A palavra crise tornou-se comum. Seria difícil, porém, pensar uma sociedade sem tensões. O ritmo tem suas variações. O mundo está contaminado por explorações e violências cotidianas. É fundamental não desprezar o passado. É possível localizar tantas guerras, tantas disputas políticas, tantas hierarquias sufocantes. Observar a profundidade da crise ajuda a solucioná-la. Nem sempre há caminhos, muitas vezes surgem abismos imensos. Lembro-me das leituras das obras de Nietzsche, das aulas, dos debates. É um autor que desvendou enigmas e enfrentou os atropelos da vida com coragem, não fez da estética um espelho da mesmice. Não se prendeu aos estigmas do seu tempo. Foi além do bem e do mal.
A sua preocupação com os valores era marcante. Não perdia olhar atentos aos desmandos da chamada civilização ocidental. Crítico do platonismo e do cristianismo buscava denunciar as covardias, as massificações. a falta de reflexão. Anunciava a necessidade de superar valores carcomidos. O homem é uma ponte, não está terminado. As travessias são desafios, pois as verdades são históricas, merecem ser ameaçadas para não congelar deuses absolutos e escravizantes. Nietzsche não foi bem recebido pelo seu tempo. Era muito estranho o que dizia para quem estava envolvido com as tradições, quem admirava as religiões ligadas à exaltação da culpa.
Hoje, sua obra influencia, de forma determinante, pensadores que gozam de prestígio. Como negar que os valores estão apodrecendo e que a hipocrisia ganha espaço? A crise é forte, porque destrói paradigmas, alimenta o apego ao individualismo. Quais os sinais de solidariedade? A sociedade não vive sem regras, mas quem pode fazê-las, quem ataca as desigualdades? A dispersão é esquizofrênica. Os noticiários modificam suas manchetes, apresentam-se descartáveis. As denúncias de corrupção assustam. As quadrilhas políticas são ágeis e procuram criar legitimidade. Possuem consultores que enfeitam os saberes acadêmicos com milhões de análises e reais.
As mercadorias ficam firmes nas vitrines da cada esquina. Cada um é pelo que aparece. Uma sociedade atordoada, sem respiração, vestida da tatuagens sombrias inventa pesadelos niilistas. As dúvidas e sugestões de Nietzsche ainda permanecem com eco grandioso. O mundo investe no desperdício e no vazio da nudez dos objetos sofisticado. Quem consagra apostas, na magia da grana, desengana-se. A complexidade atinge intimidade, lamenta o desamor, teme que não haja salvação. Talvez, a crise seja uma continuidade da história. No entanto, movimentos se arquitetam para que a dimensão ética não se resuma a delações e ao desejo de eliminar ferozmente o outro. Se a política se constitui um vil e traiçoeiro mercado de negócios, o deus nietzschiano, que dança e ri, se exila na agonia. Fonte: Astúcia de Ulisses.
Professor Edgar Bom Jardim - PE