sábado, 10 de agosto de 2019

Brasil:o movimento de governadores do Nordeste que faz contraponto político a Bolsonaro

Governadores e representantes em reunião de lançamento do Consórcio NordesteDireito de imagemFERNANDO VIVAS/GOVERNO DA BAHIA
Image captionO governador da Bahia, Rui Costa (PT), é o presidente do Consórcio Nordeste, lançado em julho pelos governadores
Em meio à série de ataques do presidente Jair Bolsonaro a governadores do Nordeste, esse grupo de políticos nordestinos tem se unido e, segundo cientistas políticos, está no caminho para formar um bloco efetivo de oposição ao atual governo.
A posição de Bolsonaro em relação a políticos da região ganhou destaque em julho. Durante café da manhã com jornalistas, Bolsonaro disse ao ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil): "Daqueles governadores de... 'paraíba', o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada com esse cara".
O termo "paraíba" é usado em algumas regiões do país para se referir de forma pejorativa a nordestinos.
No fim do mesmo mês, os nove governadores nordestinos lançaram o Consórcio Nordeste, uma iniciativa para, segundo o grupo, estimular o desenvolvimento da região. Embora já estivesse em discussão pelo menos desde o início do ano, a união do grupo é vista, neste momento, como um movimento político de contraponto a Bolsonaro.
A Caixa reduziu a concessão de novos empréstimos para o Nordeste após a eleição de Bolsonaro, por ordem do presidente da instituição, Pedro Guimarães, segundo reportagem do Estadão. Uma comissão do Senado aprovou requerimento para que Guimarães explique as diretrizes para a concessão de empréstimos para Estados e municípios da região.
A BBC News Brasil entrevistou o governador do Maranhão, Flávio Dino, alvo direto de críticas do presidente, e cientistas políticos que explicam a retaliação de Bolsonaro e os possíveis desdobramentos da união dos governadores nordestinos.

'Retaliação'

A postura de Bolsonaro em relação ao Nordeste - única região onde ele foi derrotado pelo PT na eleição - se trata de uma "retaliação", segundo a doutora em Ciência Política Vera Lucia Chaia, professora da PUC-SP.
"Estamos acompanhando uma retaliação do presidente Bolsonaro em relação aos governadores nordestinos, já que o Nordeste, na sua maioria, votou e é eleitor do ex-presidente Lula. O presidente Jair Bolsonaro não aceita oposição", afirmou a professora.
Em viagem à Bahia, Bolsonaro disse que grande parte dos governadores nordestinos "são socialistas" e que as demandas deles serão atendidas se eles disserem que estão trabalhando com Bolsonaro.
"Não vou negar nada para os Estados, mas se eles quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro. Caso contrário, eu não vou ter conversa com eles", afirmou.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e o presidente Jair Bolsonaro posam para foto com placa com o nome do ex-presidente militar João FigueiredoDireito de imagemALAN SANTOS/PR/AGÊNCIA BRASIL
Image captionEm evento na Bahia, o ministro Augusto Heleno e o presidente Jair Bolsonaro posam para foto com o nome do último presidente da ditadura militar, João Figueiredo
Um dos principais alvos de críticas do presidente, o governador Flávio Dino diz que Bolsonaro atingiu o "recorde de baixaria" na última visita à região. Para ele, o "ódio permanente" de Bolsonaro impede o debate sobre "uma agenda real" no país.
"Ele acha que isto o levou à presidência e, portanto, que ele tem legitimidade para governar dizendo palavrão, xingando as pessoas, agredindo o tempo inteiro. É o que ele busca, ameaçando perseguir. É o que ele faz o tempo inteiro. Se fosse comigo, pessoalmente, era até menos grave, porque eu sei me defender. A questão é que não é comigo. É com todo mundo que ele acha que é diferente dele. Ele tem aversão a diferenças", disse Dino à BBC News Brasil.
Bolsonaro, por outro lado, diz que governadores nordestinos querem dividir o país. "Se não todos, a maioria dos nove governadores do Nordeste quer começar a implementar a divisão do Nordeste contra o resto do Brasil", afirmou, em entrevista ao Estadão.

'Vergonha alheia'

Dino, que é do PC do B, usou o termo "vergonha alheia" para se referir à postura de Bolsonaro e disse que o presidente faz "piadinha desrespeitosa com o povo do Nordeste".
"Ele vem com estigma, com piadinha desrespeitosa com povo do Nordeste, negócio de cabeça grande, de não sei o que. Umas coisas toscas, umas coisas que eu tenho aquela história da vergonha alheia", disse Flávio Dino.
Em vídeo divulgado em rede social do deputado Claudio Cajado (PP-BA), Bolsonaro responde que "está só faltando crescer um pouquinho a cabeça", depois de o parlamentar baiano perguntar se, depois de visitas ao Nordeste, ele "está virando cabra da peste".
Após evento em Sobradinho (BA), na segunda-feira, Bolsonaro reclamou que não se pode mais contar piada no Brasil. "Não posso mais contar piada de cabeçudo, contar piada de goiano, de gaúcho, de cearense cabra da peste. Não pode mais contar piada, não pode ter liberdade mais. Tudo é politicamente incorreto."
Dino diz esperar que Bolsonaro mude a postura. "Esse último discurso dele na Bahia realmente talvez tenha sido recorde de baixaria, de xingamento, de palavrão, de injustiça, de perseguições. Realmente é algo muito grave, que deve ser mencionado o tempo inteiro para que a gente possa superar isso. Espero sinceramente que em algum momento ele mude a postura dele", afirmou.
"O presidente da República tem que ter uma atitude respeitosa. Ele é a voz da nação. Se ele fala palavrão, coisa chula, piadinha, ele, na verdade, está estimulando ciclos de violência."
O governador Flávio Dino durante entrevistaDireito de imagemVALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
Image captionO governador do Maranhão, Flávio Dino, diz que Bolsonaro 'estimula ciclos de violência'

Consórcio do Nordeste

No fim de julho, em meio ao embate entre Bolsonaro e alguns políticos da região, os governadores lançaram o Consórcio Nordeste - que, segundo eles, tem o objetivo de estimular o desenvolvimento regional.
Dino diz que "jamais os consórcios são instrumentos de luta política entre governo e oposição" e destaca a existência de outros consórcios entre Estados, como o do Brasil Central.
Considerando o contexto político, no entanto, a união é vista como um movimento político de contraponto a Bolsonaro.
"Eles estão mostrando unidade. No momento em que fazem isso, mostram unidade política, ocasionando impacto político no primeiro momento e, a médio e longo prazo, impacto eleitoral", diz o cientista político Adriano Oliveira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Políticos da esquerda querem transformar os governadores do Nordeste no principal núcleo de oposição ao governo central. Segundo a coluna Painel, da Folha de S. Paulo, um documento interno da corrente majoritária do PT diz que o recém-criado consórcio dos governadores da região deve ser apoiado "com entusiasmo".
Oliveira acredita que o tema será explorado na próxima eleição: "Essa discussão de que Bolsonaro não liga para o Nordeste estará presente na eleição. E os governadores vão dizer: até hoje não recebemos nada, o presidente não recebeu membros deste consórcio, e até hoje o presidente não teve política de desenvolvimento para a região."
O cientista político diz, ainda, que pode sair deste grupo o nome de um eventual candidato à presidência para disputar com Bolsonaro.
"Tem uma conotação eleitoral, em razão de que o presidente Bolsonaro foi derrotado pelo lulismo aqui no Nordeste. Os governadores podem decidir, a partir de 2021, ter um candidato a presidente da República advindo do governo nordestino e se posicionando enfaticamente contra o presidente Bolsonaro na eleição de 2022", diz Oliveira.
Flávio Dino diz que não. "Da minha parte, esse movimento do consórcio e de união não tem absolutamente nada a ver com eleição presidencial, que está tão longe, mas tão longe que nao consigo nem ver no horizonte. Não é uma coisa que hoje determine passos. A gente só vai tratar disso daqui a 3 anos. Seria muito precoce."
Para a cientista política Vera Lucia Chaia, o grupo pode se tornar "um bloco efetivo de oposição".
"Com os governadores se juntando e se empenhando em formar um bloco efetivo de oposição, eu acho que o Brasil tende a ganhar por conta da postura autoritária que o presidente está adotando."
"Nem durante o regime militar a gente viu isso. Nos governos militares você não viu essa retaliação. Claro que o privilegiamento para determinadas regiões que apoiaram o regime, isso aconteceu. Mas não de uma forma tão declarada, tão explícita e tão vingativa como no caso do governo Bolsonaro", diz ela.
O presidente Jair BolsonaroDireito de imagemREUTERS
Image caption'Não vou negar nada para os Estados, mas se eles quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro. Caso contrário, eu não vou ter conversa com eles', disse Bolsonaro

Diálogo

Para Oliveira, o discurso dos governadores da oposição de que estão em busca de diálogo com o governo federal, sem rupturas, é o esperado neste primeiro momento.
"O discurso político de diálogo é uma estratégia política. Você não pode já vir a ser oposição. Eles têm que ter de fato esse discurso do diálogo, da união, pra ver se conseguem recursos financeiros e para ver se conseguem do presidente uma agenda administrativa para os Estados", diz ele.
E Chaia lembra: "Quem tem a caneta na mão, que é o presidente, faz o que quer. É assim que ele tem se posicionado".
Ela diz que os governadores estão agindo para se defender, mas aponta que a relação deles com os parlamentares não é tão próxima. "O problema é a relação dos governadores com suas bases no Congresso. Acho que atualmente não existe uma relação tão orgânica, tão umbilical."
Além da agenda doméstica, o consórcio de governadores planeja fazer viagens internacionais para buscar parcerias e investimentos. A primeira viagem, para a Europa, está prevista para novembro.
"Acreditamos que o Nordeste tem muita similaridade e interesses - por exemplo, a temática da energia renovável, eólica, solar, a temática do turismo, que são assuntos que podem e devem ser tratados em conjunto, mostrando um Brasil diferente daquele que tradicionalmente é visto por empresas ou governos estrangeiros", diz Dino.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

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