O episódio que levou à saída do ex-ministro da Secretaria-Geral Gustavo Bebianno - a primeira baixa entre a equipe de ministros do presidente Jair Bolsonaro - expõe duas importantes características que devem permear todo o mandato do novo presidente. São elas: a influência dos três filhos políticos de Bolsonaro sobre o governo do presidente e o uso das redes sociais até para expor e elevar a temperatura das crises internas.
A decisão de exonerar Bebianno, que era o único nome do PSL no Palácio do Planalto, foi comunicada oficialmente nesta segunda-feira pelo porta voz da presidência, general Rêgo Barros.
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"O presidente da República agradece a sua dedicação à frente da pasta e deseja sucesso na nova caminhada", diz a curta nota lida pelo porta-voz.
Rêgo Barros evitou dar mais informações sobre a decisão e se limitou a dizer que o motivo da exoneração do ministro é de foro íntimo do presidente, embora o próprio Bolsonaro tenha compartilhado elementos da crise na sua rede social.
Em vídeo divulgado nas redes sociais pouco antes do anúncio da exoneração, no entanto, o presidente confirmou a saída, mas teceu elogios ao seu ex-ministro e coordenador de campanha. "Comunico que, desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade de uma reavaliação. Avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal entendidas de parte a parte, não sendo adequado pré-julgamento de qualquer natureza", afirmou, no vídeo
"Tenho que reconhecer a dedicação e comprometimento do senhor Gustavo Bebianno a frente da coordenação da campanha eleitoral em 2018. Seu trabalho foi importante para o nosso êxito. Agradeço ao senhor Gustavo pelo esforço e empenho quando exerceu a direção nacional do PSL e continuo acreditando na sua seriedade e qualidade do seu trabalho. Reconheço também sua dedicação e esforço durante o período que esteve no governo", disse o presidente Bolsonaro.
Mais um general na equipe do governo
Com a saída de Bebianno assume o cargo o general Floriano Peixoto, que ocupava a função de secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência, fortalecendo o grupo militar que integra o governo. Em conversas internas, integrantes da ala militar dizem que o presidente precisa ter mais cuidado para controlar a influência dos filhos no governo federal.
A saída de Bebianno é resultado de uma crise que se arrasta desde a semana passada, após a revelação de que o PSL, partido do presidente, direcionou verbas públicas a candidatas laranjas.
Desde que Bolsonaro retornou a Brasília, na quarta-feira, após 17 dias internado em São Paulo devido à cirurgia para retirada da bolsa de colostomia, o assunto dominou as discussões no governo, no mesmo momento em que a nova equipe prepara o envio da reforma da Previdência ao Congresso.
A evidente influência dos filhos no governo e a forma como o presidente reagiu à situação, ao compartilhar mensagem em que Carlos Bolsonaro dizia que Bebianno mentiu, chamou a atenção de especialistas. Cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o presidente fugiu dos padrões ao expor o desentendimento em rede social, em vez de solucioná-lo de forma interna e reservada.
O PSL e as candidaturas laranjas
A Folha de S.Paulo revelou esquema de candidaturas laranjas no PSL, em Minas Gerais e Pernambuco, que direcionou dinheiro público a empresas ligadas ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e a uma gráfica de fachada. Bebianno foi presidente do partido durante a eleição de 2018 e, segundo o jornal, foi responsável pela distribuição de verbas públicas a candidatos nos Estados.
Bebianno também teria autorizado os repasses de R$ 400 mil para uma suposta candidata laranja apoiada pelo atual presidente nacional do PSL e deputado federal por Pernambuco, Luciano Bivar.
Na terça-feira, quando rumores sobre uma suposta demissão já circulavam no governo, Bebianno disse que tinha falado com Bolsonaro por meio do aplicativo WhatsApp. "Não existe crise nenhuma. Só hoje falei três vezes com o presidente", disse ele ao jornal O Globo.
Mas, ao longo da quarta-feira, Bebianno foi desmentido em público duas vezes: primeiro, pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidente; e depois pelo próprio Jair Bolsonaro. No Twitter, Carlos publicou uma gravação de áudio em que o pai rechaça um pedido de Bebianno para conversar; a mensagem foi mais tarde reproduzida no perfil oficial do presidente na rede social.
"Gustavo, está complicado eu conversar ainda. Então, não vou falar com ninguém a não ser estritamente o essencial. E estou em fase final de exames para possível baixa (do hospital) hoje, tá ok? Boa sorte aí", diz Bolsonaro no áudio.
Mais tarde na quarta-feira, durante a entrevista à Record, Bolsonaro tratou novamente do assunto. "Se estiver envolvido, logicamente, e responsabilizado, lamentavelmente o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens (demissão)", disse Bolsonaro.
Vereador ou governo federal?
A cientista política Vera Lucia Chaia, professora da PUC-SP, diz que os filhos de Bolsonaro têm mostrado que desejam controlar o pai e a política.
"A partir do momento em que Carlos não conseguiu um cargo no governo -- o que seria complicado, porque seria uma proposta nepotista --, houve retaliação nesse sentido, de se vingar do Bebianno. A postura que ele assumiu é para dizer: quem manda no pai sou eu e não é você", disse.
Vera Lucia Chaia destaca que, vereador do Rio, Carlos nem mesmo tem uma posição formal no governo federal.
"Ele não é deputado federal, não faz parte do governo, e é um filho que está sempre presente, até no desfile de posse, sentado no carro. Mostra uma dependência dele com relação ao pai e do pai em relação ao filho".
Para o cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas, o episódio da saída de Bebianno não deve ser superestimado.
"Três filhos deles são políticos, vai haver sempre essa tensão constante. Eu não superestimaria o episódio da saída do Bebianno. Ele não é um ministro super importante e o governo está no início. Esse episódio terá baixa capacidade de influenciar na habilidade do governo de governar", disse.
Pereira aponta que o fato de Bolsonaro ter compartilhado publicamente a crítica do filho a Bebianno pode causar insegurança inclusive em outros integrantes do governo.
"O presidente desautorizar um ministro através do Twitter, isso é inimaginável e gera desgaste, gera instabilidade para outros ministros, que ficam em situação vulnerável. O governo vai ter que perceber que, sem maioria estável no Legislativo, a vida será de tormenta", disse o professor da FGV.
O cientista político Leonardo Barreto classificou o episódio como "tumultuado" e apontou que Carlos teve uma reação agressiva, que foi confirmada de forma pública pelo pai.
"Bolsonaro fugiu dos padrões de administração de crise, onde via de regra se busca lavar roupa suja dentro de casa, o que leva à hipótese de que o clã Bolsonaro sabe de coisas que vão vir à tona e talvez tenha decidido se antecipar para fazer um controle de danos", afirmou.
Barreto diz que vê três hipóteses que podem explicar a reação de Carlos e do próprio presidente. "A primeira delas é que, ao reagir a esse caso, eles procuram recuperar o discurso ético da campanha, que eles perderam com a situação de Flávio Bolsonaro. A segunda é que eles sabem de coisas que levam a crer que essa crise pode ser maior e estão se antecipando ao se afastar de Bebianno. A terceira tem a ver com disputa interna de poder", afirmou o cientista político.
Construir relação com o Congresso
Advogado de formação, Bebianno atuou como presidente interino do PSL durante o período da campanha eleitoral de 2018. Naquele período, ele acumulou diversas funções dentro do partido - inclusive a de liberar repasses de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para as candidaturas femininas. Ele também era um dos principais interlocutores do Executivo com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). É o presidente da Câmara quem decide quando - e de que forma - o projeto da reforma da Previdência será levado a votação na Casa.
Para Pereira, da FGV, a capacidade de Bolsonaro governar dependerá da forma como estará organizado o apoio dos parlamentares.
"Essas crises vão se suceder enquanto o governo não construir coalizão majoritária, proporcional e homogênea no Congresso que sirva de escudo protetor para o governo. Para um governo ter condições de governabilidade, é fundamental que ele seja amparado e suportado por uma base sólida de apoio no legislativo para que denúncias ou problemas entre grupos do mesmo governo sejam sanados dentro do governo e não com esse grau de exteriorização, de exposição na mídia social", afirmou.
Leia a íntegra do pronunciamento de Bolsonaro sobre Bebianno, divulgado em vídeo:
Comunico que, desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade de uma reavaliação. Avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal entendidas de parte a parte, não sendo adequado pré-julgamento de qualquer natureza.
Tenho que reconhecer a dedicação e comprometimento do senhor Gustavo Bebianno a frente da coordenação da campanha eleitoral em 2018. Seu trabalho foi importante para o nosso êxito. Agradeço ao senhor Gustavo pelo esforço e empenho quando exerceu a direção nacional do PSL e continuo acreditando na sua seriedade e qualidade do seu trabalho. Reconheço também sua dedicação e esforço durante o período que esteve no governo.
Professor Edgar Bom Jardim - PE
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