sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Como o que aconteceu em Saigon na Guerra do Vietnã se compara ao que está acontecendo em Cabul

História e geopolítica da atualidade


Helicóptero militar dos EUA sobrevoa Cabul durante a retirada de americanos em 15 de agosto de 2021

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Helicóptero militar dos EUA sobrevoa Cabul durante a retirada de americanos em 15 de agosto de 2021

A comparação é inevitável.

Um helicóptero solitário dos Estados Unidos sobrevoa a capital de um país tomado por uma força insurgente que avança rapidamente. As embaixadas estrangeiras são desocupadas. O caos reina nas ruas enquanto civis, assustados com as possíveis represálias do novo governo que se impõe, tentam desesperadamente deixar o país nos últimos voos disponíveis.

As cenas são de 15 de agosto de 2021 em Cabul, no Afeganistão. Mas poderiam ser as mesmas de 46 anos atrás no Vietnã.

Em 30 de abril de 1975, Saigon, até então capital do Vietnã do Sul, foi derrubada diante da entrada das forças comunistas do norte, marcando o fim de uma intervenção militar americana de quase duas décadas no país asiático.

Foi um momento humilhante para o país mais poderoso do mundo. A guerra do Vietnã é considerada a primeira derrota militar dos Estados Unidos — da qual ainda restam sequelas físicas e emocionais.

Agora, muitos críticos do atual governo americano rotulam a queda de Cabul como "a Saigon de Joe Biden".

Um helicóptero dos EUA tenta retirar civis da cobertura de um prédio em 29 de abril de 1975, em Saigon

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Saigon, 29 de abril de 1975: um helicóptero dos EUA tenta retirar civis da cobertura de um prédio

Civis afegãos tentam desesperadamente embarcar em avião no aeroporto de Cabul
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Civis afegãos tentam desesperadamente embarcar em avião no aeroporto de Cabul

O que aconteceu no Vietnã?

Os Estados Unidos se envolveram no conflito do Vietnã em 1954, após a também humilhante derrota das forças imperiais da França, que havia colonizado o território conhecido como Indochina desde o século 19.

O Vietnã foi dividido em dois países, com o Vietnã do Norte controlado por uma ideologia comunista, sob a liderança de Ho Chi Minh, cujo objetivo era a reunificação.

O então presidente americano, Dwight Eisenhower, decidiu intervir em apoio ao Vietnã do Sul, convencido de que, se caísse nas mãos do comunismo, o mesmo aconteceria em breve com os países vizinhos - o chamado efeito dominó.

Embora Eisenhower não tenha mobilizado tropas, ele enviou assessores e assistência militar. O governo seguinte, de John Kennedy, se envolveu mais profundamente, destinando mais orçamento e divisões militares, além de conduzir operações secretas.

Mas foi só em 1965 que os Estados Unidos entraram formalmente na guerra sob a liderança do presidente Lyndon Johnson, com uma campanha intensa de bombardeios contra alvos norte-vietnamitas e a presença de mais de 500 mil soldados no ápice do conflito.

No total, mais de 2,5 milhões de americanos serviram na guerra.

Talebãs armados andam de carro pelas ruas da província de Laghman em 15 de agosto de 2021

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Talebãs armados andam de carro pelas ruas da província de Laghman em 15 de agosto de 2021

Tropas norte-vietnamitas entram em Saigon de carro em 30 de abril de 1975

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Saigon, 30 de abril de 1975: tropas norte-vietnamitas entram na capital do Vietnã do Sul de carro

O conflito continuou durante o governo de Richard Nixon, até que este, aos poucos, retirou quase todas as tropas de combate americanas e negociou os Acordos de Paz de Paris em 1973.

Os acordos previam a saída unilateral dos Estados Unidos e a troca de prisioneiros. Nixon havia prometido proteger o Vietnã do Sul com bombardeios aéreos para que não fosse arrasado pelo Norte, mas seus próprios problemas com o escândalo do caso Watergate o impediram de fazer isso.

Quando Gerald Ford assumiu o comando da Casa Branca em 1974, o equilíbrio de poder no Vietnã estava claramente a favor do Norte, que lançou uma ofensiva final, culminando na queda de Saigon em 30 de abril de 1975.

Cenas de caos foram presenciadas nas ruas, com multidões aglomeradas em frente à embaixada dos Estados Unidos e ao aeroporto de Saigon, buscando desesperadamente sair do país, enquanto as forças comunistas vitoriosas ocupavam a capital.

A guerra do Vietnã em vários círculos é considerada objeto de vergonha nacional para os Estados Unidos. Um longo conflito que tirou a vida de 58 mil soldados americanos e mais de 2 milhões de vietnamitas, custou mais de US$ 100 bilhões na época e, ainda assim, não conseguiu atingir os objetivos estabelecidos.

Afegãos pulando o muro do Aeroporto Internacional Hamid Karzai para tentar fugir do Afeganistão

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Muitos pularam o muro do Aeroporto Internacional Hamid Karzai para tentar fugir do Afeganistão

Civis vietnamitas tentam embarcar em um ônibus para serem levados até a embaixada dos EUA para uma possível fuga, em 30 de abril de 1975

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Civis vietnamitas tentam embarcar em um ônibus para serem levados até a embaixada dos EUA para uma possível fuga, em 30 de abril de 1975

Uma intervenção diferente com um final parecido

A guerra dos Estados Unidos no Afeganistão durou 20 anos, o conflito bélico mais longo da história americana. Embora a intervenção no Vietnã tenha durado mais ou menos o mesmo tempo, essa guerra só foi formalizada como tal cerca de 10 anos depois de início do conflito.

No Afeganistão, eles não lutavam mais contra o comunismo. O novo inimigo era o declarado "terrorismo", promovido principalmente pela Al-Qaeda com a aprovação do Talebã, que controlava o país asiático.

Após os ataques de 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush lançou uma forte ofensiva aérea que logo derrubou o governo do Talebã e baniu a Al-Qaeda do Afeganistão.

Mas depois dessa vitória, o plano mudou e o foco foi a completa derrota militar do Talebã e a reconstrução das instituições do Estado afegão para evitar que se tornasse uma base para extremistas novamente.

Isso implicava em uma forte presença militar que foi reforçada pelo presidente Barack Obama com a ideia de proteger a população do Talebã, enquanto tentava reintegrar os insurgentes à sociedade.

O plano de Obama também incluía treinar o Exército afegão e prepará-lo para a retirada gradual das tropas americanas e a transferência de responsabilidade para as forças afegãs.

A estratégia teve pouco êxito, com um grande número de ataques do Talebã contra civis, policiais e militares afegãos, mal preparados para resistir.

Pessoas correm na pista do aeroporto de Cabul tentando embarcar em um avião da Força Aérea dos Estados Unidos
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Pessoas correm na pista do aeroporto de Cabul tentando embarcar em um avião da Força Aérea dos Estados Unidos

Refugiados vietnamitas embarcam em navio da Marinha dos Estados Unidos, antes da queda de Saigon em abril de 1975

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Refugiados vietnamitas embarcam em navio da Marinha dos Estados Unidos, antes da queda de Saigon em abril de 1975

Mais de 800 mil militares dos EUA serviram no Afeganistão — mais de 2,3 mil morreram e cerca de 20 mil ficaram feridos.

Mas foram os afegãos que sofreram o maior impacto. Foram registradas mais de 60 mil mortes nas forças de segurança e quase o dobro de civis.

Em termos econômicos, a fatura para o contribuinte americano chega perto de US$ 1 trilhão (aproximadamente R$ 5,2 trilhões), apontam estimativas.

Depois de sofrer milhares de baixas no conflito e do reconhecimento de que o Talebã era uma força enraizada no Afeganistão, os Estados Unidos assinaram um acordo de paz com o grupo fundamentalista islâmico em fevereiro de 2020, em Doha.

O compromisso do então presidente Donald Trump era retirar todas as tropas num período de 14 meses, enquanto o Talebã garantiria não permitir que a Al-Qaeda ou outros grupos extremistas operassem em seus territórios e que dialogaria com o governo do Afeganistão.

A história se repete?

Agora, com o novo ocupante da Casa Branca, Joe Biden, há pouco mais de seis meses no poder, a retirada dos militares americanos e de seus aliados deixou o governo afegão sem apoio para impedir a retomada da capital Cabul pelas forças do Talebã.

As cenas de caos vistas há 46 anos em Saigon se repetem na capital afegã. Milhares de afegãos chegaram ao aeroporto tentando fugir.

O Pentágono informou em comunicado que suas tropas continuam a controlar o aeroporto.

Soldados americanos que foram enviados recentemente para ajudar na retirada de seus cidadãos teriam atirado para o ar para dispersar a multidão.

Soldados americanos vigiam o aeroporto de Cabul, enquanto civis são separados por cerca de arame farpado

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Soldados americanos vigiam o aeroporto de Cabul, enquanto civis são separados por cerca de arame farpado

Fuzileiros navais dos EUA vigiam a entrada da embaixada em Saigon, enquanto uma multidão de vietnamitas espera para ser retiradas do país em 29 de abril de 1975

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Fuzileiros navais dos EUA vigiam a entrada da embaixada em Saigon, enquanto uma multidão de vietnamitas espera para ser retiradas do país em 29 de abril de 1975

Biden havia garantido que não seriam vistos helicópteros retirando os funcionários da embaixada dos Estados Unidos, mas foi o que se viu — e o líder da minoria republicana na Câmara, Steve Calise, foi rápido em apontar isso.

"Este é o momento Saigon do presidente Biden e, infelizmente, era muito previsível", declarou.

O secretário de Estado, Anthony Blinken, tentou atenuar a cena afirmando que "não é Saigon" e insistindo que a rápida retirada das tropas foi resultado do prazo de 1º de maio definido pelo acordo assinado pelo governo Trump em 2020.

Blinken sugeriu que a alternativa teria sido uma guerra em grande escala contra o Talebã para impedi-los de tomar grandes territórios no país.

Manifestação em frente à sede das Nações Unidas, após a queda de Saigon, exigindo ajuda humanitária para quem quer deixar o Vietnã

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Manifestação em frente à sede das Nações Unidas, após a queda de Saigon, exigindo ajuda humanitária para quem quer deixar o Vietnã

Por outro lado, Champa Patel, diretora do programa Ásia-Pacífico do centro de estudos Chatham House em Londres, afirma que o foco agora deveria estar nos civis afegãos — e não no que pode representar politicamente para uma potência estrangeira.

"O que é urgentemente necessário agora é garantir a proteção do povo afegão. Os Estados deveriam concentrar suas mentes em facilitar vistos, dar segurança para o povo, fornecer assistência humanitária no país e buscar uma solução política pacífica", afirmou em comunicado.

BBC 18/08/21

Especial: Vietnã, 25 Anos Depois
O Vietnã revisitado
Ataque de napalm, no Vietnã

Brian Barron

Saigon já foi a capital de um país. Hoje, o nome da cidade e o país em questão - Vietnã do Sul - fazem parte apenas da memória.

Eles foram retirados do mapa por legiões de revolucionários do Vietnã do Norte, no que se tornou uma das vitórias mais surpreendentes dos tempos modernos.

Vinte e cinco anos atrás, a promessa dos Estados Unidos de ficar ao lado de seu aliado, Saigon, foi abandonada.

O major James Kean, um dos últimos homens a serem evacuados pelo teto da embaixada norte-americana em Saigon, relembra a humilhação.

Os últimos marines deixam pelo teto da embaixada

"Eu chorava e todos chorávamos. Nós chorávamos por uma série de motivos", ele diz.

"Mas mais do que tudo, nós estávamos envergonhados. Como os Estados Unidos da América pôde ter chegado à posição de enfiar o rabo entre as pernas e correr?"

Guerra Fria

No final dos anos 60, a Guerra Fria estava no auge e as superpotências tinham representantes no Vietnã.

A ex-colônia francesa havia sido repartida.

Hanói, capital do Vietnã do Norte, era apoiada pela então União Soviética e pela China comunista; Saigon, capital do Vietnã do sul, tinha o apoio dos Estados Unidos.

O Norte estava sob o patriarcado revolucionário de Ho Chi Minh, cuja cruzada era reunificar a nação.

Vietnã: a primeira guerra televisionada

O Sul era uma quase-democracia, mas corrupta e internamente dividida, com Washington tentando unificar as diferentes correntes.

Durante anos os EUA despejaram seus soldados no Vietnã, acreditando que um poder de fogo superior e a tecnologia iriam aniquilar os soldados comunistas do Norte e as guerrilhas do Vietcong.

O Pentágono sempre prometia uma lua no final do túnel.

Mas 58 mil vidas de norte-americanos foram perdidas.

A carnificina, sempre televisionada através dos EUA, provocou a revolta do público norte-americano com o conflito.

John Lennon e Yoko Ono estavam entre as celebridades que se juntaram ao movimento pacifista - que era tão intenso que tirou um presidente da Casa Branca, e eventualmente forçou a retirada de todas as forças norte-americanas do Vietnã.

Corrupção

Em 1973, um acordo de paz foi assinado.

Pelo acordo, o Vietnã continuava dividido, mas com enclaves de tropas comunistas espalhadas pelo Sul.

Helicóptero em ação

O líder de Saigon, presidente Nguyen Van Thieu, pode ter comandado o quarto maior exército do mundo, mas cravado de ganância e incompetência.

O coronel David Hackworth, o combatente norte-americano mais condecorado no Vietnã, diz que muitos dos generais do Vietnã do Sul que ele conhecia eram movidos por uma única coisa.

"Os norte-americanos eram tão ingênuos que eles estavam derramando dinheiro no Vietnã, enquanto os vietnamitas se apoderavam do dinheiro e abriam um negócio atrás do outro".

"Eles eram homens de negócio, e não generais em uma luta", diz Hackworth.

É um julgamento duro, mas correto.

Pânico

Há 25 anos eu estava em Tuy Hoa, na costa central do Vietnã, escrevendo sobre uma das maiores derrotas militares do final do século 20.

Refugiados e tropas correm para sair do país

Abalado por um levante comunista, o presidente do Vietnã do Sul, Nguyen Van Thieu, ordenou que um dos seus comandantes mais graduados retirasse secretamente seu exército das bases nas montanhas que asseguravam o controle da região central do país.

O exôdo que se seguiu se tornou conhecido como "o comboio de lágrimas".

"O pânico se estabeleceu", relembra o coronel Hackworth.

"A pior coisa que pode acontecer para um exército é ser dominado pelo medo… o esquema tático simplesmente vai pelo ralo".

"Foi isso o que aconteceu ali. Nós tivemos essa onda infernal de medo que tomou generais, coronéis, sargentos, soldados - todos correram. O caos tomou conta de tudo".

Comboio de lágrimas

Os veteranos comunistas do Norte ainda se lembram de quão fácil foi a destruição do "comboio do medo".

Garoto refugiado desce para barco

Mas o pior ainda estava por vir.

Logo em seguida, as notícias da retirada caótica das montanhas teve um impacto fatal na segunda cidade mais importante do Vietnã do Sul, Da Nang.

"Quando Da Nang caiu, foi o fim de metade do exército do Vietnã do Sul", diz o ex-analista da CIA sobre Saigon, Frank Snepp.

"E realmente foi o fim da metade superior do país".

"Naquele ponto, qualquer pessoa sensata teria começado a planejar algum tipo de evacuação. Mas isso não ocorreu", diz Snepp.

Evacuações

Em três semanas, o mapa do Sudeste da Ásia estava redesenhado.

Aglutinação na embaixada dos EUA

As tropas do Vietnã do Norte haviam tomado quase todo o sul e 15 divisões de tanques e infantaria comunistas estavam se aproximando de Saigon.

Multidões começaram a se aglutinar em torno da embaixada norte-americana, e os funcionários lá dentro tremiam.

Estima-se que pelo menos 90 mil vietnamitas do sul que haviam trabalhado para os norte-americanos deixaram o país.

Mas, enquanto os norte-americanos discutiam quão rápida deveria ser a evacuação, o tempo se esgotou.

Em Washington, o presidente Gerald Ford e seu secretário de Estado, Henry Kissinger, pensavam saber qual era sua obrigação.

"Nós tínhamos a obrigação de ajudar nossos aliados do Vietnã do Sul que queriam sair do país e ir para os Estados Unidos", diz Gerald Ford.

"Por um outro lado, o embaixador norte-americano em Saigon, Graham Martin, queria ficar e lutar até a última bala".

Traição

Entre os milhares de vietnamitas que receberam a garantia que seriam evacuados estava Kim Vin Luong, um intérprete da inteligência norte-americana, e seu marido, um piloto da força aérea.

Tropas do norte tomam o Palácio da Independência

Os comunistas iriam considerá-los como inimigos.

"Me disseram que um ônibus norte-americano iria até nossa casa para nos levar até o aeroporto", relembra Luong.

"Nada aconteceu, e eu esperei 18 anos com os comunistas por causa de uma promessa não cumprida da embaixada norte-americana".

Frank Snepp, o ex-agente da CIA, disse que estava aterrorizado pelos seus amigos vietnamitas que pediam para ser resgatados.

Eram gritos desesperados que chegavam por circuitos de rádio - um pesadelo sonoro.

"Eles diziam: eu sou Han, o tradutor, por favor, venha me buscar. E nós respondíamos: sim, claro, já estaremos aí - e, claro, nada nunca aconteceu".

Os norte-americanos deixaram a evacuação para muito tarde - perigosamente tarde.

Quinze horas antes da rendição de Saigon, centenas de vietnamitas cercavam a embaixada dos EUA.

Muitos receberam a promessa de entrar - e escapar -, mas a maioria foi deixada para trás.

O último militar norte-americano no Vietnã escapou pelo teto da embaixada, seguido por uma multidão de vietnamitas desesperados.

Eles lotaram o último helicóptero escalado para a evacuação, observados pelos vietnamitas do Norte que chegavam.

Mas o ex-gerneral do Vietnã do Norte, Vu Xuan Vinh, diz que as ordens eram para não atirar.

"Havia muitos helicópteros norte-americanos sobrevoando o local, mas tínhamos ordens de deixá-los escapar", ele relembra.

"Nós temíamos que, se atirássemos, a Força Aérea dos Estados Unidos iria interferir e isso iria atrapalhar a retirada".

Humilhação

Assim que os últimos norte-americanos se retiraram, 17 divisões das tropas do Vietnã do Norte se encaminharam para os portões da Palácio da Independência, em Saigon, que era a sede do governo.

Mas houve ainda uma humilhação seguinte no mar.

Festa após a queda de Saigon

Centenas de militares do sul escaparam em seus próprios helicópteros em direção à esquadra norte-americana de evacuação.

A movimentação foi tão grande que eles tiveram que atirar seus helicópteros no mar.

Não houve preocupação quanto aos custos - afinal, os norte-americanos já haviam gasto 12 anos e U$ 150 bilhões na cruzada perdida.

Cicatrizes

O envolvimento norte-americano no Vietnã terminou em um pesadelo de culpa e recriminação, e as cicatrizes permanecem abertas ainda hoje.

Frank Snepp relembra ter recebido um telefonema nas últimas horas de retirada, de uma mulher vietnamita que alegava que ele era o pai de seu filho.

Uniformes foram deixados pelas ruas

"Ela disse que tinha de deixar o país, ou iria matar a si e a seu filho".

"Eu disse: My Lai, eu não posso providenciar sua retirada agora - essa é a manhã do último dia. Ligue-me de volta em uma hora".

"Quando ela ligou novamente, eu estava em uma reunião no escritório do embaixador, então ela se matou e matou o garoto. Eu não pude atendê-la".

O presidente Ford reconhece que o fracasso para evacuar todos os prometidos pode ser considerada uma traição.

Mas ele diz: "Nós fizemos todo o possível. Eu me lembro que entre seis e sete mil pessoas nas últimas 24 horas foram evacuadas do teto da embaixada dos EUA".

Strip-tease

Assim que os vietnamitas do norte entraram em Saigon, os soldados vietnamitas do sul despiram-se de seus uniformes, em um strip-tease em massa.

Seus equipamentos de combate, roupas e botas foram deixados jogados pelas ruas.

Três divisões do exército do sul desapareceram em poucas horas - os soldados retornaram para seus vilarejos.

O coronel Hackworth diz que os soldados do Norte foram os mais motivados que ele já havia visto.

"Eles tinham muita munição em sua cintura. Eles tinham liderança. Eles eram totalmente dedicados e não estavam lutando em nome do comunismo", ele diz.

"Eles estavam lutando por independência, assim como os norte-americanos em 1776 lutaram contra os britânicos. Eles queriam o seu país livre de opressão estrangeira".

Isolamento

Hoje, um quarto de século depois daquele triunfo de dimensões épicas, o túmulo de Ho Chi Min em Hanói permanece como o chão sagrado do Vietnã unificado.

Mas os frutos da paz se provaram alusivos.

O isolamento do Vietnã se intensificou com o desaparecimento da União Soviética.

O Vietnã permanece atolado na interferência comunista e burocracia.

Novos hotéis estão vazios, e muitos investidores estrangeiros se retiraram.

Divisão

Para um repórter que retorna ao Vietnã 25 anos depois há muito que se admirar.

Como o profundo senso de auto-suficiência e progressos reais em saúde pública e educação.

Mas a audácia militar demonstrada pelo Norte ao promover a invasão do Sul nunca mais foi igualada por nenhuma audácia política.

Mesmo hoje, o único partido político e seus comunistas de estilo superado têm medo de idéias novas.

Sob a aparência de um Vietnã unificado, norte e sul permanecem como dois lugares bastante diferentes.

 

Brian Barron cobriu a Guerra do Vietnã como correspondente da BBC.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

A cidade que pegou fogo em apenas 15 minutos no mesmo dia em que o Canadá registrou quase 50°C





Fumaça em Lytton, no oeste do Canadá, no dia seguinte a incêndio que consumiu quase toda a cidade, em 30 de junho de 2021

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Fumaça em Lytton, no oeste do Canadá, no dia seguinte a incêndio que consumiu quase toda a cidade, em 30 de junho de 2021

Bastaram 15 minutos para que Lytton pegasse fogo por completo.

Era o final do mês de junho, verão no hemisfério Norte, e a pequena comunidade no Estado da Colúmbia Britânica já estava no noticiário de todo o país, por registrar a temperatura mais alta já vista no Canadá: 49,6°C.

A moradora Meriel Barber lembra como o clima estava "quente demais para se descrever".

"Eu comecei a levantar da cama às 4h da manhã para fazer coisas fora de casa, porque era impossível fazê-las no meio do dia", ela conta.

Muita gente evitava sair às ruas por causa do calor, e Lytton ficou ainda mais calma do que se costume.


Apenas 250 pessoas moram na pequena vila, e as reservas indígenas ao seu redor abrigavam mais mil moradores. A pitoresca comunidade é localizada a 260 km ao noroeste de Vancouver, no ponto de encontro de dois rios, o Thompson e o Fraser.

Moradores descrevem o local como uma comunidade de laços próximos, imersa na história indígena. Era um lugar onde "todo mundo conhece todo mundo", nas palavras de um deles.

Barber se mudara para lá havia uma década, e imediatamente se sentiu em casa.

"Encontrei um lugar onde me senti bem-vinda de muitas formas", lembra. "Chamo-as (pessoas vizinhas) de família."

No dia do incêndio, em 30 de junho, Barber estava focada em voltar para casa depois do trabalho quando viu uma chamas e fumaça vindo da cidade.

Incêndios são comuns nos verões da Colúmbia Britânica, então Barber não deu muita atenção, achando que as chamas logo seriam controladas.

Mas, depois de devolver seu veículo de trabalho e regressar à cidade, viu um carro de bombeiros passar disparando seu alarme e bloqueando a estrada. Um dos bombeiros lhe avisou que Lytton estava pegando fogo.

Meriel Barber

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Meriel Barber, moradora de Lytton há uma década, perdeu quase tudo no incêndio - inclusive recordações de seu filho, já falecido

"Eu olhava para ele mas não conseguia entender o que ele dizia. Eu havia visto o fogo no caminho e não estava por todos os lados, estava em um só lugar", ela conta.

No acostamento da estrada ao lado de outros moradores, Barber conseguiu fazer dois telefonemas antes que os celulares deixassem de funcionar. O primeiro foi para saber se alguns amigos idosos dela estavam em segurança. O segundo era para pedir que seu senhorio pegasse seu gato, dentro de casa - ela o havia trancado lá dentro para protegê-lo do calor externo.

Nas seis horas seguintes, ela esperou por notícias enquanto assistia a sua cidade incendiar.

Nesse intervalo, a moradora N'kixw'stn James, que passou a vida em Lytton, estava finalizando seu banho e assistindo TV quando um homem entrou em sua casa gritando: "você precisa sair daqui. Lytton está pegando fogo".

James, de 76 anos, correu para o quarto e trocou seu pijama por roupas. Pegou uma sacola com itens para o caso de uma evacuação, agarrou sua bolsa, chaves do carro e celular, enquanto homem gritava para que ela saísse.

"Quando pisei fora de casa, vi uma tempestade de cinzas quentes", ela recorda.

Ela correu para dentro do carro, e o volante estava tão quente que queimou sua mão.

"Comecei a dirigir para longe da minha casa. Passados alguns metros, ouvi uma explosão. Meu tanque de gás propano havia explodido."

James seguiu dirigindo, tentando encontrar algum caminho seguro em meio à fumaça que bloqueava sua visão. Quando se abrigou, recebeu ajuda de uma enfermeira, que cuidou de seus braços, pernas e rosto - todos queimados pelas cinzas.

Incêndio em Lytton

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Incêndio devastou Lytton em questão de minutos; caso virou tema de campanha nas eleições canadenses

Do outro lado do rio Fraser, Nonie McCann assistia à devastação.

Ela havia recebido um telefonema de um vizinho por volta das 17h, perguntando se ela sabia de onde vinha a fumaça nos arredores de Lytton. Daí soube que a cidade estava em chamas, e um amigo lhe perguntou se ela e seu marido conseguiriam ajudar, erguendo uma espécie de estação de bombeamento de água.

"Ficamos devastados ao ver as casas inteiras sendo engolidas pelo fogo", lembra. "Eram casas de pessoas que conhecíamos. Não tivemos sorte em começar a bombear água, e a fumaça era muito intensa. Então tivemos que voltar."

Ela diz que vivenciou uma onda de emoções: "o horror absoluto diante do que eu estava vendo, imensa dor pela perda catastrófica, e preocupação, torcendo para que todos tivessem conseguido escapar em segurança".

Sem conseguir ajudar, ela sentou e assistiu de sua margem do rio enquanto "edificação atrás de edificação era levada pelas chamas" e helicópteros jogavam água.

O mais difícil, diz ela, era não conseguir se comunicar com as pessoas.

em outras partes da Colúmbia Britânica, parentes de moradores de Lytton também esperavam ansiosamente por notícias.

Verna Miller soube do incêndio por seu marido, que havia assistido a tragédia pela TV.

O casal se conhecera em Lytton, e a irmã mais velha de Miller ainda morava na cidade. Uma prima que morava a 30 minutos de distância correu para a cidade para ajudá-la.

Quando a prima chegou, a irmã de Miller ainda não sabia que o incêndio estava devastando sua comunidade.

Ambas conseguiram sair a tempo de escapar do fogo que destruiu a casa e tudo lá dentro.

De volta ao acostamento da rodovia onde Meriel Barber aguardava, ela conseguiu que amigos a abrigassem em uma casa que havia sobrevivido ao fogo.

Ela passou os dias seguintes ali, sem acesso a água potável ou eletricidade, e usou um fogão de propano para cozinhar.

Ela soube, então, que sua casa havia sucumbido ao incêndio, com seu gato dentro.

90% da cidade foi destruída

Segundo Brad Vis, membro do Parlamento local, toda a tragédia se desenrolou em apenas 15 minutos de incêndio. No total, cerca de 90% da cidade foi destruída, e muitas das reservas de mata ao seu redor foram completamente queimadas.

Um casal idoso morreu.

Vis diz que se tratou de "uma situação sem precedentes - mesmo nesta nossa parte do mundo, onde incêndios ocorrem anualmente".

"Alguns dos socorristas com quem falei me disseram que nunca tinham visto uma comunidade incendiar por inteiro como aconteceu em Lytton".

O caso se tornou emblemático em meio a um verão de ondas de calor mortais e outros incêndios, colocando as mudanças climáticas no topo dos debates da eleição canadense desta segunda-feira (20/9), convocada pelo premiê liberal Justin Trudeau na tentativa de assegurar uma maioria no Parlamento - estratégia que pode fracassar, uma vez que seu partido enfrenta uma disputa acirrada com os conservadores.

Na campanha, candidatos diversos usaram a tragédia de Lytton como uma advertência sobre os efeitos do aquecimento global, enquanto as origens exatas do incêndio ainda são investigadas.

"O custo da inação (contra as mudanças climáticas) foi que uma cidade inteira acabou destruída por um incêndio florestal", argumentou Jagmeet Singh, líder do partido social-democrata NDP.

Destroços do incêndio em Lytton

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Destroços do incêndio em Lytton, uma comunidade pequena e descrita como próxima e hospitaleira

Ondas de calor estão se tornando mais comuns e extremas por causa das mudanças climáticas induzidas pelo comportamento humano, e esse tempo quente e seco favorece incêndios.

O mundo já esquentou cerca de 1,2°C desde que começou a era industrial, e as temperaturas continuarão a subir se governos ao redor do mundo não fizerem cortes drásticos nas emissões de gases poluentes.

Em Lytton, a comunidade deslocada agora tenta se reerguer - inclusive tentando fazer a nova vila mais resistente a incêndios e outros desastres naturais, e menos dependente em fontes externas de energia.

"Esta [e uma oportunidade rara de criar uma comunidade com uma visão para o futuro: levando em conta eventos climáticos extremos, trabalhando em colaboração com povos indígenas e não indígenas", argumenta Nonie McCann.

"Haverá enormes lutas e dificuldades a superar, mas, passo a passo, dia após dia, vamos celebrar nossa comunidade novamente."

Meriel Barber, enquanto isso, está vivendo dentro de sua van. Ela conseguiu recuperar alguns itens dos destroços de sua casa - uma escultura, sua caixa de joias e um pequeno trailer -, mas quase todo o restante foi reduzido a cinzas.

"Tenho um filho que já morreu, e todas as recordações que eu havia guardado dele, (junto com) uma adorada colcha feita pela minha mãe e mais trabalhos artísticos feitos por mim ou por outras pessoas, tudo eu havia guardado com tanto cuidado ao longo dos anos - tudo isso se foi e não pode ser substituído", ela lamenta.

Mas, apesar das "camadas de luto" vivenciadas com o incêndio, ela diz que, junto com a comunidade, está pensando no futuro.

"O lema é 'Lytton forte' e estamos olhando para a frente."

  • Alice Cuddy
  • BBC News
Professor Edgar Bom Jardim - PE