sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Briga entre Alberto Fernández e Cristina Kirchner paralisa o Governo argentino



Após a renúncia de todos os ministros, bem como altos funcionários, que representam a vice-presidenta no Gabinete, o presidente avisa que “a gestão continuará seguindo” conforme seu julgamento.


A disputa aberta entre Alberto Fernández e Cristina Kirchner paralisa a Argentina. Um dia depois da renúncia de todos os ministros e altos funcionários que representam a vice-presidenta no Gabinete, o presidente publicou uma longa sequência no Twitter nesta quinta-feira, na qual avisa que é ele quem toma as decisões. “A gestão continuará a se desenvolver conforme eu julgar conveniente”, escreveu ele, e “não é hora de criar disputas”. A derrocada eleitoral nas primárias de domingo, em que os pré-candidatos do peronismo unido perderam em 18 dos 24 distritos do país, acabou catalisando uma crise soterrada no palácio que condiciona o andamento do Governo, e agora agrava a crise econômica, assusta os eleitores e dá asas à oposição conservadora.

Depois do terremoto político de quarta-feira, a Argentina é agora uma espectadora do embate das duas forças em conflito. A origem das tensões está na decisão de Cristina Kirchner de promover seu ex-chefe de Gabinete, Alberto Fernández, como candidato à presidência em 2019, com ela como vice-presidenta. Somou-se a esse binômio Sergio Massa, um dirigente que havia derrotado o kirchnerismo na província de Buenos Aires e que agora completava a unidade total do peronismo. A estratégia funcionou e Alberto Fernández impediu nas urnas a reeleição de Mauricio Macri. Mas a tensão entre um presidente sem votos, mas com o poder formal, e uma vice-presidenta sem poder formal, mas com votos, pesou nos primeiros dois anos de Governo. Até que tudo foi pelos ares com a derrota nas primárias de 12 de setembro, eleição que escolhe os candidatos que disputarão uma vaga no Congresso em 14 de novembro.

A derrota acabou com o mito de que “o peronismo unido jamais será vencido” e reforçou as demandas de Kirchner de que seu parceiro de chapa empreenda uma profunda reforma de Gabinete. Mas Fernández preferiu esperar pelas Legislativas, com o argumento de que uma mudança no meio da campanha eleitoral só complicaria as coisas. Nesta quarta-feira, cinco ministros kirchneristas e alguns altos funcionários anunciaram que estavam deixando o Governo. A fratura estava entregue, embora a Argentina sempre tenha nuances.

No topo da lista dos que demissionários está Eduardo ‘Wado’ de Pedro, ministro do Interior, um homem do grupo mais próximo da vice-presidenta. De Pedro apresentou uma carta de renúncia que seus porta-vozes rapidamente distribuíram a jornalistas e nas redes sociais, mas que nunca entrou oficialmente na Casa Rosada. Sem essa formalidade, a debandada kirchnerista se tornou um gesto político para pressionar Fernández a destituir os ministros que a ex-presidenta não quer no Governo: o chefe dos ministros, Santiago Cafiero, e o ministro da Economia, entanto, 24 horas após o início da crise, a situação é a mesma: Alberto Fernández mal moveu as fichas e Cristina Kirchner se calou, pelo menos em público. Seu entornou divulgou a informação de que na tarde de quarta-feira ela ligou para o ministro Guzmán para dizer que não era verdade que estava pedindo sua renúncia. A chamada foi confirmada pelo Ministério da Economia. O movimento, estratégico, diz ao presidente que o kirchnerismo não se conformará somente com o ministro da Economia. Quando a tensão chegava ao máximo nos corredores do poder, uma rádio transmitiu o áudio de uma deputada ultrakirchnerista vociferando contra Alberto Fernández. Fernanda Vallejos, ilustre integrante do grupo La Cámpora, controlado por Máximo Kirchner, filho de Cristina Kirchner, chama o presidente de “intruso” e “mequetrefe” e o considera um “inquilino” da Casa Rosada que dilapidou em dois anos os votos da ex-presidenta. “Todos esperávamos que o doente Alberto Fernández, o intruso Alberto Fernández, na segunda-feira às oito horas da manhã [depois da derrota eleitoral] estivesse dando uma entrevista coletiva em sua mesa com todas as renúncias em cima da mesa (...) Não somente não fez isso, como não quer fazer”, disse Vallejos. Segundo essa lógica, a renúncia dos ministros kirchneristas foi para forçar as mudanças que o presidente “não quer fazer”.

Vallejos pediu desculpas por suas palavras, que considerou “inapropriadas” e fruto do fervor de uma conversa privada. No entanto, foram uma prova brutal de como pensa um dos lados que hoje tem a Argentina atolada em incertezas. A disputa, ainda aberta, só pode ter soluções negativas. Se Alberto Fernández ceder à pressão, fica muito enfraquecido, mas mantém viva a coalizão. Se não ceder, ele se fortalece como líder, mas rompe a unidade do peronismo a menos de dois meses das eleições legislativas. O apoio que recebeu de governadores, sindicatos e movimentos sociais não parece ser suficiente por enquanto para manter a governança de um país que está em recessão há três anos, agravada pela pandemia.

Inflação e negociações com o FMI

Em meio à instabilidade política, ronda o espectro da crise e, sobretudo, do endividamento externo. O Ministério da Economia enviou no final da noite de quarta-feira um projeto de Orçamento para 2022 que prevê crescimento de 4% e inflação de 33%, ou seja, 15 pontos percentuais a menos do que o esperado para este ano. O aspecto mais relevante da Lei Orçamentária, que deve ser aprovada pelas duas câmaras legislativas, é que não contempla pagamentos de capital ao Fundo Monetário Internacional (FMI) pela dívida de 44 bilhões de dólares (231 bilhões de reais) contraída por Macri em 2018 e que está em processo de renegociação. Os economistas temem que as disputas compliquem esse diálogo, que está nas mãos do ministro Martín Guzmán.

A Argentina deve pagar ao FMI este ano dois vencimentos de capital no valor de 3,8 bilhões de dólares (cerca de 20 bilhões de reais). O primeiro, no final deste mês, poderá ser pago com parte dos direitos especiais de saque que recebeu da agência no final de agosto.

A pasta de Guzmán também prevê um déficit primário —sem pagamento de vencimentos— de 3,3% do PIB até 2022 e uma desvalorização de 30% do peso. Cada dólar norte-americano (5,26 reais) será trocado por 131,10 pesos, segundo o Governo, ante os quase 103 pesos que se pagam hoje no mercado oficial (vedado aos poupadores) e os 180 pesos no mercado paralelo. O projeto de lei do Orçamento 2022 é otimista quanto à recuperação de outros fatores fundamentais para o crescimento econômico, como o consumo privado e o investimento, com altas projetadas de 4,6% e 3,1%, respectivamente.

Há anos os números reais da economia argentina não coincidem com os orçados pelas autoridades nacionais. Para este 2021, o Governo estimava inflação de 29%, cifra alcançada nos primeiros sete meses. No último ano do Governo de Mauricio Macri, o aumento dos preços mais que dobrou as projeções. Foi de 53% ante os 23% estimados nas contas oficiais. 

 El País

Professor Edgar Bom Jardim - PE

0 >-->Escreva seu comentários >-->:

Postar um comentário

Amigos (as) poste seus comentarios no Blog