O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rejeitou por unanimidade os recursos apresentados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a condenação a 12 anos e um mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá (SP).
A decisão veio dentro do esperado e pode levar o petista à prisão, a não ser que ele consiga uma decisão favorável no dia 4 de abril, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma a análise do seu pedido de habeas corpus. Na última quarta-feira, a Corte decidiu dar um salvo-conduto a Lula para que ele não seja preso até a conclusão desse julgamento.
Há muita incerteza sobre se o habeas corpus será concedido e a expectativa é que o voto da ministra Rosa Weber será decisivo - ela é contra a prisão após condenação em segunda instância, quando ainda cabem recursos às cortes superiores, mas tem negado pedido de habeas corpus em respeito à maioria do STF, que em 2016 autorizou o cumprimento antecipado da pena.
Se o habeas corpus for concedido, Lula continuará em liberdade. Se for negado, o juiz federal Sergio Moro, que condenou o petista na primeira instância - decisão confirmada pelo TRF-4 em 24 de janeiro -, pode assinar imediatamente um mandado de prisão.
Na prática, o esgotamento do último recurso no TRF-4 significa que Lula não mais poderá ser inocentado no caso do tríplex, porque os tribunais superiores não analisarão mais as provas em favor ou contra o petista - acusado de receber o apartamento como propina da empreiteira OAS.
Tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto no Supremo Tribunal Federal (STF) caberão recursos da defesa sobre se foi correta a aplicação da lei penal e sobre se as provas foram coletadas licitamente pela investigação, mas não devem se repetir nos tribunais discussões sobre se Lula é ou não efetivamente dono do tríplex. Lula ainda poderá se livrar da acusação se os ministros concluírem que houve desvio no processo que ele enfrentou.
Por enquanto, apesar da condenação, Lula continua como pré-candidato do PT à Presidência. Do ponto de vista eleitoral, a rejeição dos recursos finais (embargos de declaração) pelo TRF-4 reforça seu enquadramento na Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de concorrer, explica a advogada Marilda Silveira, vice-presidente do Instituto Brasiliense de Direito Eleitoral.
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Os embargos de declaração são recursos apresentado para tentar resolver possíveis omissões, contradições, pontos obscuros e até erros de digitação em uma decisão judicial. Em tese, a defesa de Lula ainda pode recorrer novamente, mas os desembargadores do TRF-4 não têm permitido os chamados "embargos dos embargos", por considerá-los "protelatórios", isto é, algo que só tem por objetivo atrasar o processo, e não esclarecer dúvidas legítimas.
"Mesmo com os embargos de declaração pendentes (de serem julgados), a Lei da Ficha Limpa já poderia ser aplicada a Lula. O que mudou agora é que a última esperança dele de modificar a sentença na segunda instância foi por água abaixo", explica Silveira.
No entanto, ressalta ela, a rejeição da candidatura com base nessa regra depende de uma decisão formal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que só pode ser tomada depois que a candidatura vier a ser registrada, o que pode ser feito mesmo que o petista seja preso. O prazo final é dia 15 de agosto.
Para evitar que o TSE rejeite seu registro, Lula agora depende de uma decisão liminar (provisória) de cortes superiores - STJ ou STF - suspendendo a aplicação da inelegibilidade. Essa liminar pode ser obtida se os ministros entenderem que o processo que condenou o petista tem ilegalidades - embora a defesa do ex-presidente e seus apoiadores acreditem nisso, Silveira diz que é raro que se consiga esse tipo de decisão.
O habeas corpus que está em análise no STF não entra na questão da inelegibilidade, o que significa que a defesa de Lula ainda terá que apresentar um pedido para evitar a aplicação da Lei da Ficha Limpa.
Além disso, encerrados os recursos no TRF-4, Lula poderá tentar anular sua condeação no STF ou no STJ, mas esses julgamentos tendem a demorar, sendo improvável que sejam concluídos antes da eleição em outubro.
As cortes superiores não analisam as acusações concretas e provas, mas se a lei e a Constituição foram aplicadas corretamente ao longo do processo. Caso STJ ou STF entendam que houve ilegalidade no julgamento de Lula, ele pode ser absolvido.
O que foi rejeitado nos embargos?
Nos embargos rejeitados pelo TRF-4 hoje, os advogados Cristiano Zanin Martins e José Roberto Batochio apontaram 38 omissões, 16 contradições e cinco obscuridades na decisão de 24 de janeiro, que condenou Lula a 12 anos e um mês de prisão.
No documento, os defensores apontaram supostos erros na argumentação dos desembargadores. Citaram, por exemplo, depoimentos de delatores que contradiriam pontos da sentença. Sustentaram também que Sergio Moro não tinha a isenção necessária para julgar o petista, mencionando, entre outros pontos, a página no Facebook "Eu Moro Com Ele", criada pela mulher do juiz paranaense. Além disso, questionaram decisões tomadas ao longo do processo que teriam prejudicado o direito de defesa do ex-presidente.
Apenas um dos pedidos foi aceito pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, os mesmos que condenaram Lula em janeiro. Era o que requeria a correção de um erro material em relação à denominação dada à construtora OAS, chamada algumas vezes no voto de OAS Empreendimentos. A modificação, entretanto, não altera a decisão proferida pelo tribunal no dia 24 de janeiro deste ano.
O petista nega que tenha recebido o apartamento tríplex da construtora OAS e ressalta que o imóvel nunca constou no seu nome. O Ministério Público Federal diz que o apartamento foi bancado com dinheiro desviado da Petrobras e estava reservado para Lula, enquanto a defesa diz que não há provas materiais disso e que depoimentos de outros réus usados na acusação não são suficientes para condenar o ex-presidente.
'Esticar a corda'
Apesar do cenário adverso, petistas têm mantido a defesa da candidatura de Lula. "A questão do PT está definida, vamos registrar o Lula no dia 15 de agosto em qualquer hipótese", disse o ex-presidente do partido Rui Falcão neste sábado à Agência Estado. "Se ele vai poder ser candidato ou não, isso é outro momento e quem vai decidir isso é o TSE", completou.
Não está claro, porém, qual a viabilidade política desse plano se Lula vier a ser preso. Para a cientista política Marcia Dias, professora da Unirio, os efeitos políticos de uma eventual detenção de Lula dependerá da comoção que isso gerará na população. "Dependendo da carga de emoção, uma prisão pode até contribuir para sua candidatura", acredita.
Já o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, considera que, se Lula conseguir o habeas corpus, o PT terá mais condições de "esticar a corda ao máximo" e manter sua candidatura até o limite de uma proibição do TSE, pela Lei da Ficha Limpa.
Na sua avaliação, até mesmo se Lula for preso por um período breve o plano ainda teria viabilidade. Isso pode ocorrer se o petista perder o habeas corpus no STF, mas na sequência a corte decidir rever a permissão para prisão após condenação em segunda instância. Há duas ações prontas para serem julgadas que podem levar a esse resultado - a presidente do Supremo, Carmén Lúcia, tem resistido a pautá-las para julgamento, mas a pressão para que isso seja feito tem aumentado dentro do tribunal.
"Não acho que uma prisão por período curto vá abalar a imagem de Lula no seu eleitorado. Mas se a prisão se prolongar para o período de definição das candidaturas, de meados de julho a início de agosto, seria o pior dos mundos para o partido, que não parece estar pronto para caminhar sem uma atuação mais ativa sem Lula nessas negociações", afirma Cortez.
"O PT criou uma dependência muito grande de Lula, até para mobilizar sua base de esquerda", observa.
Se o PT se vir forçado a abandonar a candidatura do seu principal líder, Cortez acredita que um eventual apoio ao pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, aumentaria as chances de o campo de esquerda chegar ao segundo turno.
No entanto, para o analista da Tendências, parece mais provável que o partido substitua o ex-presidente por outro petista, tentando transferir os votos de Lula. Os nomes que vêm sendo mais cotados são do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e do ex-governador da Bahia Jaques Wagner.
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