O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou nesta sexta-feira (06/08) que colocará em votação no plenário da Casa a proposta de adoção do voto impresso na eleição de 2022, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.
Ele decidiu votar a matéria apesar de a proposta ter sido rejeitada na noite anterior por ampla maioria em uma comissão especial da Câmara criada para debater o tema. O mais comum é que propostas rejeitadas nas comissões não sejam votadas em plenário.
No entanto, Lira argumenta que a melhor forma de concluir a discussão é com um decisão de todos os deputados.
"Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar sim a questão do voto impresso para o plenário, onde todos os parlamentares eleitos legitimamente pela urna eletrônica vão decidir. E eu friso: foram eleitos todos pela urna eletrônica", disse Lira, ao anunciar sua decisão.
"Para quem fala que a democracia está em risco, não há nada mais livre, amplo e representativo que deixar o plenário manifestar-se. Só assim teremos uma decisão inquestionável e suprema, porque o plenário é nossa alçada máxima de decisão", argumentou ainda.
O voto impresso se tornou nas últimas semanas epicentro de uma grave crise institucional entre o Palácio do Planalto e o Poder Judiciário, com Bolsonaro fazendo ataques diários à Justiça Eleitoral e a ministros do TSE e do STF, em especial Luís Roberto Barroso (presidente do TSE).
Do outro lado, TSE e STF reagiram abrindo investigações contra Bolsonaro. A apuração na Corte Eleitoral tem potencial de deixar o presidente inelegível por oito anos, impedindo-o de tentar a reeleição em 2022.
Lira é o único que pode iniciar um processo de impeachment contra Bolsonaro, mas hoje é visto como um aliado fiel do presidente. Pressionado publicamente, ele disse em seu pronunciamento que segue "atento".
"O botão amarelo continua apertado, segue com a pressão do meu dedo. Estou atento 24 horas, atento todo tempo. Todo tempo é tempo. Mas tenham certeza que continuarei, e quero deixar isso de maneira bem clara, pelo caminho da institucionalidade, da harmonia entre os Poderes e da defesa da democracia. O plenário será o juiz dessa disputa (sobre voto impresso), que infelizmente já foi longe demais", afirmou.
Voto impresso não parece ter apoio no plenário
A proposta para incluir um registro físico do voto na urna eletrônica foi derrotada na comissão por 23 votos a 11 favoráveis. O resultado refletiu a articulação dos maiores partidos do país contra a mudança do sistema de votação, depois que a proposta se tornou um instrumento de ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral e ao Poder Judiciário.
Por ser uma proposta de alteração da Constituição (PEC), a mudança das urnas precisa ser aprovada em plenário por 308 dos 513 deputados, o que parece improvável hoje, já que presidentes de onze partidos assinaram nota conjunta contra a mudança (PP, DEM, PL, Republicanos, Solidariedade, PSL, Cidadania, MDB, PSD, PSDB e Avante). Legendas de esquerda, como PT, PSB e PSOL, também são contrárias.
E, caso seja aprovada pelos deputados, a PEC ainda seguiria para análise do Senado, onde o governo Bolsonaro hoje tem menos força do que na Câmara.
A decisão de Lira de levar a PEC ao plenário contraria deputados da comissão que defendiam que o tema estaria encerrado após a votação de quinta-feira (05/08).
"Para além da dimensão regimental (se as regras internas da Câmara permitem ou não a votação em plenário), existe a dimensão política. O presidente da Câmara deve ter senso de responsabilidade. Levar ao plenário da Câmara essa medida é enfiar a Câmara numa discussão que hoje está situada entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário", afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), um dos que votou contra a proposta na comissão.
Na visão do deputado Fábio Trad (PSD/MS), outro que votou pela rejeição do voto impresso, o debate poderá ser retomado a partir de 2023.
"O momento político foi contaminado pelo presidente Bolsonaro com declarações intempestivas, ofensivas a ministros do TSE, do Supremo. Contaminou a discussão. Quem sabe mais à frente, com menos paixões e mais racionalidade, convidando os tribunais a participarem de forma colaborativa com a discussão, é possível sim resgatar (o tema)", afirmou.
Para alguns deputados que votaram contra a proposta na comissão, o debate do voto impresso é legítimo. O problema, dizem, é a forma como Bolsonaro conduziu o tema, com alegações de fraudes nas urnas mesmo sem provas e ataques ao Poder Judiciário.
"É um debate que boa parte da sociedade entende que é justo. Eu acho que o debate é válido, mas não nas condições que o Bolsonaro está colocando", disse o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ).
Críticos de Bolsonaro consideram que ele não está de fato preocupado com a segurança da votação e deseja lançar desconfianças sobre o sistema eletrônico para contestar o resultado do pleito de 2022 caso não consiga se reeleger.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rebate as acusações do presidente dizendo que as urnas eletrônicas são seguras, nunca foram fraudadas e que há pelo menos 10 formas de auditar o resultado das eleições.
Uma delas, por exemplo, é o boletim da urna, que é impresso por cada urna eletrônica assim que o dia da votação é encerrado. Esse documento permite conferir, por exemplo, se a contagem divulgada pelo TSE bate com o resultado de cada urna.
Proposta rejeitada previa contagem manual dos votos impressos
A PEC do voto impresso foi proposta originalmente pela deputada Bia Kicis (PSL-SP), umas das principais apoiadoras de Bolsonaro no Congresso.
O texto rejeitado na comissão era de autoria do relator da matéria, deputado Filipe Barros (PSL-PR), também aliado do presidente.
Sua proposta final tinha um teor ainda mais controverso que o registro físico do voto: ela previa a contagem manual de todos os votos impressos nas sessões eleitorais.
Os países que usam o registro físico do voto acoplado ao sistema eletrônico, porém, costumam fazer a contabilização apenas de uma amostra das urnas, sorteadas aleatoriamente, para conferência do resultado eletrônico.
A proposta da contagem manual segue a defesa de Bolsonaro por uma "contagem pública" dos votos.
A comissão especial ainda voltará a se reunir para votar um relatório alternativo para a PEC, contrário ao voto impresso.
"O parecer do relator @filipebarrost acaba de ser derrotado por 23x11 na Comissão Especial da PEC 135/19 do voto impresso auditável. Dia lamentável para a democracia brasileira. Perdemos a batalha mas não a guerra. O Presidente @ArthurLira_ pode levar a PEC ao Plenário", defendeu Bia Kicis no Twitter, logo após a rejeição da proposta.
Bolsonaro eleva o tom contra STF e Fux desmarca encontro
TSE e STF reagiram aos ataques do presidente abrindo duas investigações contra Bolsonaro. A apuração na Corte Eleitoral tem potencial de deixar o presidente inelegível por oito anos, impedindo-o de tentar a reeleição em 2022.
Já o ministro do STF Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das Fake News para apurar se o presidente cometeu crimes durante uma transmissão ao vivo realizada na quinta-feira passada (29/07) em que alegou ter indícios fortes de fraudes nas últimas eleições, usando vídeos antigos que circulam na internet já desmentidos pelo TSE.
Após a decisão, Bolsonaro disse que o inquérito é ilegal e ameaçou agir fora da Constituição.
"Está dentro das quatro linhas da Constituição (a decisão de Alexandre e Moraes)? Não está. Então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas. Aqui ninguém é mais macho que ninguém", disse na quarta-feira (04/08).
"Sou presidente 24 horas por dia. O meu jogo é dentro das quatro linhas (da Constituição), mas se sair das quatro linhas, sou obrigado a sair das quatro linhas. É como o inquérito do Alexandre de Moraes: ele investiga, ele pune e ele prende. Se eu perder (as eleições) vou recorrer ao próprio TSE? Não tem cabimento isso", declarou também.
Depois dessas falas, o presidente do STF, Luiz Fux, cancelou reunião que havia convocado com Bolsonaro e os presidentes da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco) para tentar reduzir a crise.
"O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Sendo certo que, quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro", disse Fux ao cancelar o encontro.
"Além disso, sua excelência (Bolsonaro) mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro", acrescentou.
- Mariana Schreiber -
- Da BBC News Brasil em Brasília
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