- Wilson Tosta
- Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
A Polícia Federal prendeu no domingo (24/3) os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, suspeitos de terem sido os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.
Também foi preso Rivaldo Barbosa, que havia assumido a chefia da Polícia Civil fluminense na véspera do crime - e agora é suspeito de ter atrapalhado as investigações. A BBC News Brasil não conseguiu contato com a defesa de Barbosa.
O advogado Ubiratan Guedes, defensor do conselheiro do TCE do Rio Domingos Brazão, negou, na manhã deste domingo, envolvimento de seu cliente nos homicídios.
As prisões dos três ocorreram pouco após a homologação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da delação premiada de Ronnie Lessa, ex-PM que confessou ter executado o crime
A base eleitoral da família – Domingos também manteve carreira como parlamentar - é na zona oeste carioca, disputada à bala por milicianos e traficantes nos últimos anos.
Foi a menção a Chiquinho que teria levado o caso para o Supremo, corte onde parlamentares federais têm prerrogativa de foro (processo e julgamento). Isso aconteceu depois que, por iniciativa do então ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal incorporou-se às investigações
Segundo Lessa - o qual, segundo a Polícia Civil, havia sido excelente atirador do Batalhão de Operações Especiais e acabou levando para o crime o seu talento, tornando-se um assassino profissional -, o assassinato de Marielle foi motivado por disputas de terras na zona oeste.
Segundo uma fonte da PF ouvida pela BBC News Brasil, a morte teria sido encomendada por conta da resistência feita por Marielle e pela bancada do PSOL, o partido da então vereadora, a um projeto de lei que regularizaria condomínios na zona oeste do Rio de Janeiro.
A região é uma área de fronteira urbana. É cheia de terrenos cuja propriedade é contestada e com ocupação acelerada nas últimas décadas, com especulação imobiliária e construções ilegais, promovidas por quadrilhas de milicianos e traficantes.
Domingos Brazão já foi investigado por supostamente tentar atrapalhar as investigações do duplo homicídio, mas foi inocentado. O nome de Chiquinho não tinha sido mencionado antes nas apurações, pelo menos publicamente.
Ao longo dos anos, o caso foi recheado de idas e vindas, incluindo uma testemunha falsa que teria sido "plantada" para tentar incriminar um chefe de milícia no Rio, remoção de um dos delegados encarregados pelo caso e surgimento de diversos nomes de alguma forma implicados na questão.
A seguir, a BBC News Brasil detalha pontos desde o crime até o avanço das investigações, que culminaram na prisão dos irmãos Brazão.
As vítimas
Marielle Franco, socióloga e vereadora pelo PSOL
Marielle Francisco da Silva era vereadora desde 1 de janeiro de 2017. Cumpria seu primeiro mandato, eleita pelo PSOL em coligação com o PCB em 2016 com 46.502 votos. Recebeu três tiros na cabeça e um no pescoço, aos 38 anos, na rua Joaquim Palhares, no Estácio, região central do Rio de Janeiro, depois das 21h de 14 de março de 2018.
O atirador estava em um Cobalt prata, que deixou o local do crime em alta velocidade e nunca foi encontrado. O veículo, segundo apurou a Polícia, foi enviado pelos criminosos para desmonte. Graduada em Ciências Sociais pela PUC do Rio, tinha mestrado em administração pública pela Universidade Federal Fluminense, com tese crítica às Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs).
Negra e lésbica, nascida e criada no Complexo da Maré, um conjunto de favelas na zona norte carioca, militava contra a violência policial, pelos direitos humanos, em defesa da comunidade LGBTQIA+, pelo aborto legal e contra a discriminação racial. Foi, por dez anos, assessora do então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), criador da CPI das Milícias, em 2007.
Anderson Gomes, motorista
Anderson Pedro Mathias Gomes tinha 39 anos e não era o motorista oficial de Marielle. Desempregado, na noite do crime que também o mataria ele fazia um bico ao volante do Agile que servia à vereadora. Havia um mês trabalhava para a Marielle, substituindo o titular, que estava de licença médica. Era casado e pai de um menino, que tinha um ano e dez meses quando seu pai foi assassinado.
Fernanda Chaves, assessora
Era chefe de gabinete da vereadora e sobreviveu sem ferimentos graves. Estava no Agile conduzido por Anderson, sentada à esquerda de Marielle, no banco traseiro. Não foi atingida, porque os disparos foram dados na diagonal, concentrados na parlamentar, atingindo Anderson por estar na mesma linha reta.
Os mandantes, segundo a polícia
Domingos Brazão
Ex-deputado estadual e empresário do ramo de combustíveis, Domingos Inácio Brazão, de 58 anos, é carioca e venceu sua primeira eleição em 1996, quando se tornou vereador na capital fluminense.
Sua base eleitoral é a zona oeste carioca, berço das milícias no Estado. Em 2000, concorreu a prefeito, mas ficou em oitavo lugar - sua atuação sempre foi regional. Teve mais cinco mandatos, como deputado estadual. Interrompeu o quinto em 2015, ao ser eleito conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). integrou, como político, o PL, o PT do B e o PMDB (hoje MDB).
Polêmico, Brazão teve seu nome incluído no Relatório Final da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio, em 2007. Foi citado no depoimento do vereador Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras, como político que fizera campanha na comunidade.
Nadinho confirmou que a favela era dominada por uma milícia. "Toda criança de 10, 12 anos em Rio das Pedras, se você perguntar, vai responder que existe milícia", disse. Aquela teria sido uma das primeiras quadrilhas de policiais a dominar criminosamente um território no Rio.
O hoje conselheiro do Tribunal de Contas sempre negou as acusações de suposto envolvimento em crimes e irregularidades. Atribuía-as a disputas políticas e à briga por votos e redutos eleitorais.
Em entrevista a O Globo em janeiro, o conselheiro afirmou ser inocente e não ter ligação com o caso Marielle: "Não conheci essa gente, graças a Deus".
O advogado Ubiratan Guedes, defensor de Domingos Brazão, também negou, na manhã deste domingo, envolvimento de seu cliente nos homicídios de Marielle Franco e Anderson Gomes.
“(Domingos Brazão) não tem nenhuma ligação com a Marielle, agora cabe à defesa provar que ele é inocente”, afirmou o advogado, ao chegar à sede da Superintendência da Polícia Federal no Rio. “Estamos surpresos.”
Brazão já admitira, porém, já ter matado um homem. Contou o episódio por causa de bate-boca com a deputada Cidinha Campos (PDT), no plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em junho de 2014. A parlamentar acusou o adversário de homicídio.
"Matei, sim, uma pessoa", disse Brazão, que também reconheceu ter sido preso por causa do crime, mas alegou ter sido absolvido, segundo o jornal O Dia. "Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos. Foi um marginal que tinha ido à minha rua, na minha casa, no dia do meu aniversário, afrontar a mim e a minha família. A Justiça me deu razão."
Brazão também negou outra acusação de Cidinha, a de que a ameaçara dizendo à deputada que "já matara vagabundo, vagabunda, não, mas tinha vontade". A deputada fizera um dossiê contra ele e outro parlamentar. Acusou-os de envolvimento com a máfia dos combustíveis e pediu proteção, alegando temer por sua vida. Brazão disse que a denúncia tinha fins eleitorais. O processo foi arquivado.
O mandato de Brazão na Alerj foi cassado em 2011 pela Justiça Eleitoral. A acusação era de compra de votos no pleito de 2010, em urnas da zona oeste. Não durou muito. Uma liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lhe devolveu o lugar na Casa e na política.
Uma delação premiada do ex-presidente do TCE Jonas Lopes de Carvalho Júnior levou à prisão temporária Brazão e outros quatro conselheiros da Corte, além de um conselheiro aposentado, em março de 2017. Na Operação Quinto do Ouro da Polícia Federal, desdobramento local da Lava Jato, Lopes delatou um suposto esquema de propinas. após ser acusado por empreiteiras de pedir propina.
Os presos, afastados dos cargos, negaram envolvimento em irregularidades e foram soltos em abril de 2017. Brazão voltou a seu cargo no TCE, em março de 2023, por ordem da Justiça.
O nome de Brazão circulou nas investigações sobre o homicídio de Marielle e Anderson desde o início. O conselheiro depôs em junho de 2018, sob a suspeita de plantar informações falsas para atrapalhar o inquérito. Negou essa acusação.
Em 2019, Brazão foi denunciado pela Procuradoria Geral da República, com mais quatro pessoas, por supostos crimes cometidos para atrapalhar as investigações, mas foi inocentado. A pedido do MP estadual, que considerou superficiais as provas apresentadas pelo MPF, a denúncia -que baixara do Superior Tribunal de Justiça para o Judiciário fluminense - foi rejeitada em 2021. A ação foi definitivamente arquivada em janeiro do ano passado.
Também foram inocentados o delegado da PF Hélio Khristian Cunha de Almeida e o policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, assessor de Brazão no TCE-RJ. Outros dois acusados, que já respondiam no Judiciário estadual pelos mesmos crimes denunciados na esfera federal, continuaram a ser processados.
Brazão, agora foi denunciado por Ronnie Lessa, que teve sua delação premiada homologada pelo STF, como mandante do duplo homicídio, sempre negou envolvimento no crime. Em seu primeiro depoimento, afirmou ter ouvido falar de Marielle duas vezes: quando foi eleita, por ter sido a quinta mais votada; e quanto foi assassinada.
Chiquinho Brazão
Irmão de Domingos, Chiquinho Brazão é deputado federal pelo União Brasil e chegou a ser secretário especial de Ação Comunitária da prefeitura do Rio de Janeiro.
Ele deixou o cargo depois de o nome da sua família ter sido citado na delação de Elcio Queiroz, ex-PM preso sob acusação de ter dirigido o carro usado no dia do assassinato.
Na quarta-feira (20), Chiquinho havia negado envolvimento com o caso.
Foi a menção a Chiquinho que teria levado o caso para o Supremo, corte onde parlamentares federais têm prerrogativa de foro (processo e julgamento). Isso aconteceu depois que, por iniciativa do então ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal incorporou-se às investigações.
Os assassinos, segundo a polícia
Ronnie Lessa, PM inativo e expulso - fez os disparos, está preso
Segundo sargento reformado da PM, Ronnie Lessa é carioca do Méier, bairro do subúrbio carioca. Em 1989, aos 19 anos, ingressou na Scuderie Detetive LeCoq, criada nos ano 60 em memória do policial civil Milton LeCoq, morto a tiros durante a perseguição a um criminoso em Vila Isabel. A entidade é apontada como embrião dos Esquadrões da Morte que agiram na ditadura. Depois do serviço militar obrigatório no Exército, Lessa ingressou por concurso, em 1991, na Polícia Militar do Rio de Janeiro, como soldado.
De 1993 a 1997, Lessa integrou o Batalhão de Operações Especiais (Bope). Na unidade, era conhecido por sua precisão como atirador, sua bravura em situações de combate e sua habilidade e rapidez para montar e desmontar armas. Nunca fez, porém, o Curso de Operações Especiais, indispensável para ser oficialmente um “caveira”.
Transferido, Lessa passou por diferentes unidades da corporação. Apesar de episódios de desvio de conduta, nunca sofreu punição e foi promovido a cabo e a terceiro sargento. Transformado em 1999 em “adido” (emprestado) à Polícia Civil, trabalhou em delegacias e tornou-se segurança da contravenção.
O policial sofreu um atentado em 2009, quando a explosão de uma bomba levou à amputação de parte da sua perna esquerda. Também foi preso pela Polícia Federal em 2011, na Operação Guilhotina. A ação fechou a Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE) e prendeu policiais por desvio de material apreendido e por dar proteção a caça-níqueis, negócio dos bicheiros.
Mas Lessa não virou réu no processo da Guilhotina. Foi reformado (aposentado) em 2012. De acordo com policiais, aproximou-se de milicianos e do Escritório do Crime, consórcio de matadores profissionais que age no Estado, atuando no negócio de assassinatos por encomenda.
Um dos investigados em 2022 na Operação Calígula, sobre jogos de azar, Lessa já tem pelo menos três sentenças desfavoráveis da Justiça.
Uma o condenou a cinco anos de cadeia por tráfico de armas (quebra-chamas para fuzil) no Aeroporto Internacional do Galeão. Outra lhe deu pena de 13 anos e seis meses de prisão, por comércio ilegal de armamento (117 fuzis desmontados, apreendidos no Méier).
O sargento reformado também cumpre cinco anos de cárcere por ocultar armas supostamente usadas para matar Marielle e Anderson. O armamento foi jogado no mar, para apagar provas do caso.
Lessa responde ainda a processo por um duplo homicídio, do ex-policial André Henrique da Silva Souza, o Zóio, e da namorada dele, Juliana de Oliveira, em 2014. Zóio estaria disputando o domínio da Gardênia Azul com o ex-vereador e miliciano Cristiano Girão.
Ronnie Lessa foi preso no condomínio Vivendas da Barra em 12 de março de 2019. Está na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). Foi expulso da PM no início do ano passado. Cumpre prisão preventiva e vai ser submetido a júri popular. Até pouco tempo, negava ter matado Marielle.
Élcio de Queiroz, ex-PM - dirigiu o Cobalt prata, está preso
Diferentemente de Ronnie Lessa, Élcio Vieira de Queiroz foi expulso da Polícia Militar em 2015, após 20 anos na corporação, perdendo a patente de segundo sargento. O motivo foi a mesma Operação Guilhotina.
Os dois réus eram amigos havia muitos anos. Morador do Engenho de Dentro, bairro vizinho ao Méier, na zona norte, Élcio era amigo de infância da mulher de Ronnie Lessa. Aproximaram-se no fim da década de 80 - são compadres e se viam com frequência.
Na Policia Militar, Élcio era motorista de viatura. Conduzia carros de patrulha durante operações policiais ou perseguições a suspeitos, em alta velocidade e sob intensa pressão, às vezes sob fogo de criminosos. Depois da expulsão, trabalhou como condutor de carros fortes. Levava vida modesta. Foi acusado de pilotar o Cobalt prata usado no crime contra Marielle e preso no mesmo dia que Lessa.
Até 2023, Élcio também alegou inocência no caso. Em julho do ano passado, no presídio federal de Brasilia, mudou de posição. Assinou delação premiada, confessou ter participado do crime e apontou Lessa como matador. Está preso preventivamente. Denunciado, também vai ser submetido a júri popular.
Os comparsas, segundo a polícia
Maxwell Simões Corrêa, ex-bombeiro, está preso
Também conhecido com Suel, o ex-bombeiro militar Maxwell Simões Corrêa foi delatado por Élcio de Queiroz por ter monitorado os passos de Marielle Franco antes do crime. Foi preso na Operação Élpis da Polícia Federal e do MP do Rio, em 2023. Condenado em maio do ano passado a quatro anos de prisão por atrapalhar as investigações, ele também teria participado de uma primeira tentativa de matar a vereadora. A ação foi frustrada, porque Suel alegou problemas mecânicos no carro que seria usado na ação. Foi expulso do Corpo de Bombeiros.
Edimilson Oliveira da Silva, o Macalé
Morto em 2019, o policial reformado Edimilson Oliveira da Silva, o Macalé, foi apontado na delação de Élcio de Queiroz como intermediário entre Ronnie Lessa e o mandante do assassinato de Marielle. O nome do PM apareceu e diferentes investigações sobre crimes do jogo do bicho e de milicianos. Depois de um atentado contra Shanna Garcia, filha do contraventor Waldemir Paes Garcia, já morto, a Polícia apontou Macalé como um dos integrantes da “organização criminosa” do bicheiro Bernardo Bello. Na época (outubro der 2019), Bello negou as acusações. Atualmente, está foragido.
A testemunha falsa
Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, policial militar
Foi apresentado pelo delegado Hélio Khristian Cunha de Almeida à Delegacia de Homicídios da Polícia Civil como suposta “testemunha-chave” do homicídio de Marielle e Anderson, pouco mais de um mês após o crime. O depoente disse ter testemunhado reuniões do miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, como é conhecido, com o vereador Marcelo Sicilliano. Nesses encontros, teriam acertado matar Marielle. Nessa versão, a vereadora estaria atrapalhando os negócios do parlamentar, por isso teria sido eliminada.
A história, porém, revelou-se falsa. Ferreirinha posteriormente admitiu à Polícia Federal ter mentido, porque queria se vingar de seu ex-chefe Curicica.
O comandante da milícia teria lhe tomado uma central clandestina de TV a cabo, revoltando o ex-comparsa. Além disso, segundo trecho de inquérito da PF divulgado pelo UOL, Hélio Khristian, meses antes do crime, teria tentado uma extorsão contra Sicilliano, por supostas irregularidades em um negócio do parlamentar.
Hélio Khristian, por meio de sua defesa, negou na época as acusações de extorsão. Ele foi inocentado da suspeita de ter agido dolosamente para plantar a testemunha e tumultuar a apuração.
Ferreirinha foi denunciado pelo MP do Rio, com uma advogada, por tentar atrapalhar o caso Marielle.
Os suspeitos plantados
Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, miliciano
Preso pela Polícia Civil, negou qualquer envolvimento no caso Marielle. era o chefe de uma milícia em Curicica, na região de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio. Em um presídio federal, afirmou em depoimento ao MPF que policiais civis do Rio tentaram convencê-lo a assumir o duplo homicídio. Foi descartado como suspeito das mortes da vereadora e seu motoristas.
Vereador Marcelo Sicilliano
Denunciou uma suposta tentativa de extorsão como motivo para a acusação que sofreu de Ferreirinha. Também foi descartado como suspeito de ter matado Marielle Franco e Anderson Gomes.
O delegado da Polícia Federal Leandro Almada investigou a investigação do caso Marielle e as tentativas de atrapalhá-la. Foi ele que concluiu que uma quadrilha de policiais e advogados plantou a falsa testemunha Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, nas apurações, para acusar, sem fundamento em provas, Orlando Curicica e Marcelo Sicilliano. Atualmente, Almada é o superintendente da PF no Rio.
O Escritório do Crime
Consórcio de matadores profissionais que age no Rio de Janeiro, com alto grau de organização e compartimentação de informações e operações, segundo a Polícia.
O ex-oficial do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano, era apontado por policiais como chefe do grupo, que teria integrantes com ligações com a milícia de Rio das Pedras.
Nóbrega, que foi expulso da PM e se dizia comerciante e pecuarista, foi interrogado no inquérito sobre o caso Marielle em 2018, mas negou ter participação no crime. Denunciado na Operação Intocáveis do Ministério Público estadual, foi morto em 9 de fevereiro de 2020 em Esplanada, na Bahia, por policiais militares. Sua participação no duplo homicídio foi descartada.
A placa quebrada
O caso Marielle também foi explorado política e eleitoralmente. Um desses episódios se deu na campanha eleitoral de 2028, quando três candidatos - Wilson Witzel (ao governo), Daniel Silveira (a deputado federal) e Rodrigo Amorim (a deputado estadual) quebraram, durante um comício, uma placa de rua fake, com o nome rua Marielle Franco.
Os três foram eleitos, mais Witzel perdeu o mandato por impeachment, e Daniel, condenado por ameaçar o Supremo Tribunal Federal, foi preso e perdeu a eleição para o Senado em 2022. Esse defecho criou nos meios políticos a lenda de uma “maldição” que cercaria a placa quebrada.
O caso do porteiro
Em novembro de 2019, um porteiro do Vivendas da Barra afirmou que, na noite de 14 de março de 2018, Élcio de Queiroz esteve no condomínio - onde moravam Ronnie Lessa e também Jair Bolsonaro, à época deputado federal - perguntando pelo parlamentar.
Bolsonaro teria atendido o interfone e autorizado a entrada do visitante. Mas essa versão foi depois desmentida pela perícia - a voz do morador que atendeu o visitante, gravada, era de Lessa, não de Bolsonaro. O próprio porteiro afirmou depois que se enganara.
Mas o então presidente considerou o incidente uma tentativa de implicá-lo no caso. Fazia reclamação semelhante quando lembravam que a mãe e a ex-mulher do Capitão Adriano estavam na lista de assessores de seu filho Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa. Eram acusadas de envolvimento no caso das “rachadinhas”, de desvio de salários por funcionários fantasmas.
O então mandatário repudiava duramente qualquer envolvimento no caso, embora reconhecesse que orientara Flávio a conceder a Medalha Tiradentes, honraria da Alerj, a Adriano, em 2005, por considerá-lo então “um herói”.
Bolsonaro atribuía a Wilson Witzel, então governador do Rio e que se dizia pré-candidato a presidente em 2022, as tentativas de envolvê-lo no caso Marielle. Witzel negava.
Os delegados da Polícia Civil
Giniton Lages (2018-2019)
Então titular da Delegacia de Homicídios da capital, foi o primeiro condutor das investigações sobre o duplo homicídio. Ele foi alvo de busca e apreensão na operação da PF neste domingo.
No livro Quem Matou Marielle?, que escreveu em parceria com Carlos Ramos, o policial aponta problemas que enfrentou no início das apurações. Afirma que os laudos de necropsia das vítimas estavam incompletos.
O aparelho de raios-X do Instituto Médico-Legal, alegou, estava quebrado, e as perícias traziam imprecisões. Uma delas foi a altura da vereadora, que tinha 1,76 m, seis centimetros além do afirmado no documento.
A diferença poderia prejudicar cálculos sobre a altura do atirador, a partir do ângulo dos disparos. Só havia duas testemunhas: Fernanda Chaves, que não vira nada, por estar de costas para o atirador, e um homem que estava nas proximidades e lembrava de vê-la sair do Agile com o lado direito do corpo coberto com o sangue da vereadora.
Lages incluiu nas apurações o Escritório do Crime. Foi ainda sob a chefia de Lages que a Polícia prendeu Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, em 12 de março de 2019.
Daniel Rosa (2019-2020)
Substituiu Giniton Lages no comando da Homicídios, logo após a prisão dos dois suspeitos do crime. Lages alegou cansaço e disse que tiraria seis meses de férias, mas informalmente admitiu-se que sua saída se devia a divergências internas na Polícia Civil.
Antes de ir para a capital, Rosa era o chefe da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense. Iniciou a segunda fase das investigações, para determinar motivos e mandantes do crime.
A substituição causou apreensão entre familiares de Marielle e Anderson, que temeram que pudesse haver quebra de continuidade nas apurações. Rosa era o delegado do caso durante o caso do porteiro do Vivendas da Barra que falou na visita de Élcio de Queiroz ao condomínio, na noite do crime.
Moysés Santanna (2020-2021)
Assumiu a DH da capital (e o inquérito do caso Marielle) em setembro de 2020. A troca de deu em meio a turbulência política no Estado: o vice-governador, Cláudio Castro, assumiu o governo em substituição ao titular, Wilson Witzel (PSC), afastado pela Assembleia Legislativa.
Witzel, em um aceno aos policiais, extinguira em 2019 a Secretaria de Segurança e transformou em secretários os chefes das Polícias. Dezessete dias após assumir, em 28 de agosto, o Palácio Guanabara, Castro anunciou Allan Turnowski como secretário da Polícia Civil.
A troca de chefias na corporação que se seguiu levou à substituição de Daniel Rosa por Moysés Santanna, até então chefe da Delegacia de Homicídios da Baixada.
Turnowski negou que a nova troca de delegados se devesse a pressões políticas. Santanna investigou um possível complô envolvendo mandantes e intermediários do crime. Na época, Ronnie Lessa teria apontado Adriano Magalhães da Nóbrega (do Escritório do Crime e àquela altura já morto) como autor do crime.
Henrique Damasceno (2021-2022)
Assumiu a chefia da DH-capital em julho de 2021. Trazia em seu currículo outro caso de repercussão, o da morte, provavelmente sob tortura e maus-tratos, do menino Henry Borel.
A criança morreu em 8 de março de 2021, com indicios de espancamento. A Polícia Civil indiciou e prendeu pelo crime a mãe do garoto, Monique Medeiros da Costa e Silva, e o namorado dela, vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Doutor Jairinho, com quem vivia.
Alexandre Herdy (2022 em diante)
O quinto delegado a cuidar do caso Marielle passou a comandar a Delegacia de Homicídios da capital em fevereiro de 2022. Substituiu Henrique Damasceno, que foi promovido a diretor do Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa Humana.
O novo inquérito da PF
Menos de dois meses após assumir o Ministério da Justiça, Flávio Dino determinou a abertura de novo inquérito para investigar o caso Marielle.
Oficialmente, trata-se de uma “colaboração” com as autoridades locais, responsáveis pela investigação, que não foi oficialmente federalizada. Foi designado para comandar a apuração federal o delegado Guilherme de Paula Machado Catramby.
Foi essa colaboração que resultou na Operação Elpis (Esperança), que prendeu o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel. A delação premiada de Élcio de Queiroz foi outro resultado dessa colaboração da PF com o MP do Rio.
Os promotores do MP estadual
Homero das Neves Freitas Filho
Foi o primeiro promotor do caso Marielle, mas foi substituído ainda em 2018.
Simone Sibilio e Letícia Emile
Assumiram o caso quando Sibilio era coordenadora do Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) e denunciaram Lessa e o ex-PM Élcio Queirozà Justiça.
Elas permaneceram nas apurações com a criação de uma força-tarefa para o caso. Renunciaram, porém, à investigação em julho de 2021, por considerarem ter havido interferência externa que as excluiu da delação premiada de Júlia Lotufo, viúva de Adriano da Nóbrega.
Bruno Gangoni
Assumiu a coordenação do Gaeco, mas renunciou, assim como outros promotores que integravam o grupo. Foi um protesto contra o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, que não foi o mais votado na lista tríplice da corporação, mas aceitou convite do governador Cláudio Castro para seguir no cargo por mais um mandato.
Luciano Lessa
Assumiu a coordenação da força-tarefa que investica o caso Marielle. Em março de 2023, sete outros promotores foram designados para o grupo.
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