Historicamente, presidentes americanos costumam ter um respeito reverencial às Forças Armadas do país. Mas, segundo uma reportagem publicada na quinta-feira (03/09), pela revista americana The Atlantic, esse não é o caso de Donald Trump.
Em um texto que despertou a ira do republicano, candidato à reeleição em novembro, a publicação afirma ter colhido relatos de diferentes fontes sobre o que chama de "desdém" de Trump por veteranos e heróis de guerra dos Estados Unidos. Segundo a The Atlantic, Trump teria chamado soldados de seu país que foram feridos, capturados ou mortos no front de "perdedores" e "otários".
A revista descreve que, em uma visita à França em 2018, Trump teria inventado uma desculpa para não ir ao cemitério Aisne-Marne, onde estão enterrados os corpos de 1,8 mil fuzileiros navais americanos mortos em confronto com forças alemãs na Batalha de Belleau, em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial.
"Por que eu deveria ir àquele cemitério? Está cheio de perdedores", Trump teria dito. Ainda na mesma viagem, ele teria perguntado "quem eram os mocinhos nessa guerra?".
O presidente americano teria também recomendado a seus assessores que não incluíssem veteranos amputados ou desfigurados em uma parada militar em 2018: "Ninguém quer ver isso", ele teria dito.
O conteúdo da reportagem foi integralmente confirmado por fontes da agência Associated Press.
Histórico desfavorável
Não é a primeira vez que o nome de Trump aparece associado a mostras de pouco apreço à atividade militar.
Ele mesmo conseguiu ser dispensado de cinco convocações diferentes para a Guerra do Vietnã — em uma delas, apesar de ser atleta, justificou-se com um atestado médico que dizia que ele tinha esporão ósseo no pé.
Segundo seu ex-advogado pessoal Michael Cohen, Trump teria admitido a ele que o atestado era falso. "Quando eu pedi os registros médicos dele, ele não me deu nenhum e disse que não havia cirurgia. Ele finalizou com: 'Você acha que eu sou estúpido? Eu não ia para o Vietnã'", testemunhou Cohen à uma comissão da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, em 2018.
Em outro episódio envolvendo a Guerra do Vietnã, Trump afirmou que o senador republicano John McCain, que passou mais de cinco anos como prisioneiro do exército vietcongue, era "um perdedor".
"Ele não era um herói de guerra. Ele era um herói porque foi capturado? Eu gosto de pessoas que não foram capturadas", afirmou Trump durante a campanha de 2015.
Horas após a publicação da reportagem, Trump foi ao Twitter dizer que o conteúdo é "falso". E negou que tivesse chamado McCain de "perdedor", contrariando postagens que ele mesmo fez em sua conta na mesma rede social há cinco anos.
"Eu juro por qualquer coisa ou qualquer pessoa pela qual queiram que eu jure que jamais chamei nossos grandes soldados mortos de qualquer outra coisa além de HERÓIS. Isso é mais uma história falsa criada por perdedores invejosos e abjetos em uma desgraçada tentativa de influenciar as eleições de 2020!", postou o presidente na noite desta quinta-feira.
Impopular entre as tropas
A reportagem da Atlantic gerou reações públicas especialmente entre membros da reserva das Forças Armadas do país. Em um vídeo no Twitter, o major aposentado Paul Eaton pediu a seus colegas de farda para votarem em um "patriota de verdade"e não em Trump e afirmou que "ficaria surpreso se alguém nas Forças Armadas dos Estados Unidos considerasse você (Trump) qualquer coisa, além de um perdedor ou um otário".
Outro veterano da guerra do Afeganistão, David Weissmann, que se apresenta como um ex-apoiador de Trump, recomendou a seus seguidores que colocassem fotos usando fardas nos seus perfis em redes sociais, para mostrar ao presidente quantas pessoas ele ofendeu.
Trump não vive seu melhor momento junto às tropas americanas. Em junho deste ano ele foi pública e duramente criticado por ter empregado militares na dispersão de manifestantes pacíficos das cercanias da Casa Branca.
A remoção da passeata pacífica com bombas de efeito moral e balas de borracha foi feita para que Trump pudesse posar para uma fotografia com uma bíblia na mão diante de uma igreja parcialmente queimada em um dos protestos. O presidente não é conhecido por sua religiosidade.
"Eu jamais deveria ter estado ali", afirmou o General Mark A. Milley, comandante do Exército, 10 dias após o incidente. Ele disse ainda que sua "presença naquele momento e naquele ambiente criou uma percepção dos militares envolvidos na política interna", algo que não deveria ter ocorrido.
Até mesmo o secretário de Defesa de Trump afirmou que as tropas não deveriam ser usadas pelo presidente para controlar protestos domésticos.
No fim daquele mesmo mês, o jornal The New York Times revelou que Trump havia sido informado pelo serviço secreto americano de que soldados americanos tinham se tornado alvo de milícias ligadas ao Talebã, remuneradas pelo governo russo para matá-los.
Trump teria ignorado a informação por meses e não tomado nenhuma medida para proteger seus homens, embora no Afeganistão os atentados contra militares dos Estados Unidos estivessem de fato ocorrendo.
Segundo a inteligência americana, a estratégia da Rússia era, com as mortes, desestabilizar um acordo de paz entre americanos e o regime Talebã.
A informação gerou descontentamento nos círculos militares e a percepção de que Trump não se empenhava em protegê-los. Uma pesquisa feita junto às tropas pelo jornal especializado Military Times e divulgada nessa semana mostrou os impactos desses episódios na popularidade do presidente.
Trump é aprovado por apenas 38% dos militares ouvidos na pesquisa. E, em relação à intenção de votos, 41,3% deles afirmam que votarão no democrata Joe Biden, contra 37,4% que dizem preferir Trump.