O crescimento da economia brasileira frustrou as expectativas pelo segundo ano consecutivo em 2019.
Quando o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, no dia 1º de janeiro, a mediana das estimativas de consultorias e instituições financeiras para o Produto Interno Bruto (PIB) reunidas pelo Banco Central no boletim Focus apontava um avanço de 2,53%.
O dado oficial, divulgado nesta quarta (4/03) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não chegou à metade disso: 1,1%.
Em 2018, os números eram ainda mais otimistas, 2,7%. Em um ano em que a redução de juros pelo Banco Central não teve o efeito positivo esperado sobre a economia e em que uma greve de caminhoneiros parou o país por dez dias, a economia cresceu 1,3%.
Após sair da maior crise de sua história, o Brasil cresce há três anos seguidos no mesmo ritmo, contrariando a lógica de outros ciclos de recessão, em que a recuperação geralmente foi mais vigorosa em um primeiro momento.
O que aconteceu?
Parte do crescimento modesto do PIB em 2019 se deve a três choques importantes.
O primeiro foi o desastre de Brumadinho, que, além da tragédia humana, afetou o desempenho do setor de mineração.
A indústria extrativa, de acordo com os dados do IBGE, recuou 1,1% no ano passado.
A recessão na Argentina, por sua vez, teve um impacto forte sobre a indústria de transformação.
O país vizinho é o principal comprador de produtos manufaturados do Brasil — não apenas veículos e bens acabados, mas bens intermediários que são incorporados à cadeia produtiva da própria indústria argentina.
PIB do Brasil
Entre 2010 e 2019
Não por acaso, o segmento que mais contribuiu para a queda de 1,1% da produção industrial no Brasil em 2019 foi o de bens intermediários, que recuou 2,2% em relação a 2018.
O "efeito Argentina" tirou 0,55 ponto percentual do PIB brasileiro no ano passado, de acordo com a estimativa da pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV) Luana Miranda.
Ou seja, sem o impacto negativo da redução da demanda do país vizinho, a atividade poderia ter avançado 1,65%.
A economia também sentiu os efeitos negativos da desaceleração global provocada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China.
O cenário internacional mais adverso ajuda a explicar, por exemplo, porque as exportações brasileiras caíram quase 6% no ano passado — apesar do dólar mais caro.
Um estudo publicado pelo Banco Central com uma análise do comércio exterior no Brasil entre 2002 e 2018 destacou que as exportações no Brasil são mais sensíveis ao crescimento global do que ao câmbio.
Quando o mundo cresce menos, o Brasil vende menos para fora, apesar do ganho de competitividade que vem do real desvalorizado.
O investimento e a 'maldição' do baixo crescimento
Esse cenário, por sua vez, contribuiu para que o investimento, mais uma vez, decepcionasse.
A medida desse indicador dentro do PIB, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), cresceu 2,2% no ano passado. O resultado é inferior ao de 2018 (3,9%) e bem mais modesto do que o esperado pelos economistas no início de 2019 — a projeção do Ibre era de 4,7%.
A FBCF soma investimentos na construção civil, em máquinas e equipamentos e em outros ativos fixos — é ele que capta os efeitos do aumento da capacidade instalada de uma fábrica, por exemplo, ou da melhoria nos processos de uma linha de produção.
Trajetória dos investimentos
Série encadeada do índice de volume trimestral* - 2008 a 2019
É uma componente importante do PIB porque, via de regra, sinaliza aumento no potencial de crescimento da economia.
Com o resultado de 2019, o nível dos investimentos ainda está mais de 20% abaixo do pico registrado em 2013.
Apesar de os choques terem tido papel importante no resultado, o ambiente interno, apesar dos juros baixos, não contribuiu para que as empresas tirassem os projetos da gaveta, avalia a coordenadora do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos.
"A falta de clareza na agenda de reformas gera muita incerteza no investidor", ela pontua.
Passada a reforma da Previdência, o governo tem tido dificuldade de avançar em propostas que poderiam ter impacto positivo sobre a economia, como as reformas tributária e administrativa.
A preocupação do setor produtivo se reflete no Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br), que se manteve em nível alto no ano passado. Em 9 dos 12 meses de 2019, o índice ficou acima de 110 pontos, considerado historicamente elevado.
O dado mais recente, referente a janeiro de 2020, chegou a 112,9 pontos.
"A sensação é de que estamos fazendo pouco para construir o futuro", diz a economista, referindo-se ao aumento da instabilidade política e fiscal no país.
A queda forte nos investimentos durante a recessão, para a professora da Universidade da Califórnia Marcelle Chauvet, explica em parte porque a retomada do crescimento frustrou os brasileiros nos últimos três anos.
O salto na FBCF entre 2010 e 2014 — a construção de estádios, hidrelétricas, estaleiros —, diz a economista, deu-se sobre uma base pouco sólida, financiada à custa do aumento do endividamento do governo.
A situação atual seria em parte um "ajuste aos excessos que aconteceram antes", que podia ser minimizado com uma maior participação do capital privado.
A incerteza política e fiscal, contudo, aumentam o risco para esses investimentos, pondera a especialista, que é um dos seis membros do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV.
Consumo, um motor fraco de crescimento
O avanço de 1,1% da economia em 2019 foi em boa parte sustentado pelo consumo das famílias, que aumentou 1,8% sobre 2018.
Essa composição, entretanto, limita o potencial de crescimento do país, diz Silvia Matos, já que o comércio e os serviços não têm o mesmo "efeito multiplicador da indústria".
São setores menos produtivos, que demandam nível menor de investimentos e pagam salários mais baixos.
"O crescimento pautado no consumo é mais volátil", concorda Rafael Pananko, da Toro Investimentos.
O economista destaca, por outro lado, que a recuperação do setor da construção civil, que avançou 1,6% em 2019 após cinco anos consecutivos de retração, de acordo com os dados do PIB, deve contribuir para o crescimento em 2020.
Antes da disseminação do surto de coronavírus, o analista estava na ponta otimista das estimativas para o PIB neste ano, com 2,3% — a mediana do boletim Focus divulgado na segunda-feira (2/3) está em 2,17%. Mais recentemente, contudo, reduziu a projeção para 1,5%.
A do Ibre-FGV foi revisada de 2,2% para 2%. Matos considera "prematuro" falar em um crescimento mais próximo de 1,5%, que ela reserva para um "cenário mais pessimista".
Em sua avaliação, o efeito positivo da redução da taxa básica de juros sobre o crédito deve sustentar o consumo neste ano.
"2020 vai ser mais do mesmo."
Terceiro ano de frustração?
Para o analista da Capital Economics William Jackson, as expectativas, de forma geral, seguem demasiadamente otimistas.
Em janeiro, ainda antes da incerteza trazida pelo coronavírus, ele estimava crescimento de 1,5% para o PIB brasileiro em 2020.
Sua leitura é que, além das limitações impostas pelo baixo investimento e pela fragilidade da indústria, o consumo tem uma capacidade limitada de estimular a economia neste ano.
De um lado, o governo dispõe de menos "aditivos" para incentivar as famílias a gastarem, como a liberação de saques do FGTS, utilizado no ano passado.
De outro, o mercado de trabalho segue dando sinais de que se recupera de maneira lenta, com geração de emprego de baixa qualidade.
Nesta semana, o analista cortou a projeção para 1,3%, antecipando parte dos efeitos negativos que o coronavírus deve ter sobre a economia brasileira.
Não foi a única revisão. O economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, diminuiu significativamente a estimativa para o Brasil, de 2,2% para 1,5%.
O país está exposto aos riscos econômicos que surgiram com a disseminação do coronavírus de diferentes formas.
Uma delas é a balança comercial. A queda nos preços de commodities como petróleo, soja e minério de ferro — resultado da expectativa de desaceleração da economia chinesa — devem reduzir o superávit esperado para o ano.
Se o surto afetar a China por muito tempo, há ainda um risco de queda na demanda do país por esses produtos. Nesse caso, o impacto sobre a balança não viria apenas pelo canal do preço, mas também do volume.
O país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil, destino de aproximadamente 30% do valor total das exportações.
A desvalorização adicional do real — consequência da saída de dólares do país para mercados considerados mais seguros, já que os investidores estão mais avessos a risco —, por sua vez, encarece insumos importados, além de máquinas e equipamentos para investimentos.
Há ainda a questão da interrupção no fornecimento de matérias-primas para indústrias como a de eletroeletrônicos, especialmente as que produzem celulares e notebooks, que trabalham com estoques reduzidos e usam uma série de componentes importados da China.
Em um relatório divulgado na segunda (2/03), a OCDE revisou de 2,9% para 2,4% a projeção para o crescimento global por conta da disseminação da covid-19.
Esse cenário leva em consideração que os efeitos negativos para a economia causados pela doença ficarão concentrados no primeiro trimestre e que o surto fora da Ásia será mais suave.
Com essas premissas, a instituição manteve inalterada a estimativa que tinha para o PIB do Brasil, de 1,7%.
A OCDE alerta, entretanto, que se o surto for mais intenso e disseminado do que o esperado, o PIB global poderia cair à metade do esperado antes da revisão, para 1,5%, levando países como o Japão e a Zona do Euro à recessão.
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