sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Uso de máscara continua obrigatório em Pernambuco




O secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, foi questionado, durante coletiva de imprensa realizada na tarde desta quinta-feira (23), sobre a possibilidade de o Governo do Estado desobrigar o uso de máscaras em ambientes externos. 

Segundo ele, é necessário ter cerca de 80% a 90% da população pernambucana com o esquema vacinal completo, ou seja, com as duas doses, para que sejam iniciadas as discussões sobre o assunto.

“A gente considera muito cedo estar falando em abdicar do uso da máscara. Precisamos atingir percentuais de vacinação bem mais expressivos. Os países que estão fazendo isso de forma responsável, no caso de Portugal, por exemplo, estão com 80% da população vacinada com as duas doses”, disse o titular da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE).

A expectativa, de acordo com ele, é que toda a população adulta (maior de 18 anos) tenha acesso à segunda dose do esquema vacinal até o fim de novembro. Já os adolescentes devem estar ainda em processo de imunização durante o mês de dezembro.

De acordo com André Longo, Pernambuco tem, no momento, cerca de 39% da população elegível para vacinação contra a Covid-19 imunizada com as duas doses.

“A população elegível tem mudado ao longo da campanha de vacinação. Inicialmente, só contava a população acima de 18 anos. Quando você pega esse recorte, Pernambuco tem algo em torno de 45% da população com a vacinação completa. Quando começou a vacinar os adolescentes, acrescentou quase um milhão de pernambucanos nessa conta. Aí o percentual cai para em torno de 39%. Esse número (de vacinados) tem crescido, mas é preciso calcular a população elegível a partir dos avanços na campanha.”

Ainda durante a entrevista, ele afirmou que os indicadores da pandemia em Pernambuco seguem em patamares positivos, apesar de o número de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) estar  crescente há três semanas. 

"O índice de positividade para a Covid-19 dentro desses casos de SRAG não tem apresentado aumento, o que reforça apenas a circulação de outros vírus respiratórios que também podem causar quadros graves", explicou o secretário, informando que, no momento, em torno de 400 pacientes estão internados em leitos de UTI para SRAG na rede pública do Estado.  

Com Informações de Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Brasil está em 57º lugar no ranking mundial de inovação




Em ranking divulgado nesta segunda-feira (20) pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), o Brasil ocupa a 57ª posição no Índice Global de Inovação (IGI) entre 132 países. O país subiu cinco posições em relação ao ano passado, mas está 11 posições atrás de sua melhor colocação, 47º, alcançada em 2011. A classificação começou a ser publicada anualmente em 2007.

As principais fraquezas do país apontadas no ranking são Formação bruta de capital, Facilidade para abrir uma empresa, Facilidade para obtenção de crédito e Taxa tarifária aplicada. Os maiores avanços do Brasil em relação aos dados de 2020 se deram nos indicadores de Crescimento da produtividade no trabalho e de Gastos totais com software.


Na avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a colocação brasileira é incompatível com o fato de o país ser a 12ª maior economia do planeta, em 2020, e com a realidade de ter um setor empresarial sofisticado. Para o presidente da entidade, Robson Andrade, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação são fundamentais para a competitividade do país no cenário internacional.

“Uma estratégia nacional ambiciosa, que priorize o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação para o fortalecimento da indústria, tornará a economia mais dinâmica, promovendo maior equidade e bem-estar social”, afirmou.

O IGI é um dos principais instrumentos de referência para dirigentes empresariais, formuladores de políticas públicas e aos que buscam conhecimentos sobre a inovação no mundo. As diferentes métricas do ranking podem ser usadas para monitorar o desempenho de um país, comparando-o com economias da mesma região ou mesmo grupo de renda.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

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Sharia: o que é a lei islâmica que o Talebã quer aplicar no Afeganistão?


História: Política Internacional Contemporânea


Mulheres estudantes usando vestimenta que cobre o corpo todo na Síria, em 2014

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

A Sharia determina que homens e mulheres devem se vestir com 'modéstia'; o que isso significa na prática varia de país para país

Diante da preocupação internacional com a situação das mulheres no Afeganistão após o Talebã assumir o controle do país, um porta-voz do grupo fundamentalista disse que eles estão "comprometidos com os direitos das mulheres sob a Sharia (a lei islâmica)".

Mas o que isso quer dizer?

A Sharia é o sistema jurídico do Islã. É um conjunto de normas derivado de orientações do Corão, falas e condutas do profeta Maomé e jurisprudência das fatwas - pronunciamentos legais de estudiosos do Islã. Em uma tradução literal, Sharia significa "o caminho claro para a água".

A Sharia serve como diretriz para a vida que todos os muçulmanos deveriam seguir. Elas incluem orações diárias, jejum e doações para os pobres.

O código tem disposições sobre todos os aspectos da vida cotidiana, incluindo direito de família, negócios e finanças.


A lei determina que homens e mulheres precisam se vestir "com modéstia". O que isso quer dizer na prática pode variar muito, mas em geral significa que as mulheres precisam cobrir no mínimo os cabelos. É comum que os espaços sejam separados por gênero.

A lei também pode conter punições severas. O roubo, por exemplo, pode ser punido com a amputação da mão do condenado. O adultério pode levar à pena de morte - por apedrejamento.

A Organização das Nações Unidas (ONU) condena esse tipo de punição e afirma que apedrejamentos são um tipo de "tortura', um tratamento "cruel, desumano e degradante, e portanto claramente proibidos".

No entanto, a rigidez da Sharia e a forma como ela é aplicada pode variar ao redor do mundo.

Nem todos os países muçulmanos adotam esse tipo de punição e pesquisas indicaram que a opinião dos religiosos quanto a elas varia bastante ao redor do mundo.

Tariq Ramadan, um estudioso muçulmano na Europa, advoga pelo fim dos castigos corporais no mundo islâmico, argumentando que as situações sociais em que eles foram criados já não existem mais.

Uma mulher lê uma cópia do Corão

CRÉDITO,AFP

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A Sharia tem diretrizes para todos os aspectos da vida dos muçulmanos

As várias faces da Sharia

Existem muitas versões da Sharia e sua aplicação varia enormemente no mundo islâmico.

Ela pode tanto ser a base do sistema de Justiça em países islâmicos onde o Estado não é laico - onde o Corão praticamente se torna a Constituição - quanto servir apenas de orientação para ações privadas de muçulmanos em países laicos.

Por exemplo, um muçulmano que vive no Reino Unido e está na dúvida do que fazer se um colega o convida para um bar após o trabalho pode procurar um estudioso da Sharia. Ele então receberá conselhos que garantam que seus atos estão dentro do permitido pela sua religião.

No entanto algumas atitudes permitidas pela Sharia não podem ser aplicadas por cidadãos privados em países laicos por serem ilegais nesses locais.

Alguns países não-laicos, como a Arábia Saudita, por exemplo, aplicam uma forma rígida e punitiva da lei, onde homicídio e tráfico de drogas podem ser punidos com morte e onde adúlteros podem ser apedrejados.

Já na Malásia, há muitas pessoas que não são muçulmanas e as dinâmicas sociais e econômicas são diferentes, então há uma interpretação completamente diferente da lei.

Homem e mulher chegam a um tribunal em Sokoto, Nigeria, em 2002

CRÉDITO,AFP

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Muitos países não-árabes com população muçulmana têm Tribunais da Sharia; é o caso da Nigéria

Como será a aplicação da Sharia pelo Talebã no Afeganistão?

A única referência para entender como será o regime são os cinco anos nos quais o Talebã governou o país entre 1996 e 2001, quando foi retirado do poder por uma junta militar liderada pelos Estados Unidos.

Nesse período de cinco anos, a interpretação da Sharia que estava em vigor no país era uma das mais rígidas e violentas do mundo.

O país tinha execuções públicas, apedrejamentos, amputações e punições com chicotadas.

Gangues paramilitares circulavam nas ruas, atacando homens que mostravam os tornozelos ou usavam qualquer tipo de roupa ocidental.

Homens eram obrigados a deixar a barba crescer e as mulheres só se aventuravam a sair se tivessem permissão por escrito dos homens. Elas não podiam trabalhar ou estudar e precisavam usar a burca, uma vestimenta que as cobria completamente.

O Talebã já afirmou que vai aplicar a Sharia nessa segunda tomada de poder, o que levou ao desespero de mulheres afegãs.

Mesquita durante oração em Bandar Seri Begawan

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

A Sharia é derivada do Corão, de decisões de estudiosos islâmicos e das falas de Maomé

Militantes do grupo fundamentalista afirmaram à BBC que estão determinados a impor novamente sua versão da Sharia, incluindo apedrejamento por adultério e amputação de membros por roubo.

Um porta-voz do Talebã afirmou que os militantes respeitarão os direitos das mulheres e da imprensa, mas não se sabe exatamente se essa promessa será colocada em prática. Ele disse que as mulheres poderão sair de casa sozinhas e continuarão a ter acesso à educação e ao trabalho, mas terão que usar o hijab (véu islâmico).

Algumas das mulheres conseguiram fugir de áreas controladas pelo Talebã disseram que os militantes exigiam que as famílias entregassem meninas e mulheres solteiras para se tornarem esposas de seus combatentes.

Muzhda, de 35 anos, uma mulher solteira que fugiu com suas duas irmãs de Parwan para Cabul antes dos fundamentalistas tomarem a cidade, disse que tiraria a própria vida em vez de permitir que o Talebã a obrigasse a se casar.

"Estou chorando dia e noite", disse ela à agência de notícias AFP. Não se sabe se Muzhda conseguiu sair do país antes dos fundamentalistas tomarem a capital.


sábado, 18 de setembro de 2021

Nita Freire: "Quem tem a utopia de construir um mundo melhor está com Paulo Freire"



Viúva do educador reflete sobre o legado do autor e compartilha sua visão sobre a imagem de Freire nos dias de hoje


Crédito: Divulgação/Editora Paz&Terra

Para Paulo Freire, não podemos falar de Educação se não falarmos de amor. Sua amorosidade é um dos aspectos que educadores apontam como seus grandes legados. Ainda que a referência seja a um amor mais amplo, vale lançar um olhar aos dois grandes amores vivenciados pelo educador: sua primeira esposa Elza Maia da Costa Oliveira, falecida em 1986 e com quem viveu por 42 anos, e Ana Maria Araújo Freire, mais conhecida como Nita Freire, com quem dividiu a vida entre 1987 e 1997, e que continua viva e cuidando de seu legado. 

Nita e Paulo Freire se conheceram quando ela ainda não tinha completado 5 anos. Freire estudou no Colégio Oswaldo Cruz, no Recife (PE), que pertencia ao pai de Nita. Por isso, ela o conheceu ainda quando o educador era estudante de Ensino Médio. Mesmo após formado, ele permaneceu próximo à família. “Ele teve uma gratidão enorme ao meu pai, porque sem ele Paulo não teria estudado”, afirma a educadora em entrevista à NOVA ESCOLA. Eles mantiveram uma relação de amizade durante muitos anos, com Freire sendo, inclusive, professor de Nita durante a pós-graduação. Foi apenas em 1987, quando os dois ficaram viúvos, que eles se reaproximaram e deram início a um relacionamento amoroso. Eles casaram-se em 1988.   

O cotidiano do casal foi compartilhado por ambos em Nós dois: crônicas, fotografias e cartas de amor. Após a morte do educador, Nita também escreveu sobre o relacionamento no livro Nita e Paulo: crônicas de amor. “Passados alguns anos da perda de Paulo, a saudade é mais amena, não é mais a saudade que quase me impossibilitou de viver. Entretanto, ela permanece em mim como um sentimento que dá sentido à minha vida [...] Foi muito fácil de viver ao lado dele cheio de ternura e amor a dar, de bom humor menino, de sua simplicidade mesmo como um homem conhecido no mundo e de sua aceitação de como eu era. [...] Experimentei a forma mais profunda e mais plena possível do amor. Do amor de gente como Paulo", registra Nita no seu livro Paulo Freire: uma história de vida.

“Com Paulo eu vivi muitos dos momentos mais importantes de minha vida afetiva, amorosa e profissional, pois não fui e nem poderia ser simplesmente a 'mulher de Paulo Freire'. Assim prossegui meus estudos”, afirma Nita na biografia. Formada em Pedagogia e professora universitária, durante o seu relacionamento com Freire, ela concluiu a tese de mestrado e de doutorado pesquisando o analfabetismo no Brasil. Atualmente, como sua sucessora legal, a educadora dedica-se à organização, publicação e divulgação da obra de Freire. 

Por isso, próximo ao centenário do educador, Nita, que em novembro completará 88 anos, aceitou conversar com NOVA ESCOLA sobre a própria trajetória como educadora e sua visão do legado de Freire. Confira os destaques da conversa: 

NOVA ESCOLA: A senhora primeiro pausou os estudos e, já com os filhos mais velhos, retornou à universidade. Por que escolheu a Pedagogia?
NITA FREIRE: Eu tinha feito alguns anos de Engenharia. Depois eu me casei, vim morar em São Paulo e não tinha como transferir [o curso]. Então, fiquei cuidando do lar, dos meus filhos e ajudando o marido. Chegou um tempo em que a vida foi se tornando muito monótona, mecânica e pouco desafiante. 

Então, eu tive a necessidade de voltar para o mundo dos estudos. Como sou filha de educadores, a minha vida sempre foi em torno de professores. [Eu pensei]: o que eu faço melhor na minha vida, que vai ser mais interessante e fascinante para mim, é voltar para a área de Educação. Fiz vestibular e voltei [a estudar quando tinha] 40 ou 42 anos.

Como foi sua experiência como professora?
Quando terminei a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema [em São Paulo], fui chamada para dar aula em alguns colégios. No ano seguinte, fui convidada para voltar à Faculdade como professora. Foi um desafio muito grande, mas me dediquei muito e segui minha vida como educadora. Era professora efetiva na Faculdade [de Moema], depois eu também dei aula na Faculdade São Marcos e na Pontifícia Universidade Católica [de São Paulo]. Quando casei com Paulo [Freire], optei por deixar de trabalhar por uma série de razões. 

Quando era jovem [na época que fazia Engenharia] também dei aula de Matemática e de História no Colégio do meu pai para o curso de quem ia fazer o exame de admissão para ingressar no Ensino Médio. A História do Brasil sempre foi algo que me atraiu, [acredito] que quem não estudou História, hoje sente dificuldade de entender [o que acontece no país]. 

Na próxima semana, comemoramos o centenário do Paulo Freire. Qual é hoje o maior legado dele na Educação? 
Nunca foi tão necessário e tão procurado o pensamento de Paulo. É impressionante. Estou catalogando, com ajuda de ex-alunos doutores, todas as manifestações de tributo a Paulo. Só esse número de homenagens que estão sendo feitas mostra a importância dele nos dias de hoje. Ele está sendo um parâmetro de decência, de honestidade, de ética, de política para o bem das pessoas. É um pensamento que vai perdurar por muitos anos. Paulo se preocupa com as condições de humanidade dos seres humanos. Ele quer conscientizar [os oprimidos] da realidade para que possam se inserir na sociedade e possam interferir. 


Apesar de muitos anos terem se passado, as obras do autor continuam sendo muito atuais. Por que?
Hoje se discute abertamente, se mostra o interesse que se tem, a importância que tem Paulo com suas ideias postas há mais de 50 anos. O livro Pedagogia do Oprimido [publicado pela primeira vez em 1968] foi publicado nos Estados Unidos quando aqui não se podia falar [sobre política no Brasil]. As editoras de lá nos diziam, a mim e a Paulo, que um livro nos Estados Unidos e, em geral no mercado mundial, tem validade de 8 anos. No 9º ano, vende-se muito pouco, então, as editoras deixam de publicar. [Ou seja], autores que foram importantes nos anos 1990 não se publicam mais. No entanto, a obra de Paulo continua atual até hoje. Lê [hoje] qualquer um dos livros de Paulo e você pensa que escreveu ontem. Ele dizia que, para explicar a razão das coisas, a gente tinha que partir do nosso contexto. Paulo se enraizou no Recife para entender o que se passou e [supor] o que viria depois [para a Educação e a sociedade]. 

Nos últimos anos, Paulo Freire sofreu muitos ataques do governo atual. Na alta do Escola Sem Partido foram criadas muitas fake news que colocavam o educador como um doutrinador. Como a senhora vê esses ataques? Acha que isso impactou a imagem de Freire? 
Acho que não. [Na verdade, acredito que] aumentou. Hoje, a literatura de Paulo ganhou uma dimensão ainda maior, porque está sendo procurada e muito solicitada por diversos setores. Foi um autor que tentaram desmoralizar, foi chamado de energúmeno pelo capitão [a afirmação foi feita pelo Presidente Jair Bolsonaro em 2019]. Isso provocou uma curiosidade muito grande [entre os mais jovens] para saber quem era esse homem que estão acusando de coisas muito vis, quem era esse sujeito tão diabólico que tem gente que adora e quem fala que é um doutrinador. Por isso, o número de leitores de Paulo tem aumentado no Brasil e no mundo todo. 

Tem gente que está começando a ler e entender Paulo agora e se maravilham, porque ele [Freire] responde a todas as angústias. Paulo tinha a capacidade de pensar o ser humano. Como diz Ernani Maria Fiori [professor de Filosofia, contemporâneo de Freire]: Paulo não pensava em ideias, mas pensava na existência humana. Quem é adepto do amor, de uma vida mais solidária, unida, inteira, está com Paulo. Quem tem a utopia de construir um mundo melhor está com Paulo. 

Como a senhora avalia que as escolas incorporaram o pensamento freireano?  
De um modo geral, acho que estamos conseguindo entender. O número de projetos de homenagem pelo centenário não se presta a uma pessoa qualquer, mas a alguém que consideramos, respeitamos, admiramos e queremos ter presente. Tudo que ele fez foi sempre pensando em formar sujeitos históricos, sujeitos que interferem [para tornar] um mundo mais bonito. Era isso que ele queria, um mundo mais bonito. 


Em um cenário de desesperança e medo, com toda sua experiência e o legado que a senhora representa do Paulo Freire, qual é o seu sonho para Educação pública hoje? 
O Paulo é um sujeito que acredita nos sonhos, na utopia de dias melhores e que [mostra que] somos os responsáveis pela sociedade que temos, por isso devemos lutar para transformá-la sempre no sentido de melhorar e de diminuir as desavenças e as desigualdades [econômicas, sociais e educacionais]. 

Paulo fez um projeto quando secretário e executou esse projeto na Secretaria de Educação Municipal de São Paulo, no governo de Luiza Erundina [1989], que era realmente um primor de intenções, de fazer uma escola popular para as classes populares para diminuir essa distância entre riqueza e conhecimento. Ele lutou muito para diminuir essa diferença, em certos aspectos conseguiu de fato. 

[No entanto,] não é algo que acontece de repente. Para ter uma escola pública de qualidade é preciso de técnicas, tecnologia, formação de educadores e reuniões pedagógicas para discutir a prática. São essas coisas que vão fazer um professor melhor e, portanto, uma rede com mais consistência. 

POR:

Paula Salas Nova Escola
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Carlos Lamarca: há 50 anos era morto o guerrilheiro que marcou a vida de Bolsonaro




Cartaz de procurados da época

CRÉDITO,REPRODUÇÃO

Legenda da foto,

Cartaz de procurados da época destaca foto de Lamarca

Há exatos 50 anos, em 17 de setembro de 1971, Carlos Lamarca (1937-1971), um ex-capitão do Exército brasileiro que havia se engajado politicamente, foi morto com sete tiros por agentes da repressão da ditadura militar então em vigor. Curiosamente, sua trajetória marcou a adolescência de alguém que também se tornaria capitão do Exército e enveredaria pela política: o atual presidente Jair Bolsonaro.

Não é só o tempo de uma geração que separa ambos. Pode-se dizer que ambas as figuras estão em pontos diametralmente opostos do espectro político ideológico: se Lamarca, feito guerrilheiro contra a ditadura, tornou-se um ícone da esquerda revolucionária, Bolsonaro representa o conservadorismo da extrema-direita.

De forma reiterada ao longo de sua carreira política, Bolsonaro já repetiu que teria se impressionado com os relatos da caçada, pelos militares a serviço da repressão, ao guerrilheiro e seus companheiros. E que isso teria influenciado inclusive a sua vocação militar.


O cruzamento dessas biografias ocorreu pontualmente em 8 de maio de 1970. Foragido e extremamente procurado, Lamarca refugiou-se na pequena cidade de Eldorado Paulista, a 180 quilômetros de São Paulo. Uma operação militar foi deflagrada para capturá-lo. Houve tiroteio — o saldo foi um policial morto.

Lamarca fugiu. Mas a operação montada, com estradas interditadas, monitoramentos generalizados e revistas em toda parte, impressionou aquele estudante de 15 anos chamado Jair. Conforme ele mesmo já declarou: foi naquele dia que decidiu que iria se alistar no Exército. Ironicamente, tornaria-se capitão — mesma patente do seu antípoda guerrilheiro.

Herói ou vilão

Apropriado pela esquerda como um herói e tachado pela direita de vilão, quem afinal foi Carlos Lamarca?

"Para entender essa dinâmica, é preciso antes distinguir memória de história", argumenta a historiadora Juliana Marques do Nascimento, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF).

"Memória é uma imprecisão graças à sua relação com o presente e também com sentimentos, ideologias. Por isso, para as esquerdas, especialmente as alas mais progressistas, as memórias sobre Lamarca tendem a ser mais positivas, idealizadas. Enquanto para a direita, essas memórias são repulsivas, aliadas ao pensamento de direita da época", pondera ela.

"Já a história, a historiografia, tem uma pretensão científica de olhar para o passado, por isso usa métodos bem formulados, para que seja uma ciência. Ela é mais objetiva, embora não esteja isenta de subjetividade", acrescenta. "A história enxerga Lamarca como fruto de seu tempo: foi de fato uma pessoa com pensamentos inclinados mais para as ideias de esquerda, embora ele fosse originalmente das bases das Forças Armadas."

Ela frisa que o personagem foi "completamente avesso ao golpe civil-militar de 1964", demonstrava "profundo incômodo com o cenário político" e arquitetou uma "organização mais atuante, tanto na oposição ao novo regime, quanto na luta pela construção do socialismo no Brasil".

A pesquisadora atenta que "a historiografia não é alheia e não nega as violações dos direitos humanos perpetrados pela ditadura". Mas reconhece que o grupo de Lamarca não conseguiu chegar às camadas populares.

"A trajetória política dele e a liderança entre as esquerdas revolucionárias são fatos inegáveis. Mas é importante ressaltar que essa imagem de líder, de figura política proeminente, não chegou às massas populares, que eram seu alvo. A ditadura foi bem sucedida na blindagem da informação que não fosse de interesse do governo", explica Nascimento.

Foto de Lamarca em cartaz de "terroristas procurados"

CRÉDITO,WIKICOMMONS

Legenda da foto,

Lamarca em cartaz que fala em 'terroristas procurados'

"Lamarca foi um líder para as esquerdas revolucionárias que pouco ou nada atingiram as camadas populares. Foi um líder para um nicho muito específico no Brasil da ditadura. E se tornou vítima da ditadura: foi assassinado por suas ideias políticas", afirma.

Ela frisa, contudo, que no discurso de Lamarca a volta da democracia não era uma questão aventada. "Seus escritos não nos deixam esquecer. Eles não pretendiam a mera volta de uma democracia liberal como a que estava instaurada antes da ditadura", diz. "Mas, sim, o rompimento com a estrutura capitalista, por meio da implementação do socialismo pela via revolucionária. Não tem nada de pacifico."

Para o historiador Victor Missiato, pesquisador do Grupo Intelectuais e Política nas Américas, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília, é preciso considerar que a sedimentação do tempo acabou cristalizando uma imagem de diversos personagens do período da ditadura.

Após a redemocratização, guerrilheiros passaram a ser vistos como "gente que lutava pela democracia" — o que não correspondia exatamente aos objetivos desses grupos. "Uma parte da esquerda nos últimos anos transformou a trajetória deles militantes. A maioria defendia a revolução enquanto projeto social e não necessariamente a democracia", contextualiza Missiato.

"É muito questionável [classificarmo-los] como líderes de uma verdadeira democracia ou responsáveis pela recondução da democracia brasileira", pondera. "Durante muito tempo, esses guerrilheiros eram vistos como sujeitos revolucionários, e não atores pela democracia"

"A apropriação de Lamarca e de outros passa por duas fases: na primeira, como um guerrilheiro a la Che Guevara. Atualmente, como um daqueles que lutaram contra a ditadura e defendiam uma verdadeira democracia", complementa. "Isso vem sendo reconstruído pela historiografia mais vulgar, enquanto a mais acadêmica trata dele como uma figura mitológica."

Tenente-coronel da reserva da Polícia Militar do Estado, o historiador Sérgio Marques defende que sejam lembradas "as vítimas que morreram nas mãos da esquerda" e "acabaram sendo jogadas para debaixo do tapete, como se não existissem". "A respeito desse período turbulento do Brasil, houve atentados aos direitos humanos de ambos os lados", acredita ele.

Marques também questiona a versão de que os guerrilheiros lutavam pela democracia. "Isso é uma falácia, uma mentira. Todos os documentos de todos os grupos revolucionários, ninguém falava em democracia, não existia nada a respeito dessa questão. Eles pretendiam substituir a ditadura existente no Brasil por uma ditadura do proletariado, ora modelo cubano, ora modelo soviético ou chinês", afirma.

Biografia

Carlos Lamarca

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL

Legenda da foto,

Lamarca quando ainda era capitão do Exército

"Lamarca é um homem do tempo dele, um tempo do ápice da Guerra Fria, a oposição entre os sistemas capitalista e socialista", prossegue Marques. "Ele ganhou prioridade aqui no Brasil porque foi o homem de maior patente que pegou em armas. Mas não lutava pela democracia, e sim pela construção de um estado voltado para a ditadura do proletariado."

O jornalista e ex-deputado federal Emiliano José, que na ditadura foi perseguido, preso e torturado, publicou, em parceria com o também jornalista Oldack de Miranda, a biografia 'Lamarca: O Capitão da Guerrilha'.

Para ele, o guerrilheiro "ficará na história como um dos heróis da resistência". "Isso é inegável, queiram ou não seus adversários, exatamente os saudosos da ditadura ou aqueles que eventualmente tenham participado dela", diz. "Aqui não há dois lados: Lamarca foi um dos grandes combatentes da ditadura."

Nascido em uma família simples do Rio de Janeiro, com pai sapateiro e mãe dona de casa, Carlos Lamarca foi um adolescente que defendia pautas nacionalistas — como a campanha "o petróleo é nosso" — e encantou-se com 'Guerra e Paz', do escritor russo Leon Tolstoi (1828-1910).

Aos 17 anos alistou-se na Escola Preparatória dos Cadetes. Depois, foi para a reputada Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende. Desde cedo destacava-se como bom atirador. Segundo registros, costumava vencer torneios militares de tiro.

Escalado para integrar um dos 20 contingentes do exército brasileiros do chamado Batalhão Suez — que atuaram na Força de Paz da Organização das Nações Unidas na região de Gaza —, Lamarca ficou 18 meses no Oriente Médio, a partir de 1962. Foi nessa época que passou a flertar com ideias socialistas.

Já de volta ao Brasil, Lamarca passou a atuar, dentro do Exército, na formação de grupos de esquerda, mesmo após o golpe que instaurou a ditadura em 1964. Foi um dos primeiros a integrar o grupo de extrema-esquerda Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). No fim de 1968, ele esteve com o também guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969), cofundador do grupo Ação Libertadora Nacional (ALN).

"Lamarca tinha o sonho de ser militar, desde menino. E foi um excelente militar. Só que viu que o Exército brasileiro, inegavelmente, serviu sempre a 'casa grande', aos interesses das classes dominantes do Brasil", comenta Emiliano José.

"Ele carrega essa singularidade: de ter sido um excelente militar. Mas entendeu que nesse Exército ele não podia mais continuar. Aí jogou tudo pelos ares e foi à luta armada, para enfrentar a ditadura", diz ainda José.

Carlos Lamarca

CRÉDITO,SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS

Legenda da foto,

Em janeiro de 1969, Lamarca entrou para a clandestinidade

Em janeiro de 1969, Lamarca entrou para a clandestinidade. Desertou do Exército, acompanhado de um sargento, um cabo e um soldado. Numa Kombi, subtraíram ainda das Forças Armadas 63 fuzis, três metralhadoras e munições.

Sua vida então passou a se organizar em refúgios organizados por companheiros, normalmente apartamentos discretos em que ele se enclausurava — os chamados "aparelhos". Apaixonou-se pela militante Iara Iavelberg (1944-1971), da VPR, e eles passaram a viver um relacionamento. Seus disfarces não se resumiam aos paradeiros desconhecidos. Lamarca se submeteu, em junho de 1969, a uma plástica no nariz.

No mesmo ano, seu grupo guerrilheiro experimentou uma fusão com o Comando de Libertação Nacional (Colina), resultando no Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), que teve entre seus quadros a depois presidente Dilma Rousseff.

Depois de um ano de preparação teórica, com muitas leituras e debates, o grupo de Lamarca se embrenhou pelas matas do Vale do Ribeira, no interior paulista. A ideia era utilizar o local como local de treinamento para a guerrilha armada.

Informado do que se passava, o Exército enviou 2,5 mil homens à região de Registro, em 21 de abril. A operação foi cinematográfica, com helicópteros esquadrinhando a mata, bloqueios de estradas, 120 detidos e até um avião da Força Aérea bombardeando pontos suspeitos.

Lamarca e seus companheiros conseguiram fugir, mata adentro. Dos 17 do grupo inicial, dois foram presos e oito se misturaram à população. O ex-capitão tinha apenas seis junto a ele. Foi esse grupo que acabou protagonizando o ocorrido em Eldorado Paulista em 8 de maio daquele ano — o noticiário destacava cada passo, sempre com uma narrativa favorável aos militares. Isso entusiasmava jovens como Bolsonaro.

"O atual presidente, ele carrega uma frustração profunda de não ter podido ser um dos torturadores da ditadura. Ele revela isso permanentemente, ao nomear seus ídolos", diz Emiliano José. "Ele queria como menino ter combatido o Lamarca, mas é tudo fantasia dele [qualquer eventual participação na caçada]. Não se dá importância às fantasias e frustrações profundas dele não ter estado naquele tempo como um torturador, um carrasco. Não era possível, até pela idade, tudo."

Depois de capturar policiais militares, Lamarca conduziu um acordo — libertando-os em troca da reabertura da estrada. Nessa fuga, os guerrilheiros mataram um tenente policial militar, que era feito como refém.

O cerco de 41 dias acabaria de uma maneira inesperada. Em 31 de maio, armados, Lamarca e os companheiros remanescentes decidiram tomar um veículo que passasse na estrada para fugirem. Renderam cinco soldados que trafegavam em um caminhão do Exército, deixaram-nos só de cuecas e, usando seus uniformes, passaram incólumes pelas barreiras. Na mesma noite, o veículo foi abandonado na Marginal do Tietê, em São Paulo.

O episódio transformou Lamarca no homem mais procurado do país. Para Emiliano José, toda essa "manobra espetacular" pode ter sido o que desencadeou sua fama de uma espécie de Che Guevara brasileiro. Mas o biógrafo ressalta que essa comparação não é precisa. "Chamá-lo de Che é parte dos clichês da imprensa mundial, porque Che se transformou em uma figura pop, um pop star. Mas não cabia isso [esse tipo de comparação]", diz.

Sua próxima aventura seria o sequestro do embaixador da Suíça no Brasil, Giovanni Bucher (1913-1992), em 7 de dezembro de 1970. Na ação, um agente federal que atuava na segurança da embaixada foi morto a tiros por Lamarca.

No início do ano seguinte, o guerrilheiro saiu da VPR e passou a integrar o MPR-8. Depois de meses confinado com ela em um "aparelho" no Largo do Machado, no Rio, Lamarca partiu para o que seria o começo de sua vislumbrada guerrilha rural, no interior da Bahia.

Baseado na região de Buriti Cristalino, a 590 quilômetros de Salvador, ele escreveu muitas cartas para Iavelberg — e foi por meio dessas cartas, interceptada pela polícia, que seu paradeiro acabaria descoberto.

A operação foi montada pelo Doi-Codi baiano, que recrutaria 215 homens das três forças armadas, além de agentes federais, policiais do Dops e da Polícia Militar da Bahia.

Depois de 20 dias de uma caçada em que Lamarca se deslocou por mais de 300 quilômetros pela mata, às 15h do dia 17 de setembro, o guerrilheiro foi encontrado descansando sob uma árvore em Pintada, um povoado no município de Ipupiara. Foi morto com sete tiros.

"A forma como ocorreu o assassinato é bem emblemática", comenta a historiadora Nascimento. "Ele estava desolado, desnutrido, cansado. Foi localizado sem possibilidade de revide."

Corpos de Carlos Lamarca e seu companheiro Zequinha, executados em 17 de setembro de 1971

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Carlos Lamarca e seu companheiro Zequinha, executados em 17 de setembro de 1971

Mito

Mas é a própria polarização politico-ideológica da sociedade brasileira que deixa uma figura como Lamarca em proeminência. Se sua trajetória póstuma foi reconstruída pela redemocratização, sob os escombros dos porões da ditadura, o fato de ele ser recuperado como símbolo antagônico pelo atual presidente Bolsonaro garante a sobrevivência do mito.

"O mito político não se baseia na razão, mas numa lógica afetiva. Não há neutralidade: ou você está a favor ou contra ele", diz o historiador Zenir Rodrigues dos Anjos Filho, que em 2003 defendeu, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a dissertação de mestrado 'Carlos Lamarca: Significação, Mítica e História'.

"O mesmo argumento que coloca o mito como herói, coloca-o como bandido. O Lamarca é herói e é bandido. Ele sintetiza uma tragédia: se você procurar seus partidários, irão interpretá-lo como herói; adversários vão chamá-lo de demônio", explica.

Nesse sentido, os sete tiros não serviram para matar Carlos Lamarca. Porque mitos resistem à morte. "Todos os mitos ressuscitam", diz Anjos Filho. "Todos vencem a tragédia, e no caso de Lamarca isso ocorreu com o fim do regime militar."

E se a releitura dele estava já meio esquecida no imaginário, o fato de seu nome ter sido trazido à tona nos últimos anos pela biografia do atual presidente contribui para incensá-lo novamente. Porque, segundo Anjos Filho, "um mito só morre quando deixa de fazer sentido". "Ele se alimenta do oposto, do negativo. Se você tentar destruir um mito, você vai construí-lo cada vez mais", diz.

Para o historiador Victor Missiato, o mito Carlos Lacerda é calcado pelo fato peculiar de ele ter sido um "militar desertor" que teve "vitórias importantes enquanto guerrilheiro em ações contra bancos e também contra o Exército". "Ao longo do tempo, essas histórias foram construídas como a de alguém que desafiava a ordem autoritária, lutando por um ideal", pontua.

Mas ele mesmo ressalta que a historiografia "é um eterno campo de conflitos". "Com a ascensão de campos de direita ao poder, houve embates a uma certa leitura cristalizada que predominou entre os anos 1990 a início de 2000. Nesse sentido, podemos encaixar Lamarca como vilão e como herói", comenta. "Isso vai enriquecendo a figura do personagem, porque se de um lado ele é visto de uma forma e de outro, de forma diferente, as novas pesquisas vão enriquecendo sua biografia. Quem quiser fazer uma análise mais ampla consegue ter mais informações."

"Nos últimos anos, sobretudo nos governos Dilma Rousseff e, agora, Jair Bolsonaro, houve tentativas, a partir de vitórias eleitorais, de reinterpretar a história daquele momento", diz o historiador, lembrando do passado de Rousseff como guerrilheira e a carreira militar do atual presidente do Brasil. "Com Bolsonaro, é mais forte ainda, quando ele ressalta um papel de capitão do Exército que não corresponde à sua trajetória dentro do Exército."

O historiador se refere ao fato de que a carreira militar de Bolsonaro foi curta e marcada por polêmicas. Documentos do próprio Exército, produzidos nos anos 1980, ressaltam que ele era avaliado por superiores como alguém com "excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente", além de ser visto como dono de temperamento agressivo. Em 1986, ele chegou a ser preso por 15 dias. Em 1988, foi para a reserva — a partir de então, empreenderia uma carreira política.

Bolsonaro em motociata recente

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Trajetória de Lamarca marcou a adolescência de Jair Bolsonaro

Frisando que foram três vítimas fatais das atividades de Carlos Lamarca, o historiador e militar Sérgio Marques afirma que ser chamado de "Che Guevara brasileiro" não deve ser motivo de orgulho. "Porque Che Guevara era um homem que matava pessoas, infringia direitos humanos, não respeitava valores humanitários", acusa.

"Mas a figura de Lamarca acabou sendo tomada pela esquerda como uma grande referência. Evidentemente, ele tinha um ideal. Se era certo ou errado, isso é outra coisa. Mas ele era um idealista, acreditava naquilo que fazia", considera. "No meu modo de ver, não é correto pegar em armas e matar outras pessoas."

Emiliano José, seu biógrafo de primeira hora, ressalta que Lamarca é "parte da história brasileira e, inegavelmente, um grande símbolo de todos os que tombaram ao longo da caminhada na luta contra a ditadura", dentre os "covardemente assassinados" pelas forças repressoras.

"Podemos e devemos analisar os equívocos de sua trajetória, mas isso, esses caminhos trilhados durante a luta, só são possíveis de serem reconhecidos muito à frente, com os anos já passados", pondera José. "Fato é que ele se revoltou contra a ditadura, as mortes, as torturas e os desaparecimentos de pessoas, quadro patrocinado sobretudo pelo Exército brasileiro, pelas Forças Armadas."

"Seu lado, o do combatente, do sujeito indignado frente aos crimes da ditadura, esse lado ninguém poderá apagar jamais. Compõe a história do Brasil", afirma. "É inegável que as classes dominantes tentem tratar [personagens assim] como bandidos. Mas não há como. A ditadura foi um regime de terror e morte. E eu sei o que é isso, como sobrevivente, porque passei quatro anos em uma prisão e fui torturado."

Emiliano José ressalta que 50 anos, para a história, é muito pouco. Portanto, a biografia de alguém como Carlos Lamarca permanece "em construção" — não à toa, seu livro, cuja primeira edição data de 1980, já teve outras 17 edições, todas com muitas alterações e ampliação de conteúdo.

Para a historiadora Nascimento, é preciso relativizar: "as memórias das esquerdas sobre a ditadura civil-militar tendem a ser mais simpáticas aos opositores, apesar disso a gente tem de ressaltar que as organizações revolucionárias de luta armada têm constantemente os seus objetivos e suas estratégias desvirtuadas pelos discursos memoriais".

"Lamarca parece ser muito importante para as esquerdas atuais, mas seus pensamentos e convicções são apagados do processo", acrescenta ela.

"Para os mais progressistas, ficou a imagem do capitão que queria romper com sua vida legal, sua família, sua carreira, em nome de uma luta contra a ditadura. Há um apagamento do lado mais radical de Lamarca, isso porque ainda que dentro das esquerdas, o radicalismo, a tentativa de revolução, quando colocada em prática de fato, e a implementação do socialismo pela via revolucionária, são consideradas táticas violentas demais", afirma.

Nascimento diz que "para as esquerdas atuais", a biografia de Lamarca assume aspectos "mais brandos". "Um 'Che Guevara' menos revolucionário, com o único e digno objetivo de pôr fim ao regime autoritário, libertar a população brasileira reinstaurando a democracia como ela era conhecida antes", explica. "Não era o que de fato Lamarca pretendia."

"Por muitos anos a narrativa de memória hegemônica sobre a ditadura foi advinda principalmente das esquerdas liberais, que valorizavam todas as tentativas de resistência", acrescenta. "Porém, nos últimos anos, sobretudo depois de 2013, vozes que antes estavam subterrâneas ou não encontravam lugar e legitimidade nos debates públicos ressurgiram com mais força, com um discurso de valorização da ditadura. Negando que tenham havido assassinatos, desaparecimentos e o uso da tortura como política de Estado."

Ela explica que foram esses mesmos discursos, à direita, que passaram a ressaltar "as eventuais mortes de soldados e civis que ocorreram durante as ações revolucionárias". É um cenário que ela classifica como "batalha por memórias".

militares marchando

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Lamarca foi 'completamente avesso ao golpe civil-militar de 1964'; ele foi morto com sete tiros por agentes da repressão da ditadura militar então em vigor

Iara Iavelberg

A historiadora Nascimento está pesquisando, na Universidade Federal Fluminense, a biografia de Iara Iavelberg. "Se você tem a impressão de que pouco se fala sobre os outros militantes que atuavam com Lamarca, imagine o que sobra então para as militantes mulheres", comenta. "Principalmente o caso da Iara: que ficou única e exclusivamente conhecida como companheira de um líder, e ainda é lembrada dessa forma."

"É uma personagem fascinante", concorda o jornalista Emiliano José. Nascida em uma família de comerciantes judeus de São Paulo, em 1944, ela casou-se aos 16 anos com um médico de 25. Em 1963, ingressou no curso de psicologia da Universidade de São Paulo.

"Ficava na Rua Maria Antônia [em São Paulo], o maior epicentro social e político universitário da época", pontua Nascimento. "Lá ela entrou em contato com um mundo novo, ampliou referências sociais e políticas e encontrou formas de se libertar de seu casamento tão restrito, com casos extraconjugais e engajando-se nas organizações de esquerda." Desquitou-se em 1965.

Iavelberg passou a integrar grupos de estudo e células esquerdistas. A partir de 1965, lecionou em cursinho pré-vestibular organizado e conduzido por militantes da USP. "Há relatos de que ela fomentava muitos debates políticos e comportamentais entre os alunos, falando de pílula anticoncepcional e da Guerra do Vietnã", diz Nascimento.

Tornou-se líder estudantil e, depois de formada, passou a lecionar psicologia nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e na Universidade Metodista, além da própria USP, como instrutora voluntária. Em 1968, foi para a clandestinidade.

"Esteve muito próxima de militantes como Dilma Rousseff", diz Nascimento. Na historiografia, é forte a tese de que ela teria sido responsável por subsidiar a formação intelectual de cunho marxista de Carlos Lamarca, durante o período em que tiveram um relacionamento amoroso. Apesar de ser fato que ela realmente encarregou-se da formação teórica de quadros guerrilheiros, Nascimento diz que é preciso lembrar que "o próprio Lamarca era muito dedicado e corria muito atrás para aprofundar suas informações, que ele mesmo considerava muito básicas".

"Ela não dava aula para ele. Mas eles discutiam muito [os temas] entre si", pontua.

Sua morte, em 20 de agosto de 1971, praticamente um mês antes da de Lamarca, em Salvador, é bastante controversa. Oficialmente, de acordo com a certidão de óbito, teria sido suicídio com um tiro — para evitar ser presa pelos agentes da repressão em uma operação. Por conta disso, ela foi sepultada em ala reservada asuicidas no Cemitério Israelita de São Paulo.

Em 2003, depois de uma batalha judicial, a família conseguiu a exumação do corpo, com perícia para investigar a sua causa-mortis. Um especialista em medicina legal concluiu que o tiro que a matou foi disparado de longa distância. Seus restos mortais foram, então, removidos do espaço reservado aos suicidas e sepultados novamente na proximidade dos túmulos de seus familiares.

Para a historiadora Nascimento, estudar a trajetória de Iavelberg é retirar uma mulher da invisibilidade. "Embora ela tenha tido uma militância, principalmente teórica, anterior ao Lamarca, e tendo se mantido na militância por escolha dela, mesmo durante o relacionamento amoroso com ele, todas as notícias que saíam a seu respeito a retratavam como uma pessoa que usava seu sex appeal para influenciar as decisões políticas do Lamarca", enfatiza. "As informações estava sempre atreladas à figura dela, como sexy, sensual, bonita, e foi criada uma imagem fútil dela para deslegitimar ainda mais a imagem dele. E toda a história [de Iavelberg] foi apagada."

  • Edison Veiga
  • De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
Professor Edgar Bom Jardim - PE