Reportagem atualizada às 18h15 de 19/3
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, determinou na quinta-feira (17/3) que a atividade do aplicativo Telegram seja interrompida no Brasil por provedores de internet e outras plataformas. A decisão, divulgada na sexta (18/3), atende a uma solicitação feita pela Polícia Federal.
O não cumprimento da decisão acarretará ao infrator multa diária de R$ 100 mil. É especificado que Google e Apple devem retirar o Telegram de suas lojas digitais onde o aplicativo é baixado.
No sábado (19/3), Moraes determinou que o Telegram cumpra em 24 horas uma ordem judicial do próprio STF que vinha sendo descumprida pela empresa
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o ministro fez quatro determinações na nova decisão: necessidade de indicação do representante da empresa no Brasil (pessoa física ou jurídica); informação de todas as providências adotadas para combater desinformação e divulgação de notícias falsas no canal; imediata exclusão de publicações no link jairbolsonarobrasil/2030; e bloqueio do canal claudiolessajornalista.
Conforme o magistrado, apenas após o cumprimento integral das determinações será possível rever o bloqueio do Telegram no país
Na quinta-feira, Moraes justificou a decisão de suspender as atividades do Telegram no Brasil citando afirmação da Polícia Federal de que "o aplicativo Telegram é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal".
O ministro afirma que o Telegram se recusou a cumprir determinações judiciais. Ele diz que a plataforma bloqueou perfis ligados ao blogueiro Allan dos Santos (@allandossantos, @tercalivre e @artigo220), como estipulado em pedido judicial feito em fevereiro, mas a empresa não forneceu informações solicitadas sobre monetização e doações financeiras aos canais.
Ainda diz que o Telegram não bloqueou perfil ligado a Allan dos Santos criado como substituto.
Consta na decisão que a investigação policial apontou que o blogueiro "migrou sua atuação para o TELEGRAM, com repetição do modo de agir já descrito nos autos, inclusive buscando a obtenção de remuneração por meio de recepção de moedas digitais (bitcoin), cujas doações são solicitadas por meio de divulgação em seu perfil no TELEGRAM".
No começo da noite de sexta, o diretor-executivo do Telegram, Pavel Durov, divulgou um comunicado em que cita problemas com endereços de e-mail.
"Parece que tivemos um problema com e-mails entre nossos endereços corporativos no telegram.org e o Supremo Tribunal brasileiro. Como resultado dessa falha de comunicação, o Tribunal decidiu bloquear o Telegram por não estar respondendo."
"O Tribunal utilizou o endereço de e-mail antigo, que tem um propósito mais amplo e geral, nas outras tentativas de nos contatar. Como resultado, perdemos a decisão que continha um pedido de suspensão subsequente no início de março", diz outro trecho do comunicado.
"Como dezenas de milhões de brasileiros dependem do Telegram para se comunicar com a família, amigos e colegas, peço ao Tribunal que considere adiar sua decisão por alguns dias a seu critério para nos permitir remediar a situação nomeando um representante no Brasil e criando uma estrutura para reagir de forma rápida a futuras questões urgentes como essa."
Na época da solicitação judicial de bloqueio de seus canais, o blogueiro Allan dos Santos respondeu em um vídeo com palavrões contra Moraes dizendo que criaria novos perfis se os atuais fossem bloqueados.
Perfis voltados a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, como é o caso de Allan dos Santos, têm se popularizado no Telegram. O canal de Bolsonaro tem mais de 1 milhão de inscritos desde o fim do ano passado e é constantemente promovido em lives semanais do presidente.
Bolsonaro diz que decisão é 'inadmissível'
Na noite de sexta-feira (18/3), Bolsonaro disse que é "inadmissível" a decisão de Moraes de suspender o aplicativo Telegram no Brasil.
"É inadmissível uma decisão dessa natureza. Porque não conseguiu atingir duas ou três pessoas que na cabeça dele deveriam ser banidos do Telegram, ele atinge 70 milhões de pessoas", declarou o presidente durante encontro com líderes religiosos em Rio Branco (AC).
Na ocasião, Bolsonaro afirmou que a decisão pode "causar óbitos" no Brasil "por falta de contato entre paciente e médicos".
Após a decisão de Moraes, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Bruno Bianco, acionou o STF contra a ordem de bloqueio do Telegram.
De acordo com o G1, o pedido da AGU, embora cite a decisão sobre o Telegram, foi feito em outra ação que já tramita na Corte e contesta bloqueios judiciais de aplicativos de mensagens. A AGU defende que o Marco Civil da Internet não pode ser aplicado para bloquear aplicativos que não cumprem as ordens judiciais, segundo a reportagem, e argumenta que o caso que gerou o bloqueio do Telegram se refere a pessoas específicas e não poderia atingir outros usuários do aplicativo.
Embate anterior
Nos últimos meses, diversos órgãos do Judiciário brasileiro se pronunciaram a respeito da falta de resposta do aplicativo criado pelo russo Pavel Durov a solicitações de contato.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentou falar com Durov para discutir estratégias de combate à desinformação e à propagação de boatos e notícias falsas no app de troca de mensagens durante a próxima eleição brasileira. Nunca obteve uma resposta ou mesmo um contato.
A Polícia Federal também não obteve resposta da plataforma para colaboração em investigações.
O Telegram não tem sede nem representante legal no Brasil. Apesar de ter sido criada na Rússia, a empresa hoje tem sede em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Em reportagem de fevereiro, a BBC News Brasil tentou contato com o Telegram por meio de um canal no serviço que aceita solicitações da imprensa, mas não obteve resposta.
O ministro Luís Roberto Barroso, que foi presidente do TSE até o mês passado, havia dito que "nenhum ator relevante no processo eleitoral pode atuar no país sem que esteja sujeito à legislação e a determinações da Justiça brasileira. Isso vale para qualquer plataforma".
"O Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia que a nossa geração lutou tanto para construir", disse ele em entrevista ao jornal O Globo.
Barroso havia dito que o bloqueio da plataforma era uma possibilidade: "Como já se fez em outras partes do mundo, eu penso que uma plataforma, qualquer que seja, que não queira se submeter às leis brasileiras deva ser simplesmente suspensa. Na minha casa, entra quem eu quero e quem cumpre as minhas regras."
Após o fim do mandato de Barroso à frente do TSE assumiram os cargos de presidente e vice-presidente do tribunal os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, respectivamente.
Mas Fachin fica na presidência somente até o dia 17 de agosto porque se encerra o seu período limite de dois anos dentro do TSE.
Moraes será empossado a seguir como presidente da corte. Ele é o relator do "inquérito das fake news" que investiga a divulgação de notícias falsas e ameaças a integrantes do STF. O ministro é um dos principais alvos dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Crimes no Telegram
Outro ponto citado como suporte para a decisão está a investigação sobre ação de pedófilos dentro da plataforma: "Dentre os aplicativos de mensageria mais usados pelos abusadores sexuais de crianças, por exemplo, está o TELEGRAM. Esses criminosos se utilizam de forma individual e, principalmente, por meio de grupos (cibernéticos) para cometerem crimes gravíssimos contra crianças e adolescentes".
É citado também no documento que ocorrem dentro da plataforma atividades como estelionato, propaganda neonazista, venda de notas falsas e falsificação de documentos e de certificados de vacinação.
Em novembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) também instaurou um inquérito civil público em São Paulo para investigar o que as principais plataformas em operação no Brasil têm feito ou deixado de fazer diante de práticas organizadas de desinformação em geral e violência no mundo digital.
Foram expedidos ofícios ao Twitter, Facebook, Instagram, YouTube, TikTok, WhatsApp e Telegram, com perguntas sobre políticas de moderação e regulação de conteúdo. O Telegram foi o único a não enviar resposta ao MPF-SP.
- Shin Suzuki e Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasil em São Paulo e Brasília
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