Investigadores querem rastrear quem pesquisou o nome da vereadora e o local do crime antes do assassinato, mas empresa havia recorrido
A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou a ação da empresa americana Google e autorizou o acesso a dados para investigar o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). A votação ocorreu nesta quarta-feira 26.
Maioria dos dez ministros da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Rogério Schietti Cruz, que negou provimento ao recurso da companhia: Antonio Saldanha Palheiro, Reynaldo.
Os investigadores do crime ocorrido em 2018 querem ter acesso a informações do Google para chegar aos mandantes do homicídio, pois poderão rastrear os usuários que fizeram pesquisas sobre o nome da vereadora e o local do assassinato antes da data do crime.
A Justiça do Rio de Janeiro permitiu o compartilhamento de dados do Google com os investigadores, após um pedido feito em agosto de 2018 pela Polícia Civil e pelo Ministério Público.
No entanto, em dezembro de 2018, a companhia californiana entrou com um recurso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) para reverter a decisão, com o argumento de que a medida violaria o direito à privacidade dos usuários.
O recurso da empresa foi negado pelo TJ-RJ. No mês seguinte, a companhia entrou com um novo recurso, dessa vez no STJ. A Procuradoria-Geral da República (PGR) deu parecer favorável para a ação, mas os ministros ainda assim obrigaram que Google forneça os dados à investigação.
Em seu voto, o ministro Antonio Saldanha Palheiro afirmou que as alegações da empresa quando às suas políticas de privacidade não se aplicam ao caso da investigação.
“É uma política de privacidade que não prevalece na hora de disponibilizar nossos dados para propagandas, e coisas do gênero, que invadem a nossa esfera de individualidade cotidianamente”, disse o ministro. “A reiteração do Google em não entender às demandas do poder Judiciário realmente ultrapassa a esfera da razoabilidade e daquilo que nós podemos suportar.”
O que querem os investigadores
Segundo revelou a emissora GloboNews em abril do ano passado, a solicitação dos investigadores é de que haja um levantamento de todos os computadores ou celulares usados para pesquisar palavras-chave no Google, relacionadas a Marielle e ao local do crime: Marielle Franco; Vereadora Marielle; Agenda vereadora Marielle; Casa das Pretas; Rua dos Inválidos, 122; Rua dos Inválidos.
Os investigadores também pedem a lista dos IPs [internet protocol, que identifica o endereço da conexão da internet], e dos device ids [o código que identifica o computador ou o celular], relacionados aos autores das pesquisas feitas no Google com as palavras-chave sobre Marielle, entre 7 e 14 de março de 2018.
Google avalia recorrer ao STF
Em nota, o Google afirmou que respeita o trabalho de investigação, mas entende que os pedidos aprovados no STJ são “genéricos”. A empresa disse que lamenta a decisão da Corte e avalia a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a medida.
“O Google lamenta a decisão tomada hoje pelo Superior Tribunal de Justiça. Reiteramos nosso respeito ao trabalho de investigação das autoridades brasileiras, com as quais colaboramos de modo consistente. Embora tenhamos atendido diversas ordens expedidas no caso em questão, entendemos que a discussão levada ao STJ envolve pedidos genéricos e não individualizados, contrariando a proteção constitucional conferida à privacidade e aos dados pessoais. Mais uma vez, o Google reafirma o compromisso com a privacidade dos brasileiros e está avaliando as medidas a serem adotadas, inclusive um eventual recurso ao Supremo Tribunal Federal”, escreveu a companhia.
Meu Nome É Ébano, a Vida e a Obra de Luiz Melodia, de Toninho Vaz (Editora Tordesinhas), lançado dias atrás, trata de um artista cada vez mais difícil de encontrar no universo musical, com tamanha autenticidade.
Luiz Carlos dos Santos nasceu numa estreita rua no Morro de São Carlos, no Rio de Janeiro, das mãos de uma parteira em 7 de janeiro de 1951. Jogava bola, convivia com a turma de lá, de moradores comuns da comunidade a envolvidos em ilicitudes. Aos 18 anos serviu o quartel. My Black, Meu Nego, música dedicada a uma moça, que mais tarde foi rebatizada de Pérola Negra, foi gravada por Gal Costa em 1971 e tornou Melodia conhecido no meio.
Antes, porém, a descoberta do talento do cantor e compositor veio de uma situação típica carioca da época: famosos que frequentavam comunidades se deparavam com talentos artísticos e o carregavam ao asfalto. No caso de Melodia, essa figura que fez esse papel foi Hélio Oiticica, que depois o leva a Waly Salomão e Torquato Neto. O rapaz do moro então começa a fazer parte das rodas de música da Zona Sul, tem a oportunidade de apresentar suas canções, conhecer instrumentistas, dividir noitadas e drogas.
Esse pessoal era ligado ao Tropicalismo, mas Luiz Melodia não era relacionada à poesia concreta, uma característica do movimento, mas da poesia do morro, originária do samba, de versos curtos, frases idem, palavras simplórias que ora se conectam ora mostram-se soltas, mas de uma enorme resolução musical, efeito comunicacional e significado.
O realismo absurdo dos poetas populares em Estácio, Holly Estácio, de Luiz melodia: “Se alguém quer matar-me de amor / Que me mate no Estácio / Bem no compasso / Bem junto ao passo / Do passista da escola de samba / Do largo do Estácio”. No outro verso da mesma música, o sem nexo aparente, mas cheio de significados imaginários e envolventes: “Estácio acalma o sentido dos erros que faço / Trago, não traço, faço, não caço / O amor da morena maldita domingo no espaço.
Aliás, foi essa música gravada por Maria Bethânia em 1972 que deu a Luiz Melodia o reconhecimento de compositor profícuo.
Artista pleno
A biografia de Toninho Vaz, que já escreveu sobre Torquato Neto, entre outros, é valorosa nesse aspecto porque desvenda o personagem carioca pobre que sobressaiu na música com sua poesia, delicadeza, amorosidade. Cantava bem, no ritmo e tempo seu, originalíssimo. Suas composições são extensões de seu corpo. Um artista pleno e na essência, dia e noite.
Os aspectos da vida de artista badalado, exaltações da mídia e amigos e festas protocolares são abordados na obra com certa insistência, talvez para mostrar que Luiz Melodia é muito maior artisticamente do que o espaço hoje reservado a ele na história cultural do país. E isso é pura verdade.
Luiz Melodia evitou ser bibelô da indústria da música. Por conta disso, tinha fama do termo horrendo “maldito”. Pelo contrário, tentou ser ele próprio o tempo todo: um moleque nascido na quebrada, negro que sofreu preconceito a vida inteira, mas tinha algo forte a revelar e a interpretar, sem muita concessão. O livro expõe essa face de Melodia de forma contundente.
Era um cara que frequentou balcão de bar de esquina a vida inteira, até antes de morrer de câncer aos 66 anos em 2017. Além disso, gostava de perambular pela noite depois de shows após décadas de estrada, sem se importar com as aparências, embora estivesse sempre elegante.
Esse tipo é muito bom em livro, mas costuma ferir o status quo. O jeito malandro de ser do cantor, nunca perdido e autêntico dele, precisa ser criticado para o grupo dominante se autoafirmar superior na conduta padrão de fachada. Destaques ainda na obra o papel da mulher Jane Reis na organização da vida anárquica do boêmio Melodia, e o violão de Renato Piau, escolhido para ser seu braço direito musical.
Luiz Melodia foi um dos mais brilhantes artistas brasileiros. A continuidade da ligação que fez do morro com asfalto é necessária e urgente. O livro de Toninho Vaz faz lembrar o quanto isso mudou hoje, com cada um no seu quadrado, se autoproduzindo. Isso é também bacana, mas impõem restrições. Há muitos talentos espalhados por aí a serem descobertos.
Na semana da convenção republicana, que vai oficializá-lo como o candidato do partido à reeleição, o presidente Donald Trump sofreu mais um golpe em sua campanha.
Atrás nas pesquisas nacionais de intenção de voto, Trump acaba de perder uma de suas mais longevas e fiéis assessoras, Kellyanne Conway, de 51 anos, tragada por um drama familiar que simboliza a atual polarização dos americanos.
No domingo (23/08), apenas três dias antes de fazer um discurso na convenção republicana e a pouco mais de dois meses do dia da eleição, Kellyanne entregou sua carta de demissão ao chefe.
A assessora vivia há dois anos sob pressão dentro de sua própria casa. Em artigo na última semana ao Washington Post, seu marido George Conway, de 54 anos, disse que Trump merecia a "infâmia".
Mas a gota d'água foi o pedido de emancipação da filha adolescente do casal, Claudia, de 15 anos, que neste domingo afirmou via redes sociais que o emprego de sua mãe na Casa Branca "arruinou" a vida dela.
Casados, mas inimigos políticos
O casal Kellyanne e George Conway é republicano de longa data e apoiou Trump com fervor em 2016. Mais que isso. Kellyanne, apresentada a Trump por George, foi gerente da campanha bem-sucedida do republicano há quatro anos.
Poucas horas após o anúncio da vitória de Trump, enquanto o presidente eleito se preparava para fazer seu discurso vencedor, George chorava de felicidade e orgulho da mulher, com quem tem quatro filhos. Eles se mudaram para uma mansão na capital americana, Washington D.C., e pareciam destinados a dias de poder e alegria em família.
"Agora choro por outros motivos", afirmou George ao Washington Post há 10 dias, expondo a deterioração da vida conjugal pelas desavenças políticas.
Advogado, seu nome chegou a ser cogitado para o posto de assistente da Procuradoria-Geral americana, ainda nos meses iniciais do governo, mas o próprio George pediu para que o excluíssem da possibilidade.
Enquanto sua mulher se tornava cada vez mais uma peça fundamental na estratégia de Trump na Casa Branca, a partir de 2018 George rompeu com a gestão e passou a qualificar publicamente os atos do atual presidente como "inconstitucionais" e "absurdos".
Foi além. Esse ano, criou um grupo de conservadores anti-trumpistas, batizado de Lincoln Project, que tem ganhado proeminência e anunciou apoio ao democrata Joe Biden nas eleições em novembro. Duros golpes na campanha que sua mulher tentava fazer vitoriosa.
Enquanto isso, há alguns meses a filha Claudia passou a relatar o grau de toxicidade das relações domésticas na família Conway via Twitter. E a atacar os posicionamentos políticos da mãe (e em menor grau, também do pai) publicamente. Sua conta tornou-se extremamente popular, com 435 mil seguidores.
'A vida não é justa'
Em 31 de julho, por exemplo, Kellyanne escreveu uma mensagem lamentando a morte do líder conservador e empresário Herman Cain, vítima de covid-19.
Republicano e apoiador de Trump, Cain chegou a ir em junho ao comício de Trump em um ginásio em Tulsa (Oklahoma). À época, em aprovação à decisão de Trump de não obrigar o uso de máscaras, ele disse: "As pessoas estão cheias disso".
Semanas mais tarde se tornaria uma das mais de 170 mil vidas perdidas para a pandemia nos Estados Unidos. Em resposta à mensagem fúnebre de Kellyanne, Claudia respondeu: "Aim, é triste, mas o governo para o qual você trabalha não é cúmplice nessa morte??"
Nos posts, Claudia afirmou que sua mãe ignorava o sofrimento dos filhos, preocupada apenas com fama e dinheiro. "Você sabe que a vida não é justa quando acorda e vê sua mãe falando ao lado de um estuprador e homofóbico", afirmou Cláudia em outro post sobre uma reunião de Kellyanne e Trump.
A adolescente também disse que politicamente discorda em tudo do pai, mas que ambos têm "bom senso em relação ao presidente". E retuitou um post que sugeria que ela fosse adotada pela congressista progressista e democrata Alexandria Ocasio-Cortez, a quem Trump qualifica como extrema esquerda.
Por fim, Claudia passou a fazer sucesso com seus desabafos e opiniões políticas em vídeos no TikTok, aplicativo chinês que Trump tenta banir dos Estados Unidos.
Um país dividido
O atual retrato de família Conway, rasgado em diversos pedaços, ilustra a polarização política que tomou conta da sociedade americana. A distância entre os universos políticos tem se aprofundado, de acordo com institutos de pesquisa.
Um levantamento do Pew Research divulgado nesta segunda, 24, mostrou que, enquanto na média a aprovação do presidente Trump está em 38%, 87% dos americanos que se dizem republicanos o aprovam, contra apenas 6% dos eleitores democratas.
E o fenômeno não acontece apenas em relação ao presidente. Há uma semana, o mesmo instituto perguntou a opinião dos americanos sobre a criação de uma renda básica universal para adultos: enquanto 66% dos democratas se disseram favoráveis, 78% dos republicanos foram contrários.
E há duas semanas, o Pew Research quis saber a que os pesquisados atribuíam o aumento de casos de covid-19 no país, que já passou dos cinco milhões de diagnósticos. Enquanto 80% dos democratas afirmaram que a pandemia cresce porque a epidemia está fora de controle, 62% dos republicanos atribuíram o fenômeno ao grande número de testes feitos, um argumento que tem sido repetido à exaustão pelo presidente Trump.
Aliás, enquanto 85% dos democratas veem a situação como um alto risco de saúde pública, apenas 46% dos republicanos dizem o mesmo.
Autor do livro Why we are polarized (Porque estamos polarizados, em tradução livre) sobre o fenômeno, o jornalista Ezra Klein, fundador do site Vox, afirma que os Estados Unidos chegaram tardiamente - e com força - a uma tendência que já aparecia no século 20 em outras democracias ocidentais.
Ao longo de décadas, os dois principais partidos americanos - republicano e democrata - tendiam ao centro no espectro político, se alternando no poder e colaborando um com a gestão do outro. As diferenças entre correligionários das duas agremiações poderia ser considerada quase residual.
Nos últimos 50 anos, no entanto, Klein afirma que os americanos foram se entrincheirando cada vez mais em clivagens culturais, raciais, geográficas, religiosas, ideológicas. Como resultado, "todos estão constantemente zangados e agitados, e a política se torna algo que só aqueles com estômago forte podem tolerar", afirmou Klein, em entrevista à revista americana Wired.
Segundo ele, como o presidente tem relativamente pouco poder diante do Congresso, para governar é preciso construir acordos bipartidários. Com a polarização, as disputas políticas se tornaram cada vez mais escarnecidas e cada vez menos resolutivas.
"Aumentamos a intensidade de nossas lutas políticas, ao mesmo tempo em que tornamos quase impossível para um lado ou outro vencer, pelo menos em termos de formulação de políticas. Isso deixa o público preso em um sistema onde todos estão lutando, mas seus problemas não estão sendo resolvidos", conclui Klein.
Menos de uma semana após discursar como o candidato democrata, Joe Biden pode ter no caso da assessora de Trump e sua família uma espécie de prova de seu argumento de campanha.
Pouco entusiasmante para o eleitorado no geral, ele se apresentou como um candidato capaz de unificar os americanos novamente. Para tanto, se apresentou como o nome de uma coalizão que incluía não apenas os centristas e os esquerdistas do partido democrata, mas até mesmo republicanos insatisfeitos com Trump.
Em sua carta de demissão, no entanto, Kellyanne procurou evitar servir de combustível político. "Eu deixarei a Casa Branca no fim deste mês. George também está fazendo mudanças (para diminuir o trabalho). Discordamos em muito, mas estamos unidos no que mais importa: as crianças", afirmou ela. E concluiu: "Esta é minha escolha e minha voz. Por ora, e pelos meus queridos filhos, será menos drama, mais mama".
Mariana Sanches - Da BBC News Brasil em Washington
Pela primeira vez na história, a China desbancou o Brasil como o maior parceiro comercial da Argentina.
O fato inédito ocorreu, quase desapercebido, em setembro e outubro de 2019, quando o país vizinho exportou US$ 74 milhões a mais para o país asiático do que para o mercado brasileiro. Em outubro, a diferença a favor da China foi menor, US$ 37 milhões.
Na época, pelo quase empate, os números não chamaram atenção. Fato que ocorre agora, depois de os chineses terem ultrapassado os brasileiros três meses seguidos, abril, maio e junho, e por um volume maior. Em abril, a Argentina exportou US$ 509 milhões para a China, principalmente em soja e carne bovina, um aumento de 50,6% em relação ao mesmo período de 2019.
Já para o Brasil, as vendas totalizaram US$ 393 milhões, enquanto no mesmo mês de 2019 tinham totalizado US$ 907 milhões, queda de quase dois terços, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística da Argentina (Indec).
No mesmo período, a Argentina importou mais do Brasil do que da China, mas os chineses encerraram o mês com saldo positivo de US$ 98 milhões no comércio bilateral, enquanto que o Brasil teve déficit de US$ 132 milhões.
Mas como a China conseguiu desbancar o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina?
A pandemia do coronavírus, que desacelerou e até mesmo paralisou a indústria, é um dos principais motivos que explicam essa mudança, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
O setor industrial, especialmente o segmento automotivo, representa pelo menos 40% do intercâmbio comercial entre Brasil e Argentina.
Por outro lado, a produção e exportação de grãos não sofreu o mesmo impacto e continua sendo o pilar das exportações da Argentina e de outros países da região para a China.
Ainda assim, apesar das circunstâncias atuais, não há dúvida de que Argentina e China vêm consolidando seus laços, ao passo que as relações do país vizinho com o Brasil vivem um esfriamento, acrescentam os especialistas.
'ArgenChina'
A aproximação da Argentina com a China vai além do comércio.
Exemplos disso são um observatório espacial chinês para missões à Lua, instalado na província argentina de Neuquén, na Patagônia, no sul do país, e a produção chinesa de porcos em grande escala na Argentina, para consumo na China.
Tamanha a importância da China para a Argentina que a revista Notícias, de Buenos Aires, ilustrou em sua capa uma reportagem com o título "ArgenChina (unindo os nomes dos dois países), as novas relações carnais" (a expressão antes era usada para definir a aproximação da Argentina com os Estados Unidos). Nela, o presidente Alberto Fernández aparece, numa fotomontagem, usando um chapéu chinês.
Enquanto isso, a relação comercial entre Argentina e Brasil vem minguando. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, nunca falou com o presidente argentino, Alberto Fernández, desde sua posse, há oito meses — um fato inédito na relação entre os dois países em 35 anos.
O silêncio entre os líderes gerou especulações sobre até que ponto esse distanciamento político, somado à nova onda de queixas contra barreiras comercias argentinas aos produtos brasileiros, podem estar prejudicando as relações entre os dois vizinhos.
"A relação com a China tem que ser vista sob vários ângulos. Econômico, político, estratégico. Fica a impressão que diante das características de Bolsonaro, a China poderia estar buscando um segundo ator na região", diz o professor de relações econômicas internacionais Raúl Ochoa, da Universidade Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), de Buenos Aires, à BBC News Brasil.
Segundo ele, o Brasil poderia ter sido o território natural, por suas dimensões, para a produção de porcos que a China hoje planeja desenvolver na Argentina.
"Claramente, a China não quer ficar centralizada num só país", diz Ochoa.
Marcelo Elizondo, da consultoria DNI, vai além, e diz que a China não está de olho apenas na Argentina como alternativa ao Brasil "porque precisa de todos, desde os minérios do Peru aos peixes do Chile, por exemplo".
Sem dilema
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Na pandemia, autoridades do Brasil fizeram críticas aos chineses, levando opositores do governo a criticarem a postura de "alinhamento" ao discurso do presidente Donald Trump, como afirmou um ex-ministro brasileiro das Relações Exteriores, que falou sob condição do anonimato.
Em um encontro recente, promovido pela organização empresarial americana Council of Americas, Sérgio Amaral, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, disse que, por suas dimensões e interesses próprios, o Brasil "não pode cair no dilema de ter que escolher entre a China e os Estados Unidos e deve se relacionar com os dois".
Segundo dados e previsões da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), divulgados no início de agosto, as exportações regionais para a China devem ter uma queda, neste ano, muito menor do que a para os Estados Unidos e dentro da própria região. Enquanto para os EUA, a retração prevista é de 32% e para a região, de 28%, para a China, o índice seria de "apenas 4%", destacou a Cepal.
'Temporária'
"O que está acontecendo é conjuntural. Grande parte do comércio entre o Brasil e a Argentina é baseado em automóveis. Este setor, que representa cerca de 40% da balança comercial entre os dois países, esteve praticamente parado, aqui na Argentina, como medida de prevenção (nas fábricas) contra o coronavírus. À medida que as atividades sejam retomadas, a participação do Brasil como parceiro comercial vai se recuperar", diz Eva Bamio, da consultoria econômica Abeceb.
Na avaliação de Elizondo, apesar da pandemia, as exportações primárias (não industriais) estão aumentando de maneira geral e têm como principal destino a Ásia.
"As pessoas continuam comprando alimentos, mas deixaram de comprar automóveis, por exemplo. Outro motivo é que a recuperação das economias asiáticas foi mais rápida. E o mesmo não ocorre com o Brasil e também com a Argentina. Mas acho que a China passar o Brasil é algo temporário", diz Elizondo.
Bamio observou ainda que os insumos médicos enviados pela China à Argentina (além de outros países da América Latina) também pesaram nos resultados da balança comercial.
"A China foi o primeiro país a ter o coronavírus e a fechar seu comércio no início do ano, mas, a partir da sua reabertura, esse quadro mudou, ela voltou a receber importações e o fato refletiu também nas exportações da Argentina", diz Bamio.
O gigante asiático passou a ganhar destaque na pauta de exportações da Argentina — e outros países da América Latina — com o ciclo das commodities, como observa o economista Santiago Taboada, da consultoria OJF&Associados.
"Em termos anuais, o Brasil continua sendo o principal parceiro comercial da Argentina, mas essa posição dependerá do que acontecerá com as duas economias neste ano", ressalva Taboada.
Além da indústria automotiva, que não produziu um único automóvel em abril — na primeira etapa da quarentena nacional —, a Argentina fabrica insumos ligados a este e outros setores que também estiveram paralisados, como o de plásticos.
Desvalorização do real
Outro fator apontado para a perda de espaço do Brasil para a China no comércio argentino foi a desvalorização do real, assinala o economista Matías Rajnerman, da consultoria Ecolatina, fundada pelo ex-ministro da Economia do país, Roberto Lavagna.
"O impacto da covid-19 na atividade do gigante da América do Sul e a desvalorização de sua moeda, que passou de cerca de R$ 4 (em relação ao dólar), no fim de 2019, para R$ 5,6 atualmente (+30%), contrastaram com a recuperação, mesmo que fraca, do país mais populoso do mundo (a China)", destaca.
A relação entre os dois países costuma ser pontuada ainda pelas críticas, do lado brasileiro, principalmente, contra as medidas que dificultam a fluidez dos desembarques de produtos brasileiros na Argentina. Na semana passada, entretanto, após se reunir com o presidente Bolsonaro, em Brasília, o novo embaixador da Argentina no país, Daniel Scioli, disse, em entrevista ao jornal La Nación, de Buenos Aires, que "esse assunto já foi resolvido".
Quando questionado sobre a queda no comércio bilateral em cerca de 30%, Scioli disse que vai trabalhar para que "o incremento do comércio seja de forma sustentável em quantidade e em qualidade".
Exploração aeroespacial
Há poucos dias, a Argentina ratificou um acordo assinado em 2014, durante o governo da ex-presidente Cristina Kirchner, para a instalação de uma "estação terrestre de seguimento, comando e aquisição de dados", na província de Neuquén, "para as missões chinesas de exploração interplanetária no marco do Programa Chinês de Exploração da Lua".
Os dois países dizem querer trabalhar juntos para o desenvolvimento de tecnologia espacial, com fins pacíficos e benefícios mútuos.
No mês passado, a Conae informou que participa da missão chinesa que lançou uma sonda a Marte em julho, da base de Hainan, no sul do país asiático.
Central nuclear
Em entrevista à BBC News Brasil, o ex-embaixador da Argentina na China, Diego Guelar, contou que a Argentina e a China fizeram um acordo para a construção de uma central nuclear na província de Buenos Aires que envolverá cerca de US$ 8 bilhões de investimentos chineses.
Com essa base nuclear, os dois países pretendem gerar energia para a Argentina e vender produtos ligados ao setor para a América Latina. Procurado, o Ministério da Produção, responsável pelo setor, não respondeu às perguntas da BBC News Brasil até o fechamento dessa reportagem.
Marcia CarmoDe Buenos Aires para a BBC News Brasil
Maria do Socorro Canto Santana, bonjardinense, professora formada em Letras pela FAFIRE, escritora e poetisa. Atuou como colunista do Diário de Pernambuco, fundou e dirigiu o Jornal o ELO, autora do Hino da Escola Estadual Raimundo Honório. Lecionou na escola Henriqueta de Oliveira (Jaboatão) EREM Abílio Barbosa( Orobó), Escola Raimundo Honório(Bom Jardim), apresentou o Programa Bom Jardim Notícias na Rádio Difusora de Limoeiro. Socorro Canto é autora de vários cordéis. É membro da Associação Nacional dos Trovadores - ANT.
Os atropelos da sociedades estão entranhados no seu cotidiano. Não há como apagar a complexidade. A humanidade tropeça com seu projeto de dominação. Sente-se que existem desconfianças constantes e grupos voltados para celebrar privilégios.A desigualdade acompanha a história e deixa perguntas que ferem. Não esqueçam as teorias científicas, as religiões, as metafísicas. Muita coisa pensada, mas as intrigas não se vão e as egolatrias seguem firmes orientando suas falcatruas. Fecham-se sinais que, antes, atiçava iluministas.
As tecnologias planejam submeter à natureza, poluindo. Criam-se hierarquias técnicas. Os valores sofrem danos com a concentração de riqueza. Não se pode negar que disfarces são manipulados e os abismos cercam a sociedade. Portanto, as escravidões permanecem e elas assustam. Os corpos inquietam e inventam-se formas de oprimi-los.O reino das mercadoria é poderoso e vigia quem busca leveza e fraternidade. Antipatiza com o afeto e alicia os ambiciosos. O labirinto da ferocidade manobra com o animal racional, feito à imagem e à semelhança de deus
A história tem lugares e tempos.Está difícil entender como eles se movem. As psicopatias não cessam de se renovarem. O medo não se vai e a indústria promete milagres. Vende a felicidade em comprimidos. O desmanche não é momentâneo. Desde as primeiras culturas, há armadilhas. Intimidações desfazem leis que poderiam reencontrar estradas de luzes e paz. Somos animais, temos garras invisíveis, reproduzimos violências. As brechas são mínimas e o desamparo se infiltra em cada solidão. Imagine a grande cidade na escuridão de seus becos, na miséria destrutiva de seus charlatões.
Há grupos que justificam apodrecimentos que subordinam boa parte da sociedade. Por isso, é importante medir os enganos, analisar as falsidades. O movimento do ritmo é frequente, porém não dança com a harmonia dos ventos. A capacidade de refazer, nem sempre significa retomar culturas que abracem a natureza.Não é toa que os vírus se propaguem, que a esperança esteja encarcerada. Prometeu desafiou os deuses. Não há rebeldias que o lembrem? O cartão de crédito é o espelhos e os bancos os templos.As ousadias se combinam com torpezas. Prometeu talvez se esconda dos que vivem anulando.a subjetividade que diz não aos estupradores e mascarados das milícias.