sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Como partido de Evo Morales renasceu nas urnas após ter caído em desgraça na Bolívia




Luis Arce, presidente eleito da Bolívia
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Luis Arce, do partido Movimento ao Socialismo (MAS), venceu as eleições na Bolívia com 55,1% dos votos

A eleição do ex-ministro da Economia, Luis Arce, para a Presidência da Bolívia, no domingo (18/10), não teria ocorrido se o pleito tivesse sido realizado na data original da eleição, em 3 de maio, apontavam as pesquisas de opinião do período.

Em cinco meses, entre maio e outubro, o partido Movimento ao Socialismo (MAS), de Arce e do ex-presidente Evo Morales, voltou a recuperar terreno até vencer com 55,1% dos votos, no primeiro turno da eleição. O opositor Carlos Mesa, da Comunidade Cidadã (CC), recebeu 28,83% dos votos, segundo a apuração total das urnas, divulgada nesta sexta-feira.

Com a eleição de Arce, a votação do MAS foi ampliada e voltou a ser similar ao resultado da primeira eleição de Evo, em 2005, quando ele recebeu 54,4% dos votos.

Em relação ao pleito de outubro de 2019, que foi anulado, o MAS cresceu cerca de oito pontos percentuais. No ano passado, Evo recebeu 47,07% dos votos e Mesa 36,51%. Apoiadores de Evo ressaltam que ele teria sido eleito e chamaram a anulação da votação de "golpe".

Seus opositores tinham denunciado uma suposta fraude. Ao se candidatar para o quarto mandato seguido, ele desrespeitou o resultado do plebiscito de 2016 quando o "não" a sua nova candidatura venceu o "sim", por margem apertada de votos. Houve um recurso ao Judiciário, no entanto, e a candidatura foi autorizada.

A possibilidade de fraude nas urnas foi descartada por verificações internacionais.

Durante um ano, entre outubro do ano passado e a eleição deste ano, a Bolívia viveu uma ebulição política e foi governada pela presidente interina Jeanine Áñez, que inicialmente parecia ter chances de ser eleita. Primeiro, ela disse que não seria candidata, depois lançou candidatura e, com a imagem desgastada, acabou desistindo da corrida eleitoral.

Guinada eleitoral

No período de cinco meses, entre maio e o dia da votação, no dia 18, o Movimento ao Socialismo deu sua guinada eleitoral. Os adiamentos da eleição para o Palácio presidencial Quemado, anunciados por Áñez, acabaram beneficiando o MAS. Num ano de pandemia do novo coronavírus, o pleito foi adiado, primeiro, para o dia 17 de maio, depois para 6 de setembro e, por último, foi realizada domingo passado.

Em maio deste ano, apontou a pesquisa da empresa Ciesmori, de La Paz, Luis Arce tinha 25% das intenções de voto, Áñez, 26%, e Mesa somava apenas 12%.

Arce e Evo Morales, em foto de arquivo
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Arce foi ministro de Evo Morales e, para críticos, seria uma "marionete" do ex-presidente

O que aconteceu entre a possibilidade de derrota ou difícil eleição, em maio, e a ampla vitória de outubro? Que fatos provocaram o crescimento do MAS?

Em entrevista à BBC News Brasil, o analista político José Luis Galvez, diretor da empresa de pesquisas Ciesmori, de La Paz, que antecipou e acertou a ampla vitória de Arce no levantamento de boca de urna, disse que "vários motivos" explicam a mudança do cenário eleitoral na Bolívia em cinco meses.

Em maio, Jeanine Áñez, disse Galvez, disputava o primeiro lugar das intenções de voto com o MAS. Em setembro, um mês antes da eleição, após seu apoio minguar 17% em meio ao desgaste da sua gestão, ela anunciou que desistia da sua candidatura. E chegou a dizer que a oposição deveria "se unir para evitar o retorno da ditadura de Evo".

O que aconteceu?

"Os eleitores passaram a ter a percepção de que a corrupção passou a ser maior no governo de Jeanine Áñez, que tinha prometido o contrário do que se viu. O uso abusivo de aviões (oficiais) e a denúncia de corrupção na compra de respiradores (para tratamento de coronavírus) foram alguns dos fatos decisivos para o eleitorado", disse Galvez.

O analista boliviano disse que com o caso dos respiradores, a reputação de Áñez e de seu governo "desmoronou de vez". Além de superfaturamento, os respiradores não funcionavam para tratamento de covid-19, segundo as denúncias que levaram à queda do ministro da Saúde da gestão de Áñez.

"Existe um consenso no eleitorado boliviano de que o governo de Jeanine Áñez não deu certo e cometeu abusos de corrupção e de poder. Os que esperavam que esse governo de transição levaria o país para uma mudança, viram que essa mudança não existia", disse.

No ano passado, contou, mais de 60% do eleitorado boliviano afirmou, em uma pesquisa realizada pela Ciesmori, que já tinha votado alguma vez no partido de Arce e de Evo. De fato, na terceira eleição seguida de Evo, em 2014, ele recebeu cerca de 60% dos votos.

Jeanine Áñez, presidente da Bolívia
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Após popularidade despencar, a presidente interina Jeanine Áñez desistiu da candidatura

Opção para indecisos

No cenário atual de crise econômica histórica no país, provocada pela pandemia, pela queda nas vendas de gás e nas incertezas políticas, Arce passou a ser visto como a melhor opção entre os indecisos.

Com respaldo de Evo, ele foi o responsável pela estabilidade econômica, com forte redução nos índices de pobreza, durante os 13 anos de gestão do MAS e recebeu elogios até do Fundo Monetário Internacional (FMI) pela responsabilidade fiscal.

Seu perfil levou os indecisos a optarem por sua eleição. A última pesquisa antes da votação, que foi realizada dez dias antes do pleito, mostrou que 27,8% dos eleitores diziam que votariam em branco, nulo ou não sabiam em quem votariam, contou Galvez.

O quadro sugeria a possibilidade de segundo turno, segundo diferentes analistas políticos e econômicos. "O MAS tinha chances de vencer, mas achávamos difícil uma vitória no primeiro turno. Foi uma surpresa", disse o analista econômico Javier Gómez, da consultoria Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Trabalho e Agrário (Cedla, na sigla em espanhol), de La Paz.

'Carnívoros x Veganos'

Na visão de Galvez, da Ciesmori, a ampla vantagem do MAS foi resultado "dos erros" da oposição. "A oposição, além de fragmentada, não soube atrair o eleitorado. Muitos, que não são eleitores do MAS, optaram por Arce, pelo o que ele fez na economia, e porque, na reta final da votação, o opositor Luis Fernando Camacho transmitia a perspectiva de violência", disse Galvez. Camacho recebeu 14% dos votos no país.

Mas sua votação foi concentrada, principalmente, em Santa Cruz de la Sierra, na fronteira com o Brasil. Este departamento é o motor econômico do Produto Interno Bruto (PIB) e, geralmente, avesso às escolhas de La Paz, o rosto mais visível da cultura indígena boliviana.

Insatisfeitos com o resultado, eleitores de Camacho realizaram protestos, acusando fraude na votação e convocaram novas manifestações para este fim de semana.

Além dos problemas da oposição, da crise econômica, da violência, outro fato contribuiu para a eleição do MAS, o fato de Mesa ser quase "apático" diante da virulência política.

"Em uma das pesquisas, ouvi dos eleitores uma definição sobre Mesa que não esqueci: 'É uma briga de carnívoros e Mesa não é nem vegetariano, é vegano'. E isso não o ajudou. Também favoreceu ao MAS", disse o analista da Ciesmori.

Definido como conciliador e paciente, Arce disse que fará um governo de "união". Terá desafios como os eleitores insatisfeitos com o retorno do MAS e o equilíbrio dentro do próprio Movimento ao Socialismo, do qual seu vice, o ex-chanceler David Choquehuanca, e o ex-presidente Evo Morales fazem parte.

  • Marcia Carmo
  • De Buenos Aires para a BBC News Brasil
Professor Edgar Bom Jardim - PE

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