domingo, 30 de setembro de 2018

ELE Não: Como o voto feminino, que pode ser decisivo, virou campo de batalha nesta eleição

Manifestação contra Bolsonaro em Londres
Image captionManifestantes se reuniram em Londres e outras cidades da Europa, como Paris e Lisboa, contra Bolsonaro
eleição presidencial de 2018 é claramente muito diferente das anteriores. Entre as novidades no comportamento dos eleitores, uma tem sido especialmente surpreendente: a enorme diferença que as pesquisas apontam nas intenções de votos entre homens e mulheres.
O fosso que se abriu no comportamento desses dois grupos é inédito em eleições presidenciais, destaca o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ. Dados das eleições de 2010 e 2014, por exemplo, mostram que homens e mulheres votaram em proporções similares nos diferentes candidatos.
Quem catalisa esse fenômeno nessa eleição é o candidato presidencial Jair Bolsonaro (PSL) - que se recupera de uma facada de um opositor no início do mês e recebeu alta do hospital neste sábado, 29. Ele lidera a preferência do eleitorado com 27% das intenções de voto, segundo a mais recente pesquisa Ibope, divulgada na quarta-feira. Quando abrimos os números por sexo, no entanto, o levantamento mostra que ele tem apoio de 36% dos homens e 18% das mulheres.
Neste sábado, 29, manifestantes protestaram no Rio e em São Paulo contra Bolsonaro, como parte do movimento #EleNao, organizado por mulheres nas redes. Outros protestos foram registrados em mais de 40 cidades do país e em cidades europeias, como Lisboa, Paris e Londres.
Por outro lado, também houve manifestações pelo país em prol do candidato. No Rio, apoiadores de Bolsonaro se reuniram em Copacabana.
Manifestação contra Bolsonaro no Rio
Image captionDezenas de milhares de manifestantes se reuniram contra Bolsonaro no Rio de Janeiro neste sábado (29) em movimento convocado por mulheres
A diferença entre o apoio de homens e mulheres em relação a Bolsonaro não é vista em nenhuma outra candidatura. Fernando Haddad (PT), por exemplo, candidato que aparece em segundo lugar na pesquisa Ibope com 21%, tem preferência de 20% dos homens e de 21% das mulheres. O terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT), com 12%, pontua 11% no eleitorado masculino e 12% no feminino.
"Os números mostram que, se a eleição fosse apenas entre as mulheres, estaria muito mais disputada", observa Nicolau.
Os dados do Ibope revelam ainda que o desempenho de Bolsonaro é mais fraco entre as mulheres de menor renda (até dois salários mínimos) e moradoras da região Nordeste, indicando que aí é onde está a maior resistência ao capitão. É nesses segmentos, também, que Haddad vai melhor.
A resistência feminina ao líder das pesquisas tem sido fortemente explorada por outras campanhas, como a de Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), principalmente as declarações agressivas de Bolsonaro com mulheres e a defesa de que as trabalhadoras, por engravidar, devem receber menos que os homens.

Movimento #EleNão

As mulheres que rejeitam Bolsonaro se organizaram em setembro nas redes sociais em torno do movimento #EleNão, que convocou para este sábado protestos contra o candidato em dezenas de cidades do Brasil e também em algumas no exterior. A mobilização - que contou com apoio até de celebridades internacionais, como a cantora Madonna - agrega mulheres de diferentes visões ideológicas.
Analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil divergem sobre o potencial do movimento para impactar a eleição, provocando, por exemplo, uma queda abrupta nas intenções de voto de Bolsonaro. Parte deles, porém, considera que, se a mobilização for grande, pode contribuir para aumentar a rejeição já elevada do militar reformado, dificultando sua vitória num provável segundo turno contra Haddad.
Manifestação contra Bolsonaro em Londres
Image captionPesquisas apontam diferença inédita de intenção de voto entre homens e mulheres nas eleições brasileiras deste ano
Se o duelo final entre o candidato do PSL e do PT se confirmar, a clivagem de gênero deve ser determinante para o resultado da eleição, observa Jairo Nicolau. A tendência, caso Bolsonaro vença, é que o apoio masculino seja decisivo. Caso perca, será culpa da forte rejeição feminina. Uma vitória depende de ele conseguir reverter ao menos parte da antipatia entre as mulheres, ressalta o professor.
"Essa resistência das mulheres ao Bolsonaro cria uma barreira quase intransponível. É muito difícil num país em que elas são 53% dos eleitores, e comparecem mais às urnas que os homens, que um candidato com alta rejeição feminina vença uma eleição de dois turnos", acredita Nicolau.
Ele ressalta que a semana foi de notícias negativas para Bolsonaro, com a divulgação de que sua ex-mulher, Ana Cristina Valle, informou há dez anos atrás, em um processo que discutiam a guarda do filho, que o candidato teria um patrimônio maior que o declarado à Justiça Eleitoral e incompatível com seu rendimentos como deputado federal e militar aposentado.
Manifestação contra Bolsonaro no Rio
Image captionNo Rio, manifestação teve público variado, com a presença de grupos como professores, organizações LGBT, partidos de esquerda e grupos contra tortura
Ontem, em entrevista para José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, Bolsonaro se defendeu das acusações dizendo que "em uma separação é comum ter problemas, é litigiosa, as cotoveladas acontecem de ambas as partes". "A própria ex-companheira diz claramente que, de sangue quente, fala-se coisas que não existem", completou o candidato.
"Vejo esse movimento (das mulheres) como uma peça a mais numa onda que começou a se armar na última semana contra ele. É a primeira vez, pelo que eu me lembro, que a sociedade se articula em campanha contra um candidato numa eleição presidencial no Brasil", nota cientista político da UFRJ.
Bolsonaro em reunião com mulheresDireito de imagemREUTERS
Image captionDesempenho de Bolsonaro é mais fraco entre as mulheres de menor renda, aponta Ibope
Já o professor de direito e relações internacionais na Universidade LaSalle, Fabricio Pontin, se mostra cético quanto ao impacto do movimento #EleNão na eleição. Embora ele considere a mobilização importante para aglutinar a oposição ao candidato do PSL, não acredita que será capaz de reverter votos já conquistados por Bolsonaro - as pesquisas mostram um grau alto de convicção entre esses eleitores - ou capturar muitos indecisos para outros concorrentes.
Pontin ressalta que houve movimento semelhante nos Estados Unidos, sob a hashtah #resistance (#resistência, em tradução literal) contra a candidatura de Donald Trump e ainda assim ele venceu a disputa.
"O eleitor que vota em Bolsonaro, assim como o que votou em Trump, já conhece seus problemas, mas considera que ele é diferente da classe política", destaca.
"E eu me pergunto, quanta gente indecisa vai votar? O número de indecisos já caiu muito nas pesquisas, me parece que os que não têm candidato até agora não vão votar ou vão anular", pondera ainda.
Mulheres protestam contra BolsonaroDireito de imagemREUTERS
Image caption'É muito difícil que um candidato com alta rejeição feminina vença uma eleição de dois turnos', avalia cientista político

Disputa nas redes sociais

A movimentação nas redes sociais reforça os sinais de que o debate de gênero ganhou papel de destaque na eleição brasileira. A Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da FGV, que vem monitorando a movimentação dos internautas, mostrou em relatório recente que o movimento #EleNão impulsionou cerca de 1,4 milhão de menções no Twitter entre 12 e 24 de setembro. Por outro lado, a reação a esse movimento realizou no mesmo período 284 mil usos da hashtag #EleSim.
Já o último monitoramento semanal da Daap sobre eleições, mostrou que entre 19 e 15 de setembro houve 8,8 milhões de tuítes com teor político, sendo que metade dos perfis engajados nesse debate se manifestaram contra Bolsonaro. Segundo o levantamento, nesse grupo houve "várias publicações com a hashtag #EleNão".
Para a cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e apoiadora do #EleNão, o movimento tem sim capacidade de virar votos contra o líder das pesquisas. Ela diz que o movimento de articulação feminina em massa dentro do processo eleitoral é inédito e está trazendo muitas delas pela primeira vez ao debate público. O grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro" no Facebook reuniu em menos de três semanas mais de 3 milhões de integrantes.
"O movimento está muito forte. Há um diálogo direto entre as mulheres: é a eleitora que convence a tia, a avó, uma vizinha a não votar no Bolsonaro", exemplifica.
Outra pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, projeto do Grupo de Políticas Públicas da USP, também mostra a importância que as questões de gênero ganharam nessa eleição.
Os pesquisadores monitoraram 115 páginas no Facebook de grande alcance que promovem a candidatura do Bolsonaro durante os 40 primeiros dias de campanha (16 de agosto a 25 de setembro) e detectaram que os três temas que mais geraram compatilhamentos pelos seguidores foram: as postagens antissistema e anti-PT (2 milhões); as publicações com críticas a mídia (1,3 milhão); e as mensagens sobre feminismo e mulheres (1,1 milhão).
Essas questões superaram em muito o engajamento com postagens sobre corrupção (338 mil compartilhamentos) e armamentos (229 mil), por exemplo.
Mulher sorri com uma placa junto ao topo da cabeça, com os dizeres "Ele não", em evento de campanha do PT em São PauloDireito de imagemREUTERS
Image caption'O movimento está muito forte. Há um diálogo direto entre as mulheres: é a eleitora que convence a tia, a avó, uma vizinha a não votar no Bolsonaro', diz cientista social
"As questões que envolvem a mulher parecem ser uma obsessão da campanha, já que as mulheres constituem um dos principais grupos demográficos nos quais o candidato tem dificuldade em encontrar adesão", destaca o estudo.
Um dos autores do levantamento, o filósofo Pablo Ortellado, ressalta que a discussão sobre e igualdade salarial entre trabalhadoras e trabalhadores foi o tema relacionado às mulheres que mais gerou engajamento entre os apoiadores de Bolsonaro.
"Acredito que mais importante que os protestos desse sábado é o movimento #EleNão nas redes sociais. O jogo eleitoral desse ano está acontecendo nas redes", destaca.
Os protestos convocados para as ruas, porém, geram preocupação na campanha de Bolsonaro. O temor é que algum conflito que venha a ocorrer nesses atos possa prejudicar o candidato. Nesse sentido, o deputado federal Fernando Francischini, do PSL, encaminhou um requerimento à Polícia Federal para que reforce a segurança durante as manifestações.
Defensorias públicas em diferentes estados anunciaram que farão plantão no sábado para atender eventuais vítimas de agressão. A Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap) também acompanhará os protestos. 
Com informações de:

Professor Edgar Bom Jardim - PE

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