O tempo tem sido o senhor da razão, ao menos no caso da ex-presidenta Dilma Rousseff. Bastaram um ano e cinco meses, não mais, para ficarem claros os arranjos e negociatas que alicerçaram um processo de impeachment sem crime de responsabilidade. A mais recente e incontestável prova da tramoia a unir a oposição partidária, Michel Temer, o PMDB e o mercado, urdida sob o aplauso de uma parcela da sociedade e a apatia de outra, foi fornecida pelo doleiro Lúcio Funaro.
Ao Ministério Público, Funaro, responsável pela lavagem de dinheiro do esquema peemedebista, contou ter repassado 1 milhão de reais ao deputado Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, para a compra de votos no Congresso a favor do impeachment. Na quinta-feira 19, dia da entrevista de Dilma a CartaCapital, Cunha, condenado a 15 anos de prisão, completava um ano atrás das grades. “É mesmo?”, reagiu a ex-presidenta à informação. “Sempre achei que ele deveria ter sido preso antes”. Ela afirma esperar que o STF, diante das revelações do doleiro, suspenda o impeachment. “Como qualquer cidadão e cidadã, desejo justiça.”
CartaCapital: Como a senhora recebeu a declaração do doleiro Lúcio Funaro de que houve compra de votos a favor do impeachment?
Dilma Rousseff: Não me surpreende. E está claro que não foi só este milhão citado pelo doleiro. O Cunha pavimentou sua ascensão ao comando da Câmara com métodos corruptos semelhantes. Isso lhe garantiu o controle de uma parte substancial do Congresso. O próprio Cunha se vangloriava de ter a sua bancada de 140 a 160 deputados. Todo mundo sabia. Da mesma maneira ele financiou sua eleição à presidência da Câmara. A mídia tem escondido sistematicamente esses fatos. De qualquer forma, o relato do doleiro coloca outra questão na mesa.
CC: Qual?
DR: Esse método de cooptação explica a contumaz impunidade do presidente ilegítimo Michel Temer. Quem garante essa impunidade? Os 140, 160 deputados do Cunha formam o cerne da base de apoio do Palácio do Planalto. É um método lamentável que ganhou essa proporção com o ex-presidente da Câmara, grande operador da corrupção.
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CC: Diante das afirmações de Funaro, a senhora se sente reabilitada à frente das acusações de inabilidade para lidar com o Congresso? Seria possível negociar com um Parlamento corrompido?
DR: A partir do fim do governo do presidente Lula e durante o meu primeiro mandato, o Brasil perdeu o centro democrático, formado a partir da Constituição de 1988. O PMDB, de uma forma ou de outra, manteve a coesão desse centro ao longo do tempo. Bastante fisiológico, é fato, mas impossível de ser classificado como totalmente corrupto. Tampouco ultraconservador, contrário aos avanços civilizatórios. Com a ascensão do Cunha, houve uma mudança na hegemonia do PMDB. O Temer foi beneficiado pelos métodos do Cunha. E não só ele, mas todo o grupo que orbita atualmente no Palácio do Planalto. Viceja um outro tipo de política, se assim podemos chamar o fenômeno. Esse grupo, composto pelo Cunha e por aqueles que estão no poder, tramou um assalto ao Estado. Não há na nossa história nenhum outro momento tão abertamente venal. A compra e a venda de votos, de posições, torna-se sistemática e o intuito é impedir que as leis sejam operadas. Surgem os “jabutis” nas medidas provisórias, emendas e projetos de lei, enxertos para atender a interesses particulares. Havia a ambição de controle do aparelho do Estado. Eles não ousaram tanto antes do meu governo.
CC: Depois de todas as revelações, a senhora acha possível que alguém ainda acredite na legitimidade do processo de impeachment?
DR: Depois de o PT ganhar quatro eleições consecutivas, as forças derrotadas decidiram suspender a democracia. Não havia outra maneira de implantar o projeto neoliberal em curso neste momento. O objetivo do impeachment era reenquadrar o Brasil econômica, social e geopoliticamente. Vamos acabar com essa brincadeira de o País desejar um desenvolvimento soberano e inclusivo. Não falo só da Petrobras e da Eletrobras. Incluo as empresas de engenharia destruídas pela Lava Jato. E do uso do orçamento e das leis para adotar políticas inclusivas, não para proteger o trabalho escravo ou permitir a exploração de terras indígenas. Era impossível aplicar esse programa por meio de eleições. Para aprovar o teto de gastos, a reforma trabalhista, era preciso interromper o processo democrático. O que sustenta o governo é o mercado. Se as reformas defendidas por ele forem feitas, não importa se quem está lá é corrupto ou não.
CC: Seus advogados fizeram um novo pedido de anulação do impeachment com base na delação do Funaro. O que a senhora espera sinceramente desse processo?
DR: Espero que anulem o meu impedimento (risos)...
CC: Mas a senhora vê alguma disposição do Supremo?
DR: Não me cabe avaliar a vontade do Supremo. Como qualquer cidadão ou cidadã, desejo justiça. Se não há justiça para alguém eleito com 54 milhões de votos, o que os demais brasileiros podem esperar? O que acontece? Só lhes resta a injustiça? Não é possível.
CC: O que achou da decisão do STF de remeter ao Senado o destino do senador Aécio Neves, em contradição com determinações anteriores da Corte?
DR: Geralmente evito observações a respeito das decisões do Supremo. Mas, neste caso, chama atenção a diferença de tratamento em relação a casos anteriores. É grave, preocupante. E não foi só o STF. O Senado também, né? Com o Delcídio do Amaral, os senadores, por unanimidade, cassaram o mandato. Fica escancarada a seletividade. Todos não são iguais perante a lei? Ou deveriam ser?
CC: A senhora acredita em eleições gerais em 2018?
DR: Acredito piamente... Não acreditar é entregar o jogo antes da hora. Agora, você sabe, o golpe não é um ato. Ele não se encerrou no impeachment. É um processo. Outubro de 2018 será decisivo. Podemos ter um segundo momento do golpe.
CC: Como seria?
DR: Não ter eleições ou tentar criar casuísmos. De que tipo? Tirar o Lula do páreo. O “lawfare” contra o presidente é evidente, sistemático. Usa-se a Justiça para aniquilar o inimigo, destruí-lo como cidadão. E, no caso do Lula, não está em jogo sua condenação, mas sua aniquilação. O engraçado é que não tem funcionado. O maior efeito do impeachment não foi a destruição do Lula ou do PT.
CC: E qual foi?
DR: A destruição do PSDB e do centro e a ascensão da extrema-direita. O PT, indicam as pesquisas, ainda mostra força entre os eleitores, assim como o Lula, cujas intenções de voto continuam a crescer, enquanto cai sua rejeição.
CC: Como explicar a apatia atual? Por que a atual oposição não consegue mobilizar como se mobilizou contra a senhora?
DR: Quem se mobilizou contra mim foi uma parcela importante da elite, com muito poder de organização, apoiada pela mídia. É o contrário deste momento. Quem tem mais a perder tem menos espaço de participação, capacidade de se organizar e voz. Não tem o dinheiro farto para se organizar como tiveram os movimentos que se opunham ao meu governo. Tanto em 2013 quanto em 2015 e 2016.
CC: A senhora vê uma relação entre os protestos de 2013 e os atos pró-impeachment?
DR: Os protestos de 2013 foram uma espécie de ensaio.
DR: Mas o movimento de 2013 não começou dessa forma...
DR: Não começou, mas foi transformado. Não tenho uma explicação para 2013. E não só eu. De qualquer forma, a mídia neste momento, me parece, perdeu a força para mobilizar.
CC: A senhora pensa em se candidatar a algum cargo em 2018?
DR: Só vou pensar nesse assunto quando raiar 2018.
CC: Nesta quinta-feira, por coincidência, completa-se um ano da prisão do Eduardo Cunha...
DR: ... É mesmo? Eu sempre achei que ele deveria ser preso antes do processo de impeachment. Não é uma questão pessoal. Ele representa um segmento que precisa ser erradicado da vida política, mas infelizmente está no poder.
Fonte:CartaCapital
Professor Edgar Bom Jardim - PE
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