Para Esther Solano, manter estrutura segura em escolas periféricas é um dos maiores desafios na pandemia
As escolas não estão preparadas para evitar os contágios. As crianças se contagiam, levam o vírus para casa e os adultos e idosos podem morrer. Aliás, crianças também poderão morrer. Se é complexo para um adulto levar máscara, seguir as necessárias normas de higiene, manter a distância social, imagine para as crianças. Se é complexo manter uma estrutura segura nas escolas privadas de classe média alta, imagine nas periféricas. A própria Organização Mundial da Saúde alertou que em muitos dos países europeus em que as escolas haviam reaberto acumulam-se novas ondas de infecção. Isso na Europa, onde a mortalidade tem diminuído drasticamente. No Brasil, morrem mais de mil doentes por dia. Vamos esperar a primeira criança morrer contagiada em uma escola de periferia? Ou, melhor, vamos esperar a primeira criança de classe média morrer contagiada em uma escola de um centro urbano?
Não é só sobre crianças, é sobre outra figura invisível e abandonada: os professores. São profissionais que também lutam por manter a dignidade de seu trabalho em condições tão precárias. Que trabalham incansavelmente, diante de uma situação anômala, enfrentando o vírus e o desafio das telas, mas tentando que as crianças recebam um mínimo de retorno pedagógico. Eles podem morrer e morrerão se abrirmos as aulas. O professor precarizado, maltratado pelo Estado, que dá aulas em condições terrivelmente deficientes para educar as nossas crianças, agora também tem a “obrigação” de arriscar sua vida? Minha resposta contundente é não.
Sei que as crianças sofrem e regridem na sua evolução pela ausência de sociabilidade. A estabilidade psicológica e o desenvolvimento saudável de muitas crianças estão em risco. Bem, pensemos sobre isso, tentemos alternativas, possibilidades dentro de casa, admitamos que existe sofrimento, que haverá renúncias, imensas às vezes, irrevogáveis, e trabalhemos para atenuá-las. Cobremos das autoridades planos de emergência. Cobremos assistência remota, originalidade, eficácia, seriedade, cuidados e reação. As crianças perderão muito em termos pedagógicos por ficar em casa. Mas ganharão a vida.
Sei da angústia, exaustão, dor, estresse nas famílias, mas, repito, neste ano se trata de sobreviver. Meu bebê nasceu em pleno auge de pandemia na Espanha, com um sistema de saúde colapsado. Sei sobre angústia e sei que sobreviver saudáveis é a nossa meta principal. Há muitas famílias que não conseguem cuidar de suas crianças em casa porque os pais estão obrigados a sair para trabalhar. Quarentena não paga boleto. Pobre não tem direito à quarentena. Isolamento social é privilégio num país como Brasil. A maldita dicotomia vida versus economia. Insistamos em desfazer essa aparente equação sem solução, essa mentira, essa falácia, que nos diz que é impossível cuidar da vida num país de maioria empobrecida como o Brasil. Insistamos na renda mínima emergencial que permita às famílias mais vulneráveis cuidar de sua saúde e ficar em casa com as crianças. Tentemos transformar essa renda mínima emergencial na renda básica de cidadania tão defendida por Eduardo Suplicy. Como ele diz, é uma questão de dignidade.
Cobremos planos emergenciais para as mulheres e crianças que sofrem violências domésticas. São muitos os que vivem a violência nos lugares que deveriam representar segurança. Cobremos do governo. Cobremos dos partidos que nos representam. Cobremos de nossos deputados, de nossos vereadores. Cobremos responsabilidade, civilidade. Cobremos melhores conexões de internet. Cobremos dos vizinhos e dos colegas que nunca colocam a máscara. Cobremos do maldito que está no poder.
E, sobretudo, cuidemos um dos outros. Quarentena não tem de significar solidão. Tentemos estar próximos virtualmente. Choremos juntos. O carinho online também é carinho. O cuidado online também pode ser uma forma de carinho. Mas, por favor, notemos que morrem mais de mil brasileiros por dia. Passamos de 100 mil mortos. Por favor, deixemos as crianças em casa.
Carta Capital
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