O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pretende indicar o advogado-geral da União (AGU), ministro André Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal (STF). A escolha foi comunicada a outros ministros do governo nesta terça-feira (6/7).
A indicação, porém, só deve ser formalizada após sábado (12/07), quando o ministro Marco Aurélio se aposenta, por completar 75 anos.
Se a escolha se confirmar, o presidente estará cumprindo sua promessa de indicar um jurista evangélico a mais alta Corte do país, em meio a pressões de lideranças religiosas.
Mendonça é pastor presbiteriano e conquistou a confiança de Bolsonaro por sua atuação à frente da AGU e do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pasta que também comandou por quase um ano, após a saída de Sergio Moro.
Enquanto Bolsonaro compartilhava sua escolha para o STF com ministros no Palácio do Planalto, o advogado-geral da União foi ao Senado participar de um almoço promovido pela bancada do PL.
Mendonça tem intensificado o contato com os senadores porque a indicação ao Supremo precisa ser aprovada pela maioria deles para ser confirmada. E hoje há certa resistência à sua escolha na Casa, em um momento que o presidente Bolsonaro está enfraquecido pela atuação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.
Quando foi anunciado como escolhido de Bolsonaro para comandar a AGU, em novembro de 2018, Mendonça foi celebrado como um nome técnico e recebeu elogios inclusive de juristas que integraram o governo Dilma Rousseff, como Luís Adams (ex-AGU) e Valdir Simão (ex-ministro da Controladoria Geral da União).
No entanto, passou a ser alvo de duras críticas de parte da opinião pública por ter assumido uma atuação política bastante alinhada com Bolsonaro, com iniciativas vistas como autoritárias.
Por diversas vezes, Mendonça acionou a Polícia Federal (PF) para investigar opositores do presidente com base na Lei de Segurança Nacional, uma legislação criada na Ditadura Militar.
Entre os alvos de inquéritos solicitados pelo então ministro da Justiça estão o pré-candidato à presidência Ciro Gomes (PDT), o colunista do jornal Folha de S.Paulo Hélio Schwartsman, o cartonista Ricardo Aroeira, e Guilherme Boulos (liderança do PSOL). A maioria dos pedidos acusava os investigados de cometer calúnia ou injúria contra o presidente, devido a críticas a Bolsonaro. Todos esses inquéritos, porém, têm sido arquivados por determinação da Justiça.
Sob comando de Mendonça, o Ministério da Justiça também foi acusado de produzir um dossiê contra 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do "movimento antifascismo" e três professores universitários. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, que teve acesso ao material, o "ministério produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas".
Após uma ação apresentada pelo partido Rede Sustentabilidade, o STF determinou a suspensão de qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre cidadãos "antifascistas".
"A administração pública não tem, nem pode ter, o pretenso direito de listar inimigos do regime. Só em governos autoritários é que se pode cogitar dessas circunstâncias", criticou o ministro do STF Edson Fachin, durante o julgamento.
O caso também obrigou Mendonça a prestar esclarecimentos à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso, quando confirmou a existência de um relatório da área de inteligência, mas negou ilegalidades.
"O relatório existe. O que não existe é um dossiê. Dossiê é uma expressão inadequada para a atividade de inteligência. Dossiê é algo feito às escuras para fins indevidos, que não estão no sistema. Que não está relatado oficialmente. Dossiê não é algo que você distribui", argumentou na ocasião.
Prêmio por combate à corrupção em 2011
André Mendonça é natural de Santos (SP) e ingressou na AGU por concurso público em 2000. Como servidor do órgão se notabilizou por sua atuação para aperfeiçoar mecanismos anticorrupção.
Em 2011, ganhou o prêmio especial do Instituto Innovare por idealizar e coordenar o Grupo Permanente de Atuação Pró-Ativa, setor da AGU que naquele ano recuperou R$ 329,9 milhões desviados em esquemas de corrupção a partir de ações na Justiça.
Entre 2016 e 2018, ficou cedido à Controladoria Geral da União (CGU), onde atuou na negociação de acordos de leniência com empresas, que são o equivalente a acordos de delação premiada firmados com pessoas físicas.
Mendonça é também doutor em Estado de Direito e Governança Global e mestre em Estratégias Anticorrupção e Políticas de Integridade pela Universidade de Salamanca, na Espanha.
"É um dos melhores quadros da advocacia pública brasileira. Competente, correto, equilibrado e um dos grandes responsáveis pela consolidação dos acordos de leniência da lei anticorrupção. Escolha muito feliz para comandar um órgão de tamanha importância para o Brasil", disse Valdir Simão, ex-ministro da CGU e do Planejamento do governo Dilma Rousseff, quando Mendonça foi anunciado como AGU de Bolsonaro no final de 2018.
Em contraste com esse histórico, acabou assumindo o Ministério da Justiça em abril de 2020, justamente após Sergio Moro deixar a pasta fazendo sérias acusações contra Bolsonaro por suposta interferência na Polícia Federal (PF) para atrapalhar investigações.
Na ocasião, Moro disse também à revista Veja que pediu demissão porque "sinais de que o combate à corrupção não é prioridade do governo foram surgindo no decorrer da gestão".
O ex-juiz da Operação Lava Jato citou como alguns desses "sinais" a decisão de Bolsonaro de transferir Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça para o da Economia (o órgão acabou ficando dentro do Banco Central, por decisão do Congresso).
Foi a partir de uma relatório do Coaf do final de 2018 que vieram à tona as suspeitas de desvios de recursos do antigo gabinete de deputado estadual do hoje senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho mais velho do presidente.
O relatório apontou movimentação milionária na conta de Fabrício Queiroz, que era funcionário do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e amigo de longa data do presidente. Queiroz foi apontado pelo Ministério Público (MP) como operador de um esquema de rachadinha, em que salários de funcionários fantamas do gabinete eram recolhidos de volta para Flávio.
A posterior quebra de sigilo de Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar, revelaram ainda depósitos que somavam R$ 89 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, operações que nunca foram explicadas por ela e o presidente.
Nada disso abalou a fidelidade de Mendonça a Bolsonaro.
Nesta segunda-feira (5/7), uma série de reportagens do portal UOL revelou novas gravações de pessoas que teriam atuado como funcionários fantasmas nos antigos gabinetes do então deputado federal Jair Bolsonaro e de Flávio quando este era deputado estadual, aumentando os indícios de que a prática era adotada por ambos.
Além dessas acusações, o presidente hoje está pressionado por denúncias de supostas ilegalidades em negociações para compra de vacinas sob investigação da CPI da Covid.
Alinhamento a agenda de Bolsonaro
Sem se afetar pelas suspeitas levantadas contra a família presidencial, Mendonça conquistou a confiança de Bolsonaro ao defender com afinco pautas de interesse do presidente no STF.
Como advogado-geral da União, ele defendeu, por exemplo, que não fosse permitido a Estados e municípios proibir a realização de cultos religiosos presenciais durante a pandemia, assim como se opôs a criminalização da homofobia. Em ambos os casos, a maioria do STF ficou contra a posição da AGU.
Após quase um ano como ministro da Justiça, Mendonça foi chamado para chefiar de novo o órgão justamente porque seu sucessor no cargo, José Levi, não atendeu com a mesma fidelidade os pedidos do presidente.
Levi se recusou em março a assinar uma ação apresentada por Bolsonaro no STF tentando derrubar decretos dos governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul que limitavam a circulação de pessoas, em meio forte aumento de mortes por covid-19. Sem a chancela da AGU, a ação foi rejeitada sumariamente pelo ministro Marco Aurélio.
Já enquanto esteve no comando do Ministério da Justiça, Mendonça deu ênfase ao combate ao narcotráfico, em sintonia com a agenda antidrogas de Bolsonaro. Sob seu comando, a pasta anunciou sucessivas apreensões recordes de maconha e cocaína, com números pouco transparentes e às vezes inflados, conforme a BBC News Brasil mostrou em reportagem em dezembro.
Com frequência, ele comparava seus resultados a da gestão Moro, com quem chegou a bater boca no Twitter no final do ano passado, após o ex-juiz criticar a falta de vacinas contra covid-19
"Vi que @SF_Moro perguntou se havia presidente em Brasília? Alguém que manchou sua biografia tem legitimidade para cobrar algo? Alguém de quem tanto se esperava e entregou tão pouco na área da Segurança?", respondeu André Mendonça, na ocasião.
"Quer cobrança? Por que em 06 meses apreendemos mais drogas e mais recursos desviados da corrupção que em 16 meses de sua gestão?", acrescentou o então ministro da Justiça.
Hoje, Mendonça está perto da vaga no STF que um dia Bolsonaro disse ter prometido ao ex-juiz da Lava Jato quando o convidou a ingressar no seu governo. Caso o anúncio se confirme, porém, ainda terá que gastar bastante saliva em conversa com senadores para garantir os votos necessários a sua aprovação.
- Mariana Schreiber -
- Da BBC News Brasil em Brasília
- 07/07/21
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