segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Educação:Inovação não pode esperar pela situação ideal, diz especialista Lisa Duty


Professor negro cercado de alunos em uma mesa vermelha com um computador e aparelhos de robótica
Foto: Getty Images
“Não podemos nos deixar envolver na perfeição, esperar quando tudo estiver perfeito. Temos que mudar nossa mentalidade e vamos usar o que temos à nossa disposição hoje. Não espere pelo ‘perfeito’ pois o ‘perfeito’ nunca chega. E essa é a essência da inovação.”
A declaração foi dada por Lisa Duty, a educadora norte-americana e fundadora da consultoria educacional Innovation Partners. Lisa trabalhou com os departamentos de Educação de três estados norte-americanos – Ohio, Rhode Island e Carolina do Sul – para a implantação de escritórios de inovação.
Na semana passada, a especialista passou pelo Brasil, onde discutiu e apresentou os casos nos quais ela trabalhou. Ela participou de palestras e apresentação no Conect-C, a série de encontros para discutir temas relevantes ligados à inovação na Educação, promovidos pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB). Lisa e também participou de uma reunião do Grupo de Trabalho de Tecnologia do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).
Entre os estados norte-americanos com os quais Lisa trabalhou, um deles se destacou por algumas semelhanças com o Brasil: a Carolina do Sul, um estado marcado pela desigualdade, pobreza e uma Educação com índices baixos.
A velocidade de conexão à internet das escolas públicas ainda é baixa, segundo pesquisa TIC Educação 2018, divulgada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br). Um estudo recente mostrou que, em 2018, nas escolas públicas pesquisadas, 5% tinham uma conexão com velocidade de até 999 kbps; 26% contavam com conexão de 1 a 2 Mbps; 33% trabalhavam com velocidade de 3 a 10 Mbps; apenas 12% usavam uma conexão com velocidade de 11 Mbps ou mais e 24% não sabiam.
Lisa Duty conta que, há pouco tempo, os Estados Unidos também tinham problemas parecidos.
“Por muito tempo tivemos discussões sobre professores permitindo que os estudantes usassem seus próprios celulares na sala de aula, porque nós não tínhamos laptops ou equipamentos para todos os alunos. Mas quase todas as crianças tinham um celular. Então havia resistência de alguns professores de deixar usar estes equipamentos, pois eles temiam que os alunos iriam se distrair.”
A educadora lembra que houve uma mudança de mentalidade entre os professores, que começaram a usar essas ferramentas. Ainda não significava uma situação ideal, mas eles começaram a notar o impacto no aprendizado dos estudantes.
“Uma vez que você vê professores usando isso de forma eficaz e você vê os resultados, você não consegue fazer parar, não consegue evitar que se espalhe de sala de aula para sala de aula.  Mesmo que você não tenha a infraestrutura perfeita, com equipamentos todos iguais e coisas assim, não é (a situação) ideal, mas a inovação não diz respeito ao que é ideal. Inovação é sobre o que estamos tentando alcançar, qual é o objetivo de aprendizado e o que podemos fazer para alcançar esse objetivo. E se a tecnologia puder ser uma parte disso, você usa, imperfeita ou não.”
A especialista também conta que, para acelerar a mudança de mentalidade, o que foi feito nos estados onde ela trabalhou foi uma busca por professores inovadores para dar apoio a eles.
“Acredito que sempre vão existir muitos professores que estão na vanguarda, que sempre querem tentar alguma coisa de forma muito inventiva, muito criativa. O que fizemos nos Estados Unidos foi nos concentrar nesses professores que realmente queriam inovar”, diz.
A especialista em Educação norte-americana Lisa Duty durante palestra em São Paulo
A especialista em Educação norte-americana Lisa Duty durante palestra em São Paulo  Foto: Vinícius de Oliveira/Porvir
No entanto, a educadora afirma que não pode ser um processo obrigatório.
“Aqueles que estão prontos para avançar e progredir, vamos dar apoio a eles, vamos ajudá-los. Acho que ajuda muito colocá-los em contato uns com os outros, ajudá-los a se encontrarem. Em algumas escolas podem haver vários então você pode formar um grupo. E talvez em outra escola exista um ou dois. Unindo estes professores, eles podem compartilhar conhecimento, amplificar o que eles sabem, resolver problemas juntos, avançar muito mais rápido. Acredito que eles vão conseguir os resultados em qualquer país, em qualquer contexto. Sempre vão existir os professores que querem ir primeiro e isto significa uma experiência diferente na vida de seus alunos”, explica.
Para Lisa, uma vez que os resultados começam a aparecer, outros professores vão seguir.
Fragmentos de Nova Escola
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 25 de agosto de 2019

A sociedade administrada


Tudo parece um encantamento de novidades e magias tecnológica. Difícil é escolher. Muitas opções que pagam ilusões ou mascaram enganos. A sociedade se arma para inquietar, mas também triturar ingenuidades e quebrar valores. É preciso abrir os olhos e não se enfeitiçar. Esquecer a complexidade dos planejamentos, as astúcias dos senhores do poder. O jogo da mídia servil é desgastante para quem não despreza o afeto. O cuidado chama a crítica e a compreensão levanta dúvidas. Não há respostas firmes, as vacilações não se vão e a vida pede paciência e sabedoria.
O mundo do trabalho é massacrante. A busca da grana deixa sequelas nos sentimentos, enconde desejos de convivências solidárias e traz desconfianças. Quem se encontra no meio da berlinda? Quem pode significar nas suas imaginações sem se perder nas tramas do consumo? Ler o mundo é um desafio. Há inúmeras interpretações, as cores se inventam e palavras voam. Portanto, a travessia é instável e os governos usam de manipulações frequentes. Combatem rebeldias, administram com sutilezas os desejos e as ousadias.
Analise as afirmações de maio de 1968 ou mergulhe nas reflexões de Camus. Não faltam autores que acenam para a dureza das manobras capitalistas. Marcuse lança questões sobre o prazer, Adorno coloca a nudez da massificação, Marx já lembrava a força do valor de troca. Não fique distante de quem ajuda a mostrar a incompletude. A onipotência não alivia, nem existe. A cultura possui alimentos e perturbações. Por que dispensar as ambiguidades e apostar na salvações? Política e religião se esticam para pescar sua fragilidade e desenhar as mediocridades mais levianas?
A liberdade é mito desqualificado, quando se abastece de sonhos meramente materiais e movimenta-se em torno de progressos e ordens mesquinhas. Se a sociedade não se dá contas da ausência do absoluto cai em abismos. O perigo é se cercar de anúncios e discursos que anulam o lixo e acenam com riqueza vazias. A dor não é uma mistificação e o luxo atrai com suas promessas ditas fascinantes. A história é sempre uma construção e as utopias devem abrir o coração para arquitetar outras sociabilidades. Ser administrado é um caminho para melancolia. Você curte a imbecilização ou prefere turbulências reanimadoras?

Por Paulo Rezende.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

'Teremos que refazer a imagem do Brasil no exterior', diz ex-ministro da Agricultura

Blairo Maggi, ex-ministro da AgriculturaDireito de imagemANTONIO CRUZ / AGÊNCIA BRASIL
Image captionEleitor de Bolsonaro, Blairo Maggi diz que governo demorou a agir
Ex-ministro da Agricultura e uma das lideranças do agronegócio no Brasil, Blairo Maggi está receoso com as consequências da repercussão do aumento dos números de incêndios no país. Para ele, a imagem de um Brasil preocupado com a preservação ambiental está desgastada no exterior.
"Nos últimos anos, os setores exportadores do país tiveram grande trabalho de refazer essa imagem do Brasil e mostrar que temos controle de desmatamento e de todas questões ambientais. Tínhamos conseguido superar bem esse assunto. Mas agora teremos que refazer tudo isso", diz ele à BBC News Brasil.
Na última semana, a destruição da Floresta Amazônica ganhou repercussão internacional, em razão do aumento da onda de queimadas na região. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 78,3 mil focos de incêndio foram registrados apenas neste ano no Brasil - crescimento de 84% em comparação a 2018. Do total de casos deste ano, 52,6% foram registrados na Amazônia.
Os números sobre incêndios no Brasil e o discurso de Bolsonaro pouco combativo ao tema - ao menos até meados da semana -, repercutiram em todo o mundo e causaram reações em lideranças internacionais.
Gráfico sobre queimadas na Amazônia
Diante da pressão internacional, Bolsonaro mudou o tom de sua reação e autorizou, na tarde de sexta-feira (23), o uso de militares em uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) - quando há situações graves que demandam que o presidente da República convoque forças de segurança - para combater as queimadas na região da Floresta Amazônica
Na noite de sexta, Bolsonaro afirmou, em pronunciamento, que terá "tolerância zero" com crimes ambientais.
Eleitor de Bolsonaro, Maggi afirma que a conduta do presidente diante do aumento nos números de incêndio deixou a imagem do mercado brasileiro "bastante arranhada" e que "o Governo demorou para entrar no jogo".
Um dos principais acionistas do grupo Amaggi, gigante do agronegócio brasileiro, o ex-ministro prevê que os produtores rurais brasileiros terão "muito trabalho pela frente" para voltar a ter credibilidade no comércio internacional.
Para tentar reverter a situação, afirma que os produtores precisarão "assumir compromissos [sobre responsabilidade ambiental] e executá-los".
Entre o ano passado e 2019, o Brasil bateu recordes de exportações como café, milho e carne bovina. O maior temor de produtores rurais que atuam no comércio exterior é que as vendas sejam afetadas.
Gráfico sobre queimadas na Amazônia

Críticas internacionais

O ex-ministro de Michel Temer pondera ao comentar sobre as críticas feitas ao Governo Federal por parte dos membros da cúpula do G7 - grupo das sete maiores economias do mundo, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. "Acho que eles não têm as informações corretas [sobre a destruição na Amazônia]. Devem estar fazendo juízo de valor com o que as redes sociais têm propalado", minimiza.
"O Fogo e o desmatamento são ruins. Mas em poucos dias as chuvas voltam à região e o fogo cessará. Já o desmatamento ilegal precisa ser combatido", declara Maggi.
Para ele, há informações desencontradas sobre a real situação da Floresta Amazônica. "Ainda é preciso fazer levantamentos para saber qual foi a dimensão do estrago, para termos a informação real e avaliarmos a melhor forma de atacar o problema", diz.
Maggi sai em defesa de produtores rurais que operam de acordo com a lei. "Os grandes responsáveis por essas coisas [queimadas em propriedades rurais] são grileiros de terra, principalmente de terras devolutas. Eles insistem em querer estar fora da regra da legislação. Uma coisa é a produção organizada, com produtores que obedecem a legislação. Outra coisa é a produção de quem não obedece."
"É preciso separar o joio do trigo. Somos favoráveis às aplicações das leis, queremos competir com o mundo dentro das regras estabelecidas", afirma.
Segundo o ex-ministro, produtores que exportam mercadorias seguem as normas corretas para que possam comercializar itens sustentáveis. "O Brasil tem uma legislação muito dura sobre esse assunto, que não foi alterada no atual governo. Logo que começamos a acessar o mercado internacional, começamos a nos cobrar sobre esse compromisso de ter produtos sustentáveis. Todos os setores assumiram compromisso de vender itens que não fossem frutos de áreas de desmatamento", diz.
Gráfico sobre queimadas na Amazônia

'Motosserra de ouro'

Maggi, assim como Bolsonaro, também já foi considerado inimigo internacional do meio ambiente. Em 2005, o ex-ministro foi premiado com a "Motosserra de Ouro", da ONG Greenpeace. A premiação, conforme a entidade, foi dada em virtude da contribuição dele, um dos maiores produtores de soja do Brasil, para a destruição da Amazônia. Chegou a ser considerado também, em reportagem da revista britânica Economist, como ameaça à floresta.
Jair Bolsonaro gravando pronunciamentoDireito de imagemPRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Image captionBolsonaro gravando o pronunciamento que foi ao ar na noite desta sexta-feira (23)
O ex-ministro afirma que aprendeu muito sobre preservação ambiental depois disso.
"Toda crise nos ensina muitas coisas. Na época, me aproximei da ciência, do mercado e dos ambientalistas. Entendi que não somos uma ilha e que precisamos estar permanentemente conversando. Os produtores de Mato Grosso também entenderam isso", diz.
"Montamos um programa chamado MT legal, com a presença dos órgãos como Ministério Público, Polícia Federal, Secretaria de Meio Ambiente e associações de produtores. Na época, reduzimos o desmatamento e as queimadas em mais de 80 %. Desde então, nunca mais houve fechamento de aeroportos em Mato Grosso por fumaça", explica.
Ao ser questionado sobre o que Bolsonaro pode aprender com as críticas que vem sofrendo por conta da política ambiental que tem adotado, Maggi se esquiva. "Não sei. Mas ele vai aprender."
Passando uma temporada em Paris, na França, o ex-ministro continua atento à política, mas afirma que não irá mais se candidatar a nenhum cargo. "Para tudo tem seu tempo, o da política terminou", diz. Governador de Mato Grosso por dois mandatos e senador pelo Estado por oito anos, ele afirma que vive uma fase de "reintegração à vida de um cidadão normal, com família, amigos e negócios."
Ricardo SallesDireito de imagemUESLEI MARCELINO / REUTERS
Image captionSalles (MMA) criticou a atuação do Ibama várias vezes. Em janeiro, levantou suspeitas sobre um contrato de viaturas da autarquia
Apesar de afirmar que quer evitar se aproximar da política, Maggi ainda está relacionado ao tema. Isso porque ele responde na Justiça por um crime que teria sido praticado em 2009, enquanto era governador. Ele é acusado de participar de um esquema de compra de vaga no Tribunal de Contas de Mato Grosso.
O ex-ministro nega participação em qualquer esquema ilegal. "Infelizmente a política tem dessas coisas. Mas isso é jurídico, responderei com cabeça erguida e provarei minha inocência", afirma.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Amazônia é 'bem comum', dizem brasilianistas


Floresta AmazônicaDireito de imagemREUTERS
Image captionA Amazônia é do mundo ou dos brasileiros?
A forma como o governo de Jair Bolsonaro vem lidando com o meio ambiente dá munição à tese de que a Amazônia não é do Brasil, mas "um bem comum" da comunidade internacional, dizem brasilianistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Segundo eles, essa percepção não é nova, mas acaba reforçada quando o presidente brasileiro decide colocar em xeque os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) ou culpa ONGs de estarem por trás do desmatamento, em vez de "assumir seus erros e confrontar o problema".
Os especialistas ressalvaram, contudo, que a soberania brasileira sobre a Amazônia deve ser respeitada. Criticaram, ainda, a postura dos países ricos, cujo desenvolvimento foi atrelado à poluição do meio ambiente.
O termo "bem comum" foi usado pelo presidente francês Emmanuel Macron neste sábado durante um pronunciamento para lançar o início da cúpula do G7 (o grupo das maiores economias do mundo), que acontece até segunda-feira em Biarritz, na França. As queimadas na Amazônia foram incluídas na pauta de discussões.
"A Amazônia é nosso bem comum. Estamos todos envolvidos, e a França está provavelmente mais do que outros que estarão nessa mesa (do G7), porque nós somos amazonenses. A Guiana Francesa está na Amazônia", afirmou Macron
O jornal francês Le Monde, um dos mais importantes do mundo, também recorreu ao mesmo termo usado por Macron em editorial intitulado "Amazônia, bem comum universal".
Na sexta-feira, Bolsonaro prometeu "tolerância zero" com o crime ambiental e disponibilizou as Forças Armadas para combater os incêndios.
Segundo Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute da Universidade King's College, em Londres, no Reino Unido, "a maneira como o governo brasileiro vem lidando com as questões ambientais ligou os alertas em todo o mundo".
"As ações do governo acabam alimentando essa tese de que a comunidade internacional deveria cuidar da Amazônia. Quando o Bolsonaro demite o diretor-geral do Inpe ou culpa as ONGs pelas queimadas, mobiliza a opinião pública internacional", diz ele à BBC News Brasil.
"Mas isso não pode servir de desculpa para violar a soberania do Brasil sobre este território. A Amazônia é brasileira", acrescenta.
Pereira lembra que não há uma "grande diferença" entre a comunidade internacional e a opinião pública no Brasil.
"Talvez os estrangeiros ignorem o fato de que a imensa maioria dos brasileiros, incluindo os eleitores de Bolsonaro, seja contrária às queimadas na Amazônia", diz.
"Entendo a preocupação internacional sobre a necessidade de o Brasil enfrentar esses incêndios, pois a floresta é importante para a regulação do clima global, mas o governo brasileiro tem capacidade para enfrentar este problema sozinho", acrescenta.
Reprodução do editoral do jornal francês Le MondeDireito de imagemREPRODUÇÃO/LE MONDE
Image captionEditoral do jornal francês Le Monde diz que a Amazônia é "bem comum universal"
Uma pesquisa Ibope divulgada nesta semana revelou que a ampla maioria da população brasileira, incluindo eleitores de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, defende um aumento do combate ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica. A enquete foi realizada em parceria com a plataforma de campanhas Avaaz.
Questionados sobre se "o presidente Jair Bolsonaro e o Governo Federal devem aumentar as medidas de fiscalização para impedir o desmatamento ilegal na Amazônia", 96% dos entrevistados responderam que concordam total ou parcialmente.
Emmanuel MacronDireito de imagemAFP
Image captionPresidente da França, Emannuel Macron ameaçou deixar acordo União Europeia-Mercosul

'Arrogância'

Christopher Sabatini, especialista em América Latina no think tank de relações internacionais Chatham House, em Londres, no Reino Unido, concorda.
"Bolsonaro caiu na armadilha que ele mesmo criou. As decisões de seu governo no tocante ao meio ambiente vêm recebendo muitas críticas. Além disso, a forma como ele reagiu a essas críticas é muito preocupante. Toda essa situação (no G7) poderia ter sido evitada se ele tivesse tido uma reação mais controlada".
Sabatini critica, por outro lado, o que chamou de "arrogância" dos países mais ricos ao discutir a Amazônia na cúpula do G7. Reforçou ainda que a soberania do Brasil sobre a Amazônia não deveria ser questionada.
"A China é uma das maiores poluidores do mundo, mas ninguém pensa em puni-la por causa de sua política energética. Tampouco ninguém está pensando em punir os Estados Unidos porque o país saiu do Acordo de Paris. Este é o outro lado da equação do clima. Mas é importante", ressalva.
"Os países que, em seu processo de desenvolvimento, contribuíram com as emissões de gás carbônico agora querem proteger a Amazônia. Eles poluíram nos últimos dois séculos. É uma visão colonialista", conclui.
Uma fonte do governo brasileiro ouvida pela BBC News Brasil afirmou que, embora Bolsonaro tenha demorado em responder à crise gerada pelas queimadas na Amazônia, Macron fez "uma bela jogada de marketing ao encontrar um tema de consenso, a proteção da floresta, em uma cúpula esvaziada por divergências".
Neste sábado, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, sugeriu que Macron esteja usando a preocupação sobre as queimadas na Amazônia como uma "desculpa" para interferir com o livre comércio. No dia anterior, o presidente francês havia dito que Bolsonaro mentiu sobre a Amazônia e ameaçou deixar o acordo de livre comércio recentemente assinado entre Mercosul e União Europeia.
Pereira, do King's College, lembra ainda que a tese de que a Amazônia "pertence ao mundo" não é nova.
"No livro a Diplomacia na Construção do Brasil 1750-2016, o ex-embaixador Rubens Ricupero escreve sobre o conflito entre Brasil, de um lado, e Estados Unidos, França e Reino Unido, do outro, sobre o acesso ao rio Amazonas nas décadas de 1850 e 1860. Não estou certo de que a expressão foi usada naquela época, mas essas três potências argumentavam que, sob o espírito do livre comércio e do liberalismo, suas embarcações deveriam ter o direito de navegar pelo rio. O governo brasileiro finalmente abriu o Rio à navegação internacional em 1866", conclui.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Mundo: o mistério das centenas de ossadas humanas em lago gelado do Himalaia

Ossos no lago Roopkund, no HimalaiaDireito de imagemHIMADRI SINHA ROY/NATURE COMMUNICATIONS
Image captionOs ossos de centenas de pessoas foram encontrados em 1942 por um guarda florestal
O aparecimento de ossos de centenas de pessoas em um lago na Cordilheira do Himalaia tem sido há décadas alvo de inúmeras teorias.
Seriam os restos mortais de um exército? Viajantes surpreendidos por uma tempestade? Peregrinos punidos por uma deusa?
Um novo estudo afasta quase todas as hipóteses existentes, mas, em vez de esclarecer o mistério, o complica ainda mais.
O Lago Roopkund, conhecido popularmente como Lago dos Esqueletos, fica 5.029 metros acima do nível do mar, no Estado de Uttarakhand, na Índia. É um pequeno corpo d'água de 40 metros de diâmetro localizado na rota do festival de peregrinos Nanda Devi Raj Jat, realizado a cada 12 anos.
Em 1942, um guarda florestal que trabalhava na área fez uma descoberta macabra: o degelo havia exposto os ossos de 500 a 600 pessoas.


Explicações para as causas das mortes e como os ossos chegaram a um lugar tão remoto se multiplicaram desde então.
Foi dito que eram soldados japoneses invasores. Um exército indiano retornando da guerra. Um rei e uma rainha com seu cortejo que, em sua celebração, irritaram a deusa da montanha Nanda Devi e foram fulminados por ela. Ou viajantes que ficaram presos por uma tempestade de granizo por volta do século 9.
Uma equipe internacional formada por arqueólogos, geneticistas e outros especialistas da Índia, dos Estados Unidos e da Europa assumiu a tarefa de desvendar o mistério e publicou nesta semana suas descobertas na revista científica Nature Communications.

Pesquisa identificou que há ossos de três grupos diferentes no local

Lago Roopkund, no HimalaiaDireito de imagemATISH WAGHWASE/NATURE COMMUNICATIONS
Image captionO lago glacial Roopkund está a mais de 5 mil metros acima do nível do mar
Até agora, os esqueletos não haviam sido submetidos a um exame tão abrangente devido à sua localização - avalanches ou deslizamentos ocorrem com frequência na área.
Peregrinos e curiosos que passam por ali às vezes manipulam os restos mortais.
Do ponto de vista científico, a única vantagem de estarem ali é o ambiente frio, que preserva não apenas os ossos, mas também o DNA neles e até mesmo em alguns restos de roupas e carne.
Os pesquisadores dataram e analisaram os ossos de 38 pessoas e determinaram que a maioria morreu há cerca de mil anos, mas não simultaneamente - algumas haviam morrido mais recentemente, no início do século 19.
Mapa da área do Lago RoopkundDireito de imagemNATURE COMMUNICATIONS
Image captionO lago está na rota do festival de peregrinos Nanda Devi Raj Jat
Os autores separaram as ossadas em três grupos, de acordo com sua origem: um formado por 23 indivíduos do sul da Ásia, outro composto por 14 indivíduos com ligações ao Mediterrâneo oriental, especificamente Grécia e Creta, e um indivíduo do Sudeste Asiático.
Todos os restos do sul da Ásia datam de cerca do ano 800, embora não tenham chegado ali ao mesmo tempo. Os ossos de origem mediterrânea indicam que estas pessoas eram do início do século 19, assim como a pessoa do sudeste da Ásia.
A equipe também encontrou diferenças entre o perfil alimentar dos dois primeiros grupos. O estudo indica que os indivíduos eram saudáveis ​​em geral.
Alguns eram robustos e altos e outros, menores - o que confirma que os restos são de pelo menos dois grupos distintos.
A equipe não detectou parentesco (de terceiro grau ou mais próximo) entre os indivíduos, o que também descarta a versão de que os esqueletos pertenciam a grupos familiares.
Assim, os resultados refutam as teorias anteriores de que a origem dos esqueletos se deve a um único evento catastrófico.

O que aconteceu então?

Montanha Nanda Devi, no HimalayaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO estudo lança uma luz sobre a origem dos ossos nas proximidades do Lago Roopkund, mas não esclarece o mistério
A análise do DNA revelou uma proporção equilibrada entre homens e mulheres, um fato difícil de conciliar com a teoria de que esses indivíduos poderiam fazer parte de uma expedição militar.
"Também não achamos evidências de que estavam infectados com patógenos bacterianos, então, a teoria de que morreram de uma epidemia não se sustentaria, embora que não encontrar evidências de DNA patogênico em ossos grandes pode simplesmente significar que sua concentração é muito baixa para ser detectada", escrevem os autores.
Os pesquisadores não conseguiram dar uma resposta clara para a origem dos ossos. Em seu estudo, apontam que a hipótese de morte em massa durante um festival de peregrinação é viável, pelo menos para os indivíduos do sul da Ásia.
Nanda Devi, montanha no Estado de Uttarakhand, ÍndiaDireito de imagemREUTERS
Image captionNa área onde o lago está, deslizamentos de rochas ou avalanches são frequentes
"Mas o segundo grupo é mais perturbador. É tentador teorizar que eles vêm de populações indo-gregas da linhagem de Alexandre, o Grande. No entanto, isso é improvável, já que tal grupo deveria ter uma mistura mais típica do sul da Ásia", dizem os cientistas.
Como os indivíduos deste grupo morreram em séculos mais recentes, argumentam os autores do estudo, seria interessante para futuras pesquisas analisar os arquivos da época para determinar se houve relatos de grandes grupos de viajantes estrangeiros mortos na região.
De qualquer forma, saber que os ossos vieram de lugares inesperados ou desmantelar teorias anteriores não resolve o mistério fundamental: como os restos mortais de centenas de pessoas foram parar em um remoto lago de montanha na Índia?

BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE