O governo federal enviou ao Congresso nesta terça (18) um projeto com novas regras para o Imposto de Renda. A principal mudança é a isenção total do imposto para quem ganha até R$ 5 mil por mês, conforme promessa de campanha de Lula.
Cerca de 10 milhões de brasileiros podem deixar de pagar Imposto de Renda se a nova faixa de isenção for aprovada pelo Congresso.
Como ainda precisa de aprovação dos parlamentares, o projeto não impacta na declaração de IR deste ano. A expectativa é que ele passe a vigorar em 2026.
Para compensar essa arrecadação que será perdida, o governo propõe uma taxação adicional sobre quem ganha mais de R$ 50 mil mensais, o que também precisará de aprovação do Congresso.
A ampliação da faixa de isenção resulta em uma redução da arrecadação de receita pela União da ordem de R$ 27 bilhões. A tributação mínima das altas rendas possibilitará ampliação de receita de R$ 25,22 bilhões, além de R$ 8,9 bilhões em virtude da tributação de 10% na remessa de dividendos ao exterior (apenas para domiciliados no exterior).
A equipe econômica informou também que o projeto de lei que está sendo enviado ao Congresso Nacional amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) dos atuais R$ 2.824 para R$ 3.036 neste ano.
A medida visa manter o benefício para quem recebe até dois salários mínimos, que foi reajustado para R$ 1.518 no começo de 2025 (com pagamento a partir de fevereiro).
O que muda no Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais?
Esses contribuintes ficarão totalmente isento do Imposto de Renda. A tabela do Imposto de Renda seguirá existindo, mas o governo dará desconto total para esses casos.
O que o projeto prevê para quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil?
Esses contribuintes terão uma “isenção parcial”. Ou seja, um desconto no Imposto de Renda.
O desconto vai diminuindo conforme a renda vai aumentando. Veja exemplos divulgados pelo Ministério da Fazenda nesta terça:
Renda mensal de R$ 5 mil: haverá um desconto de 100%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 312. Com o desconto, o contribuinte não terá de pagar nada.
Renda mensal de R$ 5,5 mil: haverá um desconto de 75%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 436,79. Com o desconto, o contribuinte terá de pagar R$ 203,13.
Renda mensal de R$ 6 mil: haverá um desconto de 50%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 574,29. Com o desconto, o contribuinte terá de pagar R$ 417,85.
Renda mensal de R$ 6,5 mil: haverá um desconto de 25%. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 711,79. Com o desconto, o contribuinte terá de pagar R$ 633,57.
Renda mensal de R$ 7 mil: haverá um desconto de zero. O imposto a pagar, sem desconto, seria de R$ 849,29. Nessa faixa de renda, esse valor terá de ser pago na íntegra.
Como será a taxação adicional dos “super-ricos”?
Cerca de 100 mil brasileiros que ganham mais de R$ 50 mil por mês serão afetados por essa cobrança, ou seja, passarão a pagar imposto maior por terem sido enquadrados como “super-ricos”.
Para enquadrar esses contribuintes, a Receita vai considerar toda a renda recebida no ano, incluindo salários, aluguéis e dividendos, por exemplo.
Já para chegar ao imposto total devido, a base de cálculo será menor. Vai excluir itens como poupança, títulos isentos, heranças e indenizações.
A tributação dos super-ricos também tem uma “escadinha” na proposta. Veja:
Renda anual entre R$ 600 mil e R$ 750 mil: alíquota de 2,5%, imposto mínimo a pagar de R$ 18.750
Renda anual entre R$ 750 mil e R$ 900 mil: alíquota de 5%; imposto mínimo a pagar de R$ 45 mil Renda anual entre R$ 900 mil e R$ 1,05 milhão: alíquota de 7,5%, imposto mínimo a pagar de R$ 78,75 mil
Renda anual entre R$ 1,05 milhão e R$ 1,2 milhão: alíquota de 10%, imposto mínimo a pagar de R$ 120 mil
A proposta fala em “imposto mínimo” porque, na prática, a Receita vai verificar todo o Imposto de Renda que o “super-rico” já pagou. E cobrar apenas a diferença.
Ou seja: se a pessoa tem renda de R$ 1,2 milhão, mas já recolheu R$ 100 mil de Imposto de Renda ao longo do ano, terá que pagar mais R$ 20 mil aos cofres públicos para atingir os 10% previstos na nova regra.
Legenda da foto,No fim de semana, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, organizou o que ele chamou de 'coalizão dos dispostos'
Líderes europeus se reúnem nesta quinta-feira (06/03) em Bruxelas, na Bélgica, para discutir como aumentar as forças militares da Europa e ajudar a Ucrânia na guerra contra a Rússia. A negociação acontece após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, suspendeu a ajuda militar à Ucrânia na segunda-feira (3/3).
O ritmo implacável das mudanças em Washington pode ser vertiginoso. Não apenas para os consumidores de notícias, mas também para os políticos. A Europa está se esforçando para reagir de forma eficaz.
Desde a suspensão anunciada por Trump, houve um frenesi de atividades diplomáticas: telefonemas bilaterais de líderes tarde da noite, encontros europeus em Londres e Paris, reuniões dos ministros da defesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em Bruxelas.
Nesta quinta (6/3), os líderes da União Europeia (UE) fazem uma reunião de emergência da cúpula de segurança, em um momento importante na história da Europa
A maioria dos países europeus acredita que a segurança de toda a Europa, e não apenas a soberania da Ucrânia, está em jogo — com a Rússia buscando desmantelar o equilíbrio de poder voltado para o Ocidente, em vigor desde o fim da Guerra Fria.
Washington, que apoia a Europa em termos de segurança e defesa desde a Segunda Guerra Mundial, agora parece "não se importar com o destino da Europa", de acordo com Friedrich Merz, provável futuro chanceler da Alemanha, a maior economia do continente.
Mas o que todas as grandes reuniões e cúpulas europeias estão realmente alcançando?
Na reunião, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky - que havia sido acusado por Trump de não estar pronto para a paz - disse que quer, sim, paz e cessar-fogo, mas não às custas de "desistir da Ucrânia".
Recentemente ele havia dito, nas redes sociais, que há alguns passos que precisam ser tomados para chegar a um acordo de cessar-fogo.
O primeiro, diz, é uma trégua nas batalhas no ar e no mar e o segundo é a libertação de prisioneiros - como forma de estabelecer confiança.
Ele destacou a necessidade de estabelecer uma "confiança básica".
Zelensky se encontrou com o presidente francês Emmanuel Macron, que havia feito um discurso sobre o assunto na quarta. Há expectativa de que Zelensky se encontre com o representante americano Steve Witkoff em uma reunião na Arábia Saudita.
Compromissos de países europeus para fortalecer a segurança da Ucrânia estão em discussão.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que está assumindo a liderança na Europa em relação à Ucrânia, falou em uma "coalização dos dispostos", e membros do governo britânico dizem que há 20 países interessados em participar.
Apenas algumas horas antes de Washington suspender a ajuda militar, Starmer nunciou que era hora de "ação, e não de palavras". Enquanto isso, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a Europa precisa transformar a Ucrânia em um "porco-espinho de aço", com fornecimentos extras e urgentes de armas.
Mas será que o continente pode realmente agir como um só? A Europa é a soma de diferentes países, com orçamentos de tamanhos diferentes e políticas e prioridades internas diversas.
A Rússia repetiu que se opõe fortemente à presença de tropas europeias na Ucrânia após um eventual acordo - dizendo que isso seria uma "guerra direta".
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Legenda da foto,Keir Starmer recebeu Zelensky no número 10 de Downing Street, sede do governo britânico, no dia seguinte ao bate-boca no Salão Oval da Casa Branca
O objetivo da Europa
O objetivo da Europa ao tomar mais medidas de defesa da Ucrânia é duplo:
Primeiro, mostrar a Donald Trump que — nas palavras do primeiro-ministro britânico — a Europa agora vai fazer o "trabalho pesado" para se defender.
A Europa espera persuadir Trump a retomar o apoio militar à Ucrânia, e a manter o atual apoio de segurança à Europa como um todo, se ele acreditar que eles não estão mais "se aproveitando" dos Estados Unidos.
Segundo, reforçar urgentemente suas próprias defesas, e o apoio a Kiev de qualquer forma, se Donald Trump se afastar da Ucrânia e, mais adiante, da Europa de forma mais ampla em termos de segurança.
Não é só para Washington que a Europa sente que precisa provar algo.
A Rússia também está observando.
As diversas reuniões de emergência europeias de alto escalão e com grandes promessas precisam agora produzir resultados rápidos, impressionantes e práticos — caso contrário, aos olhos do Kremlin, a Europa vai parecer fraca e vulnerável.
Moscou já se vangloriou das "divisões" que vê na unidade ocidental.
A Rússia sabe que, apesar de todo discurso da Europa sobre se defender com determinação agora, qualquer especialista em segurança com quem você conversar reconhece que — pelo menos a curto e médio prazo — a Europa ainda precisa dos EUA.
É por isso que, na semana passada, em Washington, vimos o presidente francês e o primeiro-ministro do Reino Unido, separadamente, cortejando Trump.
Os EUA preencheram as enormes lacunas na defesa europeia, deixadas por anos de subinvestimento crônico após o fim da Guerra Fria.
O número de tropas na Europa diminuiu com o fim do serviço militar obrigatório na maioria dos países europeus. Os EUA têm cerca de 100 mil soldados e armas nucleares em várias partes da Europa sob a política de compartilhamento nuclear da Otan. Muitos deles estão na Alemanha, uma grande potência europeia não nuclear, que teme ficar gravemente exposta à Rússia caso Donald Trump retire seu apoio.
Se o Reino Unido e a França conseguirem reunir o que eles chamam de "coalizão dos dispostos" — países europeus que aceitam enviar até mesmo um número modesto de tropas de manutenção da paz para a Ucrânia assim que um cessar-fogo for acordado —, isso poderia sobrecarregar os Exércitos europeus e expor lacunas nas defesas da Otan.
É por isso que a Polônia não está disposta a enviar tropas para essa "coalizão".
O país afirma que precisa manter os soldados em casa para se defender da Rússia. E também espera fervorosamente que os EUA não retirem suas tropas do leste europeu.
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Legenda da foto,Os EUA interromperam o envio de ajuda militar a Kiev após um encontro dramático entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, na semana passada, na Casa Branca
Recursos militares
Mas a Europa também depende dos EUA para obter recursos militares que garantam o bom andamento das operações. Esses recursos são conhecidos como "facilitadores".
A Ucrânia depende muito da inteligência dos EUA, por exemplo, para manter uma posição forte contra a Rússia.
Mas, na quarta-feira (5/3), o jornal Financial Times informou que os EUA haviam suspendido o compartilhamento de informações com Kiev, em uma medida que poderia afetar seriamente a capacidade dos militares ucranianos de atacar as forças russas.
Qualquer força europeia de manutenção da paz ou de "garantia" na Ucrânia precisaria do apoio dos EUA para estabelecer um escudo aéreo sobre a Ucrânia.
A Europa carece de recursos de reabastecimento aéreo, assim como de munições que possam derrubar as defesas aéreas na Rússia, se necessário.
Esses facilitadores "não podem ser comprados às pressas em uma rede de mercado atacadista", como disse um político europeu à BBC.
É por isso que o Reino Unido, a França e outros países da Europa estão tão interessados em manter o apoio dos EUA pelo maior tempo possível.
"Alguns de meus estimados colegas europeus provavelmente deveriam se abster de tuitar com raiva", disse à BBC um diplomata frustrado de uma nação importante.
Ele estava falando sobre a indignação europeia diante do tratamento dado ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pelo presidente e vice-presidente dos EUA no Salão Oval da Casa Branca na última sexta-feira (28/2).
"A verdadeira liderança não se resume a desabafar online. Trata-se de encontrar as palavras certas para avançar de forma construtiva, por mais complicada que a situação seja."
"Precisamos do apoio contínuo dos EUA na Ucrânia e na Europa? Temos mais em comum com os EUA do que com a China? Estas são as questões fundamentais que precisamos ter em mente."
Outra questão fundamental para a Europa é, obviamente, quanto dinheiro é necessário, e com que rapidez, para reforçar a defesa de forma convincente.
Em relação à Ucrânia, a Europa poderia substituir facilmente o atual apoio dos EUA, se realmente decidir fazer isso.
A Alemanha é o maior doador de ajuda militar à Ucrânia depois dos EUA. Se outras potências europeias seguissem seu exemplo, diz ele, a defesa da Ucrânia estaria coberta em um futuro próximo.
A Alemanha e outros países do norte da Europa expressaram ressentimento em relação à França, por exemplo, que, segundo eles, fala muito sobre a defesa da Ucrânia — e é forte em liderança e estratégia — mas, na verdade, doou relativamente pouco.
Quanto aos gastos mais amplos com defesa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou na terça-feira que "a Europa está em uma era de rearmamento".
Ela sugeriu que o bloco europeu sozinho poderia mobilizar um total de 800 bilhões de euros (pouco menos de R$ 5 trilhões) para gastos com defesa, da seguinte maneira:
- Usando o orçamento conjunto de forma mais criativa;
- Fornecendo 150 bilhões de euros em empréstimos para beneficiar a defesa da União Europeia como um todo — por exemplo, em defesa aérea e antimísseis, em sistemas antidrones e mobilidade militar;
- Suspendendo as regras fiscais da União Europeia para permitir que cada país do bloco gaste mais em defesa.
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Legenda da foto,'A Europa está em uma era de rearmamento', afirmou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia
Os líderes da União Europeia estão debatendo todas as proposta na reunião desta quinta — incluindo se os ativos russos congelados na Europa poderiam ser usados para financiar a Ucrânia.
Mas potenciais divisões europeias, algumas já conhecidas, pairam no ar. Muitas delas alimentadas pela política interna dos Estados membros.
A Hungria, próxima da Rússia e do governo Trump, é um entrave em praticamente todos os debates do bloco europeu para ajudar a Ucrânia. Bruxelas teme que a Eslováquia esteja seguindo pelo mesmo caminho.
Os países próximos às fronteiras da Rússia não precisam explicar aos eleitores por que os gastos com defesa precisam ser altos. As minúsculas nações bálticas expostas, Estônia e Lituânia, já gastam mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em defesa. Elas querem aumentar este percentual para 5% em um futuro próximo.
Enquanto isso, duas grandes economias europeias, Itália e Espanha, geograficamente muito mais distantes da Rússia, não gastam o requisito mínimo da Otan de 2% do PIB em defesa.
Na Alemanha, na França e no Reino Unido, de acordo com um estudo realizado pelo grupo de pesquisa Focaldata, com sede em Londres, a maioria dos eleitores quer manter ou reduzir os gastos com defesa, preferindo que o governo se concentre em outras prioridades dos eleitores.
Mas o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, está alertando os europeus para que acordem, e "sintam o cheiro do café" que está sendo preparado em Washington e Moscou.
Segundo ele, as nações europeias precisam gastar mais de 3% do PIB agora para que o continente deixe efetivamente de depender profundamente dos EUA.
Se Donald Trump se retirar completamente da Europa, sem falar da Ucrânia, isso significaria gastar de 4% a 6% do PIB, de acordo com especialistas em defesa: um terremoto político, social e econômico que os líderes europeus esperam não ter que enfrentar.
*com reportagem de Katya Adler, Editora de Europa da BBC
Legenda da foto,'Quarta de Cinzas', aquarela de Julian Fałat, feita no século 19
A Quarta-Feira de Cinzas é, tradicionalmente, a data que marca o fim da folia e o início de um tempo de recolhimento — como se fosse necessária uma fronteira entre a festa da carne e o período de penitência chamado de quaresma.
Para católicos praticantes, é uma celebração rica em significado e necessária para a preparação rumo à Páscoa, 40 dias mais tarde. Na prática, não se trata de um feriado nacional. Em muitas capitais, há ponto facultatativo para o funcionalismo público pela manhã. Os bancos retomam na maioria dos casos às 13h.
Nas missas, há um momento em que o padre e seus ministros abençoam cada um colocando um pouquinho de cinzas sobre a cabeça ou fazendo uma cruz na testa. Há duas possibilidades de frase a serem ditas neste momento, cabendo ao sacerdote decidir. “Convertei-vos e crede no Evangelho” é um lembrete da necessidade cristã de mudança de vida, de abrir mão dos prazeres em prol de uma experiência mais próxima de Deus; “Das cinzas vieste, às cinzas retornarás” recorda a brevidade da vida.
“As duas possibilidades são válidas porque esses são os dois sentidos principais das cinzas”, afirma à BBC News Brasil o vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centre, em Roma, e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma.
“Esse dia nasceu como uma manifestação de devoção popular entre os séculos 3º e 4º. Os cristãos, nesse dia, para se prepararem para a quaresma, impunham sobre si as cinzas em sinal de penitência pública”, explica à reportagem a vaticanista e historiadora Mirticeli Medeiros, pesquisadora de História do Cristianismo na Pontifícia Universidade Gregoriana
Para o historiador, teólogo e filósofo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, a celebração surgiu “nas comunidades cristãs primitivas” como referência ao início do período de preparação para a Páscoa.
“Nasce junto com esse costume de se guardar os 40 dias do que chamamos de quaresma”, diz ele, à BBC News Brasil. “É um período que marca momentos de reflexão, de arrependimento, de renovação espiritual.”
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Legenda da foto,Papa Gregório, em imagem pintada por Francisco de Zurbarán
O rito foi oficializado na liturgia pelo para Gregório Magno (540-604), na virada do século 7º. “Foi chamada por ele de ‘capite ieiunii’, ou seja, o dia em que se começava o jejum”, pontua Medeiros.
A pesquisadora conta que, conforme relatos antigos, no início a cerimônia era realizada em Roma sempre “em silêncio” e pessoalmente pelo papa, “que organizava uma procissão nos arredores da Basílica de Santa Anastácia e Santa Sabina”.
Referências bíblicas
“As cinzas carregam duas simbologias. A primeira é a ideia da efemeridade da vida, do fato de que quando Deus disse [no Antigo Testamento] de que das cinzas viemos e às cinzas voltaremos, era para lembrar que o ser humano é pequeno diante da grandeza de Deus”, contextualiza Domingues.
“A segunda questão é a do arrependimento, da penitência. Aí é uma leitura cristã, já do Novo Testamento, porque Cristo, segundo os evangelhos canônicos questionou algumas tradições do mundo judaico […], o legalismo de alguns doutores da lei. [Nesse contexto], no período da quaresma ele começa com essa reflexão interna da importância do arrependimento, da penitência, de reformular o que nós somos e como estamos vivendo”, afirma Domingues.
Assessor da Comissão dos Movimentos Eclesiais da Diocese de Itabira, em Minas Gerais, o padre Eugênio Ferreira de Lima lembra à BBC News Brasil que inúmeras referências bíblicas baseiam esse costume litúrgico. “Nelas, o uso das cinzas aparece tanto para a purificação e a penitência quanto para lembrar a relatividade da vida”, interpreta ele.
No livro do Gênesis, o primeiro do Antigo Testamento, há a reprodução de um diálogo que Deus teria tido com Adão explicando a ele como seria a vida fora do Éden. “No suor do teu rosto comerás o pão, até voltares ao solo, pois dele foste tirado. Sim, és pó e ao pó voltarás”, diz o versículo.
Mais adiante, no mesmo livro, há uma passagem em que Abraão afirma “vou ousar falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza”.
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Legenda da foto,'Quarta-Feira de Cinzas', óleo sobre tela feita pelo pintor Karl Spitzweg, no século 19
Já no livro de Jó, um versículo orienta “repetis à exaustão máximas de cinza, torres de argila são vossas defesas”. No segundo livro de Samuel, diz-se que “Tamar tomou cinza e derramou sobre a cabeça, rasgou sua túnica de princesa, pôs as mãos na cabeça e afastou-se gritando”.
“Ele se agarra à cinza, seu coração enganado o desvia: ele não se verá libertado”, lê-se em Isaías.
“E também como sinal de arrependimento, em [no livro de] Jonas, o povo se veste de cinzas, cobre a cabeça de cinzas em sinal de arrependimento e penitência”, comenta o padre Lima. “Eles proclamaram um jejum e se vestiram de sacos, desde os grandes até os pequenos […]. Ele se levantou do trono, tirou o manto real, cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza”, diz o trecho bíblico.
No livro dos Números, está escrito que “para este homem impuro, tomar-se à cinza do brasileiro do sacrifício pelo pecado”.
O sacerdote explica que, no Novo Testamento, há relatos que associam passagens de Jesus à simbologia das cinzas. Quando ele lamenta sobre as cidades da Galileia que não se renderam à sua palavra, diz que “cobertas de saco e cinza, elas se teriam convertido”, segundo narração do Evangelho de Mateus.
Na carta aos Hebreus, diz-se que “a cinza de novilha esparzida sobre os seres maculados os santificam, purificando-lhe os corpos”.
“Ou seja, as cinzas são o convite que a Igreja faz para refletirmos sobre a brevidade e a relatividade de nossa vida aqui na Terra, dizendo o que realmente somos: humanos que vamos morrer”, pontua o padre. “Somos chamamos a entrar nesse tempo da quaresma dedicando mais tempo para a palavra da Deus e para abrir o coração e perceber a presença do Cristo no meio de nós: o Cristo que passa fome, que é torturado, que é injustiçado, que tem necessidade de roupa, de casa, de comida.”
“É uma simbologia muito bonita”, comenta o teólogo Moraes. “Marca o início de um período que conclama ao autoexame, à autorreflexão, à busca por uma renovação espiritual.”
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Legenda da foto,Segundo a tradição as cinzas são obtidas da queima das folhas do domingo de Ramos do ano anterior
Do que são feitas
Segundo a tradição católica, as cinzas utilizadas nessa missa de Quarta-Feira que marca o início da quaresma são obtidas a partir da queima de um produto de outra missa, realizada no ano anterior. “Pela práxis oficial, as cinzas provém das folhas do domingo de Ramos, celebrado no ano precedente. Acrescentam a elas agua benta e incenso”, diz a historiadora Medeiros.
Domingues vê também simbologia nessa origem do material. “Eles queimam os ramos usados na liturgia do ano passado e essas cinzas são guardadas para o ano seguinte. Isso mostra o ciclo da liturgia e da vida cristã, que nunca acaba, fecha um ciclo e começa outro”, acrescenta ele.
Padre Lima conta que funciona assim: “uma quantidade razoável daqueles ramos bentos no Domingo de Ramos é guardada, conservada e queimada para se transformar nas cinzas que, depois, são abençoadas na missa e, no momento certo do ritual da Quarta de Cinzas, todos os fiéis são convidados a se apresentarem para serem assinalados com elas”.
Ele enfatiza que o momento não é de ânimo negativo. “Não é tristeza. É penitência, é conversão, é mudança de vida. É preciso lembrar isso”, comenta.
Legenda da foto,Fronte com a cruz feita de cinzas em missa de Quarta-Feira de Cinzas
Outras igrejas cristãs
De acordo com o teólogo e professor Moraes, a tradição da Quarta-Feira de Cinzas não foi incorporada pelas igrejas protestantes e evangélicas.
“As igrejas do protestantismo histórico, algumas são mais litúrgicas, outras menos. Todas reconhecem o período da Páscoa e, portanto, o período que a antecede, esses 40 dias da quaresma. Mas varia de intensidade [conforme a denominação religiosa]. Numa igreja litúrgica, às vezes o pastor cita que iniciamos o período da quaresma, algumas igrejas usam cores específicas”, conta.
“Já as evangélicas pentecostais e neopentecostais geralmente são muito pouco litúrgicas, é um espontaneísmo muito grande então dificilmente você vai encontrar uma valorização desse período de tempo em relação à observância da quaresma”, acrescenta ele.
Moraes afirma que, em geral, os cristãos não católicos não têm nenhum ritual próprio para a Quarta-Feira de Cinzas.
Este texto foi originalmente publicado em fevereiro de 2024.
Edison Veiga
Role,De Bled (na Eslovênia) para a BBC News Brasil