quarta-feira, 9 de outubro de 2024

João Cabral de Melo Neto: há 25 anos, morria o poeta engenheiro das palavras



João Cabral de Melo Neto

Crédito,Arquivo Nacional

Legenda da foto,João Cabral de Melo Neto é reconhecido como um dos maiores nomes da literatura brasileira

Preciso. Exato. Ciente do valor, do peso e da forma de cada palavra, cada expressão, cada verso.

O pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), antítese da ideia de que poesia é resultado de uma inspiração mágica, tornou-se um dos maiores poetas da língua portuguesa justamente porque perseguiu, com afinco, determinação e rigor, a inalcançável beleza da perfeição.

Fazia versos como quem matematiza. Rimava como quem resolve das palavras uma equação.

Debilitado pela cegueira e sofrendo de crises de depressão, João Cabral morreu em 9 de outubro de 1999 no Rio de Janeiro, onde vivia


Já estava imortalizado pela vasta e importante obra, pelos prêmios recebidos em vida e pelo ingresso na Academia Brasileira de Letras — desde o fim dos anos 1960 ocupava a cadeira 37 — e na Academia Pernambucana de Letras

Especulado como candidato ao Prêmio Nobel de Literatura, o poeta tinha vários outros reconhecimentos, entre eles o Prêmio Neustadt, o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana e o Prêmio Camões.

Profissionalmente, Cabral foi diplomata. De 1945 a 1990, período em que serviu ao Itamaraty, viveu em 14 cidades diferentes: Barcelona, Londres, Brasília, Sevilha, Marselha, Madri, Genebra, Berna, Assunção, Dacar, Quito, Tegucigalpa, Porto e Rio de Janeiro

Sua estreia na literatura ocorreu em 1942, com a publicação de Pedra do Sono. A produção poética se tornaria uma constante até o fim de sua vida. Entre as principais obras do pernambucano destacam-se O Engenheiro de 1945, Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode, de 1947, O Cão Sem Plumas, de 1950, O Rio ou Relação da Viagem que Faz o Capibaripe de Sua Nascente à Cidade do Recife, de 1953, Uma Faca Só Lâmina, de 1955, A Educação Pela Pedra, de 1966, Museu de Tudo, de 1975, e Tecendo a Manhã, de 1999. Além, é claro, do seu maior sucesso: Morte e Vida Severina, publicado originalmente em 1955.

"Ele é um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos. Sua obra é mais vasta e muito mais diversa do que imaginam aqueles que pensam que ele é apenas o autor de Morte e Vida Severina", diz à BBC News Brasil o poeta e professor de literatura Frederico Barbosa.

Barbosa destaca que essa obra mais conhecida de Cabral costuma ser "mal lida", vista "apenas como um panfleto sobre a miséria do sertão". Mas que o poeta "deixa muito claro que [essa pobreza] não vem da natureza, vem das precárias distribuições de renda e terra".

"João Cabral é certamente um dos maiores poetas do nosso país. Eu considero talvez o maior", enfatiza à reportagem a tradutora, pesquisadora e professora de literatura Sandra Mara Stroparo, docente na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), o escritor e professor Miguel Sanches Neto diz à BBC News que o autor de Morte e Vida Severina "é um poeta único na tradição de língua portuguesa, marcada pela exacerbação do eu".

"Contra a tendência lírica, ele construiu uma poesia objetual, em terceira pessoa, em que o outro e as coisas ocupam o centro da experiência lírica", analisa.

"É um poeta em que o crítico literário e de cultura se manifesta, e não uma individualidade. Outro aspecto disruptivo é ser moderno usando formas fixas, herança da geração de 45", acrescenta Sanches Neto, citando o grupo da terceira geração do modernismo.

"Com isso, matou a inspiração ou a genialidade como fatores poéticos. Nesse sentido, é um poeta único."

Seu estilo marcado pelo rigor técnico e pela busca da exatidão fez com que ele acabasse sendo chamado de "engenheiro".

Mas de forma alguma isso pode ser confundido com insensibilidade ou frieza. "A obra poética de João Cabral destaca-se pela busca de uma forma rigorosa e estruturada, refletindo seu conhecimento sobre temáticas sociais. O regionalismo é central, com ênfase na vida e nas dificuldades do povo nordestino, especialmente em relação à seca, que simboliza a luta e a resistência", comenta à reportagem o professor Vicente de Paula da Silva Martins, docente na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).

O poeta e tradutor André Capilé, professor de Literatura Brasileira na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), explica à BBC News Brasil que há na literatura de Cabral "um plano de concisão e investimento na palavra mais precisa, mais justa, em termos de composição" e este estilo veio em um momento em que "a poesia brasileira ia ficando muito pastosa, muito prolixa”.

“Ele nos traz de novo uma espécie de grande aterramento do espaço da palavra", diz.

"Sua linguagem é simples, mas rica em metáforas originais, conectando a natureza como um agente ativo na vida humana. Cabral se via como um engenheiro das palavras, transmitindo mensagens claras e objetivas. Além disso, aborda a condição humana, a solidão e a busca por sentido", complementa Martins.

Barbosa situa o livro A Educação Pela Pedra como a obra-prima cabraliana e "um dos maiores livros de poesia que já foram escritos no mundo".

"É um livro de um poeta já maduro que consegue fazer uma obra matemática com idas e vindas, algumas relações escondidas que ainda não foram devidamente estudadas e reveladas, as relações entre os poemas, os versos. Cada poema do livro tem duas partes, essas partes se relacionam e se relacionam com outras partes de outros poemas", detalha.

"É algo que ainda está por ser devidamente analisado, devidamente dissecado."

O professor Martins comenta que nesse livro "o poeta utiliza a pedra como símbolo da resistência nordestina, estabelecendo uma relação entre forma e temática que enriquece sua obra".

"Sua linguagem, repleta de imagens concretas e musicalidade, reflete um compromisso com a identidade cultural brasileira. Além disso, a intertextualidade com poetas contemporâneos enriquece o diálogo literário, ressaltando sua influência", acrescenta.

"A voz de Cabral é crucial para a literatura do século 20, propondo novas formas de entender a realidade brasileira e solidificando seu legado na poesia contemporânea."

João Cabral de Melo Neto, em sua posse na ABL, em 1969

Crédito,Arquivo Nacional

Legenda da foto,João Cabral de Melo Neto, em sua posse na ABL, em 1969

Ecos cabralinos

Essa forma sui generis de fazer poesia se tornou seu principal legado. Sanches Neto diz que João Cabral "não deixou discípulos, porque os gênios são figuras solitárias". Pode ser verdade.

Mas verdade também é, que como apontam diversos críticos, a poesia brasileira tem outros exemplos que seguem a trilha aberta pelo pernambucano. Sebastião Uchoa Leite (1935-2003), por exemplo.

Mais recentemente, nomes como o do admirador confesso Frederico Barbosa, também recifense. A eles, se juntam ainda os cariocas Paulo Henriques Britto e Felipe Fortuna, o mineiro de Juiz de Fora Edimilson de Almeida Pereira e o paulistano Arnaldo Antunes.

"Há, depois de João Cabral, muitos ecos de sua poética os quais se perpetuaram e continuam dando bons frutos. O modo como manipula a palavra autoriza-nos mesmo a dizer que o próprio concretismo bebe nessas fontes criadoras do autor de Morte e Vida Severina. Mas há outros aspectos que alimentam a poesia brasileira posterior a ele: o exercício da metalinguagem, os processos experimentalistas que incidem sobre o léxico até o limiar da palavra na era digital e o formalismo que não cerceia, mas liberta de qualquer obrigação em nome de oferecer, também pela ocupação do espaço, inusitadas maneiras de produzir sentido", afirma à BBC News Brasil o professor de literatura Emerson Calil Rossetti, criador do canal no YouTube Elite da Língua.

"Para dar um toque mais 'moderno' e talvez subversivo ao meu exemplo, citaria uma referência ainda fora do cânone tradicional: a obra de Arnaldo Antunes que, emergindo da linguagem potencialmente expressiva, edifica-se numa arquitetura em que os sentidos poéticos jamais colidem com a racionalidade da forma, antes tiram dela o exato proveito para o deleite de quem lê, vê e ouve as composições do tribalista", acrecenta Rossetti.

Martins comenta que Fortuna "dialoga com o estilo" de Cabral ao refletir "seu rigor formal e concisão". "Ambos os poetas incorporam elementos cotidianos que provocam reflexões profundas", argumenta.

"Fortuna utiliza questionamentos que evocam a voz inquisitiva de Cabral, transformando objetos comuns em símbolos de temas universais, como a vida e a morte. A dualidade entre preservação e efemeridade, presente em suas obras, destaca a complexidade da experiência humana. Por fim, o tom filosófico das criações [dos dois] convida o leitor a ponderar questões existenciais, revelando uma sensibilidade compartilhada na exploração da realidade."

Autor do livro O Gosto dos Extremos: Tensão e Dualidade na Poesia de João Cabral de Melo Neto, de Pedra do Sono a Andando Sevilha, o professor de literatura Waltencir Alves de Oliveira, da UFPR, vê "a presença de princípios compositivos e modos de operar com a palavra poética” ao estilo cabralino até “mesmo em poetas que refutam a existência de um diálogo com sua poesia".

"Difícil, contudo, listar nomes de possíveis seguidores, uma vez que os modos de apropriação, citação e menção acionados pela poesia contemporânea podem tornar o diálogo com a tradição implícito, ou até mesmo escamoteado. Sobretudo porque, em alguns aspectos, pode se verificar mais um falar contra do que um falar com, em ambos os casos o poeta e sua poesia parecem ter se convertido em pedágio quase obrigatório para quem deseja passar e construir uma poesia original e com marcas singulares", diz ele, à BBC News Brasil.

"Dizendo, em outras palavras, novas facetas e interpretações dadas ao mesmo poeta foram assegurando a ele um lugar de destaque, possibilitando que vários matizes fossem se acrescentando a essa poesia a cada novo e nova poeta que, ao assimilá-lo o altera significativamente", completa Oliveira.

A professora Stroparo ressalta que sendo "muito da linguagem que ele criou" específico e especial, "muitos são tributários dele hoje". Tem ainda os poetas marginais [dos anos 1970], com suas reações negativas [frente a Cabral]. Eles gostavam de se posicionar dizendo que queriam uma linguagem mais fácil, mais direta. Era uma maneira de dizer 'eu sou anticabralino'", lembra ela.

"Mas acho que o principal nome da poesia contemporânea que a gente pode ligar ao João Cabral é o do poeta Paulo Henriques Britto. Considero-o a melhor junção da voz do [Carlos] Drummond [de Andrade] com a voz do Cabral, que aparece na sintaxe da poesia do Britto, nas escolhas formais da poesia do Britto", comenta a professora.

Capilé define Cabral como "uma influência incontornável dos anos 50 em diante" na poesia brasileira. "Em maior ou menor grau, ele sempre vai voltar como uma espécie de grande fantasma ao contemporâneo imediato", pontua.

Arnaldo Antunes

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Arnaldo Antunes é um dos que seguem a trilha de João Cabral de Melo Neto, apontam especialistas

Um fazer poético de que poucos são capazes

Menos do que apontar nomes, o poeta Barbosa ressalta que o legado de Cabral é "a ideia de que poesia não é emoção, não é sentimento, não vem de um frenesi".

"Mas que é algo muito elaboradora. O que é uma coisa óbvia, […] mas as pessoas tendem a desconsiderar isso e até hoje muita gente pensa que poesia é sentimento. João Cabral colocou a ideia da poesia como elaboração profunda, a busca de uma linguagem adequada. Muita gente ainda rejeita isso", salienta.

Para Rossetti, "é preciso ainda destacar a habilidade da poesia cabralina em se equilibrar com maestria entre a cultura popular e a erudita", um "feito que poucos poetas são capazes de realizar".

Oliveira conta que em seu livro a respeito da obra de Cabral buscou explicar essas características, mergulhando na "feição do poeta como autor que refutava o lirismo-amoroso, recusava a explicitação da subjetividade" e pleiteava "para si mesmo um lugar de recusa de um ideal poética, do qual, talvez a estética romântica fosse, segundo o próprio Cabral, a principal disseminadora".

Ele reconhece que livros, ensaios e entrevistas do próprio poeta "insistiam na afirmação, por vezes categórica por parte dele, de uma poesia cerebrina, racional e assentada sobre forte ideal construtivo", e isto acabou por "lhe render epítetos como 'poeta engenheiro', 'poeta arquiteto', 'geômetra', etc.".

"Sua influência persiste no século 21, dialogando com poetas contemporâneos e reafirmando sua relevância na literatura", resume Martins.

"Assim, Cabral consolida sua voz única, essencial para entender a poesia moderna e contemporânea. Assumindo o papel de historiador da literatura brasileira, afirmo que, no que diz respeito à autenticidade e originalidade, a literatura nacional pode ser compreendida em duas fases distintas: antes e depois de Cabral de Melo Neto."



  • Edison Veiga
  • Role,De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Por que Brasília não tem prefeito?




Congresso Nacional

Crédito,Getty Images

  • Author,Giulia Granchi
  • Role,Da BBC News Brasil em Londres

Em outubro, 5.569 municípios brasileiros elegerão prefeitos e vereadores — mas Brasília e outras regiões administrativas do Distrito Federal, também chamadas "cidades-satélites", não estão nesta conta.

A área tem uma organização política distinta por que o Distrito Federal acumula características de município e Estado, e suas "cidades-satélites" não são tratadas como municípios.

"Quando Brasília foi inaugurada, em 1960, o modelo administrativo estabelecido se assemelhava um pouco mais a um Estado, englobando responsabilidades que, em outras regiões, seriam divididas entre prefeitos e governadores estaduais. Assim, o título de 'prefeito' foi substituído por 'governador'", explica o historiador Matheus Rosa, mestre pela UnB e pesquisador da história regional.

E como capital federal, diz Rosa, a ideia era que Brasília pudesse funcionar de maneira independente e imparcial, sem o impacto de disputas regionais


Mas, ainda que haja semelhanças com administrações estaduais, o Distrito Federal tem características únicas que, há décadas, resultam na falta de eleições municipais

Para entender as divisões políticas diferentes do resto do Brasil, é preciso olhar para trás, na década de 1950, quando a discussão de transferir a capital federal para o interior do Brasil, que remonta ao início do século 19, começou a ser retomada.

O que é um Distrito Federal - e por que não pode ser considerado um Estado

Diferentemente dos Estados, o Distrito Federal possui uma estrutura administrativa singular, com maior centralização de algumas funções no governo federal.


Embora o DF tenha um governador e uma câmara legislativa própria, algumas funções, como segurança pública e assuntos judiciais, são geridas ou supervisionadas pelo governo federal.

Aspectos como tributação e regulação do transporte coletivo entre municípios e Estados vizinhos, por exemplo, que normalmente seriam responsabilidade do governo estadual, no DF ficam a cargo da União.

A ideia de um Distrito Federal no Brasil vem desde o Império, quando, em 1834, foi criado o "município neutro".

O objetivo era separar a administração do Rio de Janeiro, então capital do Império, para garantir uma gestão especial por ser sede do governo.

"Já havia, então, essa ideia de que a capital do país deveria ter uma administração local com status diferenciado das demais Províncias ou regiões do Brasil", diz Rosa.

Na prática, explica o historiador, o município neutro funcionava como um município comum, com sua Câmara Municipal e prerrogativas.

"Porém, alguns serviços essenciais, como polícia e corpo de bombeiros, eram controlados diretamente pelo governo central. Com a Proclamação da República, esse conceito evoluiu para o Distrito Federal, nome que refletia a influência do modelo republicano americano, especialmente na questão federativa."

O Centro-Oeste como escolha do DF

Rio de Janeiro foi a capital do Brasil entre 1793 e 1960. Durante os 167 anos como sede, a ideia de transferir o poder nacional para o centro do Brasil era comum a vários goverantes.

De acordo com o historiador Matheus Rosa, não existe um único motivo para essa transferência — ela foi impulsionada por diferentes razões em épocas distintas.

"Um dos principais fatores sempre foi a questão da segurança nacional. O Rio de Janeiro, sendo uma cidade litorânea, era considerada vulnerável tanto a invasões estrangeiras quanto a revoltas internas, devido à crescente urbanização e nova visão do local como uma 'cidade de proletários' ao longo do século 19 e início do século 20."

O professor Antônio Carpintero, do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da UnB, descreve o primeiro estudo da área que viria a se tornar o Distrito Federal.

"O governo de Floriano Peixoto nomeou uma comissão, chamada Comissão Cruls, em 1890, que fez um relatório detalhado sobre a região. O relatório localizou um retângulo no Planalto Central para a criação do Distrito Federal. Mas o assunto ficou em suspenso. Floriano Peixoto deixou o relatório pronto para Prudente de Morais, que acabou arquivando o projeto."

O plano sofreu mudanças e atualizações nos governos seguintes, até que ganhou mais tração a partir do governo de Getúlio Vargas e, especialmente, do de Juscelino Kubitschek, o presidente que de fato efetivou a transferência da capital do Rio para a recém construída Brasília.

"Quando lançou sua candidatura, Kubitschek conciliou as diferentes leituras do projeto e deu prioridade à mudança da capital, apesar da oposição de alguns setores políticos que queriam que continuasse no Rio", lembra Carpintero.

A mudança passou a ser vista como uma forma de descentralizar a população, que estava majoritariamente concentrada no litoral, e ocupar o interior, especialmente o Centro-Oeste.

"O processo de integração nacional também envolvia a ocupação de terras que, embora consideradas 'desocupadas', já eram habitadas por povos indígenas e populações tradicionais", diz Matheus Rosa.

"Assim, Brasília simbolizava não só a expansão econômica para o interior, impulsionada pelo agronegócio, como também a criação de uma rede de infraestrutura que incluía rodovias, ferrovias e aeroportos, promovendo a integração do território e a expansão do mercado interno."

A integração também envolvia a criação de uma infraestrutura robusta, que incluía energia, transportes — como rodovias, ferrovias e aeroportos —, facilitando a integração do território e a expansão do mercado interno.

"A expansão do mercado interno era vista como uma forma de superar a condição de exportador de matérias-primas e transformar o Brasil em uma nação industrializada, moderna, segundo a visão do século 20 sobre o que seria uma nação desenvolvida. Isso incluía explorar as riquezas minerais e agrícolas do interior e ampliar o consumo dessas regiões."

Nos anos 1930 e 1940, durante a expansão demográfica e econômica, foram pensadas várias soluções e tamanhos diferentes para o Distrito Federal.

O formato atual, de 5.760 km² e dividido entre regiões administrativas — e não municípios —, foi concebido em 1955 por meio de uma comissão militar, que se encarregou de localizar a cidade de Brasília dentro do Distrito Federal e definir seus limites geográficos.

"No contexto brasileiro, o distrito é a menor circunscrição territorial autônoma, com uma relativa autonomia, mas com tamanho menor do que vários municípios brasileiros. Sua criação visou evitar que um Estado tivesse precedência sobre os outros, garantindo que a capital fosse neutra e independente", descreve Antônio Carpintero, do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da UnB.

Para comparação, vale ressaltar que a área do Estado de São Paulo é 43 vezes maior do que a área do Distrito Federal. o Rio de Janeiro tem área 7 vezes maior do que a do DF e por sua vez o Estado de MInas Gerais é 100 vezes maior.

O território do DF chega ainda a ser menor que mais de 150 municípios do país.

A área, significativamente menor do que outras unidades federativas, também contribui para uma governança mais centralizada.

Parte de Brasília vista de cima

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Brasília se tornou oficialmente a capital federal em 1960

A prefeitura que durou 9 anos

Embora não exista mais atualmente, Brasília teve uma prefeitura entre 1960, ano de sua criação, e 1969.

Conforme explica o historiador Matheus Rosa, o termo "prefeitura do Distrito Federal" já era usado no Rio de Janeiro quando era a capital, e foi transferido para Brasília.

"A administração do Distrito Federal, após a transferência, foi inicialmente regida por uma lei de 1960, semelhante ao que se tinha até então, ou seja, um prefeito nomeado pelo presidente da República e uma Câmara de vereadores funcionando à parte."

Em 1969, durante a ditadura militar, uma emenda à Constituição de 1967 extinguiu a figura do prefeito. A partir dali, o comando mudou.

"O que aconteceu em 1969 foi a mudança do nome de 'prefeito' para 'governador', sem alterar muito na prática", diz o historiador. Essa situação se mantém até hoje.

Uma possível razão para essa mudança, segundo Rosa, seria uma equiparação entre o Distrito Federal, no Planalto Central, e o Estado da Guanabara, criado em 1960, quando o Rio de Janeiro perdeu o status de capital federal.

"O Estado da Guanabara era uma situação especial, pois era um Estado formado por um único município, com o governador acumulando funções de prefeito. A emenda constitucional que instituiu o 'governador' do Distrito Federal também consolidou esse acúmulo de funções na Guanabara."

Em 1975, quinze anos depois, a Guanabara se fundiu com o Estado do Rio de Janeiro.

Outra hipótese, explica Rosa, é que essa mudança buscava conferir mais prestígio político à figura do governante de Brasília, já que, na época, muitos dos ministérios e órgãos do governo federal ainda operavam no Rio de Janeiro.

"A partir do governo Médici, em 1969, houve uma determinação maior para transferir essas estruturas para Brasília. Assim, a mudança de prefeito para governador pode ter sido uma tentativa de conferir a Brasília um status maior."

Ainda que hoje a prefeitura não exista mais, os cidadãos do DF ainda podem ser convocados para serem mesários, já que existe a necessidade de voto para pessoas que residem na área, mas estão registradas em outros locais.

"Também vale dizer que parte dos residentes de Brasília estão de olho nas eleições dos municípios de Goiás, já que a proximidade geográfica faz com que muitos utilizem serviços ou frequentem locais dessas cidades", aponta o historiador


Professor Edgar Bom Jardim - PE