Índia e China, as duas nações mais populosas do mundo — com os dois maiores exércitos e armas nucleares — estão em conflito há semanas no Himalaia.
Mas a crise escalou nesta terça-feira. O exército indiano diz que três de seus soldados, incluindo um coronel, foram mortos em combates corpo a corpo com tropas chinesas.
Na noite de terça-feira no horário local, a imprensa indiana informou que o exército tinha perdido 20 homens e "infligiu 43 baixas aos chineses".
A China ainda não confirmou o número de mortos e feridos.
Foram as primeiras mortes em mais de quatro décadas na disputa pela fronteira reivindicada pelos dois gigantes asiáticos.
Como surgiu o confronto mais recente e o que está por trás dele?
Acúmulo de tensões
A área do confronto de terça-feira está exatamente na fronteira — chamada de Linha de Controle Real ou LAC (na sigla em inglês) — entre os dois países no vale de Galwan, em Ladakh.
Isso ocorre na disputada região da Caxemira, que é altamente militarizada e ponto de frequentes conflitos por causa de reivindicações territoriais concorrentes entre Índia, Paquistão e China.
No vale de Galwan, muitos incidentes entre patrulhas indianas e chinesas têm sido registrados. Desde abril, os dois lados acumulam tanques, artilharia e tropas nas proximidades do vale.
As forças terrestres são apoiadas por helicópteros de ataque e aviões de combate.
No início de maio, as tensões aumentaram depois que a imprensa indiana disse que as forças chinesas montaram tendas, cavaram trincheiras e transportaram equipamentos pesados vários quilômetros para dentro do que era considerado pela Índia como seu território.
O movimento ocorreu depois que a Índia construiu uma estrada de várias centenas de quilômetros para ligar uma base aérea de alta altitude que reativou em 2008.
A Índia culpou a China pela situação. "Durante o processo em andamento no vale de Galwan, um confronto violento ocorreu ontem à noite com vítimas de ambos os lados", diz um comunicado do Exército indiano.
A China, por sua vez, pediu à Índia "para não tomar medidas unilaterais ou criar problemas", e o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, disse que foi a Índia que cruzou a fronteira, "provocando e atacando o povo chinês, resultando em sério confronto físico entre as forças fronteiriças dos dois lados".
Qual é o pano de fundo dessa disputa?
Vários fatores levaram a esse confronto, mas objetivos estratégicos concorrentes estão na sua raiz.
A Índia e a China compartilham uma fronteira com mais de 3.440 km e reivindicações territoriais ao longo dela.
Desde a década de 1950, a China se recusa a reconhecer as fronteiras traçadas durante a era colonial britânica.
Em 1962, isso levou a uma guerra breve e brutal, que resultou em uma humilhante derrota militar para a Índia.
Propostas e contrapropostas
Desde essa guerra, Índia e China se acusam mutuamente de invasão.
A Índia diz que a China está ocupando 38 mil km² de seu território — que fica na área onde o atual confronto está ocorrendo.
A China reivindica todo o Estado de Arunachal Pradesh, que chama de Tibete do Sul.
Existem também várias outras regiões em que os dois países têm opiniões diferentes sobre a localização da fronteira.
A Linha de Controle Real é mal demarcada e fica em Ladakh, onde há muitos rios, lagos e calotas de neve — o que significa que a linha que separa os soldados pode mudar e eles geralmente se aproximam do confronto.
Várias rodadas de negociações nas últimas três décadas falharam em resolver as disputas de fronteira, mas mantiveram um certo grau de estabilidade na região.
Construindo infraestrutura
Para apoiar as tropas posicionadas em um terreno tão hostil e sem habitantes, os dois lados estão construindo uma infraestrutura ferroviária e rodoviária.
Sob o governo de Narendra Modi, a Índia começou a construir dezenas de estradas ao longo da LAC e está correndo para cumprir o prazo de dezembro de 2022 para concluir esses projetos.
Uma dessas estradas vai para o vale de Galwan, onde o atual conflito aconteceu.
A China também vem construindo estradas e infraestrutura em uma área estrategicamente importante para Pequim, pois conecta sua Província de Xinjiang ao oeste do Tibete.
Poder global x poder regional
A economia chinesa é quase cinco vezes maior que a da Índia. A China se vê competindo para substituir os EUA como a potência mundial dominante.
A Índia, por outro lado, abriga visões de uma ordem mundial multipolar, onde espera desempenhar um papel significativo.
Os políticos e analistas indianos às vezes falam como se a Índia e a China fossem potências iguais, sem reconhecer os avanços maciços da China.
Em agosto de 2019, a Índia tomou a decisão controversa de acabar com a autonomia limitada de Jammu e Caxemira, e reformulou o mapa da região — uma ação que a China denunciou como hostil.
Isso criou o novo Ladakh, administrado pelo governo federal, que incluía Aksai Chin, uma área que a Índia reivindica, mas controlada pela China. O confronto ocorreu nessa área.
Fator Paquistão
Uma das raízes da desconfiança da Índia está na relação entre China e Paquistão, aliados de longa data. O governo indiano acusa os chineses de terem ajudado os paquistaneses a obter tecnologia nuclear e mísseis.
A alta cúpula do governo nacionalista hindu BJP da Índia também conversa sobre a recuperação da Caxemira, administrada pelo Paquistão.
Uma rota estratégica, a rodovia de Karakoram, passa por essa área que liga a China ao Paquistão. Pequim investiu cerca de US$ 60 bilhões (cerca de R$ 314 bilhões) na infraestrutura do Paquistão — o chamado Corredor Econômico da China no Paquistão (CPEC, por sua sigla em inglês) — como parte de sua Iniciativa Belt and Road, e a rodovia é a chave para o transporte de mercadorias de e para o porto de Gwadar, no sul do Paquistão. O porto dá à China um ponto de apoio no mar da Arábia.
A Índia teme que, em um futuro próximo, Gwadar seja usado para apoiar as operações navais chinesas no mar da Arábia.
Questão Tibete
Por sua vez, a China suspeita da relação entre o governo indiano e o líder tibetano, Dalai Lama. O líder espiritual fugiu para a Índia após o levante fracassado em 1959 no Tibete.
A Índia se recusou a reconhecer o governo tibetano no exílio, mas seu líder estava entre os convidados durante a cerimônia de posse do primeiro-ministro Modi em 2014.
A China não leva a sério as aspirações geopolíticas da Índia e a vê como um país que poderia colaborar com seus rivais tradicionais como EUA, Japão e Austrália.
A Índia também alterou as regras para proibir que empresas chinesas assumam o controle de empresas indianas quebradas devido às perdas causadas pela pandemia.
Mas a China continua sendo o segundo maior parceiro comercial da Índia — assim como com a maioria dos países, a China desfruta de um enorme superávit comercial em relação à Índia.
Negociações
No passado recente, as patrulhas de fronteira de ambos os exércitos se enfrentavam centenas de vezes todos os anos.
Em 2013 e 2017, isso levou a impasses sérios que terminaram após semanas de manobras políticas e diplomáticas.
Após o último impasse em 2017, Modi e o presidente chinês Xi Jjinping realizaram duas cúpulas informais para resolver suas diferenças.
Índia e China estão mantendo conversas para neutralizar a situação — oficiais militares se reuniram em 6 de junho e novamente na terça-feira após o incidente.
A reunião mais recente foi realizada no ponto de patrulha 14 em Galwan, perto do local onde as mortes ocorreram.
Esse confronto sem dúvida aumentará a desconfiança entre as duas nações, o que pode exigir intervenção política entre as cúpulas para evitar que a situação fuja do controle.
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