Após dias de ataques inflamados ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro baixou o tom por meio de uma nota oficial nesta quinta-feira (09/09). No comunicado, o presidente disse que autoridades não têm o direito de "esticar a corda" e que não teve intenção de agredir outros Poderes.
O recuo retórico veio após caminhoneiros bolsonaristas travarem dezenas de rodovias no país em apoio aos ataques do presidente contra o Poder Judiciário. Bolsonaro, porém, ficou preocupado com o impacto dessa mobilização na economia e pediu na noite de quarta-feira que seus apoiadores liberassem as estradas.
"Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar", diz o comunicado.
Após chamar o ministro do STF Alexandre de Moraes de "canalha" em discurso na Avenida Paulista durante ato em seu apoio no feriado de 7 de setembro, Bolsonaro indicou ter se excedido.
"Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia", diz ainda o comunicado.
"Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum", acrescentou o presidente.
Moraes é relator de investigações contra Bolsonaro e seus aliados, entre elas o inquérito das Fake News, citado na nota presidencial.
O presidente e seus apoiadores consideram que o ministro tem cometido abusos e desrespeitado a liberdade de expressão ao determinar a prisão de seus aliados, inclusive porque algumas dessas decisões foram tomadas sem participação da Procuradoria-Geral da República.
Já os que apoiam a atuação do ministro dizem que os investigados nesses inquéritos cometem crimes ao ameaçar ministros do STF e defender o fechamento da Corte e do Congresso Nacional.
Antes dos atos em seu apoio no 7 de Setembro, Bolsonaro disse que os protestos tinham objetivo de "enquadrar" o STF. E, ao discursar no feriado, chegou a dizer que não cumpriria decisões de Moraes.
"Deixe de oprimir o povo brasileiro. Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Dizer a vocês que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá", discursou, na Avenida Paulista.
Já na nota divulgada nesta quinta-feira, o presidente reconheceu que decisões judiciais devem ser contestadas dentro dos trâmites jurídicos.
"Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto (sic) no Art. 5º da Constituição Federal", afirmou o presidente.
"Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição", continuou.
Bolsonaro disse também que sempre esteve "disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles".
E finalizou a nota agradecendo "o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil".
Os apoiadores mais radicais do presidente, porém, demostraram frustração com seu recuo nos últimos dias. O áudio de Bolsonaro pedindo o fim dos bloqueios de rodovias pelo país provocou grande confusão em grupos de caminhoneiros e apoiadores do presidente no WhatsApp, Telegram e redes sociais monitorados pela BBC News Brasil.
Alguns bolsonaristas que participam da paralisação se disseram "decepcionados" e "traídos", enquanto muitos se recusam a acreditar que a voz seja de Bolsonaro, mesmo depois de o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, gravar um vídeo confirmando a autenticidade.
'Live' nas redes sociais
Na noite de quinta-feira, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo nas redes sociais, na qual começou parabenizando "todos que se manifestaram pacificamente no último dia 7 pelo Brasil, dia da nossa Independência" e onde mostrou imagens e exaltou os números de manifestantes presentes.
Sem mencionar diretamente os ataques que fez naquele dia a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente Alexandre de Moraes, Bolsonaro afirmou que na avenida Paulista, na cidade de São Paulo, "talvez pela proximidade do carro de som, tudo ficou mais inflamado".
O presidente comentou sobre a nota oficial que publicou na quinta-feira, que segundo ele foi redigida com o auxílio do ex-presidente Michel Temer (MDB) — a quem ele diz ter telefonado na noite de quarta-feira e com quem se encontrou em Brasília no dia seguinte por cerca de uma hora.
"A resposta (através da nota) foi o seguinte: eu estou pronto para conversar. Por mais problema que eu tenha com o Arthur Lira (presidente da Câmara), com o Rodrigo Pacheco (Senado), o ministro Fux (Luiz Fux, do STF), com o Barroso (Luís Roberto Barroso) lá do TSE (...) Tô pronto para conversar", disse Bolsonaro, acrescentando ter respeito às instituições.
"Você pode brigar com um ministro do Supremo, você pode brigar com um senador, mas não com o Senado, com o Supremo. Tenho certeza que bons frutos (do diálogo) aparecerão nos próximos dias."
Em um trecho da transmissão, o presidente voltou a questionar o resultado da eleição presidencial de 2018 que o alçou ao poder, afirmando acreditar ter tido mais votos do que o computado. Ele citou novamente o nome de Barroso e afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deveria melhorar a segurança da votação.
O presidente mencionou ainda a paralisação de caminhoneiros em seu apoio, movimento que ele caracterizou como uma "coisa fantástica". Destacando não ter influência na decisão dos caminhoneiros, ele afirmou que estes o comunicaram pretender terminar com a paralisação no domingo.
"Falaram que iam manter o movimento até domingo, é um direito deles, e vão suspender depois de domingo, essa é a ideia de muitos deles ali. Eu não influencio nessa área. Fui bem claro, se passar de domingo, segunda, terça, a gente começa a ter problema seríssimo de abastecimento, influencia na economia, aumenta inflação. Os problemas se voltam contra nós: contra eles que fizeram o movimento e contra eu por ser chefe de Estado", disse Bolsonaro, para quem os caminhoneiros já deram um "recado enorme" a favor da Constituição.
Reação do Judiciário
A manifestação em tom mais brando de Bolsonaro veio após o presidente do STF, Luiz Fux, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, reagirem com dureza aos ataques de Bolsonaro.
Na quarta-feira, Fux enfatizou que ignorar decisões judiciais configuraria crime de responsabilidade, o que poderia culminar na abertura de um processo de cassação contra Bolsonaro.
"O Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções", disse Fux, ao abrir a sessão de julgamento do STF.
"O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional", reforçou.
Já Barroso voltou a repudiar os ataques de Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação. Sem apresentar provas, o presidente tem levantado dúvidas sobre a segurança das urnas brasileiras.
"A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la", disse o presidente do TSE.
BBC
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