Em setembro de 2017, John Mussington foi forçado a sair de casa e deixar seus animais para trás quando a pequena ilha caribenha de Barbuda foi atingida pelo furacão Irma, com ventos de 300 km/h.
"Foi devastador", afirma Mussington, que é biólogo marinho e diretor de uma escola na ilha. "As pessoas ficaram traumatizadas, havia muitas construções sem teto, e não tínhamos eletricidade. Nossa primeira preocupação foi: como sobreviver ao dia seguinte?"
O Irma danificou todas as construções de Barbuda, e 23% delas foram totalmente destruídas. Um estudo de 2018 concluiu que as mudanças climáticas aumentaram a intensidade da destruição causada pelos furacões, incluindo o Irma, aumentando as chuvas em 5% a 10%.
O choque inicial foi agravado quando todos os 1,8 mil moradores de Barbuda foram evacuados por um mês para a ilha vizinha, Antígua. Mussington afirma que a evacuação virou a vida dele completamente do avesso.
"Foi o mais traumático de tudo, ficar ali sentado em Antígua preocupado com as fazendas, animais e negócios, em vez de começar a recuperação", relembra ele. "Sou criador de abelhas, e todas as minhas colônias foram destruídas. Perdi meu negócio, junto com muitos fazendeiros e pescadores."
"Quando os países perdem suas ilhas devido ao aumento do nível do mar e eventos extremos, eles perdem sua cultura e suas tradições. Não existe adaptação para isso", segundo Le-Anne Roper, coordenadora de perdas e danos da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis, na sigla em inglês).
Para os nativos de Barbuda, a destruição da biodiversidade e do ambiente local é uma violação direta do seu modo de vida.
"Toda a nossa cultura, identidade e modo de vida são relacionados ao meio ambiente e aos recursos naturais", segundo Mussington. Ele acrescenta que muitos moradores de Barbuda passam seu tempo livre fora de casa, pescando, caçando e acampando junto à natureza. "É parte da nossa identidade em Barbuda."
As construções danificadas e a perda de trabalho não são as únicas consequências de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas. Desde Barbuda até Fiji, culturas inteiras estão em risco. Mas, com maior consciência, novas tecnologias e fortes apelos por apoio internacional, essas pequenas nações insulares estão preparando seu contra-ataque.
A Aosis, que defende os interesses de 39 pequenas nações insulares nas negociações globais sobre o clima, levantou pela primeira vez a questão de perdas e danos em 1991, pouco depois da sua fundação, quando pediu apoio aos ilhéus que enfrentam aumento do nível dos mares.
Os países ricos apresentaram forte resistência a esses apelos, insistindo que o auxílio humanitário é suficiente para lidar com a questão.
Nos 30 anos que se seguiram, pequenos Estados insulares em terras baixas e outros países vulneráveis às ações climáticas continuaram a pedir aos países ricos que os ajudassem a lidar com eventos extremos, como ondas de calor, furacões e enchentes, bem como ameaças climáticas de avanço lento, como o aumento do nível dos mares.
Eles argumentam que os países ricos devem pagar por perdas e danos causados pelo clima, já que eles são responsáveis por quase 80% do histórico de emissões.
Nas discussões sobre o clima global das Nações Unidas em Glasgow, no Reino Unido, em novembro passado, os países em desenvolvimento travaram uma luta árdua para a criação de uma agência formal dedicada ao financiamento de perdas e danos, a ser subordinada à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), para fornecer novo apoio financeiro às nações afetadas.
Mas o pacto final de Glasgow sobre o clima não fez referência ao financiamento climático para cobrir os valores crescentes de perdas e danos em países em desenvolvimento. Os países ricos disseram que estabeleceriam "um diálogo" para discutir "mecanismos para o financiamento de atividades para evitar, minimizar e combater perdas e danos".
Nas discussões sobre o clima, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, disse aos líderes mundiais que pedir aos países que estão na linha de frente da crise climática, como os pequenos Estados insulares, que paguem pelas mudanças climáticas é "como pedir aos passageiros de um acidente de carro que paguem pelos danos no lugar do motorista".
"A ausência desse financiamento crucial é medida em vidas e no sustento das nossas comunidades", afirmou Mottley, acrescentando que ela considera a situação "imoral" e "injusta".
Os países vulneráveis afirmam que precisam urgentemente de apoio técnico e financeiro, agora que começam a enfrentar os impactos mortais das mudanças climáticas, que se intensificarão à medida que o planeta ficar mais quente.
Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), "cada 0,5°C adicional de aquecimento global causa aumentos claramente observáveis da intensidade e da frequência" de eventos extremos, como ondas de calor, fortes chuvas e secas.
"Não podemos mais ignorar [esses impactos]", afirma Adelle Thomas, pesquisadora caribenha sênior da organização alemã Climate Analytics. "Está acontecendo agora [também] nos países desenvolvidos", segundo ela, referindo-se às enchentes na Alemanha no mês de julho, que mataram mais de 200 pessoas e causaram perdas econômicas de até 5 bilhões de euros (R$ 32,4 bilhões).
Um estudo da organização britânica Christian Aid destaca o impacto econômico devastador a ser imposto pelas mudanças climáticas aos 65 países mais vulneráveis do mundo.
Se as temperaturas globais aumentarem em 2,9°C, o PIB dessas nações cairá em 20% até 2050 e em 64% até 2100.
Abordagem preventiva
Todos os anos, Fiji enfrenta eventos extremos, que variam de poderosos ciclones a secas prolongadas, segundo o embaixador do país nas Nações Unidas, Satyendra Prasad. Ele afirma que "10% da nossa economia foram varridos por três eventos só no último ano, enquanto também combatíamos a covid-19. Esta é a diferença entre os países grandes e os pequenos."
Em 2021, Fiji lançou um esquema de seguro paramétrico, em parceria com agências das Nações Unidas, que oferece pagamentos imediatos para as mulheres pobres e outras comunidades vulneráveis após a ocorrência de desastres. Esse financiamento dirigido ajuda as pessoas a reconstruir suas vidas depois de uma catástrofe, segundo Prasad.
O governo de Fiji também está realocando para o interior 20 mil pessoas que vivem em 45 comunidades costeiras, a fim de protegê-las do aumento do nível do mar, com financiamento levantado pelo imposto de adaptação ao clima e ao meio ambiente do país.
"Não se trata apenas de mudar as casas de lugar", segundo Prasad. "Temos que construir novas rodovias, escolas e fornecer eletricidade - tudo o que torna a vida possível."
A pressão constante pela reconstrução após eventos extremos torna quase impossível para Fiji investir na educação, assistência médica e infraestrutura.
"Estamos gastando mais dinheiro reparando e reconstruindo escolas que expandindo a educação", afirma Prasad, que acrescenta que o dinheiro da assistência médica é transferido para serviços sociais, a fim de ajudar na recuperação das comunidades vulneráveis.
Já no Paquistão, um projeto piloto lançado pela Start Network — uma coalizão de 50 agências de auxílio e organizações sem fins lucrativos — pretende levar a intervenção precoce um passo adiante. A rede está tentando prever condições climáticas extremas que podem gerar fome e pobreza, detectando sinais de risco com antecedência e agindo com rapidez.
Utilizando imagens de satélite e modelos estatísticos, a ferramenta prevê quando eventos extremos, como secas e enchentes, estão para acontecer e ativa um alerta para intervenção antecipada — fornecendo dinheiro e experiência técnica essencial. Isso permite que as comunidades vulneráveis desenvolvam planos de reação com antecedência e minimizem os impactos tanto quanto possível.
Esse modelo, que prevê reduções do rendimento das safras, permitiu que comunidades do Paquistão começassem a cultivar plantas resistentes à seca, preservar água e imunizar seus rebanhos até um mês antes de uma seca. "É uma reação muito rápida, dirigida e eficaz, antes que o risco chegue ao campo", afirma Amjad Ahmad, coordenador de financiamento de riscos de desastres da rede no Paquistão.
Os resultados iniciais são positivos, segundo Ahmad. Menos crianças saíram da escola, e as famílias não foram forçadas a mudar-se para favelas urbanas em busca de trabalho. As comunidades também tiveram acesso a financiamento antes de serem atingidas pelas secas e outros choques climáticos.
"Não precisamos esperar o sofrimento chegar para que o financiamento seja liberado", segundo Sarah Klassen, consultora de política e defesa de direitos da Start Network. "Estamos realmente considerando a ação proativa como uma das formas práticas em que as organizações humanitárias podem abordar e minimizar perdas e danos causados pelas mudanças climáticas;"
O problema da responsabilidade
Esse tipo de intervenção exige conhecimento tecnológico e, principalmente, dinheiro para seu financiamento. Mas a grande questão é: quem deve pagar a conta?
Os países ricos, que tradicionalmente detêm o maior histórico de emissões, estão preocupados porque poderão ser responsabilizados pelas décadas de poluição que eles causaram. Quando perdas e danos foram incluídos no Acordo de Paris em 2015, os Estados Unidos forçaram a inserção de uma cláusula que indicasse que o acordo "não envolve nem fornece base para responsabilidade ou compensação".
O debate sobre responsabilidade e compensação tornou perdas e danos "um tabu político" e paralisou as negociações, segundo Adelle Thomas.
Apesar de se inscreverem em uma "coalizão muito ambiciosa" com pequenos Estados insulares e nações vulneráveis nas discussões sobre o clima de novembro de 2021 em Glasgow, os Estados Unidos e a União Europeia bloquearam a proposta de criação de uma agência de financiamento de perdas e danos, apresentada pelos países vulneráveis.
Quando questionado sobre a razão da oposição dos Estados Unidos à criação dessa agência, o enviado especial climático de Washington John Kerry disse aos repórteres: "Permanecemos sempre preocupados com a questão da responsabilidade e a quem ela cabe".
Satyendra Prasad, o embaixador de Fiji, afirma que as negociações políticas precisam avançar para além desse dilema. Para ele, "elas deveriam tratar da solução de problemas a longo prazo e não de compensação e quem é responsável por quanto".
Fornecer apoio por perdas e danos não é apenas altruísmo, afirma Olivia Serdeczny, analista de pesquisa da Climate Analytics, especializada em perdas e danos. "Em algum momento, os países desenvolvidos poderão agir em seu próprio interesse. Eles não querem que os sistemas políticos dos países em desenvolvimento se desestabilizem e tenham que enfrentar migrantes climáticos", afirma ela.
Quanto é necessário?
Os ativistas afirmam que os países vulneráveis precisam de pelo menos US$ 300 bilhões (R$ 1,7 trilhão) por ano para cobrir perdas e danos até 2030. Os países em desenvolvimento indicam que esse financiamento para recuperação deverá somar-se ao dinheiro reservado para atenuação e adaptação climática, que se enquadra em um compromisso de financiamento climático global.
"O volume e a escala dos recursos [necessários] está além do que países como o nosso podem pagar", afirma Prasad. "Nós precisamos de recursos dedicados para fins exclusivos de cobrir perdas e danos."
Nas negociações sobre o clima das Nações Unidas em novembro de 2021, a Escócia tornou-se o primeiro país do mundo a reservar financiamento específico para perdas e danos, cerca de 2 milhões de libras (R$ 15,3 milhões), para ajudar as comunidades na linha de frente da crise climática. O valor é pequeno, mas o compromisso foi considerado altamente simbólico. Ainda assim, outros países negaram-se a abrir um novo canal de financiamento climático.
Uma área na qual se fez progressos nas negociações foi a concordância dos países ricos em financiar a Rede de Santiago, um mecanismo formado em 2019 para fornecer assistência técnica a países que vêm sofrendo perdas e danos. A ideia é tornar essa rede operante antes da próxima reunião climática da ONU, que será realizada no Egito, em novembro de 2022.
"Espera-se fornecer assistência técnica voltada à demanda e a soluções para os países", segundo Harjeet Singh, consultor da rede de organizações ambientais Climate Action Network International.
"Esse apoio ajudará a gerar conhecimento e informação para os países que precisam de assistência técnica para lidar com a intensidade e frequência crescentes de eventos climáticos extremos e novos desafios, como o aumento do nível dos mares, derretimento das geleiras e acidificação dos oceanos", afirma ele.
Mas os países vulneráveis afirmam que a rede sozinha faz pouco para reduzir os desafios enfrentados. "[Os desastres climáticos] são a realidade que estamos vivendo", afirma Prasad. "Todos os anos estamos postergando as ações e aumentando a escala dos problemas de perdas e danos."
"Estamos realmente em um momento crítico", segundo Thomas. "Estamos atingindo nosso limite de espera e luta."
Depois do furacão Irma, o financiamento de perdas e danos teria ajudado Barbuda a reconstruir-se mais de forma rápida e adaptável, para que a ilha pudesse suportar furacões futuros, segundo o biólogo marinho John Mussington.
Ele afirma que o dinheiro poderia ser usado para mudar a principal fonte energética de Barbuda para energia renovável, como a eólica, que não só é mais sustentável, mas pode também ser adaptada para melhor suportar as tempestades e manter as luzes acesas após tempestades severas.
O apoio internacional permitiria ainda maior investimento nos mangues, recifes de corais e praias de Barbuda — que são parte fundamental da vida cultural da ilha e agem como barreiras importantes contra as marés de tempestades, acrescenta Mussington. "Se não os preservarmos, não manteremos nossa cultura e nossa identidade."
- Isabelle Gerretsen
- BBC Future
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