Os produtos vendidos por eles se tornaram um símbolo das eleições presidenciais de 2022: as toalhas com os rostos de candidatos, cujas vendas passaram a ser consideradas um termômetro da preferência dos eleitores nas urnas.
São profissionais que fazem parte do contingente 39,3 milhões de trabalhadores informais existentes no Brasil, que representam quase 40% da população ocupada no país, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O número de trabalhadores informais no Brasil registrado em julho — dado mais recente disponível — é o maior da série histórica do IBGE, com início em 2012.
Ainda segundo dados do IBGE, o Brasil somava 1,1 milhão de trabalhadores ambulantes e feirantes em junho deste ano, com uma renda média mensal de R$ 1.163, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, compilados pelo economista Cosmo Donato, da LCA Consultores
Toalhas como forma de diálogo político
"Vender toalhas também é uma forma de ter um diálogo político", diz Tânia Chaves, de 36 anos e vendedora de toalhas aos domingos na Av. Paulista fechada para carros e aberta para lazer.
Moradora de Interlagos, na zona sul de São Paulo (a 20 km da Praça da Sé, na região central da cidade), o varal de Tânia se destacava no dia da visita pela BBC News Brasil (4/9) por ser o único naquele dia com toalhas tanto de Lula, como de Bolsonaro — os três outros vendedores que trabalhavam naquele domingo na Paulista tinham apenas material do líder das pesquisas eleitorais.
Casada, sem filhos e católica não praticante, Tânia aproveita a venda sazonal de toalhas dos candidatos para complementar a renda da comercialização de seu produto principal, que são porta-temperos de vidro, em suportes de madeira.
"Num dia bom, vendo de R$ 800 a R$ 1 mil em material de eleição, e na mesma faixa em porta-temperos. Mas meu produto é mais sazonal, depende do fluxo de turistas na cidade, já as faixas e bandeiras [dos candidatos e do Brasil] estão muito mais valorizadas nesse momento, por conta da eleição", diz a vendedora.
Tânia compra o material de eleição na região da Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, por R$ 15 a R$ 20, e vende as toalhas por R$ 40 e a bandeira do Brasil por R$ 50.
"A do Lula vende mais, mas o 7 de setembro impulsionou as vendas de bandeiras do Brasil. Nos atos do Bolsonaro, as pessoas priorizam mais a bandeira do país, do que a do Bolsonaro. São mais aquelas tiazinhas que compram, as tiazinhas do Bolsonaro", diz Tânia, acrescentando que o material de Lula tem mais saída entre a faixa etária mais nova, a "molecada".
Apesar de vender toalhas dos dois candidatos, Tânia diz desaprovar a polarização. "São onze opções de voto e essa polarização não é bacana para a gente", afirma.
A vendedora vai de Ciro Gomes no primeiro turno. "O Ciro para mim é um candidato que não está pendurado em cargo político todo ano, é uma pessoa que põe ideias novas — às vezes parece tudo mirabolante, mas ele está tentando ver além do muro."
Questionada sobre por que não vende toalhas de Ciro, ela explica que não existem toalhas do candidato do PDT no mercado. "Não tem, nem que eu quisesse [comprar] e também as pessoas ficam na polarização mesmo", lamenta.
Mesmo contrária à dualidade, Tânia diz já ter escolha para um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro.
"Lula. Porque eu tenho um único pensamento: em quatro anos, a gente não consegue mais tirar o Bolsonaro. Mas eu tenho certeza de que, se acontecer alguma coisa com a candidatura do Lula, se alguma coisa surgir, ele sairá de boa. Acho que ali é mais democrático do que aqui."
'Sou partidário, tenho lado'
Para além dos comerciantes mais pragmáticos, há um outro perfil entre os vendedores de toalha: os militantes políticos que vendem toalhas apenas de um candidato.
"Eu sou partidário, tenho lado. Não vendo [material do Bolsonaro]. É a mesma coisa que você perguntar se eu venderia toalha do [ditador nazista Adolf] Hitler", diz Yuri Ribeiro dos Santos, de 33 anos e morador do Jardim Helena, na zona leste de São Paulo.
Comerciante nas vias públicas há seis anos, ele é um dos vendedores da Av. Paulista que trabalham apenas com toalhas, camisetas e bottons de Lula.
"Bolsonaro para mim foi um desastre. Não só para mim, mas para a nação brasileira. Na condução da pandemia, aquela situação que teve em Manaus. Morreu muita gente por culpa da negligência do governo. E aí eu vou colocar a toalha do cara para vender aí?", questiona.
"Eu não penso só em dinheiro. Acho que se eles [os outros vendedores] querem vender dos dois, eles vendem. Eu não vendo por que sou filiado ao PT e não divulgo a imagem de um cara que eu acho que é fascista", afirma o vendedor.
Solteiro, sem filhos e ateu, antes de vender nas ruas, Yuri foi líder de hospedagem num hospital voltado ao público de alta renda. Quando não vende material político, ele trabalha em shows com material dos artistas e em grandes eventos, como Carnaval e a Parada Gay.
"Não tem outro caminho para a gente, nos dias de hoje, a não ser a política. Porque fora da política, é guerra. Estamos vendo a guerra entre Rússia e Ucrânia: ali acabou o diálogo político", diz Yuri.
"Então a política é um caminho mais viável para resolvermos nossos conflitos. Eu acredito numa revolução. Acreditava mais antigamente, mas ainda hoje acredito. Mas acho que não estamos no momento de radicalizar as coisas, acho que tomando o Congresso com a força popular, vamos conseguir um resultado melhor, sangrando menos."
Adinaldo Aparecido Lemos Batista, de 55 anos, já foi da Congregação Cristã do Brasil, mas diz que no momento "está parado, porque esse negócio de religião virou comércio".
"Estou meio 'descrençado' por causa dessa política. A Congregação Cristã não prega para a turma negócio de política, porque ela é contra igreja misturar com política. Mas o povo da Congregação virou político, porque eles estão com o golpe, estão junto com Bolsonaro. Eu não apoio esse tipo de coisa, por isso estou meio afastado", explica o vendedor ambulante.
Paranaense, filho de mineiro e morador de São Paulo há muitos anos — atualmente no Planalto Paulista, bairro da zona sul —, ele já trabalhou como assessor parlamentar na Câmara de Limeira e foi candidato a vereador na cidade do interior paulista em 2020 pelo PT, com o nome Batista do Mega Fone, tendo recebido 64 votos, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Ele tem uma empresa de pintura, que está parada, então faz bicos como vendedor de cerveja, refrigerante, pipoca e algodão-doce na praia ou de material político na cidade.
"Eu fiquei 580 dias na vigília Lula Livre em Curitiba. Trabalhei mais de um ano voluntário, daí comecei vendendo materiais lá e depois continuei vendendo. A gente trabalha para a luta", afirma.
Ele compra as toalhas de Lula na 25 de Março por cerca de R$ 20 e revende por R$ 35.
"O Lula ganha essa eleição direto, não vai dar segundo turno. Hoje o tempo está ruim, não deu quase ninguém e já vendi mais de 15 toalhas. Domingo vendemos na faixa de R$ 800 a R$ 1.200, entre toalhas e as outras coisas. No sábado, são de R$ 400 a R$ 600", calcula.
'Escolher entre tomar leite ou comer carne não deveria acontecer'
Para Vanessa Andrade, de 42 anos, evangélica e vendedora de roupas infantis e sazonais na Rua 25 de Março, a escolha pelo candidato petista tem razões econômicas.
"Eu sou do Lula. Sempre votei no PT, porque ele envolve o trabalhador, porque eu trabalhava na rua em 2013 e tinha dinheiro na rua, pela situação que estamos vivendo hoje de ter o leite a R$ 10. Eu tenho condições e consigo manter minha família, mas e quem não tem? Escolher entre tomar leite ou comer carne é uma situação a que nunca se deveria chegar", afirma.
"Eu cheguei a ter loja e perdi minha loja durante a pandemia. Eu vendia vestidos de festa, mas com dois anos parados, eu tive que fechar a loja e peguei essa banca", relata.
"Ele [Bolsonaro] atrapalhou demais, as decisões dele na pandemia demoraram demais, por não acreditar no que poderia acontecer. Eu entendo, ele é um ser humano, mas atrapalhou."
Vanessa compra as toalhas de Lula e Bolsonaro no Brás, a R$ 10, e vende entre 50 e 60 por dia por R$ 25 cada. No geral, as toalhas de Lula vendem mais, afirma, mas o 7 de setembro impulsionou as vendas de material de Jair Bolsonaro e deixaram ela na dúvida sobre o desfecho das eleições.
"Depois dessa manifestação do 7 de setembro, eu não sei pontuar o que vai acontecer. Porque era muita gente apoiando ele [Bolsonaro] e aqueles que estão indecisos podem ir pelo oba-oba", avalia.
A baiana Idei Ribeiro Soares, de 33 anos e funcionária em uma barraca a poucos metros dali, também tem críticas à situação da economia brasileira.
"Está muito difícil, principalmente no supermercado, o preço das coisas está um absurdo. Para o pobre viver está complicado, porque há tempos que o salário não sobe e as coisas só aumentam. Então para a mãe e o pai de família está muito ruim", afirma.
Mãe de três filhos e católica, ela era merendeira em Umburanas, na Bahia, mas conta que perdeu o emprego por questões políticas locais. "Tinha que votar em que eles quisessem e, para mim, não funciona desse jeito. Eu tenho livre-arbítrio, eu voto em quem eu quiser."
Segundo Idei, ela foi demitida por não seguir a orientação de voto. Como a cidade é pequena e as únicas fontes de renda são os empregos ligados à Prefeitura ou os benefícios sociais e aposentadorias, foi para São Paulo, em busca do sustento dos filhos.
Com a mudança, a comerciante ainda não transferiu o título de eleitora. "Eu não voto aqui, mas se fosse votar, não ia nem em Lula, nem em Bolsonaro. Ia na Simone [Tebet] ou no Ciro, porque tem que dar oportunidade para outras pessoas", afirma.
Além do que recebe na barraca, Idei conta com o Auxílio Brasil, elevado a R$ 600 até dezembro. Ela afirma, porém, que isso não faz ela querer votar em Bolsonaro.
"Ele não está nos dando nada, isso é um direito nosso. Ele dá isso, mas quando a gente vai ao mercado, vai embora praticamente tudo. Então ele não está ajudando, ainda mais que ele vem fazer isso logo próximo da eleição", afirma.
"O governo Bolsonaro nunca foi de ajudar os mais necessitados, é um governo para pessoas que têm dinheiro, não é um governo da classe mais pobre. É assim que eu vejo."
As toalhas da barraca onde Idei trabalha são compradas por R$ 16 no Shopping Saara, na própria 25 de Março, e revendidas a R$ 30. Saem entre 10 e 20 toalhas por dia, mas o movimento não é mais o mesmo de quando começou a febre pelo produto, lamenta a comerciante.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62963712