O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retoma nesta terça-feira (09/06) o julgamento de duas ações que pedem a cassação da chapa presidencial eleita em 2018, formada pelo presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão.
No total, há oito ações na Corte que tentam anular a eleição presidencial, das quais quatro tratam do suposto uso de notícias falsas (fake news) pela campanha de Bolsonaro. No entanto, o julgamento dessas quatro ações, vistas como ameaças maiores ao presidente, ainda não está marcado.
Os dois casos que serão analisados nesta terça-feira tratam de um ataque virtual a um grupo de mulheres formado no Facebook em 2018 contra a eleição de Bolsonaro — após uma invasão por hackers o grupo foi alterado para parecer que apoiava o então candidato do PSL, hoje sem partido.
O ministro relator dessas duas ações, Og Fernandes, votou em novembro contra a cassação da chapa em decorrência dessa alteração do grupo. O ministro Edson Fachin, no entanto, pediu vista (mais tempo para analisar o caso), o que levou ao adiamento do julgamento para esta terça.
Para que uma chapa eleita seja cassada, não basta que se comprove que houve ilegalidade na campanha. É preciso também que os ministros considerem eventual irregularidade cometida na eleição grave a ponto de comprometer a integridade do pleito, explica Lara Ferreira, professora de direito eleitoral na Faculdade Dom Helder Câmara. É isso que os sete ministros do TSE devem analisar nessas ações.
Uma eventual cassação da chapa presidencial ainda este ano provocaria a convocação de uma eleição direta extraordinária para escolher novos presidente e vice-presidente que governariam até 2022. Se Bolsonaro e Mourão vierem a ser cassados a partir de 2021, haveria eleição indireta pelo Congresso para definir o novo mandatário do país.
Entenda melhor a seguir as oito ações que tramitam no TSE e qual o risco que representam para Bolsonaro e Mourão.
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O que será julgado nesta terça-feira?
As duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) que serão julgadas nesta noite foram apresentadas, respectivamente, pela coligação Unidos para Transformar o Brasil (Rede/PV), da candidata derrotada Marina da Silva, e pela coligação Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil (PSOL/PCB), do candidato derrotado Guilherme Boulos.
Ambas argumentam que o ataque ao grupo do Facebook constitui abuso eleitoral e pedem a cassação dos mandatos de Bolsonaro e Mourão, além da declaração de inelegibilidade dos dois por oito anos.
A invasão e alteração do grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro", que reunia mais de 2,7 milhões de pessoas, segundo os autores das ações, ocorreu em setembro de 2018. Após esse ataque, o grupo ganhou o nome de "Mulheres COM Bolsonaro #17" e passou a compartilhar mensagens de apoio ao então candidato, além de excluir manifestações de participantes contrárias à chapa do PSL.
No dia 15 daquele mês, Bolsonaro postou em suas redes sociais uma imagem do grupo modificado com a mensagem "Obrigado pela consideração, Mulheres de todo o Brasil!". Para as coligações de Boulos e Marina Silva, esse agradecimento publicado pelo então candidato seria forte indício de que Bolsonaro teria participado ou teria ciência do ataque.
A argumentação não foi aceita pelo relator das duas ações, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Og Fernandes. Único a votar até agora, ele considerou que as provas levantadas no processo confirmam que o grupo sofreu invasão, mas ressaltou que não foi possível confirmar a autoria do ataque.
Além disso, Fernandes avaliou que a invasão do grupo por menos de 24 horas não teve gravidade capaz de comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito. Para o relator, a cassação da chapa eleita só deve ser adotada em situações excepcionais, quando houver provas robustas e contundentes de autoria e participação no ato ilegal.
Embora os demais ministros possam divergir do ministro relator, o voto de Fernandes é um indicativo de que estas duas ações representam baixo risco para Bolsonaro e Mourão.
O TSE é formado por três ministros do STF, dois do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e dois oriundos da advocacia, nomeados pelo Presidente da República a partir de uma lista eleita pelo Supremo.
Faltam votar nessas duas ações os ministros Tarcisio Vieira e Sérgio Banhos (oriundos da advocacia), o ministro Luiz Felipe Salomão (do STJ, assim como Og Fernandes) e os ministros do STF Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, este último, atual presidente do TSE.
Como andam as 4 ações que acusam campanha de fake news?
Há quatro Aijes pedindo a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelo suposto uso de notícias falsas (fake news) na campanha presidencial para atacar adversários. Essas ações investigam, por exemplo, possíveis irregularidades na contratação do serviço de disparos em massa de mensagens pelo aplicativo WhatsApp durante a campanha eleitoral.
Duas dessas ações foram apresentadas pela coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PCdoB/PROS), do candidato derrotado Fernando Haddad, e duas pela coligação Brasil Soberano (PDT/AVANTE), do candidato derrotado Ciro Gomes.
Elas foram iniciadas após reportagem do jornal Folha de S.Paulo publicada em outubro de 2018, antes do segundo turno da eleição presidencial, apontar que empresas de apoiadores de Bolsonaro teriam contratado pacotes de disparo em massa de mensagem para atacar o candidato petista, Fernando Haddad. A prática seria ilegal porque empresas estão proibidas de contribuir com campanhas desde 2015.
As acusações iniciais descritas nessas Aijes são vistas como frágeis dentro da Procuradoria-Geral Eleitoral devido à falta de provas consistentes, apurou a BBC News Brasil. Essas ações, porém, causam preocupação dentro do Palácio do Planalto devido à possibilidade de serem abastecidas por provas levantadas no Inquérito das Fake News (investigação aberta no STF para apurar ataques a seus ministros) ou na CPI das Fake News (comissão parlamentar que tem como um dos focos de investigação a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018).
No caso do Inquérito das Fake News, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes, que preside as investigações, determinou no final de maio que fossem quebrados os sigilos bancário e fiscal de quatro empresários bolsonaristas para apurar se eles teriam financiado uma rede de disparo de notícias falsas e ataques contra ministros do STF.
Sua decisão determinou a quebra de sigilo desde julho de 2018, o que poderia revelar eventuais ações desses empresários durante a campanha eleitoral. Entre os alvos dessa decisão está Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan.
A coligação de Haddad já pediu ao ministro Og Fernandes, relator das ações no TSE, que autorize o compartilhamento de eventuais provas colhidas no inquérito aberto no STF e na CPI, enquanto a defesa de Bolsonaro se posicionou contra essa possibilidade. Falta a Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestar para o TSE decidir se autoriza ou não esse compartilhamento.
À BBC News Brasil, a defesa da coligação de Haddad disse acreditar que a conclusão do julgamento dessas ações ainda deve demorar, devido ao desafio que o TSE enfrenta neste ano com a realização das eleições municipais em meio à pandemia de coronavírus.
"Por um questão prática, é muito difícil que o TSE consiga analisar essas ações ainda este ano", afirma o advogado Marcelo Schmidt, do escritório Aragão e Ferraro.
O que vai influenciar no compartilhamento ou não das provas?
O compartilhamento de provas entre diferentes processos é algo comum, ressalta a professora de direito eleitoral Lara Ferreira. O inquérito das Fake News, porém, é considerado ilegal por parte dos juristas, já que foi instaurado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, sem participação do Ministério Público Federal.
Nesta quarta-feira (10/06), o STF vai julgar um pedido do partido Rede para encerrar a investigação, que é conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, por escolha de Toffoli. O resultado desse julgamento deve ser determinante para que o TSE decida se é possível importar provas do inquérito das Fake News para as ações que acusam a campanha de Bolsonaro de divulgação de notícias falas.
Como alguns ministros do STF já se manifestaram publicamente a favor do inquérito, a expectativa é que a maioria do Supremo mantenha a investigação, mas adote algumas medidas para garantir sua legalidade, como determinar a participação do Ministério Público e estabelecer que Moraes não poderá julgar eventuais processos abertos a partir dela.
No entanto, mesmo que o inquérito seja considerado legal e as provas possam ser compartilhadas, isso não significa, necessariamente, que elas serão consideradas no julgamento da chapa presidencial.
No caso do julgamento da chapa eleita na eleição de 2014, composta por Dilma Rousseff e Michel Temer, o TSE autorizou o compartilhamento de provas da Operação Lava Jato que indicavam possíveis ilegalidades na campanha eleitoral. Porém, depois, a Corte decidiu que esses elementos não poderiam ser considerados no julgamento eleitoral porque não tinha relação com os fatos narrados na acusação inicial da ação.
"Esse caso é diferente, na medida em que o próprio ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra de sigilo dos empresários desde julho de 2018", argumenta Marcelo Schmidt, um dos advogados da coligação de Haddad.
"Por esse recorte temporal, que abarca o período eleitoral, por se tratar da mesma prática, o uso de recursos de empresários para disseminar notícias falsas, acreditamos que o compartilhamento das provas seria inevitável", disse ainda.
A professora de direito eleitoral Lara Ferreira também considera que o caso atual é diferente da ação contra a chapa Dilma-Temer e diz que, em tese, o uso das provas na ação eleitoral contra Bolsonaro é possível.
"Mas eu digo isso em tese porque será necessário verificar em cada uma das provas que forem trazidas se elas são pertinentes e necessárias nesse processo da Justiça Eleitoral", ressaltou.
A advogada Karina Kufa, que defende Bolsonaro, não atendeu ao pedido de entrevista para essa reportagem. Em manifestação ao TSE ela argumentou queo inquérito das Fake News apura ataques contra o Supremo e, portanto, não tem relação com o objeto inicial das ações eleitorais contra a chapa presidencial.
Ela também argumenta contra o uso de provas da CPI das Fake News por considerar que a comissão parlamentar se desvirtuou de seu foco original, se transformando "em arena de embates ideológicos por opositores do atual governo".
Quais as outras duas ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão?
Há ainda mais duas ações movidas pela coligação de Fernando Haddad. A que está mais adiantada e aparenta menor risco para Bolsonaro e Mourão é a Aije que aponta suposto favorecimento da chapa vitoriosa pela TV Record e seu portal de notícias, o R7, durante a cobertura das eleições. Essa ação já foi rejeitada por unanimidade pelo TSE em outubro, mas a Corte ainda vai julgar um último recurso da coligação de Haddad contra essa decisão.
A outra ação acusa a campanha de Bolsonaro de ter cometido abuso econômico no uso de outdoors em 33 municípios, de 13 Estados, instrumento de propaganda que é expressamente proibido pela legislação eleitoral. Segundo a coligação O Povo Feliz de Novo, o uso de outdoors em diferentes cidades indica um uso coordenado desse instrumento em favor da campanha de Bolsonaro.
Já a defesa do presidente diz que esses outdoors foram contratados por diversos apoiadores de forma espontânea, sem prévio conhecimento de Bolsonaro. Ao pedir a rejeição da ação, seus advogados também ressaltam que os outdoors não traziam pedidos de voto, o número de candidato ou o cargo para o qual Bolsonaro concorria.
Em março, a Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou contra a cassação da chapa vitoriosa, por considerar não haver provas de que a ação foi coordenada pelos então candidatos do PSL.
Além disso, a PGE considerou que anúncios em favor de Bolsonaro não seriam suficientes para provocar o desequilíbrio do pleito, já que a investigação do Ministério Público indicou que outdoors utilizados representariam um investimento de R$ 141.332, valor baixo quando comparado ao gasto total da campanha de Bolsonaro (cerca de R$ 2,5 milhões) e ainda menor se comparado ao gasto da campanha de Haddad (quase R$ 40 milhões).
Essa ação já está em fase final, faltando o relator, ministro Og Fernandes, liberar seu voto para que seja marcado o julgamento.
A defesa da coligação de Haddad, porém, considera que isso ainda pode demorar, considerando que é um processo grande, que envolve muitas pessoas (os apoiadores de Bolsonaro que custearam os outdoors).
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