Na história das ideias, o grego Platão (427-347 a.C.) foi o primeiro pedagogo não só por ter concebido um sistema educacional para o seu tempo, mas, principalmente, por tê-lo integrado a uma dimensão ética e política. O objetivo final da Educação, para o filósofo, era a formação do homem moral, vivendo em um Estado justo.
Platão foi o segundo da tríade dos grandes filósofos clássicos, sucedendo Sócrates (469-399 a.C.) e precedendo Aristóteles (384-322 a.C.), seu discípulo. Como Sócrates, Platão rejeitava a Educação que se praticava na Grécia em sua época e estava a cargo dos sofistas, incumbidos de transmitir conhecimentos técnicos - sobretudo a oratória - aos jovens da elite para torná-los aptos a ocupar as funções públicas. Os sofistas afirmavam que podiam defender igualmente teses contrárias, dependendo dos interesses em jogo, diz Sérgio Augusto Sardi, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Platão, ao contrário, pensava em termos de uma busca continuada da virtude, da justiça e da verdade.
Para Platão, toda virtude é conhecimento. Ao homem virtuoso, segundo ele, é dado conhecer o bem e o belo. A busca da virtude deve prosseguir pela vida inteira - portanto, a Educação não pode se restringir aos anos de juventude. Educar é tão importante para uma ordem política baseada na justiça - como Platão preconizava - que deveria ser tarefa de toda a sociedade.
O ideal da escola pública
Baseado na ideia de que os cidadãos que têm o espírito cultivado fortalecem o Estado e os melhores entre eles serão os governantes, o filósofo defendia que toda Educação era de responsabilidade estatal - um princípio que só se difundiria no Ocidente muitos séculos depois. Igualmente avançada, quase visionária, era a defesa da mesma instrução para meninos e meninas e do acesso universal ao ensino.
Contudo, Platão era um opositor da democracia - há estudiosos que o consideram um dos primeiros idealizadores do totalitarismo. O filósofo via no sistema democrático da Atenas de seu tempo (leia mais no quadro abaixo) uma estrutura que concedia poder a pessoas despreparadas para governar. Quando Sócrates, que considerava o mais sábio e o mais justo dos homens, foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude, Platão convenceu-se, de uma vez por todas, de que a democracia precisava ser substituída.
Para ele, o poder deveria ser exercido por uma espécie de aristocracia, mas não constituída pelos mais ricos ou por uma nobreza hereditária. Os governantes tinham de ser definidos pela sabedoria. Os reis deveriam ser filósofos e vice-versa. Como pode uma sociedade ser salva, ou ser forte, se não tiver à frente seus homens mais sábios?, escreveu Platão.
Um império em decadência
Platão nasceu meses depois da morte de Péricles, o estadista mais identificado com a democracia de Atenas, e morreu dez anos antes da conquista do mundo grego por Felipe da Macedônia. Sua vida coincide em grande parte com a decadência do império ateniense. Platão construiu uma obra voltada para épocas anteriores. Foi por meio
de seus escritos em forma de diálogos que as ideias de Sócrates puderam ser sistematizadas e divulgadas, já que ele não havia deixado nenhum texto escrito. Nos diálogos, usualmente Sócrates e um pensador sofista debatem um assunto até uma conclusão. Uma vez que Platão não se coloca como personagem, restou a seus intérpretes póstumos distinguir as ideias de Sócrates das do próprio Platão. A obra platônica foi sistematizada no início da era cristã. Os títulos mais célebres são O Banquete e A República. O cristianismo na Idade Média se apropriou do pensamento platônico por se identificar, entre outras, com a ideia de que em todas as coisas há uma essência,
que se encontra num plano suprarreal.
Estudo permanente
A Educação, segundo a concepção platônica, visava a testar as aptidões dos alunos para que apenas os mais inclinados ao conhecimento recebessem a formação completa para ser governantes. Essa era a finalidade do sistema educacional planejado pelo filósofo, que pregava a renúncia do indivíduo em favor da comunidade. O processo deveria ser longo porque Platão acreditava que o talento e o gênio só se revelam aos poucos.
A formação dos cidadãos (leia mais no quadro abaixo) começaria antes mesmo do nascimento, pelo planejamento eugênico da procriação. As crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o campo, uma vez que Platão considerava corruptora a influência dos mais velhos. Até os 10 anos, a Educação seria predominantemente física e constituída de brincadeiras e esporte. A ideia era criar uma reserva de saúde para toda a vida. Em seguida, começaria a etapa da Educação musical (abrangendo música e poesia), para aprender harmonia e ritmo, saberes que criariam uma propensão à justiça, e para dar forma sincopada e atrativa a conteúdos de Matemática, História e Ciência. Depois dos 16 anos, à música se somariam os exercícios físicos, com o objetivo de equilibrar força muscular e aprimoramento do espírito.
Aos 20 anos, os jovens seriam submetidos a um teste para saber que carreira deveriam abraçar. Os aprovados receberiam, então, mais dez anos de instrução e treinamento para o corpo, a mente e o caráter. No teste que se seguiria, os reprovados se encaminhariam para a carreira militar e os aprovados para a filosofia - neste caso, os objetivos dos estudos seriam pensar com clareza e governar com sabedoria. Aos 35 anos, terminaria a preparação dos reis-filósofos. Mas ainda estavam previstos mais 15 de vida em sociedade, testando os conhecimentos entre os homens comuns e trabalhando para se sustentar. Somente os que fossem bem-sucedidos se tornariam governantes ou guardiães do Estado.
O aprendizado como reminiscência
Platão defendia a ideia de que a alma precede o corpo e que, antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento. Dessa forma, todo aprendizado não passaria de um esforço de reminiscência - um dos princípios centrais do pensamento do filósofo. Com base nessa teoria, que não encontra eco na ciência contemporânea, Platão defendia uma ideia que, paradoxalmente, sustenta grande parte da pedagogia atual: não é possível ou desejável transmitir conhecimentos aos alunos, mas, antes, levá-los a procurar respostas, eles mesmos, a suas inquietações. Por isso, o filósofo rejeitava métodos de ensino autoritários. Ele acreditava que se deveria deixar os estudantes, sobretudo as crianças, à vontade para que pudessem se desenvolver livremente. Nesse ponto, a pedagogia de Platão se aproxima de sua filosofia, em que a busca da verdade é mais importante do que dogmas incontestáveis. O processo dialético platônico - pelo qual, ao longo do debate de ideias, depuram-se o pensamento e os dilemas morais - também se relaciona com a procura de respostas durante o aprendizado. Platão é do mais alto interesse para todos que compreendem a Educação como uma exigência de que cada um, professor ou aluno, pense sobre o próprio pensar, diz o professor Sardi.
A República, Platão, 288 págs., Ed. Rideel, tel. (11) 2238-5100 (edição esgotada)
Paideia - A Formação do Homem Grego, Werner Jaeger, 1413 págs., Ed. WMF Martins Fontes, tel. (11) 3293-8150, 119,70 reais
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