quarta-feira, 4 de março de 2020

PIB: Por que 2019 frustrou mais uma vez as expectativas de crescimento da economia?


Mulher segura uma moeda de um realDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPIB avançou 1,1% em no ano passado - menos da metade do esperado em janeiro
O crescimento da economia brasileira frustrou as expectativas pelo segundo ano consecutivo em 2019.
Quando o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, no dia 1º de janeiro, a mediana das estimativas de consultorias e instituições financeiras para o Produto Interno Bruto (PIB) reunidas pelo Banco Central no boletim Focus apontava um avanço de 2,53%.
O dado oficial, divulgado nesta quarta (4/03) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não chegou à metade disso: 1,1%.

Em 2018, os números eram ainda mais otimistas, 2,7%. Em um ano em que a redução de juros pelo Banco Central não teve o efeito positivo esperado sobre a economia e em que uma greve de caminhoneiros parou o país por dez dias, a economia cresceu 1,3%.

Após sair da maior crise de sua história, o Brasil cresce há três anos seguidos no mesmo ritmo, contrariando a lógica de outros ciclos de recessão, em que a recuperação geralmente foi mais vigorosa em um primeiro momento.

O que aconteceu?

Parte do crescimento modesto do PIB em 2019 se deve a três choques importantes.
O primeiro foi o desastre de Brumadinho, que, além da tragédia humana, afetou o desempenho do setor de mineração.
A indústria extrativa, de acordo com os dados do IBGE, recuou 1,1% no ano passado.
A recessão na Argentina, por sua vez, teve um impacto forte sobre a indústria de transformação.
O país vizinho é o principal comprador de produtos manufaturados do Brasil — não apenas veículos e bens acabados, mas bens intermediários que são incorporados à cadeia produtiva da própria indústria argentina.

PIB do Brasil

Entre 2010 e 2019
Fonte: Contas Nacionais/IBGE
Não por acaso, o segmento que mais contribuiu para a queda de 1,1% da produção industrial no Brasil em 2019 foi o de bens intermediários, que recuou 2,2% em relação a 2018.
O "efeito Argentina" tirou 0,55 ponto percentual do PIB brasileiro no ano passado, de acordo com a estimativa da pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV) Luana Miranda.
Ou seja, sem o impacto negativo da redução da demanda do país vizinho, a atividade poderia ter avançado 1,65%.
A economia também sentiu os efeitos negativos da desaceleração global provocada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China.
O cenário internacional mais adverso ajuda a explicar, por exemplo, porque as exportações brasileiras caíram quase 6% no ano passado — apesar do dólar mais caro.
Dólar e realDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionValorização do dólar encarece importação de matérias-primas pela indústria e de máquinas e equipamentos, com impacto negativo sobre investimentos
Um estudo publicado pelo Banco Central com uma análise do comércio exterior no Brasil entre 2002 e 2018 destacou que as exportações no Brasil são mais sensíveis ao crescimento global do que ao câmbio.
Quando o mundo cresce menos, o Brasil vende menos para fora, apesar do ganho de competitividade que vem do real desvalorizado.

O investimento e a 'maldição' do baixo crescimento

Esse cenário, por sua vez, contribuiu para que o investimento, mais uma vez, decepcionasse.
A medida desse indicador dentro do PIB, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), cresceu 2,2% no ano passado. O resultado é inferior ao de 2018 (3,9%) e bem mais modesto do que o esperado pelos economistas no início de 2019 — a projeção do Ibre era de 4,7%.
A FBCF soma investimentos na construção civil, em máquinas e equipamentos e em outros ativos fixos — é ele que capta os efeitos do aumento da capacidade instalada de uma fábrica, por exemplo, ou da melhoria nos processos de uma linha de produção.

Trajetória dos investimentos

Série encadeada do índice de volume trimestral* - 2008 a 2019
*Média de 1995 = 100
Fontes: Contas Nacionais/IBGE
É uma componente importante do PIB porque, via de regra, sinaliza aumento no potencial de crescimento da economia.
Com o resultado de 2019, o nível dos investimentos ainda está mais de 20% abaixo do pico registrado em 2013.
Apesar de os choques terem tido papel importante no resultado, o ambiente interno, apesar dos juros baixos, não contribuiu para que as empresas tirassem os projetos da gaveta, avalia a coordenadora do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos.
"A falta de clareza na agenda de reformas gera muita incerteza no investidor", ela pontua.
Bolsonaro e Paulo GuedesDireito de imagemADRIANO MACHADO/REUTERS
Image captionPropostas importantes, como as PECs que disciplinam os gastos públicos, estão paradas no Congresso
Passada a reforma da Previdência, o governo tem tido dificuldade de avançar em propostas que poderiam ter impacto positivo sobre a economia, como as reformas tributária e administrativa.
A preocupação do setor produtivo se reflete no Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br), que se manteve em nível alto no ano passado. Em 9 dos 12 meses de 2019, o índice ficou acima de 110 pontos, considerado historicamente elevado.
O dado mais recente, referente a janeiro de 2020, chegou a 112,9 pontos.
"A sensação é de que estamos fazendo pouco para construir o futuro", diz a economista, referindo-se ao aumento da instabilidade política e fiscal no país.
A queda forte nos investimentos durante a recessão, para a professora da Universidade da Califórnia Marcelle Chauvet, explica em parte porque a retomada do crescimento frustrou os brasileiros nos últimos três anos.
O salto na FBCF entre 2010 e 2014 — a construção de estádios, hidrelétricas, estaleiros —, diz a economista, deu-se sobre uma base pouco sólida, financiada à custa do aumento do endividamento do governo.
A situação atual seria em parte um "ajuste aos excessos que aconteceram antes", que podia ser minimizado com uma maior participação do capital privado.
A incerteza política e fiscal, contudo, aumentam o risco para esses investimentos, pondera a especialista, que é um dos seis membros do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV.

Consumo, um motor fraco de crescimento

O avanço de 1,1% da economia em 2019 foi em boa parte sustentado pelo consumo das famílias, que aumentou 1,8% sobre 2018.
Essa composição, entretanto, limita o potencial de crescimento do país, diz Silvia Matos, já que o comércio e os serviços não têm o mesmo "efeito multiplicador da indústria".
São setores menos produtivos, que demandam nível menor de investimentos e pagam salários mais baixos.
"O crescimento pautado no consumo é mais volátil", concorda Rafael Pananko, da Toro Investimentos.
O economista destaca, por outro lado, que a recuperação do setor da construção civil, que avançou 1,6% em 2019 após cinco anos consecutivos de retração, de acordo com os dados do PIB, deve contribuir para o crescimento em 2020.
Construção no bairro do Ipiranga
Image captionRetomada da construção em 2019 se concentrou no setor imobiliário
Antes da disseminação do surto de coronavírus, o analista estava na ponta otimista das estimativas para o PIB neste ano, com 2,3% — a mediana do boletim Focus divulgado na segunda-feira (2/3) está em 2,17%. Mais recentemente, contudo, reduziu a projeção para 1,5%.
A do Ibre-FGV foi revisada de 2,2% para 2%. Matos considera "prematuro" falar em um crescimento mais próximo de 1,5%, que ela reserva para um "cenário mais pessimista".
Em sua avaliação, o efeito positivo da redução da taxa básica de juros sobre o crédito deve sustentar o consumo neste ano.
"2020 vai ser mais do mesmo."

Terceiro ano de frustração?

Para o analista da Capital Economics William Jackson, as expectativas, de forma geral, seguem demasiadamente otimistas.
Em janeiro, ainda antes da incerteza trazida pelo coronavírus, ele estimava crescimento de 1,5% para o PIB brasileiro em 2020.
Sua leitura é que, além das limitações impostas pelo baixo investimento e pela fragilidade da indústria, o consumo tem uma capacidade limitada de estimular a economia neste ano.
De um lado, o governo dispõe de menos "aditivos" para incentivar as famílias a gastarem, como a liberação de saques do FGTS, utilizado no ano passado.
De outro, o mercado de trabalho segue dando sinais de que se recupera de maneira lenta, com geração de emprego de baixa qualidade.
Nesta semana, o analista cortou a projeção para 1,3%, antecipando parte dos efeitos negativos que o coronavírus deve ter sobre a economia brasileira.
Não foi a única revisão. O economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, diminuiu significativamente a estimativa para o Brasil, de 2,2% para 1,5%.
O país está exposto aos riscos econômicos que surgiram com a disseminação do coronavírus de diferentes formas.
Uma delas é a balança comercial. A queda nos preços de commodities como petróleo, soja e minério de ferro — resultado da expectativa de desaceleração da economia chinesa — devem reduzir o superávit esperado para o ano.
Se o surto afetar a China por muito tempo, há ainda um risco de queda na demanda do país por esses produtos. Nesse caso, o impacto sobre a balança não viria apenas pelo canal do preço, mas também do volume.

Mapa da disseminação do coronavírus, por 4 de março de 2020

O mapa usa dados periódicos da OMS e pode não refletir as informações mais atualizadas de cada país.
Total de casos confirmadosNúmero de mortes
91.7833.123
 Veja dados por país

Fonte: Organização Mundial da Saúde
Última atualização em 04/03/2020 2:30:00 GMT.
O país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil, destino de aproximadamente 30% do valor total das exportações.
A desvalorização adicional do real — consequência da saída de dólares do país para mercados considerados mais seguros, já que os investidores estão mais avessos a risco —, por sua vez, encarece insumos importados, além de máquinas e equipamentos para investimentos.
Há ainda a questão da interrupção no fornecimento de matérias-primas para indústrias como a de eletroeletrônicos, especialmente as que produzem celulares e notebooks, que trabalham com estoques reduzidos e usam uma série de componentes importados da China.
Em um relatório divulgado na segunda (2/03), a OCDE revisou de 2,9% para 2,4% a projeção para o crescimento global por conta da disseminação da covid-19.
Esse cenário leva em consideração que os efeitos negativos para a economia causados pela doença ficarão concentrados no primeiro trimestre e que o surto fora da Ásia será mais suave.
Com essas premissas, a instituição manteve inalterada a estimativa que tinha para o PIB do Brasil, de 1,7%.
A OCDE alerta, entretanto, que se o surto for mais intenso e disseminado do que o esperado, o PIB global poderia cair à metade do esperado antes da revisão, para 1,5%, levando países como o Japão e a Zona do Euro à recessão.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Globalização labiríntica



Ninguém toma conta da história, Há momento que tudo parece rígido, o destino programado. Mas se trata de um engano. Não faltam frustrações, desde os tempos que Adão e Eva andavam pelo paraíso. A invenção do mundo é algo misterioso. Não se engane, nem aposte em saberes que definirão futuros. A incerteza mora na história, gosta de trapézios e escandaliza para quebrar as monotonias.
Passam carnavais, as religiões brigam pelas redes de poder, o capitalismo não se cansa de jogar, os vírus acedem pânicos. Cada dia se transforma num cotidiano que assusta e aproxima. Tudo globalizado tem a geometria de labirintos, cheios de armadilhas, com fantasmas cibernéticos. Os messias não deixam de surgir, as estradas são curvas e pertencem a uma multidão de refugiados. A China lembra o Brasil. a Jamaica lembra o Peru,o Japão lembra a França.Brincadeiras ou passagens surrealistas?
Sacudir as palavras é malabarismo da cultura. Elas tornam possível certas aventuras. Não imagine o fim, mas desenhe o impossível. O acaso e o absurdo ajudam ad ivertir. Não esqueça de Camus, das peripécias de Cem Anos de Solidão, das estranhezas de Kaffa. Não abandono a literatura. O rio possui margens e pássaros voam para encantar. Não se arrependem das tonturas .
Cada ano se inquieta com assombrações Tudo se estreita, Portanto, resta seguir. Quando haverá o juízo final não é pergunta que se faça. Trump mete medo Jair gosta de risos medonhos,as doenças se vestem de ameaças que se expandem. Escrevo. Nem sei o caminho do certo e do errado. As palavras se lançam.Também vivo turbulências e me traço com segredos. Por que não estimula a conversa e ver o mundo de todas as formas?

Por Paulo Rezende
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 3 de março de 2020

515 vagas em concurso com salários de até R$ 5 mil em Gravatá


Prefeitura de Gravatá
Prefeitura de GravatáFoto: Reprodução/Google Street View
Começam nesta segunda-feira (2) as inscrições para 515 vagas em 155 cargos de concurso aberto pela Prefeitura de Gravatá, no Agreste de Pernambuco. Os candidatos podem se inscrever até o dia 31 de maio. Os salários vão de R$ 1 mil a R$ 5 mil.

As vagas são distribuídas nos níveis fundamental, médio, técnico e superior. Para os cargos de nível fundamental, as inscrições custam R$ 50; para níveis médio e técnico, R$ 70; e para nível superior, R$ 80. As inscrições devem ser feitas no site do Instituto de Administração e Tecnologia (ADM&TEC).

Após o preenchimento da ficha de inscrição on-line, no prazo determinado neste edital, o candidato poderá imprimir o boleto bancário, que deve ser pago em rede bancária até a data de vencimento do boleto. As provas, de conhecimentos gerais e específicos, serão aplicadas nos dias 19 de julho - para níveis fundamental (pela manhã) e médio (à tarde) - e 26 de julho - para níveis técnico (pela manhã) e superior (à tarde).

Haverá ainda prova de títulos para os cargos de Professor, teste de aptidão física para o carago de Guarda Municipal, curso de formação para os cargos de Agente de Combate às Endemias, Agente Comunitário de Saúde e Guarda Municipal e investigação social para o cargo de Guarda Municipal. Com informação de Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Após saída de médicos cubanos, mortes de bebês indígenas crescem 12% em 2019


Vacinação de indígenasDireito de imagemMINISTÉRIO DA SAÚDE
Image captionFila para vacinação de crianças indígenas no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Tocantins
Após atingir níveis historicamente baixos em um período que coincidiu com a execução do Programa Mais Médicos, a mortalidade de bebês indígenas voltou a subir em 2019 — depois da saída de médicos cubanos que atuavam pelo programa — e retornou aos patamares anteriores à iniciativa.
Dados do Ministério da Saúde obtidos pela BBC News Brasil com base na Lei de Acesso à Informação mostram que, entre janeiro e setembro de 2019 — último mês com estatísticas disponíveis —, morreram 530 bebês indígenas com até um ano de idade, alta de 12% em relação ao mesmo período de 2018.
Indígenas e especialistas no setor citam entre as causas para o aumento o fim do convênio entre o Mais Médicos e o governo de Cuba, no fim de 2018, e mudanças na gestão da saúde indígena no governo Jair Bolsonaro.
Logo no mês seguinte ao fim do convênio com Cuba, em janeiro de 2019, houve 77 mortes de bebês indígenas — o índice mais alto para um único mês desde pelo menos 2010, quando se inicia a série de dados obtida pela BBC News Brasil.
Os 301 cubanos contratados pelo programa respondiam por 55,4% dos postos de médico na saúde indígena. Desde a saída do grupo, o governo repôs a maioria das vagas com médicos brasileiros, mas muitos líderes comunitários dizem que houve uma piora nos serviços.
A principal causa das mortes dos bebês em 2019 foram algumas afecções originadas no período perinatal (24,5%), doenças do aparelho respiratório (22,6%) e algumas doenças infecciosas e parasitárias (11,3%). O índice de mortes de bebês indígenas em 2019 foi o maior desde 2012, quando houve 545 casos entre janeiro e setembro.
O Mais Médicos teve início no ano seguinte, em 2013. Entre 2014 e 2018, o indicador caiu para uma média de 470 mortes por ano.
Para calcular o índice de mortalidade infantil entre indígenas em 2019, seria necessário considerar o total de bebês nascidos no período — número ainda não disponível. Em 2016, o Ministério da Saúde lançou um programa para tentar reduzir esse índice em 20% até 2019. Naquele ano, havia 31,28 mortes de bebês indígenas por mil nascidos vivos — mais do que o dobro da média nacional (13,8). A maioria das mortes (65%) era causada por doenças e causas evitáveis.
Regiões mais afetadas
O atendimento das comunidades nativas é uma atribuição da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde. A secretaria gere 35 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), responsáveis pelos cuidados de cerca de 765.600 indígenas em todo o país.
Entre 2018 e 2019, houve aumento na mortalidade de bebês em 18 desses distritos, e em cinco deles o índice mais do que dobrou. Os distritos com mais mortes de bebês foram Yanomami (97), Alto Rio Solimões (54) e Xavante (47).
A maior variação ocorreu no DSEI Bahia. Entre janeiro e setembro de 2019, 11 bebês indígenas com até um ano morreram na região, número quase quatro vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2018 (3).
Sérgio Bute, indígena do povo pataxó hã-hã-hãe que preside o Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) da Bahia, atribiu as mortes à saída dos cubanos e a problemas no transporte de pacientes e equipes de saúde. Ele diz à BBC News Brasil que a saída dos profissionais — 20 médicos cubanos atuavam no distrito — foi "um desastre grande".
Médico cubano em reserva indígena no ParáDireito de imagemORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE
Image captionDurante o Mais Médicos, o médico cubano Michel Almaguer Riberón atendeu membros das etnias Asurini, Anambé e Amanaé no município de Tucuruí, no Pará
"Eles (cubanos) não faziam objeção, não criavam nenhuma dificuldade para ir na aldeia, conviver com a realidade. Com a saída deles, sentimos esse impacto", afirma.
Desde o término do convênio, o governo promoveu três chamamentos para substituir os médicos cubanos por brasileiros. Bute diz que 17 dos 20 postos foram preenchidos e que o atendimento hoje está "melhorzinho".
Mas ele afirma que vários médicos brasileiros evitam visitar as aldeias e não criam laços com as comunidades, o que prejudica a qualidade do serviço. A BBC News Brasil ouviu queixas semelhantes entre vários indígenas que participaram de um encontro de membros de 45 etnias na Terra Indígena Capoto Jarina, em Mato Grosso, em janeiro.
"Temos médicos brasileiros excelentes, mas também temos aqueles que aparecem no serviço uma vez por semana e vivem apresentando atestado", diz Paulo Tupiniquim, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e membro do conselho de saúde do DSEI Minas Gerais e Espírito Santo.
"É uma postura completamente diferente da dos cubanos. Com eles não tinha tempo ruim: podia estar chovendo ou fazendo sol, eles tinham essa preocupação de levar o atendimento, de manter o contato com a população", afirma.
Tupiniquim diz que os dados de mortes de bebês indígenas em 2019 "nos deixam horrorizados". Ele afirma que "a saúde indígena sempre teve suas deficiências, mas, em 2019, com a mudança de gestão, a situação ficou pior em todos os aspectos".
Em 12 de fevereiro, após vários protestos de indígenas, o Ministério da Saúde afastou a chefe da Sesai, a fisioterapeuta Silvia Waiãpi, e a substituiu por Robson Santos da Silva, que ocupava um cargo de diretor na secretaria. As manifestações também protestavam contra os planos do governo de municipalizar a saúde indígena — anunciados no começo de 2019 pelo ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, mas depois descartada.
Questionado pela BBC News Brasil sobre a alta nas mortes de bebês indígenas no último ano, o ministério enviou uma nota na qual diz que os óbitos de 2018 e 2019 ainda estão sob apuração e que é precipitado compara-los.

Participação de Cuba no Mais Médicos

O convênio com Cuba teve um papel central no programa Mais Médicos, lançado pelo governo Dilma Rousseff em 2013 para levar profissionais a áreas desassistidas, principalmente em periferias urbanas, cidades do interior e comunidades indígenas.
Antes do fim da parceria, em 2018, os cubanos respondiam por 51,6% dos 16.150 médicos do programa. Cuba encerrou o vínculo quando Bolsonaro, então presidente eleito, fez uma uma série de críticas ao governo cubano e à participação do país caribenho no Mais Médicos.
Bolsonaro dizia que os médicos cubanos trabalhavam em regime de escravidão, pois tinham de deixar as famílias para viajar ao Brasil e porque 70% de seus salários ficavam com o governo cubano. Ele questionava ainda a qualificação dos médicos cubanos, que eram dispensados de revalidar seus diplomas no Brasil para participar do programa. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que passaria a exigir a revalidação para "expulsar" os cubanos do país.
Médica cubana deixando o BrasilDireito de imagemORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE
Image captionCubana deixa Brasil com fim da parceria no Mais Médicos; Havana criticou Bolsonaro por questionar 'a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo' dos profissionais
A dispensa da revalidação também era criticada por associações médicas brasileiras, que cobravam o governo a rever a regra. Em 2017, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a prática é legal.
Ao comunicar o término da parceria, o governo de Cuba criticou Bolsonaro por questionar "a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio das suas famílias, prestam serviços atualmente em 67 países". A prestação de serviços de saúde é uma das principais fontes de receita de Cuba, que tem a maior relação de médicos por habitantes do mundo, segundo o Banco Mundial.
Com o fim do acordo, o país caribenho convocou seus médicos a deixar o Brasil entre 25 de novembro e 25 de dezembro de 2018. Parte do grupo, no entanto, permaneceu no país na esperança de ser recontratada.

Substituição de médicos cubanos

Logo após o fim da parceria, ainda no governo Michel Temer, o Ministério da Saúde lançou um edital para tentar substituir os cubanos por médicos brasileiros. Boa parte das vagas foi preenchida, mas muitos selecionados desistiram. Desde então, houve outros dois chamamentos.
Sempre houve dificuldades para alocar médicos em comunidades indígenas. Em várias delas, os profissionais costumam ter de passar semanas nas aldeias, com acesso limitado a bens materiais.
Em dezembro, Bolsonaro assinou uma lei substituindo o Mais Médicos pelo programa Médicos pelo Brasil. A lei permite a readmissão de parte dos médicos cubanos que permaneceram no Brasil após o fim do convênio. O governo deve detalhar como se dará a readmissão nas próximas semanas.
Em nota à BBC News Brasil, o Ministério da Saúde diz que há hoje 343 médicos atuando pelo Mais Médicos e 30 vagas desocupadas em 16 distritos indígenas.
"Além destes profissionais, outros 111 médicos atuam na saúde indígena por meio das entidades conveniadas. Assim, não há impacto significativo no atendimento por ausência de médicos, uma vez que o atendimento à população indígena é multiprofissional, ou seja, uma equipe de saúde continua visitando periodicamente os pacientes", diz o comunicado.
Especialistas avaliam, porém, que a presença de médicos nas equipes pode fazer a diferença nos casos em que os quadros não sejam óbvios ou os pacientes já estejam em situação vulnerável, caso de bebês desnutridos. Nessas situações, afirmam que diagnosticar e tratar os doentes rapidamente pode impedir complicações que os levem à morte.
Xamãs do povo yanomami
Image captionRepresentantes do povo indígena yanomami, cujo distrito sanitário registrou o maior número de mortes de bebês em 2019

Problemas de gestão

Indígenas e servidores do Ministério da Saúde ouvidos pela BBC News Brasil citaram ainda, entre as causas para o aumento nas mortes de bebês indígenas em 2019, mudanças ocorridas na Sesai após a posse de Bolsonaro.
Servidores da Sesai que não quiseram ser identificados disseram que a secretaria afastou vários técnicos experientes que eram considerados próximos da gestão anterior. Uma das pessoas exoneradas era a principal responsável pelas ações contra a mortalidade infantil, a nutricionista Janini Selva Ginani. Também foram substituidos os principais gestores dos DSEIs, que, por sua vez, afastaram muitos profissionais de saúde que atuavam nas comunidades.
Segundo servidores, as mudanças teriam provocado uma ruptura nas atividades e alijado pessoas cruciais para a continuidade dos trabalhos. A situação teria se agravado no início do ano quando empresas conveniadas que prestam serviços de saúde nos DSEIs anunciaram não ter recebido pagamentos do Ministério da Saúde e interromperam atividades.
Já o Ministério da Saúde diz que "não houve suspensão de pagamento às entidades conveniadas". "Cabe ressaltar que os DSEIs têm repasses mensais garantidos para pagar contratações nos três primeiros meses, após esse período, os repasses passam a ser garantidos de forma trimestral. Contudo, as entidades possuem saldos para honrar os pagamentos de seus profissionais que atuam nos DSEIs, não havendo prejuízo ou interrupção nos serviços", diz uma nota do órgão.
Em diferentes partes do país, porém, houve protestos em que funcionários das conveniadas cobraram o pagamento de salários atrasados. O impasse durou vários meses. O mês de maio, durante o imbróglio, registrou o maior número de mortes de indígenas de todas as idades em todo o ano: 305, número 15% maior que a média mensal de mortes até setembro (264,7).

Transporte suspenso

No DSEI Bahia, onde houve o maior aumento no índice de mortes de bebês, 148 motoristas contratados para transportar pacientes indígenas e equipes de saúde deixaram de trabalhar em março de 2019, após a Sesai encerrar o contrato que regia o serviço. O grupo não retomou as atividades até hoje.
O presidente do Conselho Distrital de Saúde da Bahia, Sérgio Bute, diz que a função tem sido exercida de forma improvisada por 19 servidores públicos. Sem motoristas suficientes, diz ele, muitos pacientes deixaram de ser levados ao hospital, e as visitas de equipes de saúde às aldeias ficaram menos frequentes.
"Isso tem contribuído com a questão da mortalidade", afirma. Ele diz que houve casos em que moradores dirigiram as picapes da Sesai para que pacientes pudessem ser atendidos na cidade.
O Ministério da Saúde afirma que o contrato foi encerrado ao fim de seu período de vigência. "O processo de licitação, seguindo recomendação do Ministério Público Federal, está em andamento. Enquanto isso, o DSEI Bahia disponibilizou servidores para realizar tal função em caráter temporário. Além disso, foi autorizada a contratação emergencial de motoristas e garantido o recurso para que o DSEI possa manter o atendimento adequado até a finalização da licitação para a contratação regular do serviço", diz a nota oficial.
Mapa dos DSEIsDireito de imagemMINISTÉRIO DA SAÚDE
Image captionMapa dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), responsáveis pelo atendimento das comunidades

Impactos do Mais Médicos na saúde indígena

Os dados obtidos pela BBC News Brasil apontam para uma melhora expressiva após a implantação do Mais Médicos, embora os indicadores continuassem abaixo da média da população brasileira. De 2007 a 2013, segundo uma reportagem publicada em 2014 pela BBC News Brasil com dados do Ministério da Saúde, 40% de todas as mortes indígenas no país eram de crianças com até quatro anos. Desde 2015, o índice caiu para menos de 30% e fechou 2019 em 28%. A média brasileira é de cerca de 4,5%.
Outros indicadores tiveram uma variação menor na época do Mais Médicos, como o percentual de mortes de indígenas por doenças infecciosas e parasitárias, consideradas evitáveis. O índice passou de 8,2%, em 2013, para 7,2%, em 2018, ante uma média nacional de 4,5%.
Especialistas atribuem as melhoras não só aos Mais Médicos, mas também ao aumento nos atendimentos realizados pelas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena. Encarregados da atenção primária, os grupos são compostos por outras categorias profissionais, entre as quais enfermeiros, nutricionistas e agentes indígenas de saúde e de saneamento.
Segundo um relatório da Sesai divulgado no início de 2019, a média de atendimentos realizados por essas equipes passou de 1,56 atendimento por habitante, em 2014, para 6,32, em 2017.
Professor de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em saúde indígena, Douglas Rodrigues diz que, quando bem estruturada, a atenção primária é capaz de resolver até 85% dos problemas de saúde de uma comunidade. Em 2019, porém, com a saída dos cubanos e a redução no número de outros profissionais, Rodrigues afirma que o setor sofreu um "apagão".
Para o professor, além de repor as equipes, é preciso investir na formação dos agentes indígenas de saúde e de saneamento. Segundo ele, embora a ampliação do número de profissionais na saúde indígena na última década tenha sido benéfica, esse aumento relegou os agentes indígenas ao segundo plano.
Marcha das Mulheres IndígenasDireito de imagemARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL
Image captionMelhoria da saúde indígena foi uma das principais reivindicações da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, em Brasília
"Os agentes passaram a se dedicar a funções secundárias, como entregar remédios, quando a ideia é que eles façam a ponte entre as equipes e a comunidade e que tenham um papel central nas ações de prevenção e de promoção de saúde", diz Rodrigues. Uma das principais atribuições dos agentes, segundo o médico, é promover uma alimentação de qualidade nas comunidades — fator que influencia vários indicadores de saúde.
Rodrigues afirma que, após um período de grandes avanços na saúde indígena, os dados se estabilizaram. Para ele, a continuidade da melhora depende, em parte, de uma melhor articulação entre o SUS (Sistema Único de Saúde) e os serviços de saúde indígena. Rodrigues afirma que também há margem para ações pontuais que reduzam os altos índices de mortes por causas evitáveis, como resfriados que viram pneumomia.
Um exemplo seria a distribuição de inaladores nas aldeias. "Há várias tecnologias simples que podemos incorporar e que poderiam nos ajudar muito", afirma.

Professor Edgar Bom Jardim - PE