o seguinte: ou nós tomamos uma atitude em relação a deputados como Gustavo Gayer, André Fernandes, Abílio Brunini, Nikolas Ferreira, Carla Zambelli ou o Parlamento perderá totalmente a legitimidade. O que que nós vamos esperar? Uma nova bomba?
Agressão a Moraes deve ser levada a sério
O bolsonarismo não consegue conviver com a polis, por isso o objetivo dos deputados bolsonaristas é despolitizar a política. Toda atitude do militante bolsonarista é no sentido da agressão. Se esses bolsonaristas fazem isso contra o ministro Alexandre de Moraes, o que não farão comigo ou com você se nos encontrarem na rua? O que eles fizeram com Alexandre de Moraes é uma advertência que nós temos que levar a sério.
O bolsonarismo não mais se entende sobre o conceito de guerra cultural. Por isso o meu livro se chama 'Bolsonarismo — da guerra cultural ao terrorismo doméstico'. Não é uma frase de efeito, é uma hipótese que eu estou propondo para a sociedade brasileira. O bolsonarismo passou do limite da possibilidade de convivência na pólis. Ou nós reagimos agora ou as consequências para o futuro serão funestas.
Retórica do ódio
A dissonância cognitiva coletiva produzida deliberadamente pelo bolsonarismo por meio das redes sociais gera a retórica do ódio. Isso impede ver no outro uma subjetividade autônoma, veem no outro apenas o inimigo a ser eliminado. Se um empresário bem-sucedido, que foi candidato a prefeito numa cidade do interior de São Paulo, tem uma tal atitude insensata, qual será o próximo passo dos bolsonaristas fanatizados que não têm a formação ou que não são tão bem-sucedidos socialmente quanto aquele senhor? É um cenário distópico.
https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves