Esta quinta-feira (12/03) marcou mais um dia de caos no mercado financeiro.
As negociações na bolsa de valores brasileira foram paralisadas duas vezes, por um período de uma hora e meia no total.
O primeiro circuit breaker, como é conhecido o mecanismo de interrupção do mercado financeiro, foi acionado poucos minutos após o início do pregão, quando o principal índice da bolsa, o Ibovespa, caia cerca de 11,65%.
O mecanismo foi acionado outra vez pouco depois das 11h, quando as perdas chegavam a 15%, interrompendo o lançamento de ordens de compra e venda por um hora. O pregão fechou com queda de 14,76% no Ibovespa, que recuou a 72 mil pontos.
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A última vez em que a bolsa brasileira acionou dois circuit breakers em um mesmo dia foi em 2008, ano em que eclodiu a grande crise financeira internacional mais recente — foram duas interrupções no dia 6 de outubro. Naquele mês, a bolsa registrou ao todo 5 circuit breakers.
Neste março de 2020, as operações na bolsa já foram interrompidas quatro vezes.
A medida, explica a consultora econômica Zeina Latif, é uma tentativa de conter o pânico no mercado, interrompendo o "efeito manada" que geralmente caracteriza momentos de grande incerteza — uma grande quantidade de investidores tentando se desfazer dos papéis ao mesmo tempo.
Quais as razões para o "nervosismo" do mercado e quais implicações o ciclo de queda da bolsa tem para a economia real, para aqueles que não necessariamente investem em ações?
Aumento da incerteza
Um dos principais impactos é uma espécie de "efeito contágio" da incerteza, afirma Rafael Leão, economista-chefe da Arazul Capital.
"O aumento da incerteza leva as empresas a postergarem decisões de investimentos, o que, por sua vez, tem impacto sobre o emprego e a renda", avalia.
Ainda há uma série de perguntas sem respostas em torno da atual pandemia de covid-19, entre elas a possibilidade de que a piora nas condições financeiras provoque uma crise no crédito ou uma recessão em diversos países.
Diante da indefinição, os empresários tendem a manter os projetos na gaveta e os investidores, a procurar ativos considerados mais seguros — muitos saem de mercados emergentes, como o Brasil, e migram para títulos da dívida pública americana e para o dólar.
Empresas com dificuldade para se financiar
Outra consequência das repetidas quedas da bolsa é uma dificuldade para que empresas consigam se financiar, acrescenta Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos.
Isso porque a tendência de redução nos preços de ações desestimula o lançamento de novas ofertas, os IPOs (sigla em inglês para Initial Public Offering), que são um dos instrumentos usados pelas empresas para captação de recursos.
As variações bruscas em índices como o Ibovespa, por si, não impactam diretamente o caixa das empresas, já as ações são negociadas no mercado secundário, entre investidores.
Mas essas perdas também acabam tendo impacto na economia real, pondera Rafael Leão, já que representam, na prática, uma perda financeira para fundos e investidores pessoas físicas — o que pode, por sua vez, ter reflexo negativo no consumo.
Zeina Latif lembra ainda que "tem gente que tem dinheiro aplicado na bolsa e nem sabe".
É o caso, por exemplo, de quem tem dinheiro aplicado em fundos de previdência, que investem os recursos tanto em ativos de renda fixa quanto de renda variável — ainda que seja uma menor parte, já que eles têm risco maior.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, destaca ainda que parte da queda nos preços de ações vem da expectativa negativa em relação aos efeitos do coronavírus sobre a própria economia real.
A pandemia tem colocado países inteiros em quarentena e restringido a circulação de pessoas e mercadorias. Assim, a tendência é de um desaquecimento das atividades no comércio, nos serviços, nos transportes.
A estimativa atual da consultoria para o crescimento do PIB do Brasil em 2020 foi recentemente revisada de 2% para 1,5%.
Para o economista, a possibilidade de que o resultado do primeiro trimestre deste ano seja negativo é cada vez maior.
Piora das condições financeiras
O crédito, outra fonte de financiamento importante para as empresas, também é impactado pelo pânico no mercado financeiro.
Diante da indefinição e do aumento de risco, os juros futuros dispararam nos últimos dias.
Por mais que a Selic esteja na mínima histórica, em 4,25%, os juros para a pessoa física e jurídica sofrem influência das taxas negociadas nos mercados futuros, explica a economista Solange Srour.
Além disso, os bancos têm uma tendência a serem mais cautelosos na concessão de crédito em momentos de incerteza como o atual — no qual, em um cenário mais pessimista, existe a possibilidade de que a redução no nível de atividade afete a capacidade de pagamento das empresas.
Nesse sentido, a situação é mais preocupante nos Estados Unidos, onde há um excesso de endividamento no setor privado, ressalta Sergio Vale.
Em uma década de juros muito baixos — uma resposta do país à crise financeira, na tentativa de estimular a economia —, as empresas do país captaram um volume grande de recursos por meio de empréstimos ou pela emissão de títulos de dívida.
O nível da dívida do setor privado hoje é recorde, de cerca de 47% do PIB americano.
E parte relevante hoje, diz o economista, tem classificação apenas um nível acima do "junk", que é aquele em que há alto risco de inadimplência.
Um eventual desaceleração da atividade que prejudique a receita dessas empresas pode dificultar o pagamento dessas obrigações.
Essa é uma das razões que explicam as quedas fortes e sucessivas observadas na bolsa americana.
Na quarta-feira (11/03), o índice Dow Jones entrou no que é conhecido no mercado como bear market, quando há queda de 20% ou mais na comparação com picos recentes por um período mais prolongado.
É o contrário do bull market, termo usado quando a bolsa entra em uma sequência de altas.
O que aconteceu hoje?
Para os economistas, a queda forte das ações nesta quinta-feira é reflexo do acúmulo de notícias negativas nos últimos dias — entre elas, a queda forte no preço do petróleo, os sinais de que a economia e o comércio global vão desacelerar e, internamente, os conflitos entre Executivo e Legislativo.
Sergio Vale cita ainda o pronunciamento "surpresa" do presidente americano, Donald Trump, na noite anterior, em que foi anunciada a suspensão das viagens entre Europa e Estados Unidos — o fato, ele avalia, reforçou a avaliação de que a resposta do país à covid-19 não está sendo eficiente.
"Trump não é uma liderança que a gente queria ter em um momento como esse", pontua.
Rafael Leão, da Arazul Capital, lembra ainda a declaração desastrosa dada pelo presidente americano alguns dias atrás, em que questionou os dados de letalidade do novo coronavírus anunciados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 3,4% — e lançou um "palpite" de que o número real estaria na casa de 1%.
O posicionamento do presidente Jair Bolsonaro, acrescenta o economista, foi na mesma direção. Em visita aos EUA, ele disse achar que a crise da covid-19 seria "mais fantasia".
Nesse sentido, também cresce o temor de que o Brasil não consiga dar uma resposta satisfatória a um eventual aumento exponencial de casos da doença nas próximas semanas.
Nesta quinta, o Palácio do Planalto confirmou que o Secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, está com coronavírus. Bolsonaro fez testa para detecção da doença e a expectativa é que o resultado saia nesta sexta-feira.
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