quarta-feira, 11 de setembro de 2019

11 de setembro:CIA ignorou sinais dos ataques



Um dos ataques de 11 de setembro de 2001Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA CIA é criticada por ter falhado em prever os atentados de 11 de setembro de 2001
O fracasso da CIA em identificar os sinais de alerta dos ataques de 11 de setembro se tornou um dos assuntos mais controversos na história dos serviços de inteligência. Houve comissões, análises, investigações internas e muito mais.
De um lado, estão aqueles que dizem que a agência de inteligência americana não percebeu sinais de alerta óbvios. Do outro, os que argumentam que é notoriamente difícil identificar ameaças de antemão e que a CIA fez tudo o que era razoavelmente possível.
Mas e se os dois lados estiverem errados? E se a verdadeira razão pela qual a CIA falhou em detectar o plano de ataque for mais sutil do que ambas as partes imaginam? E se o problema vai muito além do serviço de inteligência e afeta hoje silenciosamente milhares de organizações, governos e equipes?
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Embora muitas das investigações tenham se concentrado em julgamentos específicos sobre os preparativos do 11 de Setembro, poucas deram um passo atrás para examinar a estrutura interna da própria CIA e, em particular, suas políticas de contratação.
Em determinado nível, os processos eram impecáveis. Os analistas em potencial eram submetidos a uma bateria de exames psicológicos, médicos, entre outros. E não há dúvida de que contratavam pessoas excepcionais.

"Os dois principais exames eram uma prova no estilo SAT (usadas para admissão em universidades americanas) para analisar a inteligência do candidato e um teste de perfil psicológico para avaliar seu estado mental", conta um veterano da CIA.
"Eles eliminavam qualquer um que não fosse brilhante nos dois testes. No ano em que me candidatei, eles admitiram um candidato para cada 20 mil inscritos. Quando a CIA falava que contratava os melhores, tinha razão."
Mesmo assim, o perfil da maioria das pessoas recrutadas também parecia muito semelhante - homens, brancos, anglo-saxões, americanos, de religião protestante.
Esse é um fenômeno comum nos processos de recrutamento, às vezes chamado de "homofilia": as pessoas tendem a contratar profissionais que pensam (e geralmente se parecem) com elas mesmas.
É validador estar cercado por indivíduos que compartilhem as mesmas perspectivas e crenças. De fato, tomografias sugerem que, quando outras pessoas refletem nossos próprios pensamentos, isso estimula os centros de prazer do cérebro.
Homem cruza o lobby da sede da CIADireito de imagemAFP
Image captionNo momento dos ataques, o perfil da maioria dos analistas da CIA era muito parecido
Em seu estudo sobre a CIA, os especialistas em inteligência Milo Jones e Phillipe Silberzahn escrevem: "O primeiro atributo consistente da identidade e cultura da CIA de 1947 a 2001 é a homogeneidade de sua equipe em termos de raça, sexo, etnia e origem de classe".
O estudo de um inspetor-geral sobre o processo de recrutamento constatou que em 1964, um braço da CIA, o Escritório de Estimativas Nacionais, "não tinha profissionais negros, judeus ou mulheres, e apenas alguns católicos".
Em 1967, o relatório informava que havia menos de 20 afro-americanos entre cerca de 12 mil funcionários não administrativos da CIA, e a agência manteve a prática de não contratar minorias entre as década de 1960 e 1980.
Até 1975, a comunidade de inteligência dos EUA "proibia abertamente a contratação de homossexuais".
Ao falar sobre sua experiência na CIA nos anos 1980, um informante escreveu que o processo de recrutamento "levou a novos oficiais que se pareciam muito com as pessoas que os recrutaram - brancos, sobretudo anglo-saxões; de classe média e alta; graduados em artes liberais". Havia poucas mulheres e "poucas etnias, mesmo de origem europeia recente".
"Em outras palavras, não havia sequer a diversidade que havia entre aqueles que ajudaram a criar a CIA."
A diversidade foi reduzida ainda mais após o fim da Guerra Fria. Um ex-oficial de operações afirmou que a CIA tinha uma "cultura branca como arroz".
Imagem aérea da sede da CIA em Langley, no estado da VirgíniaDireito de imagemAFP
Image captionImagem aérea da sede da CIA em Langley, no Estado da Virgínia
Nos meses que antecederam o 11 de Setembro, a revista acadêmica International Journal of Intelligence and Counterintelligence comentou:
"Desde o início, a Comunidade de Inteligência [era] composta pela elite protestante branca masculina, não apenas porque essa era a classe no poder, mas porque essa elite se via como garantidora e protetora dos valores e da ética americanos."
Por que essa homogeneidade importava? Se você está contratando uma equipe de revezamento, não vai querer ter apenas os corredores mais rápidos? Por que importaria se são da mesma cor, gênero, classe social etc.?
No entanto, essa lógica, apesar de fazer sentido para tarefas simples como correr, não se aplica a tarefas complexas como inteligência. Por quê? Porque quando um problema é complexo, ninguém tem todas as respostas. Todos nós temos pontos cegos, lacunas na nossa compreensão.
Isso significa, por sua vez, que se você reunir um grupo de pessoas que compartilham perspectivas e origens semelhantes, é provável que compartilhem os mesmos pontos cegos.
Ou seja, em vez de desafiar e abordar esses pontos cegos, é provável que sejam reforçados.
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Os atentados

No dia 11 de setembro de 2001, dois aviões de passageiros se chocaram contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, como parte de uma série de ataques coordenados contra alvos nos EUA.
Um outro avião sequestrado por terroristas caiu sobre o Pentágono, na Virgínia, e um quarto, sobre a Pensilvânia, depois que passageiros resolveram enfrentar os sequestradores.
Os ataques de 11 de Setembro mataram ao todo quase 3 mil pessoas e foram reivindicados pela rede extremista Al-Qaeda, de Osama Bin Laden, morto em 2011 pelos EUA no Paquistão.
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A cegueira de perspectiva se refere ao fato de que muitas vezes somos cegos para nossos próprios pontos cegos. Nossos modos de pensamento são tão habituais que mal percebemos como eles filtram nossa percepção da realidade.
A jornalista britânica Reni Eddo-Lodge descreve o período em que decidiu ir pedalando para o trabalho:
"Uma verdade incômoda me ocorreu enquanto carregava minha bicicleta para cima e para baixo pelos lances de escada: a maioria dos transportes públicos não era acessível facilmente... Antes de precisar carregar minhas próprias rodas, nunca havia me dado conta desse problema. Estava alheia ao fato de que essa falta de acessibilidade estava afetando centenas de pessoas."
Este exemplo não sugere necessariamente que todas as estações devem estar equipadas com rampas ou elevadores. Mas mostra que só conseguimos realizar uma análise significativa se os custos e benefícios forem percebidos.
Isso depende da diversidade de perspectivas. Pessoas que podem nos ajudar a ver nossos próprios pontos cegos, e a quem podemos ajudar a enxergar os deles.
Osama Bin Laden declarou guerra aos Estados Unidos a partir de uma caverna em Tora Bora, no Afeganistão, em fevereiro de 1996. As imagens mostravam um homem com barba até o peito. Ele usava uma túnica por baixo do uniforme de combate.
Hoje, dado o que sabemos sobre o horror que ele provocou, a declaração parece ameaçadora.
Mas uma fonte da principal agência de inteligência americana afirmou que a CIA "não podia acreditar que esse saudita alto de barba, agachado ao redor de uma fogueira, pudesse ser uma ameaça para aos Estados Unidos da América".
Osama Bin Laden declarou guerra aos EUA de uma caverna no AfeganistãoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionOsama Bin Laden declarou guerra aos EUA de uma caverna no Afeganistão
Para uma massa crítica de analistas, Bin Laden parecia primitivo e não representava um grande perigo. Richard Holbrooke, alto funcionário do presidente Clinton, colocou desta maneira:
"Como um homem em uma caverna pode alcançar a sociedade líder em informação do mundo?"
Outro disse: "Eles simplesmente não conseguiram justificar a necessidade de destinar recursos para descobrir mais sobre Bin Laden e a Al-Qaeda, já que o sujeito morava em uma caverna. Para eles, ele era a essência do atraso".
Agora, pense como alguém mais familiarizado com o Islã teria percebido as mesmas imagens.
Bin Laden estava de túnica não porque era primitivo em intelecto ou tecnologia, mas porque se inspirou no profeta Maomé. Jejuava nos dias em que o profeta jejuou. Suas poses e posturas, que pareciam tão atrasadas para o público ocidental, eram as mesmas que a tradição islâmica atribui ao mais sagrado de seus profetas.
Como Lawrence Wright destacou em seu livro sobre o 11 de Setembro, vencedor do Prêmio Pulitzer, Bin Laden orquestrou sua operação "invocando imagens que eram profundamente significativas para muitos muçulmanos, mas praticamente invisíveis para aqueles que não estavam familiarizados com essa fé".
Jones escreveu: "A anedota da barba e da fogueira é a evidência de um padrão mais amplo, no qual americanos não-muçulmanos - inclusive os consumidores de inteligência mais experientes- subestimaram a Al-Qaeda por razões culturais".
Osama Bin LadenDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionOs analistas da CIA não dimensionaram a ameaça representada pelo milionário saudita
Já a caverna tinha um simbolismo ainda mais profundo.
Como quase todo muçulmano sabe, Maomé procurou refúgio em uma caverna depois de escapar de seus perseguidores em Meca. Para um muçulmano, uma caverna é sagrada. A arte islâmica está repleta de imagens de estalactites.
Bin Laden conduziu seu exílio em Tora Bora como sua própria hégira (fuga de Maomé de Meca para Medina), e usou a caverna como propaganda.
Como disse um acadêmico muçulmano: "Bin Laden não era primitivo; ele era estratégico. Ele sabia como usar as imagens do Alcorão para incitar aqueles que mais tarde se tornariam mártires nos ataques do 11 de Setembro".
Os analistas também foram induzidos ao erro pelo fato de Bin Laden frequentemente fazer pronunciamentos em forma de poesia.
Para analistas brancos de classe média, isso parecia excêntrico, reforçando a ideia de um "mulá primitivo em uma caverna".
Para os muçulmanos, no entanto, a poesia tem um significado diferente. É sagrada. E os talebãs costumam se expressar em poesia.
A CIA estudava, no entanto, os pronunciamentos de Bin Laden com um marco de referência enviesado.
Como Jones e Silberzahn observaram: "A poesia em si não estava apenas em uma língua estrangeira, o árabe; derivava de um universo conceitual a anos luz de Langley (onde está localizada a sede da CIA)".

'Ralé antimoderna'

Em 2000, a "ralé antimoderna e sem instrução" que seguia Bin Laden havia crescido, chegando a cerca de 20 mil pessoas, a maioria com curso superior e inclinada à engenharia. Yazid Sufaat, que se tornaria um dos pesquisadores de antraz da Al-Qaeda, era formado em química e ciências laboratoriais. Muitos estavam prontos para morrer por sua fé.
Enquanto isso, o alto funcionário da CIA Paul Pillar (branco, meia-idade, formado em universidade de elite) descartava a possibilidade de um grande ataque terrorista.
"Seria um erro redefinir o contraterrorismo como uma tarefa para lidar com o terrorismo 'catastrófico', 'grandioso' ou 'superterrorismo'", disse ele, "quando, na verdade, esses rótulos não representam a maior parte do terrorismo que os Estados Unidos provavelmente devem enfrentar'".
Outra falha nas deliberações da CIA foi a relutância em acreditar que Bin Laden iniciaria um conflito com os EUA. Por que começar uma guerra que ele não seria capaz de vencer?
Os analistas não deram o salto conceitual necessário para entender que, para os jihadistas, a vitória não seria garantida na terra, mas no paraíso.
De fato, o codinome dado pela Al-Qaeda ao plano de ataque foi "O Grande Casamento". Na ideologia dos homens-bomba, o dia da morte de um mártir também é o dia do seu casamento, quando ele será recebido por virgens no céu.
Islamistas pro-Bin LadenDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption'Bin Laden sabia como lidar com as imagens do Alcorão para incitar aqueles que mais tarde se tornariam mártires nos ataques de 11 de setembro'
A CIA poderia ter destinado mais recursos para investigar a Al-Qaeda. Poderia ter tentado se infiltrar na organização. Mas a agência foi incapaz de entender a urgência.
Não alocaram mais recursos, porque não perceberam uma ameaça. Não tentaram se infiltrar na Al-Qaeda porque ignoravam a lacuna em suas análises.
O problema não foi (apenas) a incapacidade de ligar os pontos no outono de 2001, mas uma falha em todo o ciclo de inteligência.
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A falta de muçulmanos dentro da CIA é apenas um exemplo de como a homogeneidade enfraqueceu a principal agência de inteligência do mundo.
E dá uma ideia de como um grupo mais diverso teria possibilitado uma compreensão mais rica, não apenas da ameaça representada pela Al-Qaeda, mas também dos perigos em todo o mundo. Como diferentes pontos de referência, perspectivas distintas teriam criado uma síntese mais abrangente, diversificada e poderosa.
Uma parcela surpreendentemente alta de funcionários da CIA cresceu em famílias de classe média, enfrentou poucas dificuldades financeiras, e questões que poderiam atuar como precursores da radicalização, ou inúmeras outras experiências que poderiam ter enriquecido o processo de inteligência.
Em uma equipe mais diversa, cada um deles teria sido um ativo valioso. Como grupo, no entanto, eram falhos.
Esse problema, no entanto, não se restringe à CIA. Basta olhar para muitos governos, escritórios de advocacia, equipes de liderança do Exército, altos funcionários públicos e até executivos de algumas empresas de tecnologia.
Imagem ilustrativa com reflexo de pessoasDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption'É validador estar cercado por indivíduos que compartilhem as mesmas perspectivas e crenças'
Inconscientemente, somos atraídos por pessoas que pensam como nós, mas raramente percebemos o perigo, porque desconhecemos nossos próprios pontos cegos.
John Cleese, o comediante, falou uma vez: "Todo mundo tem teorias. As pessoas perigosas são aquelas que não têm conhecimento de suas próprias teorias. Ou seja, as teorias sobre as quais operam são amplamente inconscientes".
Obter a combinação certa de diversidade em grupos humanos não é fácil. Reunir as mentes certas, com perspectivas que desafiam, ampliam, divergem e polinizam - em vez de papagaios, que corroboram e restringem - é uma verdadeira ciência.
E deve se converter em uma fonte importante de vantagem competitiva para as organizações, sem mencionar as agências de segurança. É assim que o todo se torna maior do que a soma de suas partes.
A CIA, por sua vez, deu passos importantes para alcançar uma diversidade significativa desde o 11 de Setembro.
Mas a questão continua perseguindo a agência - um relatório interno de 2015 foi bastante crítico.
Como John Brennan, então diretor da agência, afirmou: "O grupo de estudo analisou com atenção nossa agência e chegou a uma conclusão inequívoca: a CIA simplesmente precisa fazer mais para desenvolver o ambiente de liderança diversificado e inclusivo que nossos valores exigem e que nossa missão demanda".
*Matthew Syed é jornalista, autor do livro "Rebel Ideas: The Power of Diverse Thinking" ("Ideias Rebeldes: o poder do pensamento diverso", em tradução livre)
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Mulheres são maioria nas universidades brasileiras, mas têm mais dificuldades em encontrar emprego



FormandosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEnquanto 18% dos homens brasileiros de 25 a 34 anos têm ensino superior, essa porcentagem sobe para 25% entre as mulheres da mesma faixa etária

Mulheres brasileiras têm 34% mais probabilidade de se formar no ensino superior do que seus pares do sexo masculino, mas também menos chances de conseguir emprego. Essa é uma das conclusões do relatório Education at Glance 2019, uma espécie de raio-X da educação divulgado nesta terça-feira (10/9) pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, também chamada de "clube dos países ricos" e à qual o Brasil almeja entrar).
O relatório traça um panorama da educação nos 36 países-membros da OCDE e em outros dez países, incluindo o Brasil - e a edição atual foca sobretudo em educação superior.
"Embora a disparidade de gênero na educação favoreça as mulheres, a situação no mercado de trabalho é ao revés", afirma o relatório, destacando que a prevalência feminina na educação superior brasileira é uma das maiores entre todos os países estudados.
Enquanto 18% dos homens brasileiros de 25 a 34 anos têm ensino superior, essa porcentagem sobe para 25% entre as mulheres da mesma faixa etária (mesmo assim, muito abaixo das médias da OCDE, de 38% para homens e 51% para mulheres, segundo dados de 2018).
Tal disparidade se observa em outros países e tem aumentado nas gerações mais novas.
"Existe realmente uma tendência entre os países membros e parceiros da OCDE de mulheres serem maioria no ensino superior. No ensino superior, essa disparidade pode ser observada tanto no acesso (mais mulheres entram) quanto na conclusão (entre os que entram, a taxa de conclusão é maior entre mulheres)", explica por email à BBC News Brasil Camila de Moraes, analista de educação da OCDE no país.

Estudantes em foto de 2018Direito de imagemLUIS FORTES/MEC
Image captionDisparidades entre meninos e meninas começa ainda no ensino básico

Ela destaca, porém, que isso reflete um "acúmulo de disparidades" que começa muito antes do ensino superior, nas etapas básicas de ensino.
"A taxa de conclusão do ensino médio, por exemplo, já é consideravelmente mais elevada entre meninas que meninos. Além disso, meninos têm uma tendência maior de repetir o ano e de abandonar a escola que meninas."

Acesso ao mercado de trabalho

O relatório olhou também para a outra ponta - o mercado de trabalho. A conclusão é de que a empregabilidade de mulheres brasileiras de 25 a 34 anos com ensino superior é de 82% e cai para 63% entre mulheres com ensino técnico e para 45% entre mulheres sem essa capacitação.
Entre homens brasileiros, esses índices são todos mais altos: a taxa de empregabilidade dos que têm ensino superior é de 89%; de 76% dos que têm ensino técnico e 76% dos que não tem nenhuma formação superior.
O que explica, então, que as mulheres tenham mais dificuldades em se inserir no mercado de trabalho?
"As mulheres estão significativamente hiper-representadas nos campos de educação e ciências sociais, jornalismo e informação. Já os homens são hiper-representados em campos como tecnologias da informação e da comunicação, engenharia e construção. (...) No Brasil, 25% das graduandas brasileiras escolhe estudar educação, enquanto 19% dos graduandos homens escolhe engenharia, produção e construção."

EstudantesDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPaís tem baixas taxas de estudantes com títulos de mestrado e doutorado

Ou seja, uma possível explicação para a dificuldade de inserção no mercado de trabalho - seja no Brasil ou em outros países em situação semelhante - é a escolha de cursos superiores, que pode levar a carreiras com empregabilidade e renda diferentes. Mas, para Camila de Moraes, há mais motivos por trás das diferenças de emprego entre homens e mulheres.
"A área de conhecimento não é suficiente para explicar toda a disparidade de gênero em termos de taxa de emprego nem em termos de rendimento", diz a analista da OCDE.
"O rendimento de mulheres não é maior que o rendimento de homens em nenhuma área de conhecimento em nenhum país com dados disponíveis no relatório. Isso indica que outros fatores como progressão de carreira, a natureza do trabalho (mesmo que dentro de um mesmo setor), tipos de contrato e vida familiar podem ter uma influência maior na disparidade de gênero."
Ela acrescenta que muitos estudos têm tentado entender o fenômeno da presença feminina maior na educação superior.
"Alguns apontam, por exemplo, justamente para o fato de homens sem ensino superior terem uma taxa de emprego maior e rendimentos mais elevados que mulheres também sem ensino superior. Dessa forma, o incentivo pra eles trabalharem ao invés de cursarem o ensino superior pode ser relativamente maior", explica Moraes.
"No Brasil especificamente, nós observamos que a taxa de emprego dos homens aumenta só um pouco com maiores níveis de escolaridade. Já para mulheres, a taxa de emprego aumenta consideravelmente - podendo ser esse um incentivo maior para elas cursarem o ensino superior. Esses são alguns insights que emergem dos dados, porém não é possível identificar especificamente as causas da disparidade no Brasil. Isso requereria um estudo mais aprofundado do contexto do país."

Baixas taxas de mestrado e doutorado

O relatório traz outros dados sobre o ensino superior do Brasil que, embora evidenciem avanços, colocam o país ainda distante das médias internacionais.
Só 0,8% dos brasileiros entre 25 e 34 anos têm mestrado e 0,2% têm doutorado, contra 13% e 1,1% (respectivamente) na média entre os países estudados pela OCDE (os dados, de 2018, ainda não refletem o atual contingenciamento de recursos e bolsas no ensino superior público promovido pelo governo federal).

Mulheres caminhando em rua brasileira, em foto de arquivoDireito de imagemROOSEWELT PINHEIRO ABR
Image caption"Embora a disparidade de gênero na educação favoreça as mulheres (na educação), a situação no mercado de trabalho é ao revés", afirma o relatório da OCDE

O indicador é importante porque reflete a formação de profissionais mais especializados e, por consequência, mais produtivos e aptos a gerar riqueza.
"Em todos os países da OCDE, indivíduos com mestrado ou doutorado têm rendimento maior que aqueles com apenas o bacharelado", explica Camila de Moraes.
"O mesmo vale para a taxa de emprego. No Brasil, por exemplo, a taxa de emprego entre adultos com doutorado em 2018 era de 91%, comparado a 84% entre adultos com mestrado e 82% entre aqueles com bacharelado. Além disso, esses níveis de educação estão fortemente ligados à pesquisa e desenvolvimento do país, (importantes) para o crescimento econômico e social."

Panorama do ensino superior

Considerando-se apenas cursos de graduação, o relatório da OCDE diz que apenas um terço dos estudantes brasileiros conclui os estudos no tempo teoricamente previsto (de quatro ou cinco anos, a depender do curso).
Para os estudantes que passam três anos adicionais no curso, essa taxa de conclusão sobe desses 33% para 50%.
"Dos estudantes restantes que não se formam nesse período, cerca de um terço continua matriculado no curso superior, e dois terços abandonam o sistema sem se formar", diz o relatório.
Na última década, o número de brasileiros de 25 a 34 anos com título superior subiu de 11% para 21%. Em comparação, a média nos países estudados pela OCDE é de mais que o dobro: 44%.
"A proporção da população brasileira com ensino superior é a menor entre todos os países das OCDE (empatado com o México). Mas mesmo no México, a proporção da população com mestrado é maior que a do Brasil", afirma Moraes.
Por fim, o estudo aponta que mais de 75% dos estudantes de graduação no Brasil estão em universidades privadas, "em grande contraste com a maioria dos países da OCDE, em que essa é a situação de menos de um terço dos alunos".
"É também um contraste com todos os demais níveis de educação no Brasil: mais de 80% dos estudantes do ensino primário até o técnico frequentam instituições públicas", diz o relatório.
"A predominância de instituições que cobram mensalidades e o número limitado de vagas em instituições públicas criam um ambiente complexo para criadores de políticas públicas que tentem garantir que o acesso ao ensino superior não seja prejudicado pelo status socioeconômico dos estudantes."
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Mundo:quem é John Bolton, assessor de segurança nacional demitido por Trump

John BoltonDireito de imagemAFP/GETTY IMAGES
Image captionBolton foi a primeira autoridade do governo americano a apertar as mãos de Bolsonaro
Um dos principais nomes do governo de Donald Trump foi demitido nesta terça-feira (10/9).
John Bolton, conselheiro nacional de segurança do presidente dos EUA, deixará o governo em meio a relatos de discordância em torno de um plano (já cancelado) de convidar o grupo radical afegão Talebã para um encontro em solo americano.
A demissão do membro do círculo de conselheiros próximos foi anunciada pelo próprio Trump pelo Twitter. "Informei a John Bolton na noite passada que seus serviços não são mais necessários na Casa Branca. Eu discordei veementemente de muitas de suas sugestões, assim como outros no governo, e portanto pedi sua renúncia, que ele me concedeu nesta manhã. Agradeço muito por seu trabalho. Nomearei um novo conselheiro de segurança nacional na semana que vem", afirmou o presidente americano.
Bolton se opunha a negociações de paz com o Talebã, grupo convidado por Trump para dialogar. O plano, abandonado no último final de semana, foi alvo de críticas sobretudo por causa do timing: a proximidade com o aniversário dos atentados de 11 de setembro de 2001, realizados pela Al-Qaeda, organização extremista que o Talebã permitiu operar no Afeganistão.
Bolton foi o terceiro conselheiro de Trump na função, depois de Michael Flynn e HR McMaster.
Um ex-funcionário sênior do governo disse à BBC, em condição de anonimato, que Bolton "operava separadamente em relação à Casa Branca", sem comparecer a reuniões.
Segundo a publicação Foreign Policy, Bolton se opunha à visita do Talebã também porque receber um grupo considerado radical "abriria um terrível precedente", em sua opinião.
Isso alimentou uma já crescente discordância com o secretário de Estado, Mike Pompeo, que defendia a reunião com o grupo afegão.
"Se você vai negociar a paz, tem muitas vezes de lidar com agentes do mal", defendeu Pompeo em entrevista à rede ABC.
Bolton também chegou a ser embaixador temporário dos EUA nas Nações Unidas (abandonou o posto quando percebeu que não teria sua nomeação ratificada pelo Senado americano) e ocupou cargos nos últimos três governos conduzidos por políticos republicanos, desde a gestão de Ronald Reagan (1981-1989).
A maioria dos postos foi nos departamentos de Justiça e de Estado (este último, o equivalente americano ao Ministério das Relações Exteriores).
É um árduo defensor do direito ao porte de armas por cidadãos comuns - Bolton é ligado à NRA (Associação Nacional do Fuzil, principal grupo de lobby pró-armas dos EUA), onde comandou o Subcomitê de Assuntos Internacionais em 2011.
No primeiro semestre de 2018, após assumir o cargo no governo Trump, um vídeo gravado em 2013 veio à tona e ganhou manchetes nos EUA. No filme, patrocinado pela NRA, Bolton pede que a Rússia garanta o porte de armas em sua Constituição, como acontece nos EUA.
"Isso criaria uma parceria entre o governo nacional russo e seus cidadãos, que poderiam proteger melhor mães, crianças e famílias sem comprometer a integridade do Estado russo", afirmou.

Encontro com Bolsonaro

Bolton esteve no Brasil em novembro passado para um encontro com Jair Bolsonaro, na época presidente eleito do Brasil. Foi a primeira autoridade americana com quem Bolsonaro se encontrou, e a portas fechadas.
Pouco antes da visita, Bolton classificou o governo do brasileiro como uma "oportunidade histórica".
"O encontro com o presidente eleito Bolsonaro surgiu como resultado da ligação do presidente Trump na noite das eleições no Brasil para parabenizar o presidente eleito. O telefonema foi realmente excelente. Acho que criou um relacionamento pessoal, mesmo de forma remota. O presidente Trump foi o primeiro líder estrangeiro a telefonar ao presidente eleito Bolsonaro", afirmou.
O então assessor de segurança nacional continuou: "Então, pensamos que seria bom e certamente muito útil para os EUA ouvirem do presidente eleito quais são suas prioridades e o que ele está procurando no relacionamento. Do nosso ponto de vista, vemos isso como uma oportunidade histórica para o Brasil e os Estados Unidos trabalharem juntos em uma série de áreas: economia, segurança e várias outras."
TrumpDireito de imagemREUTERS
Image captionEspecula-se sobre a vinda de Donald Trump para a posse de Bolsonaro, mas as chances ainda são remotas

Militarismo e guerras

Bolton é conhecido especialmente por sua linguagem diplomática heterodoxa: já defendeu o "fim da Coreia do Norte" e foi chamado pelo país, em resposta, de "sanguessuga", e teceu críticas à ONU.
"O prédio do Secretariado (da ONU) em Nova York tem 38 andares. Se perdesse 10, não faria diferença alguma. As Nações Unidas são uma das organizações intergovernamentais mais ineficientes em atividade (...) Não existe isso de Nações Unidas", declarou em 1994, na que seria por anos sua frase mais conhecida.
Mais tarde, em 1º de novembro do ano passado, outra frase ganhou protagonismo.
"A 'troika da tirania', esse triângulo de terror que se estende de Havana (Cuba), a Caracas (Venezuela) e a Manágua (Nicarágua), é a causa do imenso sofrimento humano, motivo de enorme instabilidade regional e a origem de um sórdido berço do comunismo no hemisfério ocidental", afirmou Bolton em discurso em Miami.
"Os Estados Unidos estão ansiosos para ver cada vértice deste triângulo cair. A troika vai desmoronar."
Os comentários mostravam a sintonia entre o emissário do governo americano e o presidente brasileiro – que disse durante a campanha que a ONU "não serve para nada" e constantemente critica os governos de esquerda dos países vizinhos latino-americanos, a quem classifica como "ditaduras corruptas e assassinas".
Bolton foi um dos principais articuladores da invasão americana no Iraque, durante o governo de George W. Bush, sob o argumento de que o então regime de Saddan Hussein mantinha um programa secreto de armas de destruição em massa.
Em 2005, porém, dois anos após o ataque, um relatório divulgado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) desmentiu a informação.
O Irã também esteve entre os alvos preferidos do então assessor de Trump, que defendeu bombardeios americanos contra o país árabe em 2008 e em 2015, enquanto o então presidente Barack Obama costurava um acordo de paz entre os dois países – desfeito neste ano por Trump.
Durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Bolton ameaçou o governo do aiatolá Ali Khamenei sobre "sérias consequências" caso o país desafiasse os EUA - aspas descritas como as mais agressivas da diplomacia americana contra o Irã "em décadas".
A postura diplomática de Bolton fica clara em seu livro de memórias, publicado em 2007.
Em Surrender is nota an option (A redenção não é uma opção, em tradução livre), ele defende que organizações multilaterais como a ONU vão além de reger relações entre países e interferem na soberania nacional.
Ativistas de esquerda "incapazes de vencer uma luta justa dentro do sistema de governo representativo agora buscam fóruns internacionais para discutir suas posições", diz a publicação.
*Com reportagem de Ricardo Senra, da BBC News Brasil em Washington

Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Jair: os estragos da crueldade


Todo cargo possui seus rituais. Não há sociedade sem regras. Alguns obedecem, outros se tornam rebeldes. O mundo não tem sossego. Não adianta querer enquadrá-lo e esperar a invenção do paraíso. Não é à toa que aparecem os escândalos, as violências, os desmanches. Jair é uma figura merecedora de atenção. Talvez, seja portador de uma neurose crônica. Faz parte do batalhão das ofensas. Usa as palavras como facas afiadas. Fere, deixa pessoas chocadas, desconhece o limite. Há quem ria das suas agressividades. Ataca os jornalistas e solta ferocidades incríveis, se coloca como um brasileiro impoluto.
Exalta a tortura com entusiasmo. Parece o senhor das ditaduras e o administrador das psicopatias mais exóticas. Estende suas afirmativas pelas redes sociais, desfaz pactos, ilude os que o consideram messias. Compõe a regência de uma plateia de víboras rastejantes, de pastores ditos poderosos e de políticos venenosos. Ninguém sabe a dimensão das suas agonias. Suas profecias perversas ampliam espaço na imprensa e seduzem os carentes de senhores agressivos. Jair sempre atua, forma um repertório, mobiliza protestos, festeja sua própria incompetência. Confunde.
Ficam dúvidas. Será que há uma estratégia política para agradar certos grupos ou Jair é mesmo surtado ou não consegue sofisticar sua fala?Desconhece a delicadeza. Ataca damas, elogia Pinochet, desqualifica o meio ambiente. Mas é parceiro de negócios tenebrosos, protege milicianos e admira Trump. Ganha manchetes. Mantém-se em evidência. Alguns o chamam de fascista, se sentem indignados. Jair nos pune com sua obscuridade, diminuiu sua aceitação, resiste aos argumentos mais lúcidos e promete se reeleger. Portanto , não faltam ambições e companhias para seus planos. Bajular é a ordem de quem quer vitrine sem limites.
Diante de tantas perplexidades, muitos não compreendem o que se passa. É dureza. O capitalismo se reorganiza. Jair representa interesses. O estrago de suas palavras alveja inocentes e garante lugares para os cultuadores da grana. Os dissabores inquietam quem clama por ética e observa as instituições se arruinado. A tempestade anuncia ruínas, porém Jair se encontra com desculpas familiares e se situa numa trincheira bélica frequente. Não está só. Pode trazer perturbações profundas e quebrar vidros escuros.É preciso entrar nessa possível loucura e decifrar suas armadilhas. O fôlego de Jair se mostra imenso. Dispara como se jogasse num parque de diversões. Seu narcismo é singular e delirante.
Por Paulo Rezende

Professor Edgar Bom Jardim - PE