Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente do Brasil no domingo (30/10), com 50,83% dos votos válidos.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) teve 49,17%. Os votos nulos somavam 3,16% e os brancos, 1,43%. O TSE confirmou a vitória de Lula com 98,86% das urnas apuradas.
A apuração foi apertada na maior parte do tempo. Bolsonaro saiu à frente, mas Lula o passou quando quase 70% das urnas estavam apuradas e ampliou pouco a pouco a vantagem.
Este será o terceiro mandato do petista, que governou o país de 2003 até 2006, e de 2007 até 2011.
1. O apoio de uma 'frente ampla'
Lula conquistou aliados importantes, que foram além dos nomes previsíveis do espectro político da esquerda. Entre eles, os ex-opositores: o sutil apoio declarado por Ciro Gomes (PDT) e o apoio vocal e até militante de Simone Tebet (MDB), que tem acompanhado o petista nos atos de campanha.
"O candidato do PT conseguiu organizar em torno de si amplo apoio de segmentos sociais variados, incluindo classe de baixa renda, mulheres de vários campos profissionais, artistas, celebridades, parte da classe econômica, política e do capital financeiro", aponta a professora Maria do Socorro Braga.
Na avaliação do cientista político Creomar de Souza, Lula rompeu uma barreira ideológica ao conseguir apoios de figuras consideradas da centro-direita.
"Nomes como Simone Tebet e Fernando Henrique Cardoso, que não votaram no PT, isso é uma novidade no quadro político. Já os apoios que o Bolsonaro recebeu até agora são mais do mesmo. Não há ninguém que entrou no palanque que possamos dizer 'esse eu não esperava'."
2. Desempenho nos debates
Na avaliação de cientistas políticos, o desempenho do petista deixou a desejar em alguns momentos dos debates, tanto no primeiro quanto no segundo turno.
"Lula não usou bem o seu tempo e ainda buscou ingenuamente se colocar como colega de um político que defende dizimar o oponente. Como estadista que o Lula é, precisa ter outra postura e atitudes diante das agressões, acusações, pressões e ameaças de Bolsonaro. A depender dos temas, ele poderia ter sido mais propositivo, estratégico e até focado em desequilibrar Bolsonaro", opina Maria do Socorro Braga, professora de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Mas em alguns momentos, Lula parece ter conseguido se comunicar bem com parte ampla do eleitorado, incluindo, possivelmente a parcela que ainda não havia decidido o voto. Entre os destaques, estão os momentos em que o petista ênfase ao legado de seu governo em políticas sociais e defendeu conquistas econômicas.
Contra o adversário, os destaques ficaram em transmitir mensagens sobre a má gestão de Bolsonaro durante a pandemia da covid-19, no âmbito da proteção do meio ambiente e em questionar Bolsonaro sobre o sigilo de cem anos, o caso da 'rachadinha' e a compra de dezenas de imóveis pela sua família.
3. Polêmicas protagonizadas por Bolsonaro
A campanha do oponente de Lula, Jair Bolsonaro, foi marcada por polêmicas.
Em 14 de outubro, durante uma entrevista a um podcast, Bolsonaro disse que "pintou um clima" durante visita a um grupo de meninas venezuelanas no Distrito Federal.
Na ocasião, ele associou as adolescentes à exploração sexual: "Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. Eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida."
A fala teve grande repercussão, com críticas pelo uso do termo.
Em outro episódio, na última semana de campanha, o ex-deputado carioca Roberto Jefferson, quando soube que seria preso pela Polícia Federal, disparou mais de 50 tiros e jogou três granadas contra servidores da PF, que ficaram feridos.
"Jefferson é apoiador declarado de Bolsonaro e o resultado, previsível, foi um efeito colateral negativo na campanha bolsonarista, atingida pelo efeito dos disparos. Sobretudo porque as vítimas foram policiais, uma das bases que ajudou a eleger Bolsonaro em 2018. Vale lembrar que essa atitude violenta foi a seguida a uma primeira, dirigida a uma mulher, a ministra Cármen Lúcia , público mais refratário ao Bolsonaro", diz Braga.
A violência à ministra Carmem Lúcia citada por Braga foi proferida por Jefferson durante sua audiência de custódia, em 25 de outubro. Em depoimento a Airton Vieira, juiz instrutor do ministro Alexandre de Moraes no Supremo, Jefferson disse que Cármen Lúcia age "pior que prostitutas".
"Essa fala contra uma ministra, mulher e sexagenaria, foi ruim para Bolsonaro na questão de estratégia de gênero. Como reflexo do que aconteceu com Jefferson, agora o presidente se manifesta contra o antigo aliado, e nas propagandas políticas, fala da segurança, penalização à mãos duras, mas sem falar da questão do armamento", afirma Luciana Veiga, professora de ciências políticas na UNIRIO.
4. Ativismo nas redes sociais
"A partir de um certo momento, os grupos antibolsonaristas passam a fazer uma campanha digital de forma muito agressiva, divulgando passagens que vão complicando o presidente Bolsonaro, como a declaração de Guedes sobre o salário mínimo [após o ministro afimar que o governo estuda desvincular o reajuste do salário mínimo à taxa de inflação], a questão do 'pintou um clima' e por fim os acontecimentos envolvendo o Roberto Jefferson", diz Creomar de Souza, cientista político fundador da consultoria política Dharma.
O deputado federal e ex-candidato à Presidência da República André Janones é uma das figuras-chave nessa postura mais agressiva do espectro político da esquerda nas redes sociais. Em suas redes sociais, Janones é marcante ao insuflar polêmicas envolvendo a família Bolsonaro e criticá-los, inclusive por meio de memes e vídeos.
5. Auge do antibolsonarismo
A rejeição a Lula e ao PT que aparece nas vozes da Vila Carioca ilustra um pouco do antipetismo que vai mudando de cara quando o partido passa de oposição a situação em 2002. Um processo que atinge uma espécie de ápice entre 2014, quando é deflagrada a Operação Lava-Jato, e 2018, no movimento que culmina com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.
"O sentimento antipetista é um sentimento que existe meio pulverizado no eleitorado sem ter um grande sentimento de consolidação em algum lugar, que vai tendo no governo - nos governos petistas - razões para se fortalecer. Eu acho então depois o impeachment da Dilma e as denúncias em torno dela, do governo dela, nos escândalos de petrolão, Correios e tudo mais vão criando esse ambiente de fúria", disse o cientista político Glauco Peres, professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), à BBC News Brasil durante produção de vídeo sobre antipetismo na Vila Carioca, primeiro bairro de Lula em São Paulo.
A ascensão de Jair Bolsonaro, contudo, dá origem não só ao bolsonarismo, mas também ao antibolsonarismo, outra força que passou a mobilizar a decisão dos eleitores e que cresceu nos últimos quatro anos.
Pesquisas conduzidas pelo cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, com quem a repórter da BBC Camilla Veras Mota conversou, apontam que o antipetismo tem recuado desde as eleições de 2020, chegando a ser numericamente superado pelo antibolsonarismo recentemente.
Na pesquisa Ipec divulgada após o primeiro turno, em 5 de outubro, 50% dos entrevistados disseram que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum — independentemente de quem fosse o opositor.
Ainda assim, Lula aparecr com rejeição de acima de 35% do eleitorado — um percentual ainda relevante, que dá um pouco da dimensão do desafio de um eventual novo governo. Cm informação BBC
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