terça-feira, 24 de setembro de 2019

Artista restaura cor de brasileiros fotografados às vésperas da abolição


Colagem com retrato antes e depois da restauraçãoDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionLegenda da foto original diz apenas 'tipos negros'
Nada se sabe sobre o homem de cabelos grisalhos e olhar triste na foto acima, retratado pelo fotógrafo alemão Alberto Henschel no Brasil por volta de 1869, alguns anos antes da Lei Áurea. A legenda do retrato original, à esquerda, diz apenas "tipos negros".
O retrato à direita foi restaurado e colorido pela artista brasileira Marina Amaral e é uma das 22 fotografias que a artista está recuperando para sua série "Escravidão no Brasil".
"Quando a gente olha para os números e para a escala enorme do que foi a escravidão, fica tudo meio abstrato. Mas quando consegue olhar para as pessoas... Ver cada rosto deixa tudo menos abstrato, cria uma conexão", disse à BBC News Brasil.
A mineira de 25 anos é artista digital especializada em colorir fotos antigas em preto e branco – ficou conhecida mundialmente por dar cor a fotos das vítimas dos campos de concentração de Auschwitz. Ela diz que sempre teve vontade de criar um projeto sobre história do Brasil, mas tinha dificuldade de encontrar um arquivo que tivesse fotos em alta resolução.
"Até descobrir esses 22 retratos através de uma biblioteca de Berlim", diz ela à BBC News Brasil. Encontrar fotografias de escravos do século 19 é algo raro. Nas poucas vezes em que eram retratatos, era como parte da propriedade de algum grande senhor de escravos.
Legenda dizia apena 'moça cafuza', nome que se dava a mestiço de negro e índioDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionPelas roupas e adereços desta moça retratada, e possível que ela fosse livre
Mesmo sobre o ensaio de Alberto Henschel não há muitas informações. "O que se sabe é que elas chamaram muita atenção na época porque ele tentou retratá-los com um certo nível de dignidade que não era comum", diz Marina.
Henschel era um fotógrafo profissional alemão que se tornou um dos pioneiros da fotografia no Brasil no século 19 e chegou a retratar a a monarquia brasileira, incluindo o imperador Dom Pedro 2º e sua família. Seus primeiros estúdios foram em Recife e em Salvador. A partir de 1870, ele passou a atuar também no Rio de Janeiro e em São Paulo.
É possível que entre os negros retratados por Henschel também houvesse homens e mulheres livres — sua luta por liberdade era constante e muitos conseguiram conquistar sua própria liberdade antes das leis que foram progressivamente abolindo a escravidão, até o seu fim definitivo com a Lei Aurea, em 1888.

O processo de colorir

Para Marina, colorir as fotos ajuda a trazer o observador para mais perto das pessoas retratadas.
"Aplicar cores a esses fotos permite que as pessoas criem uma empatia maior, humaniza as vítimas. Fotos monocromáticas parecem uma coisa quase irreal, parece que aconteceu há tanto tempo, que não foi de verdade", afirma.
Retrato original diz apenas 'moça cafuza'Direito de imagemMARINA AMARAL
Image captionEste retrato foi o primeiro colorido por Marina Amaral para sua série sobre escravidão no Brasil
"Mas, com cor, ainda mais em um mundo tão cheio de estímulos, é mais fácil de entender, aproxima. Eles passam a ser pessoas como a gente, e não só personagens de livros."
Marina passa cerca de três a cinco horas colorindo cada foto - caso os originais estejam em bom estado. As que estão mais danificadas e precisam de restauração antes demoram muito mais.
"A segunda foto da série (veja abaixo) demorou entre 10 e 12 horas, porque tive que limpar as partes danificadas."
Marina explica que o processo de descobrir as cores em fotos antigas é uma mistura de pesquisa histórica com escolhas artísticas.
Para retratar o tom de pele de cada um, ela faz uma interpretação a partir da escala de cinza das fotos originais.
Segunda foto da série, tirada em RecifeDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionEsta é a segunda foto da série e foi tirada em Recife
"Como não temos muitas informações sobre as pessoas, é uma interpretação mais artística", diz ela.
"No caso da roupa dos escravos, sei que eles jamais poderiam usar tons muito chamativos. Usavam muito branco e creme. Uso como referência pinturas históricas e desenhos que foram feitos na época", explica.
"Olhando para as fotos também é possível saber onde as roupas estavam mais desgastadas e sujas."

Impacto

"Foi a primeira que eu fiz algo relacionado à história do Brasil que gerou um impacto tão grande", diz Marina, sobre a reação positiva que os dois primeiros trabalhos da série tiveram nas redes sociais.
Inicialmente, ela ia apenas postar as fotos em sua rede, mas quando viu a reação decidiu fazer algo maior. "Resolvi convidar alguns professores e autores brasileiros parar dar um contexto para as fotos. A idéia principal é apresentar a história do Brasil para os meus seguidores de fora, já que a maior parte do meu público é da Europa e dos Estados Unidos", diz ela. As legendas são publicadas em inglês e português.
"E também que falem dos impactos desse período nos dias de hoje, porque vivemos as consequências da escravidão todos os dias."
Não foi a primeira vez que emoção contida em fotos antigas chamou a atenção da artista. Seus trabalhos mais famosos, em que coloriu as fotos das vítimas dos campos de concentração de Auschwitz, também causaram grande impacto.
"Você pode ver o quanto ela está sofrendo, no entanto, ela tem uma coragem assombrosa em seu olhar", disse Marina à BBC quando restaurou a imagem de Czesława Kwoka (abaixo), em 2018.
Foto de Czesława Kwoka feita no campo de concentração de Auschwitz e colorida digitalmente por Marina AmaralDireito de imagemMARINA AMARAL
Image captionCzesława Kwoka foi uma das vítimas dos campos de concentração de Auschwitz cujas fotos Marina coloriu digitalmente
Czesława tinha apenas 14 anos quando foi levada ao campo de concentração, em 13 de dezembro de 1942. Foi morta três meses depois, uma das 11 milhões de vítimas do holocausto.
Marina também tem outros trabalhos conhecidos, como a colorização de fotos históricas, como as do dia D, quando os aliados desembarcaram na França durante a Segunda Guerra Mundial.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

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