Após 20 anos de conflito, os Estados Unidos decidiram retirar definitivamente suas tropas do Afeganistão.
O cronograma anunciado inicialmente pelo presidente Joe Biden previa que todas as forças deixassem o país até o dia 11 de setembro.
Na quinta-feira (8/7), ele deu um prazo ainda mais próximo — 31 de agosto — para a retirada das tropas americanas, exceto por 650 militares que permanecerão para garantir a segurança da Embaixada Americana em Cabul, segundo a agência Reuters.
Enquanto isso, o Talebã vem mais uma vez conquistando espaço em território afegão, com a retomada de dezenas de distritos.
Os custos da guerra foram astronômicos, tanto econômicos quanto humanos. Mas os Estados Unidos chegaram a atingir seus objetivos na região?
Como o conflito começou
No dia 11 de setembro de 2001, uma série de ataques perpetrados em solo americano mataram quase 3 mil pessoas.
Aviões foram sequestrados e lançados contra o World Trade Center em Nova York — as chamadas Torres Gêmeas — e o prédio do Pentágono no condado de Arlington, Virgínia. Uma quarta aeronave caiu em um campo na Pensilvânia.
Osama Bin Laden, chefe do grupo terrorista islâmico Al-Qaeda, foi rapidamente identificado como responsável pelos atentados.
Os talebãs, radicais islâmicos que governavam o Afeganistão e protegiam Bin Laden, se recusaram a entregá-lo. Assim, um mês após o 11 de setembro, os Estados Unidos lançaram ataques aéreos contra país com o objetivo de derrotar os dois grupos.
E depois?
Dois meses após o início da ofensiva, o regime do Talebã entrou em colapso, e seus combatentes fugiram para o Paquistão. Isso não significou, entretanto, o fim do grupo.
Com o tempo, sua influência voltou a crescer e, em paralelo, os militantes passaram a lucrar centenas de milhões de dólares por ano com negócios que iam do comércio de drogas à mineração.
Um novo governo apoiado pelos Estados Unidos chegou em 2004, mas o Talebã seguiu realizando ataques e atentados. Com a ajuda de soldados afegãos, as forças internacionais tentavam conter o grupo convalescente. O conflito teve um impacto enorme sobre os afegãos, tanto civis quanto militares.
Então, os problemas no Afeganistão começaram em 2001?
A resposta mais curta é "não". O país vivia em um estado quase permanente de guerra fazia décadas, ainda antes da invasão americana.
No final dos anos 1970, o Afeganistão foi um dos palcos dos conflitos entre os dois polos da Guerra Fria. Naquela época, o então governo comunista que comandava o país tinha apoio dos soviéticos, que chegaram a enviar tropas para lutar contra os combatentes do movimento de resistência, conhecidos como mujahideen e apoiados por Estados Unidos, Paquistão, China e Arábia Saudita, entre outros países.
O conflito se estendeu por mais de uma década. As tropas soviéticas se retiraram em 1989, mas a guerra civil continuou. Do caos que se seguiu surgiu o grupo chamado Talebã (palavra que pode ser traduzida como "estudantes").
Como o Talebã ganhou tanta influência?
O grupo avançou inicialmente na região de fronteira entre o sudoeste do Afeganistão e o norte do Paquistão no início da década de 1990 com a promessa de combater a corrupção e melhorar a segurança da população, que vivia no dia a dia os efeitos de uma guerra civil destrutiva.
Com o crescimento, o grupo passou a introduzir ou apoiar punições a contravenções baseadas na lei islâmica, como execuções públicas de assassinos e de adúlteros condenados e amputações para os considerados culpados do crime de roubo.
Os homens eram obrigados a deixar a barba crescer e as mulheres, a usar a burca, um véu que cobre o rosto e o corpo. Televisão, música e cinema foram proibidos e meninas com mais de 10 anos passaram a enfrentar cada vez mais dificuldades para que pudessem ir à escola.
O Talebã nunca realmente deixou de existir?
No decorrer das últimas décadas, o grupo chegou a passar por momentos de dificuldade que, entretanto, nunca foram duradouros.
Em 2014, no fim do que se desenhava como o ano mais sangrento no Afeganistão desde 2001, as forças internacionais, temendo permanecer no país indefinidamente, encerraram suas missões de combate, deixando para o Exército afegão a missão de lutar contra o Talebã.
Esse vácuo fortaleceu o grupo, que conseguiu se expandir territorialmente com ataques contra o poder público e alvos civis. Em 2018, uma investigação da BBC apontou que o Talebã estava ativo em cerca de 70% do país.
Quais os custos do conflito?
Mais de 2,3 mil militares americanos foram mortos e mais de 20 mil, feridos. Em termos econômicos, a fatura para o contribuinte nos Estados Unidos chega perto de US$ 1 trilhão (R$ 5,2 trilhões), apontam estimativas.
O maior impacto, contudo, deu-se sobre a população afegã: alguns levantamentos apontam que cerca de 60 mil membros das forças de segurança perderam a vida. Quase 111 mil civis foram mortos ou feridos desde que a Organização das Nações Unidas (ONU) começou a registrar sistematicamente os números de vítimas civis em 2009.
Um acordo com o Talebã
Em fevereiro de 2020, os Estados Unidos e o Talebã assinaram um "acordo para trazer a paz" ao Afeganistão que há anos vinha sendo discutido.
Segundo seus termos, os Estados Unidos e seus aliados militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) concordavam em retirar todas as tropas do território em troca do compromisso do grupo de não permitir que a Al-Qaeda ou qualquer outro grupo extremista operasse nas áreas que controla.
Como parte das negociações em 2020, o Talebã e o governo afegão concordaram em libertar parte de seus prisioneiros. Quase 5 mil militantes talebãs foram liberados nos meses seguintes ao acordo.
Os Estados Unidos também prometeram suspender as sanções contra o grupo. O país negociou diretamente com o Talebã, sem o intermédio do governo afegão.
"Depois de todos esses anos, chegou a hora de trazer os nossos de volta para casa", disse o então presidente Donald Trump.
Todas as forças americanas estão se retirando?
No início de julho, todos os soldados americanos e de aliados internacionais membros da Otan deixaram a base aérea de Bagram, a principal base militar americana no Afeganistão.
De acordo com a agência Associated Press, contudo, cerca de 650 soldados americanos devem permanecer no país para fornecer proteção a diplomatas e ajudar a proteger o aeroporto internacional de Cabul, um hub de transporte vital para o país.
Qual a situação agora?
Desde que o acordo foi assinado, o Talebã tem dado sinais de que vem apostando em uma estratégia diferente. Os ataques complexos em centros urbanos e postos militares têm dado lugar a uma onda de assassinatos seletivos que tem aterrorizado os civis.
Os militantes têm avançado por vastas áreas do território, ameaçando derrubar mais uma vez o governo em Cabul após a retirada das tropas estrangeiras.
A preocupação com o futuro da capital tem crescido, mas o presidente do país, Ashraf Ghani, tem repetido que as forças de segurança do país são totalmente capazes de manter os insurgentes longe do poder.
A Al-Qaeda segue operando no Afeganistão, enquanto militantes do grupo autodenominado Estado Islâmico também realizaram ataques no país.
Duas décadas no Afeganistão: valeu a pena?
"A resposta depende do seu parâmetro", afirma o correspondente de segurança da BBC, Frank Gardner.
Fontes da área de segurança disseram à BBC que, desde o início da guerra, não houve um único ataque terrorista internacional bem-sucedido planejado a partir do Afeganistão.
"Assim, baseado apenas pela medida do contraterrorismo internacional, a presença das Forças Armadas estrangeiras teve sucesso em seu objetivo", completa Gardner.
Duas décadas depois, porém, o Talebã está longe de ser derrotado e segue sendo um grupo com importante poder de combate.
Alguns relatos apontam que o último mês de junho foi um dos mais violentos no país desde a chegada da coalizão liderada pelos Estados Unidos. Centenas de vidas foram perdidas e importantes conquistas foram ameaçadas, já que muitas escolas, prédios do governo e parte da rede de energia foram danificados ou destruídos.
"A Al-Qaeda, o Estado Islâmico e outros grupos extremistas não desapareceram, eles estão se renovando, em parte estimulados pela partida iminente das últimas forças ocidentais remanescentes."
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