domingo, 22 de outubro de 2017

A vida dos 4 irmãos com mais de 100 anos podem ajudar a desvendar o segredo genético da longevidade

KahnDireito de imagemARQUIVO
Image captionTodos os irmãos Kahn passaram dos 100 anos com vida saudável
Quatro irmãos que viveram até depois dos 100 anos são peças centrais de um estudo que há duas décadas investiga os genes por trás da longevidade.
Nenhum dos irmãos Kahn, que nasceram em Nova York na década de 1910, se importava em ter hábitos muito saudáveis. Mesmo assim, eles viveram até os 102, 107, 109 e 110 anos.
A irmã mais velha, Helen, fumou por mais de 90 anos. "Ela dizia que o segredo de sua vida longa era exatamente ela ter fumado tanto", contou à BBC Brasil Nir Barzilai, diretor do Instituto para Pesquisa do Envelhecimento na Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York.
Barzilai coordena desde 1998 o Projeto dos Genes da Longevidade, que investiga o material genético e o histórico médico de 670 idosos e seus filhos. Fazem parte do estudo judeus asquenazes - provenientes da Europa Central e do Leste e que têm um material genético historicamente mais homogêneo, ideal para a pesquisa.
Na época da coleta de amostras, eles tinham idades entre 95 e 112 anos, e eram todos saudáveis. Boa parte, como os irmãos Kahn, já faleceu, mas seus genes continuam trazendo novas respostas sobre como é possível viver tanto.
"Fico fascinado por pessoas como os Kahn; me intriga como a idade cronológica de alguns parece não combinar com a biológica", comenta Barzilai. "E em centenários, hoje já temos evidências de que a genética tem um papel muito maior que o ambiente".
BarzilaiDireito de imagemJ. TORRES PHOTOGRAPHY
Image captionNir Barzilai há quase duas décadas estudas os genes da longevidade
Entre os irmãos Khan, Irving começou sua carreira antes da Grande Depressão, de 1929, e há três décadas coordenava o fundo de hedge Kahn Brothers Group, que ele próprio fundou. Até os 106 anos, ele ainda trabalhava todos os dias na movimentada Wall Street e gerenciava US$ 700 milhões (R$ 2,7 bilhões) em ativos.
"Eu pagaria se você tirasse (o trabalho) de mim, eu o compraria de volta", disse Irving numa entrevista concedida para a pesquisa aos 104 anos, cinco anos antes de sua morte, em 2015.
Irving também fumou por anos. Aliás, entre os centenários do estudo, 30% das mulheres e 60% dos homens fumaram durante a maior parte da vida. Além disso, 50% eram obesos e 50%, sedentários. Mesmo assim, eram mais saudáveis que os demais indivíduos do estudo (o grupo controle).
Barzilai faz questão de ressaltar que os hábitos saudáveis e o avanço da medicina continuam sendo essenciais para a longevidade dos humanos.
A população mundial de centenários vem, inclusive, crescendo com o passar dos anos: de 2,9 centenários em cada dez mil adultos em 1990 para 7,4 em dez mil, em 2015, segundo a ONU.
Mas a principal conclusão de Barzilai é que há genes que protegem os humanos de doenças relacionadas ao envelhecimento, como câncer, doenças cardiovasculares e neurológicas.

O bom colesterol

No caso dos irmãos Kahn (e de outros indivíduos pesquisados), as análises encontraram mutações em dois genes - CETP e APOC3 - que elevam os níveis de HDL, o "bom colesterol".
Enquanto os níveis normais de HDL da população ficam entre 40-50 mg/dL para homens, e 50-59 mg/dL, para mulheres, os indivíduos da pesquisa tinham em média 147 mg/dL.
O alto HDL, por sua vez, mostrou proteger contra o declínio cognitivo e o mal de Alzheimer.
"A maioria da população não tem estas mutações, mas muitos centenários as têm", comenta Barzilai. "Com base nessas informações, já há estudos sendo feitos por farmacêuticas para imitar a ação dessas mutações genéticas em medicamentos".
KahnDireito de imagemARQUIVO
Image captionIrmãos Kahn nasceram nos anos 1910 em Nova York

O hormônio do crescimento

Uma nova pesquisa do grupo americano tem inspiração na natureza: cães pequenos vivem mais que os maiores, e pôneis vivem mais que cavalos normais.
Além disso, testes em camundongos já mostraram que baixos níveis do hormônio de crescimento (GH) estão associados com a longevidade.
"Eu duvidava que este padrão pudesse ocorrer também em humanos", disse Barzilai. "Mas encontramos alterações no funcionamento do hormônio de crescimento em mais de 50% dos centenários".
Os resultados das últimas análises trazem mais detalhes sobre o processo que já vem sendo estudado há alguns anos e serão em breve publicados na revista científica Science Advances. Em linhas gerais, eles mostram mutações (Ala-37-Thr e Arg-407-His) no receptor IGF1 do GH e outros fatores que inibem o hormônio de crescimento.
Nas mulheres, este efeito é ainda maior. As idosas com níveis mais baixos de hormônio do crescimento sobreviviam mais tempo e tinham melhores funções cognitivas do que aquelas com níveis acima da média.
A produção do GH aumenta durante a infância, tem seu pico na puberdade e começa a cair mais rapidamente a partir da meia idade. Por isso, tratamentos à base dessa proteína são promovidos para desacelerar os sinais de envelhecimento, especialmente nos Estados Unidos.
Alguns estudos já vinham sinalizando que seu uso não deveria ser recomendado. E agora Barzilai reforça que a prática é prejudicial.
"Há médicos que estão dando GH para idosos. Mas se você quer ajudar pessoas a envelhecer bem, você deveria pensar em ter menos GH, e não injetar mais. Temos mais evidências de que esta prática está errada e deveria ser interrompida", afirma o pesquisador.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) libera o uso de medicamentos à base de GH sob prescrição médica apenas para tratar alterações do hormônio. Mas há casos de outros usos, sem aprovação, para fins estéticos ou melhora da performance esportiva.

As mitocôndrias

Barzilai junto a outros pesquisadores também descobriu proteínas originadas das mitocôndrias - organelas de energia das células - que aparecem em altos níveis no organismo de centenários e ajudam contra as doenças do envelhecimento.
O objetivo de Barzilai é aplicar as descobertas sobre os genes da longevidade em tratamentos futuros para fazer com que aqueles que não têm essas mutações envelheçam com mais saúde.
Enquanto isto, outros estudos mostraram que a genética tem uma influência de 25% na longevidade humana (não especificamente entre centenários), como resume uma pesquisa da revista Immunity & Ageing. Por isso, boa parte das pesquisas ainda foca em fatores ambientais que têm impacto na extensão da vida humana e apontam tanto para o consumo da dieta mediterrânea como para o nível de felicidade dos indivíduos.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Maneiras de treinar seu cérebro a lidar com a ansiedade, mal que afeta 13 milhões de brasileiros


AnsiedadeDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption'Há pessoas que se preocupam com cada ponto de suas vidas e não conseguem se livrar disso', explica especialista

Sofrer com a ansiedade é mais comum do que muitos imaginam: somente no Brasil, cerca de 13,3 milhões de pessoas têm distúrbios de ansiedade, doença que atrapalha relacionamentos, desempenho profissional e o bem-estar físico e emocional do indivíduo.
No ano passado, 6,4% da população brasileira sofria com transtornos do tipo, bem mais que a média global, de 3,9%, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Mas o que é um transtorno de ansiedade e como diferenciá-lo da ansiedade natural? De acordo com Olivia Remes, doutoranda e pesquisadora do Departamento de Saúde Pública e Cuidados Primários da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, transtornos de ansiedade generalizada são caracterizados por sensações frequentes de medo, inquietação, e de "sentir-se no limite".
"Quando uma pessoa tem um prazo apertado ou uma emergência no trabalho, ela se sente ansiosa e isso é normal. Mas há pessoas que se preocupam com cada ponto de suas vidas e não conseguem se livrar disso", explica. "Pessoas com esse transtorno se preocupam muito mais frequentemente e com mais intensidade que aquelas com uma boa saúde mental."
Apesar dos distúrbios de ansiedade serem um problema sério, que muitas vezes demanda acompanhamento com especialistas, é possível desenvolver habilidades para lidar com o transtorno.
Abaixo, Remes compartilha diferentes estratégias para enfrentar o problema, com base em um estudo recente que liderou.

1 - Monitore os seus pensamentos

Quem sofre com transtornos de ansiedade geralmente se vê tomado por pensamentos negativos que invadem a mente sem aviso. "Pessoas com transtornos de ansiedade são pessimistas. Elas acreditam que algo ruim está prestes a acontecer, mesmo que não haja nenhuma evidência que aponte para isso. Elas temem o futuro e acham muito difícil evitar esse tipo de preocupação", descreve a pesquisadora.

Homem em espiralDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionQuem sofre com transtornos de ansiedade geralmente se vê tomado por pensamentos negativos que invadem a mente

Para contornar tal situação corriqueira aos ansiosos, Remes sugere não lutar contra os pensamentos negativos, mas escolher uma hora do dia como o "momento da preocupação" e se permitir um período limitado de tempo para ruminar. Como exemplo, Remes recomenda designar o horário das 16h para as preocupações e dar a si mesmo 20 minutos para preocupar-se.
"A literatura psicológica mostra que nossos pensamentos murcham se não os alimentamos com energia. Ao empurrar esses pensamentos para um outro momento do dia, quando você chegar no momento designado para a preocupação, eles talvez não pareçam tão confusos ou preocupantes como pareciam quando brotaram em sua mente pela primeira vez", explica Remes.

2. Faça atividades físicas e pratique meditação

A famosa citação latina "uma mente sã num corpo são" não é gratuita. Saúde mental e física são codependentes, afirma Remes, e a prática de exercícios físicos é um aliado essencial para o bem-estar psíquico. Em conjunto com exercícios regulares, a meditação consciente também pode ajudar mentes ansiosas.
Um estudo da Universidade de Nova Jersey, publicado recentemente na revista Nature, mostrou que apenas duas sessões semanais de meditação e atividades físicas, de 30 minutos cada, reduziram drasticamente sintomas depressivos nos 52 participantes da pesquisa. Os pesquisadores concluíram que, ao cabo de oito semanas, além de auxiliar aqueles com depressão, a prática também poderia ser útil para aqueles que tendem a ruminar pensamentos, algo comum entre os ansiosos.
"Eu realmente fiquei muito surpresa com esse estudo, com o quanto essas mudanças de hábito podem ter um impacto tão grande", afirma Remes. "Quando você se exercita, você diminui seus níveis de ansiedade e você tem mais energia. Você simplesmente se sente melhor como um todo", aponta.

3. Encontre um propósito - nem que seja cuidar de seu animal de estimação

Em 1946, o médico austríaco Viktor Frankl publicou o livro Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração, no qual narrou suas experiências como prisioneiro em Auschwitz. Frankl também analisa a resposta psicológica de diferentes prisioneiros expostos ao campo de concentração nazista e argumenta que encontrar sentido no cotidiano é uma forma de lidar com a adversidade.

Olivia Remes
Image captionEstudo de Remes notou que pessoas com senso de coesão, de propósito e que enxergavam sentido em suas vidas, tinham menos distúrbios de ansiedade

De acordo com Remes, pessoas com distúrbios de ansiedade muitas vezes não conseguem identificar um propósito claro em suas vidas e nem sempre acreditam que vale a pena investir esforços para endereçar os desafios que encontram. Em seu estudo recente sobre níveis de ansiedade em mulheres que vivem em situações de privação econômica, Remes encontrou que aquelas que tinham senso de coesão, de propósito e que enxergavam sentido em suas vidas, tinham menos distúrbios de ansiedade, mesmo vivendo situações difíceis.
Para a pesquisadora, as lições de Frankl, mesmo extraídas de uma experiência dramática, são um mecanismo útil para aqueles que sofrem com ansiedade. "Nos relatos de Frankl, um traço de personalidade que diferenciava os prisioneiros eram aqueles que conseguiam manter um propósito mesmo naquela situação. Para um era saber que sua filha o aguardava, então ele precisava sobreviver para ela e isso lhe deu esperança. Para outra, era saber que ela tinha um trabalho importante para finalizar", afirma.
No cotidiano, ter a sensação de que você é necessário para a vida de outra pessoa ou para uma atividade específica auxilia na construção de propósito. Tal senso de conexão pode ser traduzido em atividades de voluntariado, em cuidados com um familiar enfermo, na educação de uma criança ou mesmo nos cuidados com um animal de estimação, aponta Remes.
"Quando você coloca seu foco em algo além de você, esse ato te ajuda a dar um tempo de si mesmo", explica. "Ter outras pessoas em mente é muito importante, porque torna um pouco menos penoso passar pelos momentos mais difíceis."

4. Veja o lado bom da vida (por mais que isso seja desafiador)

Por mais clichê que possa soar, adotar uma atitude positiva perante à vida, com foco nos aspectos bons ao invés dos ruins, é essencial para lidar com a ansiedade. Para domar a mente e espantar os pensamentos negativos, Remes recomenda olhar para elementos que te dão prazer, ao invés daqueles que te irritam ou que te deprimem.
Embora controlar quais pensamentos te veem à mente seja impossível, é possível dialogar com eles uma vez que se fazem presente. Se, ao chegar em um ambiente, algo negativo te chamar a atenção, busque encontrar algo que seja positivo. Se no caminho para o trabalho o trânsito estiver estressante, busque ouvir uma música que te conforte - ou mesmo mude a maneira de se deslocar ao trabalho. Essa atitude positiva perante os pequenos momentos da vida tendem a reverberar também no bem estar emocional do indivíduo, aponta Remes.

Pensar positivamenteDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSe, ao chegar em um ambiente, algo negativo te chamar a atenção, busque encontrar algo que seja positivo

Nas situações em que pensamentos negativos intensos invadem a mente, focar em outras atividades do corpo, como a respiração, também é uma forma de amenizar seus efeitos. "Reconheça que esses pensamentos catastróficos que vêm à mente, que te fazem se sentir péssimo, são apenas eventos mentais que irão passar", diz Remes.

5. Viva no presente

A prática de ruminar pensamentos e ser constantemente tragado por memórias do passado tende a alimentar a ansiedade. Preocupar-se com o que pode ocorrer no futuro também pode deixar o indivíduo mais ansioso. Embora muitas vezes esses pensamentos sejam difíceis de controlar, Remes aponta que é importante manter um foco constante no que você está fazendo agora.
"Estudos mostram que, quando nós vivemos no passado, revivendo memórias antigas, essa atitude nos deixa depressivos e menos felizes. Na verdade, ficamos mais felizes quando vivemos no momento presente. Se você está trabalhando, simplesmente foque naquilo que você está fazendo. Simplesmente viva no presente", diz.

6. Busque terapia

Nem sempre é possível lidar sozinho com distúrbios de ansiedade, e a terapia é uma grande aliada para melhorar a saúde mental. Em casos assim, uma possibilidade é a terapia cognitivo-comportamental, cujo princípio básico é buscar uma postura construtiva do paciente.
Nesse sistema de psicoterapia, a hipótese central aponta que a forma como entendemos eventos internos e externos - e não o evento em si - é que determina nossas respostas emocionais e comportamentais.
De acordo com Remes, a solução é preferencial ao consumo de medicamentos, quando for possível optar. "Em muitos casos, medicamentos não funcionam, ou funcionam apenas no curto prazo e os problemas retornam depois de um tempo", aponta. Para a pesquisadora, trabalhar para desenvolver habilidades de enfrentamento à ansiedade e buscar terapia são as melhores formas de lidar com o transtorno.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 21 de outubro de 2017

Flerte e assédio sexual: a diferença


Casal em festaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAssédio sexual vai muito além do ambiente de trabalho

Uma manifestação incontestável da atração sexual. A mão que repousa sobre o joelho. Uma mensagem de texto cheia de insinuações.
Em que momento um flerte se torna um caso de assédio?
À medida em que o número denúncias de assédio contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein aumenta, mulheres de todo o mundo têm se manifestado nas redes sociais para compartilhar suas experiências com a hashtag #MeToo.
Weinstein desfrutava de grande poder, capaz de forjar ou de destruir a carreira de muitas vítimas. Longe do trabalho, porém, o assédio também pode ser extremamente prejudicial.
No debate global, a questão sobre como se define o assédio sexual não está totalmente esclarecida.
Como ter certeza de que não se está agindo de forma errada?
Se você quer conhecer um pretendente, você precisa flertar - mas a questão é fazer isso no ambiente certo, e não quando as pessoas não estão esperando, diz o especialista em relacionamentos James Preece.
Aos clientes, homens e mulheres com idades entre 23 e 72 anos, ele recomenda que se aventurem de forma segura, usando humor - e não sexo - para paquerar.
"Seja amistoso, crie uma conexão, estabeleça confiança", ele afirma. No fim do primeiro encontro, por exemplo, ele sugere um abraço amigável ou um beijo na bochecha.
Quando o flerte se torna assédio sexual?
Quando é indesejado e persistente, destaca Sarah King, do escritório de advocacia britânico Stuart Miller.
Para Preece, isso ocorre quando o homem vai longe demais - seja com palavras ou com ações - e quando a mulher claramente não quer.
A especialista Sea Ming Pak, que percorre escolas em Londres para ensinar jovens sobre sexo e relacionamentos, tem uma longa lista daquilo que acredita que possa ser considerado assédio sexual: toque não consensual, situações em que o homem sente que tem direito sobre alguém, seguir uma garota na rua e tentar puxar conversa quando ela claramente não deseja e tenta seguir em frente, assobiar ou usar a posição de poder para falar com alguém de forma que a deixe desconfortável.
Na lei britânica, o Equality Act 2010 define como "uma conduta indesejada de natureza sexual" que viola a dignidade do indivíduo ou cria "um ambiente hostil, degradante e ofensivo".
No Brasil, o artigo 216-A do Código Penal denomina assédio sexual no ambiente de trabalho como o ato de "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função".
Por que o assédio acontece?
Ming Pak, que trabalha para a organização dedicada à saúde sexual de jovens Brook, culpa a cultura do "sexo vende", que se espalhou pelo Ocidente e que, diz ela, gera nos homens um sentimento de posse e, nas mulheres, uma cultura de culpa.
Os jovens são condicionados por meio de filmes, clipes de música, programas de TV, do acesso fácil a pornografia e da banalização da prática de compartilhar imagens sexuais pelo celular, ela afirma.
Nas salas de aula, ela diz aos alunos que, quando se fala de sexo, é preciso que haja liberdade e capacidade para tomar decisões.
Ming Pak considera preocupante, entretanto, a desinformação entre os jovens - visível em situações em que muitos deles culpam as vítimas de casos de estupro.
Em alguns casos, é um comportamento adquirido, reflexo daqueles que estão ao seu redor.
Em uma das situações que lhe chamou atenção, ela viu uma garota em um ponto de ônibus sendo abraçada por um rapaz que parecia bastante "pegajoso".
"Ela não parecia muito confortável, então na semana seguinte eu lhe disse: 'Você tem direito de dizer 'não', não está certo ele tocar em você sem que você queira'".
"Eu expliquei o que era consentimento e ela respondeu: 'Mas eles sempre me agarram'".

Garota no ponto de ônibusDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPara especialista, crianças deveriam aprender sobre limites desde cedo

A especialista, que normalmente trabalha com meninos e meninas entre 14 e 17 anos, acredita que o problema não vai desaparecer até que se diga às crianças desde muito cedo que elas podem dizer "não".
Nós deveríamos conversar com eles desde a educação infantil e fundamental, ela ressalta.
É nessa época que tudo começa, acrescenta, lembrando de seus próprios dias na escola, quando os garotos achavam engraçado levantar a saia das meninas ou tentar abrir seus sutiãs.
"Tratava-se de vergonha e humilhação".
Nessa idade, você pode falar sobre limites. No colegial, eles precisam aprender sobre consentimento, sobre como entender linguagem corporal, a lidar com as situações e a refletir antes de mandar "nudes".
Da BBC.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Entenda a polêmica independência da Catalunha em 4 perguntas


Catedral de BarcelonaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA espanha deve acionar um dispositivo para intervir na Catalunha após referendo sobre independência da região

Neste sábado, o governo espanhol deve acionar, pela primeira vez desde 1975, um mecanismo para intervir na Catalunha, uma de suas comunidades autônomas. A "forte" medida ocorre depois que a região manteve a decisão de se separar da Espanha.
A "independência" catalã foi aprovada em um controverso referendo em 1º de outubro, que teve participação de menos da metade do eleitorado da região –com a maioria dos que votaram pedindo pela separação. A votação não foi reconhecida pelo governo espanhol. O presidente catalão, Carles Puigdemont, chegou declarar a indenpendência e depois suspendeu seus efeitos para negociar com o governo espanhol.
O artigo 155 foi incluído na Constituição espanhola em 1975 como uma espécie de proteção de emergência para o caso de alguma das 17 regiões autônomas que formam o país "não cumprirem as obrigações impostas pela Constituição e outras leis, ou atuarem de forma a atentar gravemente contra o interesse geral da Espanha". O mecanismo dá poder ao governo central para adotar "as medidas necessárias" para forçar as regiões autônomas a cumprirem suas obrigações constitucionais.
Agora, o governo do presidente Mariano Rajoy poderia usar o dispositivo para dissolver o parlamento catalão e convocar novas eleições na Catalunha. Um acordo entre Rajoy e o partido socialista espanhol, que está na oposição, teria sido fechado para que esse novo pleito ocorra em janeiro. Essa seria uma das medidas planejadas pela Espanha para barrar a independência catalã.
A aplicação do artigo, porém, está sujeita à aprovação da maioria absoluta do Senado espanhol, conforme diz o texto do próprio dispositivo. Assim, as "medidas necessárias" que o governo quiser usar para conter a independência da Catalunha terão que ser debatidas e votadas pelo Parlamento.

O presidente da Espanha, Mariano Rajoy.Direito de imagemPABLO BLAZQUEZ DOMINGUEZ/GETTY IMAGES
Image captionO presidente espanhol, Mariano Rajoy, deu ultimato para que governo da Catalunha decida se vai ou não insistir em declaração de independência.

O governo espanhol já havia afirmado que tomaria todas as providências para que qualquer declaração de independência não tivesse efeito.
O próprio referendo foi duramente criticado pelo governo central espanhol e reprimido pela polícia do país. Episódios de violência policial deixaram quase 900 feridos e despertaram mais protestos nessa região do nordeste espanhol. Durante a votação, também 33 policiais ficaram feridos, segundo a imprensa local.
Entenda a polêmica em quatro perguntas:

1) O que está acontecendo na Catalunha?

A região fica no nordeste da Espanha e sempre foi culturalmente independente, tendo um histórico desejo de ver reconhecida como uma nação.
A decisão de se separar do país foi tomada um referendo ocorrido em 1º de outubro. Pouco mais de 2 milhões de pessoas (43% do eleitorado) votaram. De acordo com cálculo do próprio movimento, 90% dos votantes foram a favor da independência. A região tem 7,3 milhões de habitantes.
A Catalunha tem um Parlamento próprio, uma bandeira e um líder, Carles Puigdemont, e sua própria polícia, a Mossos d'Esquadra.
Também oferece serviços públicos, como saúde e escolas, além de ter "missões" no exterior - pequenas representações diplomáticas para promover seus produtos e buscar investimentos ao redor do mundo.
Os separatistas argumentam que a área tem uma cultura própria e paga mais impostos proporcionalmente do que recebe em troca por meio de benefícios.

Carles PuigdemontDireito de imagemAFP/GETTY IMAGES
Image captionCarles Puigdemont, líder separatista catalão, anunciou a independência da região, mas depois suspendeu seus efeitos, pedindo diálogo

2) Em que pé está a polêmica?

Depois do referendo, o líder catalão Carles Puigdemont suspendeu a declaração de independência e defendeu abrir um processo de diálogo com o governo espanhol. Porém, o político afirmou que, caso a Espanha se recuse a negociar, a região vai declarar independência e se tornar um país autônomo.
Diante da ambiguidade de suas palavras, o governo central de Madrid deu a Puigdemont um ultimato, até esta a última quinta, para esclarecer se declarou ou não independência.
Como ainda não houve resposta, o governo espanhol decidiu acionar o artigo 155 da Constituição do país.

3) A Catalunha seria um país viável?

Há razões para dizer tanto "sim" quanto "não".
A Catalunha é uma região rica em comparação com o resto da Espanha. Ela tem 16% da população do país, mas representa 19% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol e mais de um quarto das exportações.
Essa importância econômica também se reverte no turismo. No ano passado, 18 dos 75 milhões de pessoas que visitam a Espanha anualmente escolheram a Catalunha como principal destino - a região é a principal ponto turístico do país.
A Catalunha também tem serviços públicos consolidados, como saúde e educação.

Manifestante segurando bandeira da CatalunhaDireito de imagemAFP
Image captionDeclaração de independência da Catalunha foi considerada ambígua por muitos e decisão de suspender o processo separatista gera mais dúvidas que certezas na Espanha

No entanto, há quem argumente que, mesmo que a Catalunha obtenha ganhos fiscais com a independência, estes seriam engolidos pelos custos de novas instituições públicas que teriam de ser criados, como exército, controle de fronteiras, banco central, receita federal.
Outro ponto que pesaria contra seria uma dívida pública de € 77 bilhões (R$ 284 bilhões) - ou 35% do PIB local. O país também não participaria automaticamente da União Europeia nem da zona do euro, grupos nos quais a Espanha já está inserida.
Algumas empresas anunciaram a saída da área após a especulação sobre a independência.

4) O que pode acontecer agora?

Não se sabe exatamente como as lideranças separatistas vão reagir caso a Espanha faça uma intervenção por meio do artigo 155. Não há perspectiva de que a controvérsia se transforme em um conflito armado.
Caso novas eleições sejam convocadas, o Parlamento atual deve ser dissolvido e seu presidente, Carles Puigdemont, pode perder seus poderes.
Além disso, há quem tema novas turbulências ecônomicas na zona do euro e na União Europeia.
BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE