quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Daniel Silveira espalhou fake news sobre covid-19 e hostilizou policial que pediu máscara



Deputado Daniel Silveira
Legenda da foto,

Deputado Daniel Silveira foi preso nesta terça (16) após ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal

Os seguidores do deputado Daniel Silveira nas redes sociais receberam uma enxurrada de desinformação e notícias fora de contexto sobre a pandemia de covid-19 no último ano.

Preso em flagrante na noite desta terça (16/2) a mando do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes após ataques feitos a ministros da corte, o deputado federal do Rio já disse que "a covid-19 idiotiza as pessoas", chamou a pandemia de "fraudemia", contestou a eficácia e segurança da vacinação e defendeu o tratamento precoce com medicamento comprovadamente ineficaz para a doença.

O Twitter chegou a colocar a marcação de "publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à COVID-19" em ao menos uma postagem antiga sua.

A assessoria de imprensa do deputado disse, por WhatsApp, que seus questionamentos são baseados em opiniões médicas e científicas, citando "o bombardeio de informações midiáticas que utilizam o medo como ferramenta de controle social" (leia mais abaixo).


Em janeiro, Silveira recusou-se a usar máscara em um voo, alegando que tinha dispensa médica para não usá-la, e foi retirado do avião. Agora, um vídeo que circula nesta quarta (17/2) mostra como ele também se recusou a usar máscara no Instituto Médico Legal no Rio, hostilizando uma servidora que pediu que ele a vestisse. "Se a senhora falar mais uma vez, eu não boto. Me respeita que você não está falando com um vagabundo, não. A senhora é policial, e daí? Eu também sou polícia e deputado federal", disse, antes de finalmente colocar a máscara, uma das formas de reduzir a transmissão de coronavírus.

Silveira tem 123, 9 mil seguidores no Twitter, 144 mil seguidores no Facebook e 138 mil no Instagram.

Há dois dias, o deputado publicou um vídeo no Instagram com o título "Covid-19: A Fraudemia", com um palestrante questionando a eficácia do confinamento, medida mais drástica de distanciamento físico adotada por países no mundo inteiro para diminuir casos de infecção por coronavírus. Dezenas de estudos científicos apontam que, dependendo da adesão popular em cada país, medidas de distanciamento são eficazes para reduzir de forma emergencial o número de infectados, ao lado da testagem em massa ou rastreamento de contatos.

Nesta terça (15), Silveira publicou no Facebook um vídeo que mostra uma paciente de covid-19 recebendo alta e uma profissional de saúde dizendo que a hidroxicloroquina é utilizada no hospital. A insinuação é de que a paciente se curou por causa do medicamento, fazendo com que, nos comentários do vídeo, seus seguidores defendessem o "tratamento precoce" com esse medicamento. Estudos robustos já demonstraram que a hidroxicloroquina não tem efeito para a covid-19 e pode ter efeitos colaterais. O medicamento tampouco mostrou efeito na prevenção da covid-19, levando uma médica consultada pela BBC News Brasil a apontar que "ciência mostrou que ele não funciona".

Atribuir a sobrevivência de um paciente ao uso desta medicação sem um estudo científico robusto se trata de uma evidência anedótica, sem valor científico, apontam especialistas.

Essas publicações de Daniel Silveira são apenas exemplos desta semana.

"Alguém tossia, eu respirava"

Antes disso, no ano passado, o deputado afirmou que a covid-19 "idiotiza as pessoas". Quando ele mesmo contraiu o coronavírus, explicou em um vídeo que se referia não aos pacientes de covid-19, mas sim à pandemia em geral: "Idiotizou as pessoas em massa".

Deputado Daniel Silveira
Legenda da foto,

Deputado federal disse que "a covid-19 idiotiza as pessoas"

Além disso, afirmou ter tentado contrair o vírus propositalmente. "Alguém tossia perto de mim, eu respirava. Queria logo adquirir essa porcaria para demonstrar que era mais um vírus da família da gripe, uma gripe viral. Como diz o presidente Bolsonaro, é mais uma gripezinha aí", disse em um vídeo publicado no dia 8 de junho de 2020.

A covid-19 tirou a vida de 240,9 mil brasileiros até a última terça-feira (16/2), de acordo com as estatísticas oficiais.

Mas, segundo suas publicações, Silveira não acredita nisso. Para ele, "com o passar do tempo, a verdade a respeito desta pandemia surgirá". "Mortes que não foram por covid-19 aparecerão", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo no ano passado.

Silveira é contrário à vacinação obrigatória, que chegou a ser defendida pelo governador de São Paulo, João Doria. Mas também já demonstrou ser contrário à vacina em si.

Em 22 de dezembro de 2020, escreveu no Twitter que não tomaria "vacina alguma" e que "em nenhuma hipótese" suas filhas a tomariam.

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Naquele mês, também escreveu que, caso a vacina contra a covid-19 tenha sido elaborada agora, "estão cometendo um crime por tentar impô-la sem devidos testes de segurança necessários". Se não foi elaborada agora, "mas vem sendo testada há mais de cinco anos, cometeram um crime de guerra biológica em escala mundial", escreveu, adotando um discurso considerado conspiratório e bastante usado por pessoas que tentam minar a credibilidade das vacinas.

No fim de janeiro, publicou um texto no Twitter destacando que 6,6% das pessoas que haviam tomado a vacina da Pfizer, em Israel, tinham sido contaminadas com o coronavírus. O próprio texto publicado por ele diz que "a maioria dos infectados havia contraído o vírus logo após receber a primeira dose da vacina". "A explicação apresentada é que a inoculação ainda não havia surtido efeito."

Na época, o médico israelense Nachman Ash, responsável pela resposta de Israel ao coronavírus, afirmou que doses únicas da vacina da Pfizer não davam tanta proteção contra a doença como se imaginava. Mas o Ministério da Saúde de Israel o corrigiu, dizendo que "o impacto de proteção total" da vacina ainda seria observado, e que seus comentários tinham sido feitos fora de contexto e que, portanto, eram errôneos. De acordo com a própria Pfizer, uma única dose de sua vacina é cerca de 52% eficaz.

A explicação é de que, depois da vacinação, o corpo precisa de tempo para reconhecer o material genético do vírus e criar uma resposta imune, produzindo anticorpos e células T contra o vírus. Cientistas dizem que esse processo leva no mínimo duas semanas, talvez mais. Ou seja, a resposta não é imediata. Portanto, ter recebido a primeira dose da vacina e ter se infectado com o vírus não significa que a vacina não seja eficaz.

O país, que aplicou o maior número de doses per capita no mundo, é o principal exemplo de como a vacinação em massa reduz as infecções sintomáticas de coronavírus, segundo dados divulgados no fim de semana pelo maior grupo de saúde de Israel, Clalit. A empresa analisou 600 mil pessoas vacinadas e 600 mil pessoas não vacinadas no país, coordenando idade e estado de saúde em cada grupo. O estudo, cujos dados finais ainda não foram publicados, encontrou 94% menos infecções por coronavírus entre o grupo vacinado. Além disso, as duas doses da vacina preveniram quase todos os casos de doenças graves.

A assessoria de imprensa de Silveira declarou que o deputado tem uma dispensa médica para não utilizar máscaras. Questionada, não informou qual é a justificativa médica. Afirmou que a declaração de Silveira sobre a covid-19 "idiotizar" pessoas "se refere ao bombardeio de informações midiáticas que utilizam o medo como ferramenta de controle social". Sobre o confinamento, afirmou: "Lockdown não funcionou em lugar nenhum e não é ciência. É defendido apenas por uma parte de médicos e cientistas que atendem o protocolo global, e o fato de somente essa corrente ter espaço midiático, vende-se a ideia de que eles são a maioria e de que existe consenso. Uma mentira!"

A assessoria do deputado também disse que o questionamento à eficácia de vacinas é baseado em opiniões médicas e científicas "que afirmam e provam que etapas nos testes foram comprimidas e até ignoradas". O chamado "tratamento precoce", disse a assessoria, "salva vidas" e "milhares" de médicos no Brasil o defendem "pautados em estudos relevantes e significativos".

  • Juliana Gragnani
  • Da BBC News Brasil em Londres
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Museu de Bom Jardim recebe doações




As primeiras doações recebidas para o acervo do Museu de Bom Jardim foram: escultura, livros, objetos de época(antiguidade) e artesanato.

O artista plástico e artesão Marcos Ferreira da Silva fez a doação da escultura pássaro preto; O jornalista Jacson Lucena Souto Maior doou 5 volumes do livros de sua autoria intitulado "O  Teatro na Terra da Música", uma réplica do jornal Diário de Pernambuco, edição 1 de 1825 , o Jornal o Literário, edição 2 de 1936,  cópias xerox de cartazes de jornais locais, fragmentos de matérias jornalísticas e  cópias de cartazes de anúncios de espetáculo de teatro; O teólogo José Célio doou uma concha de pau antiga e uma máquina furadeira manual de ferro importada. As artesãs Maria José, Ivanilda Oliveira e Maria Cabral doaram bonecas de tecido e buchas.

Aos poucos as doações serão incorporadas às exposições temáticas do espaço cultural. É também missão do museu salvaguardar, preservar, difundir nossa história , cultura e patrimônio. O Museu é um equipamento cultural particular que visa a prestar serviços a toda comunidade, valorizar a arte,  contribuir para o desenvolvimento da educação e a paz social.

Por Edgar S. Santos - Museu de Bom Jardim.
Foto: Acervo Museu de Bom Jardim
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Ensino diferenciado: Estudantes do Travessia visitam 2ª Bienal Bom Jardim Arte




Dentre as celebridades que visitaram a  2ª BJ ARTE no Museu de Bom Jardim, realizada no período de 25 de janeiro a 11 de fevereiro 2021, destacamos os estudantes do Travessia da Escola Estadual Raimundo Honório e podemos afirmar que para esses alunos a visita ao Museu de Bom Jardim foi memorável.

A maioria dos estudantes da turma concluinte do curso nunca tiveram a oportunidade de conhecer um museu. Durante a visita, a professora Ieda de Fátima e o coordenador Edgar Santos fizeram mediação nas falas e explicações ao lado de Alexandre Agnaldo, estudante universitário que atuou na mostra como monitor do museu.

Após a visita, a professora Ieda de Fátima fez um debate sobre as aprendizagens vivenciadas na excursão. Os estudantes farão um relatório escrito. 

"Ao meu ver a turma ficou encantada, puderam resgatar um pouco da história da nossa cidade", declarou Ieda.

Leia Também: http://professoredgarbomjardim-pe.blogspot.com/2021/02/ainda-ha-tempo-para-visitar-bienal-de.html



Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Carnaval 2021: VIII Encontro de Burrinhas, Caboclinhos, Catirinas e Maracatus de Pernambuco mobilizou a cultura popular de Bom Jardim.




Seguindo as devidas recomendações das autoridades de saúde diante da pandemia de coronavírus, o Museu de Bom Jardim realizou nesta terça-feira, 17 de fevereiro de 2021, o  VIII Encontro de Burrinhas, Caboclinhos, Catirinas e Maracatus de Pernambuco, por meio de apresentações culturais simbólicas no espaço interno de sua sede localizada no centro da cidade de Bom Jardim.

As  breves apresentações culturais foram gravadas e editadas  para exibição nas plataformas digitais. A parceria foi firmada entre o Museu de Bom Jardim, O Grupo Cultural Burrinhas da Chã de Cícero, O Grupo Cultural Caboclinhos da Espera, Yonne lopes CIA de de Ballet e Everson Antônio do Grupo de Dança Evolução , ambos ex-integrantes do Balé Popular .

A ação cultural foi combinada no espírito da Lei Aldir Blanc, uma vez que havia um acordo entre as instituições e pessoas envolvidas no sentido de beneficiar o público e realizar esta primeira etapa do  VIII Encontro de Burrinhas, Caboclinhos, Catirinas e Maracatus de Pernambuco. O projeto segue para um segundo momento conforme vacinação e incentivos culturais das instituições públicas e patrocinadores.

Acesse mais sobre o evento no canal Museu de Bom Jardim no YouTube    ( https://www.youtube.com/results?search_query=museu+de+bom+jardim  )  no Facebook emhttps://www.facebook.com/museudebomjardimpe no Instagram: @museudebomjardimpe  

Professor Edgar Bom Jardim - PE


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

EVANGÉLICOS ESTÃO TOMANDO O LUGAR DOS CATÓLICOS NO MST DO RIO


Apesar da ligação histórica com o movimento, agora a Igreja Católica perde espaço no maior assentamento do Rio de Janeiro.


A APOSENTADA ZULMIRA CUNHA, 76 anos, se cansou da Igreja Católica. Assim como outras mulheres que vivem no assentamento Zumbi dos Palmares, em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro, ela não se identificava com os padres católicos, jovens e sem experiência conjugal. Acabou se convertendo à Assembleia de Deus. Na ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o MST, onde vivem mais de 500 famílias desde o fim dos anos 1990, a expansão do neopentecostalismo é gigantesca. Nos cinco núcleos do assentamento, há 12 templos e comunidades religiosas, 11 deles evangélicos. A Assembleia de Deus tem sete, a Igreja Universal do Reino de Deus, dois. A Igreja Católica, que outrora era dominante entre os assentados, resiste em uma única capela.

Maior assentamento do estado do Rio de Janeiro e quarto maior do país, o Zumbi dos Palmares viu o número de evangélicos assentados crescer cerca de dez vezes na última década. Eram meros 7% em 1999 – dois anos após a ocupação da área. Na época, 86% dos assentados se diziam católicos e 3% adeptos de religiões de matriz africana. Hoje, são 72% evangélicos, e apenas 15% são católicos. O número de seguidores de religiões afro não se alterou, enquanto o de evangélicos explodiu.

Os dados são da pesquisa “Pentecostalização Assentada no Assentamento Zumbi dos Palmares”, realizada pelo teólogo Fábio Py e o geógrafo Marcos Pedlowski, ambos professores do programa de pós-graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, a Uenf. O estudo, que levou três anos, acaba de ser publicado na revista acadêmica Perspectiva Teológica, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte.

“É impressionante a quantidade de evangélicos nos assentamentos no Brasil e em movimentos como o MST e também o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto]. Chama a atenção a quantidade de lideranças evangélicas que estão sendo construídas. E com uma atuação bastante relevante das mulheres”, constata Py, doutor em teologia. “Não são mais católicos, como eram no começo, são pentecostais. É uma outra linguagem que está se construindo nessas periferias rurais, nos assentamentos.”.

No assentamento, resistem cerca de 20 pessoas, em média, nas celebrações da Igreja Católica. Um dos espaços de oração dos católicos acabou fechado nos últimos anos por falta de público e de padre. Zulmira, fiel católica no início da ocupação, lembra, “com todo o respeito”, que era atendida por um padre “menino de 20, 30 anos, que tinha acabado de sair do seminário, não entendendo nada do que a vida tem”. Segundo ela, o padre “não sabe o que é criar filhos, netos, muito menos o que é se deitar todos os dias com a mesma pessoa trabalhando na roça”, disse ela ao pesquisador, em entrevista mencionada no estudo.

A falta de sintonia dos padres com a comunidade era evidente, segundo relatos. Em dezembro de 2017, numa celebração de fim de ano, um padre de 27 anos, que não visitava o assentamento havia dois anos, chegou ao local trajando uma vestimenta usada por jesuítas, com gola clerical e outros adornos. Estava ainda cercado por 20 seminaristas, todos jovens, que faziam uma barreira entre ele e o povo. Questionado por um outro religioso sobre a roupa, que não seria adequada para o local, o padre disse não haver “nada mais santo do que a roupa jesuítica”.

As mulheres do assentamento preferem conversar com os pastores, em vez dos padres, por achar que eles – que podem se casar –, entendem melhor os seus problemas. “Ao contrário do padre, que não pode se casar, namorar, pelo menos o pastor sabe da vida de casado”, disse Zulmira. “A vida na roça e de casa é muito dura para chegar uma vez no mês e escutar o padre falar sobre um monte de gente, histórias, estudos, e não falar nada para mim, nada da vida aqui. Ainda por cima, passa um monte de reza nas confissões”, desabafou.

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Assembleia de Deus é a igreja mais presente no assentamento: são sete templos. 

Foto: Arquivo Pessoal/Fábio Py

A CPT perde espaço

O assentamento Zumbi dos Palmares tem uma área de 8.500 hectares – o equivalente a 8,5 mil Maracanãs – que pertencia a uma antiga e falida usina de cana-de-açúcar, a São João, abandonada desde a década de 1980. Campos de Goytacazes viveu o apogeu da lavoura canavieira no país no início do século 20. Décadas depois, o setor enfrentou uma grave crise. As usinas faliram por conta dos cortes dos subsídios do governo federal para a produção de cana e álcool, e os trabalhadores rurais da região ficaram desempregados.

Formado por nove fazendas, o latifúndio da usina São João foi ocupado por 559 famílias, inicialmente, em abril de 1997. Entre os assentados, havia trabalhadores da usina e moradores de favelas de Campos e cidades vizinhas, como Macaé e São Francisco de Itabapoana, recrutados por líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Comissão Pastoral da Terra, a CPT, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e vinculado à Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz.

Seis meses depois da ocupação, a área foi desapropriada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. No mesmo ano, houve a emissão de posse pelo Incra. No momento, estão lá 506 famílias. Onde só se plantava cana-de-açúcar, há agora o cultivo de frutas, legumes e hortaliças, além da produção de ovos, que geram renda para os assentados.

Pastores ‘fizeram um trabalho mais intenso no dia a dia junto às pessoas’.

Embora sem o apoio oficial da diocese de Campos dos Goytacazes – tradicionalmente ligada à ala conservadora católica –, membros da CPT sempre tiveram fortes vínculos com o assentamento Zumbi dos Palmares. Participaram ativamente de sua organização, incentivaram encontros em missas mensais, ajudaram na formação política dos cortadores de cana e de outros trabalhadores rurais sem terra e implantaram no local projetos como o Movimento Fé e Cidadania, Movimento pela Educação no Campo, escolinhas de agroecologia e de estudos bíblicos (ligados à leitura popular da Bíblia), além de ações de erradicação de trabalho escravo e o acompanhamento de comunidades quilombolas.

O órgão católico também ajudou a manter um ambulatório médico no acampamento. Entre outras atividades, seus agentes ensinaram os moradores a manejar uma horta com plantas medicinais. “Os padres atuaram e ajudaram muito mais o movimento na luta pela terra do que os pastores. Estiveram mais presentes. Não lembro de pastores contribuindo nas ações. Apenas um no assentamento tem proximidade com o movimento”, diz Alcimaro Martins, agente da CPT, trabalhador rural e assentado no Zumbi dos Palmares.

Ex-seminarista, ele observa, no entanto, que os pastores “fizeram um trabalho mais intenso no dia a dia junto às pessoas, formando uma nova comunidade no assentamento”. Embora seja presidida por um bispo católico, a CPT tem caráter ecumênico, ou seja, é composta por pessoas de diferentes religiões. Mantém em seus quadros membros de outras igrejas protestantes, por exemplo.

A proximidade, no entanto, não foi suficiente para frear a expansão neopentecostal.

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Igreja Católica ajudou a estruturar o espaço onde hoje são cultivados legumes, frutas e hortaliças. Hoje, sua presença minguou. Fotos: Arquivo Pessoal/Fábio Py

Uma nova comunidade

O MST disse não haver comprovação de que evangélicos são maioria em seus assentamentos pelo Brasil, porque não há um levantamento nacional sobre o tema. Nelson Freitas, membro da direção nacional do movimento e ex-integrante da Pastoral Operária Católica, reconheceu, no entanto, que os pentecostais são maioria hoje nos assentamentos no Rio de Janeiro. Disse acreditar que eles representam “uns 80%” dos assentados. Ressalta, porém, que é importante separar quem é da direção, as lideranças e a base do movimento. “A pessoa pode ser de uma religião evangélica, mas o seu comportamento político ser bem diferente daquele da igreja. O MST, nos assentamentos, mantém em prática a sua linha de ação e as suas diretrizes”, observa.

A mudança no perfil religioso dentro do assentamento do MST adianta a tendência do restante do país. De acordo com o último Censo do IBGE, em 2010, católicos somam 64,6% da população brasileira contra 22,2% dos evangélicos. Pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, José Eustáquio Alves prevê que, em dois anos, os católicos estarão abaixo dos 50% pela primeira vez no país. Até 2040, a expectativa é que os evangélicos assumam a dianteira.

O teólogo Fábio Py, protestante de origem luterana e batista e que também presta assessoria à CPT, contou ter ouvido de um líder do MST em 2015 que 40% dos integrantes do movimento eram evangélicos. Em visitas depois a assentamentos, no entanto, constatou que o número era muito maior. Um exemplo: entre as 12 integrantes do coletivo de mulheres do Zumbi de Palmares, atualmente, 80% são evangélicas.

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Evangélicos são mais dinâmicos: alugam, abrem a igreja e, se não der muito certo, fecham e partem para outra.

 

Foto: Arquivo Pessoal/Fábio Py

Práticas de gabinete

O dirigente dos sem terra Nelson Freitas explica que o público do MST mudou muito nos últimos anos. Com o avanço do agronegócio, diminuiu, segundo ele, o número do trabalhador rural nato, aquele que vivia só no campo. “No Rio, onde a gente busca o público para as ocupações? Estão nas chamadas periferias, nos arredores das cidades grandes e médias. E uma das poucas organizações da qual esse público participa é a igreja. E hoje, qual é a igreja? É a evangélica”, responde.

Para ele, o fato de a Igreja Católica ter diminuído a força das comunidades eclesiais de base, as CEBs, e contido o avanço da Teologia da Libertação no Brasil acabou afastando grande parte dos militantes católicos das ações sociais na periferia. Esse vácuo foi ocupado pelos evangélicos, avalia. “Outra questão é que começamos a nos preocupar com a construção de um partido político nosso. Na medida que elegíamos alguém para o Legislativo, era uma vitória, mas arrastávamos para os gabinetes de vereador e deputado aquela pessoa que estava na rua no dia a dia fazendo um trabalho. Hoje, muitas dessas pessoas têm uma política bem intencionada, mas não têm vínculo com o povo. Têm práticas de gabinete”, detecta.

Para o padre e teólogo Manoel Godoy, professor da Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte e do Centro Bíblico Teológico Pastoral do Conselho Episcopal Latino-Americano, a Igreja Católica precisa se adequar à celeridade da vida urbana. Ex-assessor da CNBB, Godoy vê lentidão do catolicismo para responder às necessidades da população. “A demora para construção de um templo católico é tão cultural que, quando algo tarda muito, é costume dizer: ‘parece obra da igreja’. Alugar um salão para o funcionamento de uma comunidade católica não está nos planos da instituição. Ela sempre vai atrás de compra de terreno e construção. Os evangélicos não têm essa dificuldade. Alugam, abrem a igreja e, se não der muito certo, fecham e partem para outra. Isso não é da cultura da instituição católica”, observa.

Outro obstáculo, segundo Godoy, é a demora na formação de um líder na Igreja Católica, além da centralização exacerbada da evangelização nas mãos do clero. “Os inúmeros leigos e leigas que participam das comunidades católicas são muito passivos e dependentes do clero. Não agem com autonomia, nada decidem. Tudo se concentra nas mãos do clero. Desta forma, fica muito difícil a multiplicação de centros comunitários”.

Evangélicos ganharam mais força com os militares: era uma maneira de resistir à militância católica de esquerda.

Ele sugere medidas urgentes a serem tomadas pelas lideranças católicas, como a “celeridade na formação de lideranças, a flexibilização na lei do celibato, um melhor aproveitamento dos leigos e leigas que já participam da vida da igreja e a valorização maior sobretudo das mulheres”. Propõe ainda um resgate dos padres casados, “que são bem formados e capacitados para o exercício do ministério”. E acrescenta: “Ficar fixado num modelo único de padre é perder o bonde da história. Faz-se necessário criar novos modelos do exercício do ministério: casados, padres de equipes pastorais e ordenação de mulheres”.

O padre Godoy lembra que, desde a década de 1960, com o surgimento dos primeiros pastores televisivos, como Rex Humbard e Billy Graham, a pregação neopentecostal com base na teologia da prosperidade ganhou terreno no país, principalmente no rádio e televisão. “Com os militares, os evangélicos ganharam mais força, pois eles perceberam que seria uma maneira prática e barata de enfrentar a militância católica que se alinhava mais com as teses da esquerda, por meio das CEBs e da Teologia da Libertação”, afirma.

Godoy concorda que o avanço das igrejas pentecostais e neopentecostais “é um fenômeno nacional”, com crescimento vertiginoso nas periferias e favelas. “Um nordestino que chegava ao Rio de Janeiro subia o morro como Severino e descia como pastor, com a Bíblia debaixo do braço. Já se disse que era uma forma de sobreviver numa situação adversa e hostil. O terno e a Bíblia lhe conferiam uma certa autoridade”, afirma.

O ex-assessor da CNBB diz que, em regiões como a periferia de Belo Horizonte, onde atua, o crescimento evangélico é de tal magnitude que “o católico passou a ser identificado com características bem demarcadas: classe média e alta, escolarização superior, idade mais avançada e residentes de bairros mais nobres da capital”. Em Campos dos Goytacazes, a população católica hoje também está nas áreas nobres e centrais da cidade, enquanto os pentecostais predominam em assentamentos e nos bairros periféricos.

O papa Francisco terá muito trabalho para tentar reverter esse quadro.

Gilberto Nascimento
theintercept.com/
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 14 de fevereiro de 2021

O deputado da bancada da bala que forjou o próprio atentado


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Loester Trutis foi eleito na onda conservadora de 2018. Antes da posse, vendia “Trump Burguer” em uma lanchonete em Mato Grosso do Sul.

 

Foto: Assessoria Loester Trutis



O maior lobista pró-armas de Bolsonaro só não está preso graças ao pacote que Sergio Moro chamava de anticrime.

O DEPUTADO BOLSONARISTA Loester Trutis relata ter sofrido uma emboscada em fevereiro do ano passado. Ele e seu assessor estariam na rodovia BR-060, entre Sidrolândia e Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, quando o motorista de uma caminhonete emparelhou com o seu carro e disparou uma rajada de tiros de carabina. Por milagre, nenhum dos tiros teria atingido o deputado e seu assessor, que dirigia o carro. O deputado, que estaria descansando no banco de trás, disse que reagiu valentemente com tiros, colocando os criminosos para correr. Orgulhoso do seu heroísmo, escreveu no Facebook ao lado de uma foto do seu carro alvejado: “Graças a Deus pude revidar e aguardar a chegada da polícia. Quem achou que eu ia parar ou me calar, digo que estamos apenas começando e sigo trabalhando”.

Trutis contou para a Polícia Federal que suspeitava que os criminosos fossem traficantes de drogas e cigarros insatisfeitos com sua atuação parlamentar implacável contra a bandidagem. Realmente seria um ato heroico, digno de Hollywood, se não fosse só mais uma mentira escabrosa dita por um político bolsonarista. Sim, Loester Trutis forjou o atentado. Pelo menos foi isso o que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal concluíram após meses de investigação.


Nenhuma das informações fornecidas pelo deputado batiam com o que foi apurado pela PF, o que fez com que os policiais desconfiassem da história. O GPS do carro indicava localizações completamente diferentes das relatadas por Trutis. Ele também informou o modelo e o final da placa da caminhonete, mas as câmeras de segurança da rodovia não registraram a passagem do veículo. Com os dados fornecidos, a polícia encontrou a única caminhonete que batia com a descrição: era de propriedade de um fazendeiro de 71 anos, velha, com problemas mecânicos que a tornavam inútil para uma perseguição em alta velocidade numa rodovia. Com aquela inteligência própria dos reacionários, Trutis deu detalhes das armas dos atiradores: “CTT, calibre .40, […] não se tratava de um fuzil, pois o carregador era retilíneo e não curvo”. Mas a perícia indicou que os tiros partiram de uma Glock 9mm de um atirador que estava em pé e parado. O modelo da arma é o mesmo de uma que o deputado gostava de exibir nas redes sociais. O exibicionismo bélico, esse fetiche do bolsonarismo, fez os investigadores ficarem ainda mais desconfiados.

Mas qual seria a motivação de Trutis em simular um atentado? A PF e o MPF concluíram que ele queria faturar politicamente em cima do caso. O MPF apontou que o deputado seguiu fazendo postagens sobre o atentado durante muito tempo, “sempre associando os fatos a uma disputa política no Mato Grosso do Sul e exaltando o fato de que estava armado”. A conclusão das autoridades faz todo sentido, já que a principal pauta de Trutis na política é justamente a flexibilização do Estatuto do Desarmamento.

Em sua casa, foram encontradas um arsenal de armas: a pistola Glock que ele adorava exibir na internet, um fuzil, um revólver calibre 357 e muita munição. Além de estarem em nome de laranjas, todas essas armas são ilegais, pois são de uso restrito. Outro agravante: o deputado estava impedido de ter armas em seu nome porque a lei exige uma ficha criminal limpa, o que definitivamente não é o seu caso. Trutis tem antecedentes criminais, que vão de violência doméstica a tentativa de estupro.


O machão foi preso em flagrante, mas ficou apenas um dia na cadeia. A ministra Rosa Weber determinou a soltura imediata do parlamentar com base numa mudança feita pelo pacote anticrime de Sergio Moro: a Lei 13.965, aprovada no Congresso com o voto favorável de Trutis, mudou a pena para o flagrante de posse de arma de uso restrito, que deixou de ser um crime inafiançável. Um sujeito como Trutis pode agora desfrutar da liberdade graças às medidas de Moro e Bolsonaro. É irônico que o pacote seja chamado de anticrime.

Uma lei do pacote anticrime de Moro livrou Trutis da prisão por porte ilegal de armas.

 

Foto: Reprodução/Facebook

Loester Trutis é um legítimo representante do jeito novo de fazer política consagrado pelo bolsonarismo. Até pouco tempo antes de se candidatar pela primeira vez em 2018 e ser eleito na onda reacionária que tomou conta do país, Trutis era um cidadão comum, proprietário de lanchonete e militante reacionário na internet. Atacava comunistas e xingava jornalistas, a quem costuma chamar de “maconheiros”. Ficou famoso nas redes sociais por vender em sua lanchonete o Bolso Burger, The Trump Burger e o Geisel Burger, uma homenagem aos extremistas de direita.

Durante a eleição, apresentou-se como um cidadão de bem que luta em defesa da família e pelo direito de andar armado. O seu jingle de campanha era uma paródia da música tema do filme Tropa de Elite: “chegou o Tio Trutis, osso duro de roer. Malandro e maconheiro ele vai mandar prender”. A letra da música também exaltava a Polícia Federal, a mesma que hoje ele acusa de manipular as investigações do seu atentado falso.

Apesar de neófito na política, o deputado é da linha de frente da bancada da bala. “Tio Trutis”, como é conhecido, é o idealizador da segunda bancada da bala, criada para defender a facilitação da compra, posse e porte de armas de fogo. Inclusive, ele usou o fato de presidir a bancada para justificar seu arsenal de armas ilegais: “Sim, foram encontradas várias armas na minha casa, pois sou o presidente da Frente Parlamentar Armamentista, presidente do Instituto Brasileiro da Cultura Armamentista. Porra, vocês queriam que achassem o que na minha casa?”.

A bancada da bala nunca esteve tão poderosa e vem crescendo com base em falácias rejeitadas por todos os especialistas em segurança pública. As mentiras do bolsonarismo seguem matando.

Frente Parlamentar Armamentista nasceu da iniciativa de Trutis, que logo no começo do mandato recolheu assinaturas para a sua criação. O lobby para a indústria de armas é descarado. Trutis e outros quatro deputados do PSL, integrantes da nova frente, foram até o Rio Grande do Sul para visitar a fábrica da Taurus, líder do mercado nacional. A Taurus fabrica mais de 1 milhão de pistolas, fuzis, submetralhadoras e revólveres por ano. A viagem dos deputados foi bancada pela Associação Nacional de Indústria de Armas e Munições (Aniam), da qual a Taurus é filiada.

Graças ao desfiguramento do Estatuto do Desarmamento, resultado desse lobby bolsonarista, nunca circularam tantas armas no país. Durante o governo Bolsonaro, a importação de revólveres e pistolas é maior que nos governos Lula, Dilma e Temer somados. Em dois anos, foram importadas mais armas do que nos 16 anos anteriores. Em 2020, houve uma alta de importação de 94% em relação ao ano anterior, e a expectativa para 2021 é ainda maior. A explosão de registro de novas armas no último ano aconteceu em meio à alta no número de homicídios.

Negar a relação do aumento de homicídios com o aumento de pessoas armadas é negar a ciência. Estudos do Mapa da Violência calculam que o Estatuto do Desarmamento foi responsável por salvar mais de 160 mil vidas entre 2003 e 2015. A relação direta entre o aumento do número de armas e o de homicídios não está em debate entre os especialistas. Trata-se de um consenso científico. O esquartejamento do estatuto, sustentado pela falsa ideia de que  cidadãos armados estão mais protegidos, favoreceu a criminalidade. Estudos mostram que entre 30% e 40% das armas apreendidas pela polícia com criminosos foram compradas legalmente por pessoas não envolvidas em crimes. As milícias agradecem. Afirmar que há mais segurança com cidadãos mais armados é mais um negacionismo assassino — algo que a pandemia mostrou ser um traço fundamental do bolsonarismo.

Durante a campanha para a presidência da Câmara, Arthur Lira foi a Campo Grande para costurar apoios com a bancada sul mato-grossense. Entre os deputados presentes estava Trutis que, apesar de parte do seu partido ter orientado o voto em Baleia Rossi, se rebelou para atender um “pedido do Planalto”. Na verdade, ter aderido ao bloco vencedor pode ajudá-lo a garantir a manutenção do mandato em um provável processo no Conselho de Ética por conta do falso atentado.

Loester Trutis personifica o bolsonarismo na sua mais pura essência. É um negacionista sem freio, capaz de simular um atentado apenas para conquistar dividendos políticos e eleitorais. As mamadeiras de piroca fabricadas durante a campanha são brincadeira de criança perto do que o fetiche bélico bolsonarista pode fabricar. A bancada da bala nunca esteve tão poderosa e vem crescendo com base em falácias rejeitadas por todos os especialistas em segurança pública. As mentiras do bolsonarismo seguem matando.

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Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A Globo compreende os brasileiros melhor que qualquer sociólogo da USP e sabe vender opiniões de consumo fácil sobre raça.




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Comportamento de Karol Conká, Lucas e Lumena concentrou os debates sobre identitarismo, representatividade e intolerância no BBB 21.

 

Foto: Reprodução/Rede Globo

QUE A GLOBO REALIZE uma edição do reality show Big Brother em 2021, um ano depois do início da pandemia parece com aqueles momentos em que a vida nos prega uma peça. Situação inusitada em que temos um espelhamento de pessoas confinadas: eles, os influenciadores, em busca do 1,5 milhão, e nós aqui, em casa, confinados por causa da pandemia. É bem possível que muitos brasileiros já nem estejam respeitando as recomendações do isolamento social, mas sem dúvida, aquela situação que até poucos tempos atrás nos parecia surreal, quase um ato heroico, não nos é mais estranho. Em 2021, 100% dos brasileiros sabem o que é estar confinado. Estamos, portanto, diante de uma nova relação do público com o reality show.

A particularidade do BBB é o fato dos participantes saberem que estão constantemente sob os olhares dos telespectadores mais engajados. Alguns de vocês leitores lembrarão do filme “O Show de Truman”, uma fantástica crítica contra os reality shows, estrelado por Jim Carrey – seu personagem é um homem que passa os primeiros trinta anos da vida sendo o astro principal deste tipo de programa. Ele, no entanto, desconhece sua situação, o que lhe dá um aspecto de vítima de um sistema podre e perverso. Nossas estrelas de hoje, “confinadas” pela Rede Globo, estão cientes de sua situação e, por isso mesmo, são pessoas extremamente corajosas. Ou loucas. Afinal, a linha que separa a coragem da loucura é tênue. E como diz aquele velho ditado sobre a guerra: “os mais fortes e os mais corajosos sucumbem”.


É por causa disso que pareceu acertado que vários psicólogos apontassem os efeitos desse reality show sobre os candidatos. Que Lucas, um dos candidatos negros do reality tenha dado sinal de uma saúde mental deteriorada não é anedótico. Não é anedótico que, após sofrer inúmeras agressões do outros participantes, Lucas tenha desistido do programa em 7 de fevereiro. Em Terra Estranha, o melhor livro já escrito sobre a psicologia do homem negro, vemos que nós, negros, além de tentarmos ser cidadãos plenos, precisamos exorcizar a loucura que o racismo planta em nossas cabeças. Estou grato que esse problema veio à tona agora.

Vários internautas, anônimos e intelectuais, foram às redes sociais manifestar sua preocupação quanto aos efeitos que as atitudes desses influenciadores estão tendo sobre a compreensão da questão racial pelo público. Tenho recebido até mensagens de brasileiros do exterior desejando que pessoas como Sílvio Almeida e outros intelectuais respeitados se pronunciassem e, sobretudo, se distanciassem, enquanto representantes do movimento negro, das posições tomadas por certos participantes negros do reality show.

A mais controversa até o momento é, sem dúvida, a rapper Karol Conká cujas falas contra nordestinos, visões preconceituosas sobre modos de ser de pessoas negras e até mesmo especulações sobre a higiene bucal de outro participante criaram uma forte rejeição. Me parece que tudo isso que estamos vendo é sintomático de algo muito mais profundo do que muitos querem encarar: o lugar que os influenciadores ocupam em nossa sociedade é sem precedentes na história do “star system”.


Nos anos 1970, Edgar Morin escreveu um livro seminal no qual analisava o lugar das “estrelas” na sociedade capitalista moderna. Para o pensador francês, eram ao mesmo tempo deuses e a imagem das nossas próprias projeções. Elas tiravam sua aura da televisão e, especialmente, do cinema. De Sinatra a Marilyn Monroe, de James Dean a Rock Hudson ou Grace Kelly, essa “gente como a gente” ganhava um status de divindade ao ocupar as telas e enchia nosso espaço doméstico de sonhos e esperança. Os escândalos em que se envolviam consistiam numa espécie de outro lado da moeda, o preço a pagar por se parecer tanto com os deuses. No século 21, as redes sociais substituíram o cinema na construção da fama.

O ineditismo desse novo fenômeno de agora é que o status do influencer do século 21 lhe confere poderes que nem mesmo Sinatra e Grace Kelly sonhariam em ter. Os famosos das redes sociais se transformaram em autoridades morais, científicas e políticas que opinam sobre qualquer assunto. A expertise não importa mais. Importa a fama que se compreende em termos de audiência, engajamento e captura da atenção do público. Vale o número de seguidores nas redes sociais.

A Rede Globo, que compreende o coração dos brasileiros melhor que qualquer sociólogo da USP, vem investindo nesses influenciadores numa clara redefinição de seus programas. Na verdade, qualquer um de nós poderia adivinhar quem serão os candidatos do BBB 22. Podemos especular sobre alguns nomes. O leitor pode fazer isso sozinho e acertará em 45% dos casos ou mais.

O que me parece sintomático também é que vários intelectuais pensem que a atuação de Karol Conká causará um “grande dano aos esforços do movimento negro nos últimos anos”. Certamente causará. Porém, esse dano é maior que aquele causado pela presença de Sérgio Camargo na direção da Fundação Palmares? Em um caso, as falas do influencer só engajam quem as pronuncia podendo provocar algumas perdas em termos de sua imagem. Mas as falas de Camargo têm consequências vinculantes e carregam a força do estado. Apostaria que a maioria dos brasileiros nem sabe quem é Sérgio Camargo ou tampouco a importância da função que exerce na administração pública. Mas esses são os tempos em que vivemos. Tempos de forte anomia em que, paradoxalmente, muita gente tem algo a dizer.

A Rede Globo sabe perfeitamente interpretar esses tempos de anomia, que se caracterizam por sua indefinição moral, a ausência de regras e a dificuldade de construirmos consensos. Nesse sentido, temos apenas opiniões competindo entre si nessa grande arena que são as redes sociais. É aqui que a televisão intervém e se coloca, outra vez, como mediadora das nossas experiências.

Chego a me perguntar se toda a experiência humana atual não se tornou um vasto reality show. No auge das polêmicas provocadas por Karol Conká, aconteciam, em paralelo, às eleições para a presidência da Câmara e do Senado, em Brasília. Um dia após a eleição de Arthur Lira para o comando da Câmara, entrei na minha conta do Twitter e me deparei com um vídeo que era aparentemente uma festa. Havia várias pessoas elegantes dançando, pessoas alegres, adivinhei que o ritmo tocado poderia ser sertanejo. Pensei imediatamente que as intrigas da Karol Conká haviam dado lugar a uma daquelas festas que só Big Brother sabe proporcionar. Pois, não.Tratava-sena realidade, de uma reunião para comemorar a vitória do político. Reconheci a deputada Joice Hasselmann. Lá estava ela feliz outra vez e em sintonia com o governo Bolsonaro. Não era o BBB, mas era um reality show.

O fundamental aqui é captar qual a essência do produto que a televisão e as redes sociais estão vendendo. Elas vendem basicamente a falta de pudor combinado com um certo glamour, porque precisamos desejar aquilo que vemos. Mesmo que isso nos cause uma profunda dor, como aponta a socióloga Silvia Viana no livro “Rituais de Sofrimento”: precisamos desejar aquilo que nos vendem. Seja a política ou o BBB, a falta de pudor precisa sempre estar acompanhada de um certo glamour. Daí que os influencers sejam os candidatos ideais para sustentar o reality show.

Vejam, por exemplo, a forma como a questão racial é apresentada ao público. Tudo ali responde a um critério de consumo fácil e até mesmo de uma certa efemeridade. Nada precisa perdurar nas memórias. As opiniões sobre desconstrução das imagens raciais precisam ser diretas, enfáticas, brutais, às vezes. Mas, fundamentalmente, precisam ser efêmeras. Assim como as ofensas contra nordestinos, negros ou mulheres. Tudo deve ser suscetível a se perder com o tempo. Deve permanecer apenas a imagem do efêmero. Por isso, as opiniões de Silvio Almeida ou o brilho intelectual de Winnie Bueno que, certamente teria muito a dizer sobre “as imagens de controle”, não podem competir com o BBB.

Nada que possamos dizer agora poderá consertar os danos causados pelas falas polêmicas e violentas da Karol Conká porque não operamos no mesmo registro. O que escrevemos não passa pelo filtro e o controle da Rede Globo que, ao fim e ao cabo, é quem produz essas “imagens de controle” sobre a questão racial e seus representantes no debate público.

A representatividade negra e o “identitarismo” estavam melhor vistos antes do BBB21 ou ficaram piores no imaginário nacional depois dessas primeiras semanas? Do meu ponto de vista, predominam no Brasil percepções negativas tanto sobre representatividade quanto sobre “identitarismo”. Os responsáveis são principalmente os partidos políticos de esquerda e de direita. Paradoxalmente, eles não hesitam em usar eleitores negros como massa de manobra, contanto que esse debate não seja colocado na praça pública precisamente nesses termos. No final, não querem que as estruturas raciais de dominação sejam alteradas.

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Professor Edgar Bom Jardim - PE