quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Nem um centímetro a mais para os indígenas e para a biodiversidade no Brasil de Bolsonaro

História: Governo Bolsonaro X Povos indígenas.

Presidente paralisa a criação de novas unidades de conservação e de terras indígenas, o que incentiva invasões e prejudica o combate ao aquecimento global



Um grupo de indígenas araweté na margem de um rio após um dia de caça.
EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO / INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL

Jair Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro nos últimos 35 anos a não instituir nem uma só terra indígena ou reserva ecológica. Não demarcou um só centímetro desde sua posse. Não chega a ser uma surpresa, pois foi o que prometeu em campanha e porque é a sua postura há décadas. No entanto, é uma decisão que prejudica diretamente os povos originários, incentiva a invasão de terras por parte de não índios e inclusive atrapalha o combate ao desmatamento e ao aquecimento global. “Não podemos ter ambientalismo (sic) xiita no Brasil. Vamos acabar com a indústria da demarcação de terras indígenas”, declarou Bolsonaro no final da campanha, quando estava claro que tinha boas chances de se tornar presidente. Dito e feito.

Há três anos, todos os processos por meio dos quais os indígenas reivindicam o direito de usufruir das terras que habitam (ou que seus antepassados habitaram) estão paralisados. Para esta minoria, que representa 5% da população brasileira e ocupa 12% do território, é a mais nociva das decisões do presidente. Esse retrocesso coincide com o 60º aniversário da primeira terra indígena demarcada no Brasil, o Parque Indígena do Xingu, reconhecida em 1961. A maioria dessas áreas protegidas fica na Amazônia, maior floresta tropical do planeta, mas existem em quase todos os cantos do Brasil.

Paralisar as demarcações é parte do progressivo desmantelamento da política ambiental e indigenista brasileira. As consequências da falta de ação do Executivo neste âmbito são muitas e diversas, afirma o indigenista André Villas-Boas, do Instituto Socioambiental. A primeira é que os conflitos de terras permanecem abertos ou, inclusive, se agravam. Isso porque, segundo explica, “a demarcação põe fim às disputas fundiárias, estabelece que a terra é o índio, e que os não índios têm que sair delas”. Sem esse reconhecimento oficial, “a situação é caótica”.

As terras que se encontram nesse limbo são um alvo mais fácil para criminosos ou para pessoas que buscam a vida em meio à falta de alternativas. Multiplicam-se as invasões para explorar ilegalmente as riquezas ali contidas —seja madeira, ouro ou terreno para transformar em pasto. Outra manobra é se instalar por lá, empreender uma atividade econômica —como a pecuária— e torcer para que, com, o passar dos anos chegue uma anistia pelas mãos de algum presidente que aceite legalizar o que começou como uma ocupação ilegal. A expectativa de que Bolsonaro agirá dessa forma fez as invasões dispararem na Amazônia.

Além de dificultar o trabalho dos fiscais ambientais, que são poucos e cada vez menos numerosos, de reduzir o valor das multas e de promover uma custosa mobilização militar na Amazônia, o Governo anunciou a iniciativa Adote um Parque. Buscou patrocínio de empresas e particulares que se dispusessem a bancar a preservação de 63 milhões de hectares (15% da Amazônia). Poucas companhias aderiram.

Diante da paralisação governamental, a natureza fica também menos protegida. A Fundação Nacional do Índio (Funai) diz em seu site que as demarcações “favorecem a proteção ambiental e a biodiversidade, assim como o controle climático global, já que as terras indígenas representam as áreas mais protegidas ambientalmente”. Os dados do último ano confirmam isso. O desmatamento foi o mais elevado em 12 anos, e a superfície destruída nas áreas sem proteção foi cinco vezes maior que nas protegidas (a área queimada por incêndios foi o triplo), segundo a base de dados Alerta+.

Homens da tribo Araweté junto à placa de demarcação da Terra Indígena Araweté, no Pará
Homens da tribo Araweté junto à placa de demarcação da Terra Indígena Araweté, no ParáLEONARDO CARNEIRO DA CUNHA / ISA / ISA

A demarcação de terras costuma ser um processo de anos que combina muita burocracia, frequentes batalhas judiciais e expedições de sertanistas que se enfiam na mata cerrada, nas profundezas mais remotas da selva, para traçar os limites territoriais. Uma vez delimitada a terra indígena, seus habitantes e a natureza que os cerca passam a gozar de proteção legal.

Um trabalho de anos

Villas-Boas, também coordenador da rede Xingu+, integrada pelos indígenas da bacia hidrográfica homônima e por organizações defensoras, participou na década de 1990 de uma dessas expedições para estabelecer os limites do território do povo Araweté. Foi um trabalho de dois anos, que incluiu abrir trabalhosas picadas na mata para instalar marcos a cada um ou dois quilômetros, em um perímetro de 10.000 quilômetros quadrados. Contaram com topógrafos, helicópteros e satélites. “Era uma zona bastante remota, aquilo parecia uma obra faraônica”, ri, ao telefone. A população dobrou.

O indigenista retoma o tom sério para apontar que o fim das demarcações também significa que “o Estado deixou de exercer seu papel fundamental de proteger os direitos das minorias, como estabelece a Constituição”. E acrescenta que as unidades de conservação ambiental sofrem inclusive mais invasões que as terras habitadas por indígenas. Isso ocorre porque muitas das áreas preservadas para a conservação da biodiversidade são totalmente desabitadas e só poderiam ser visitadas por cientistas.

Villas-Boas por acaso tem o mesmo sobrenome —mas sem parentesco— dos três irmãos expedicionários que há seis décadas foram decisivos para a criação do Parque Nacional Indígena do Xingu, um território de 27.000 quilômetros quadrados, um pouco menor que a Bélgica, localizado no norte de Mato Grosso. Lá vivem um pouco mais de 6.000 indígenas de 16 etnias, dos Aweti aos Yudjá.

Só depois da ditadura (1964-1985) se aceleraram os processos de reconhecimento do direito exclusivo dos indígenas de usufruir das terras que habitam —sua propriedade é do Estado. Os povos originais podem explorá-las de maneira sustentável, mas sem vendê-las ou arrendarem a terceiros. Depois do impulso inicial, o ritmo se reduziu. Passaram-se quatro anos desde que a última terra indígena foi criada. Bolsonaro, como parte dos brasileiros —incluídos muitos no poderoso setor agropecuário—, acha que é muita terra para pouco índio.


El País 20/08/2021
Naiara Galarraga
Professor Edgar Bom Jardim - PE

A batalha eleitoral num pedaço do Nordeste, onde comer é mais importante do que em quem votar

História: Governo Bolsonaro.

Bolsonaro emula os passos de Lula para tentar conquistar filão petista beneficiado pelo Auxílio Emergencial. Mas esbarra na falta de confiança de eleitores, que sentem na pele a alta inflação




Com uma carta em punho, Maria de Fátima Pinheiro Evangelista, de 57 anos, está decidida a atravessar o abismo entre a sua vida e as principais bandeiras ideológicas de Jair Bolsonaro para tentar sobreviver à crise brasileira. Da casa alugada e sem reboco em que vive sozinha na periferia de Juazeiro do Norte (Ceará), ela ―que não sabe ler ou o que é comunismo― insistiu para que a única filha escrevesse uma carta ao presidente. Quer alcançar o direito à aposentadoria rural, negada porque não conseguiu comprovar o tempo de serviço na roça, onde trabalha desde os oito anos.

Maria de Fátima até chegou a receber o auxílio emergencial no ano passado e viu a vida melhorar por um tempo. Mas foi cortada do programa depois de ter feito o pedido de aposentadoria e agora vive com pouco mais de 250 reais por mês, que consegue lavando roupas para vizinhos. A energia já não é paga há meses e com o gás tão caro ela precisa cozinhar também à lenha para economizar. A comida vem do que planta e de doações. Por isso, a carta é uma esperança. E ela esgueira o corpo para entregá-la a Bolsonaro, que passava acenando de cima de um carro ao lado de sua casa.

A ida do mandatário brasileiro a Juazeiro do Norte na semana passada tinha como justificativa oficial a inauguração de um conjunto habitacional. Mas também é parte de uma estratégia que busca abocanhar votos em um reduto majoritariamente lulista para as eleições do ano que vem. Em 2018, Bolsonaro conseguiu apenas 24% dos votos no segundo turno na cidade, contra 76% de Fernando Haddad, substituto de Lula, impossibilitado de concorrer àquela eleição. No ano que vem, entretanto, ele deverá disputar contra o próprio ex-presidente, criador do Bolsa Família, programa que tirou milhares da pobreza e ao qual Bolsonaro já chamou de “voto de cabresto”. Uma pesquisa recente do Datafolha aponta que o presidente só tem 16% da preferência do eleitorado na região Nordeste enquanto Lula conta com 64%. O Nordeste também lidera a rejeição a seu Governo, como mostrou pesquisa da Poder Data esta semana, feita entre os dias 16 e 18 de agosto: 72% classificam a gestão Bolsonaro ruim ou péssima, enquanto no Sudeste a rejeição é de 59%, e 58% no Sul e Centro-Oeste. No Norte, o presidente ainda tem preferência, e a rejeição fica em 46% contra 52% de aprovação.

Com sua popularidade derretendo no mercado financeiro e entre filões de eleitores de uma classe média descontente com sua postura antidemocrática e sua gestão da pandemia, Bolsonaro tenta avançar sobre regiões mais carentes, onde os investimentos federais tendem a aparecer mais. Ele sabe que precisa abocanhar parte do eleitorado de Lula —que inclui pessoas beneficiadas pelo auxílio pago durante a pandemia— para tentar estancar a sangria provocada por sua impopularidade crescente, quando o voto antipetista que o ajudou em 2018 também está em fuga. Onde falta o básico como comida e trabalho, não sobra muita margem para a polarização política. E muitos estão dispostos a votar em quem, de fato, indique que pode melhorar suas vidas.

“Se fosse Lula o presidente, eu fazia igual. Bolsonaro se quiser tomar água na minha casa, toma. Acho que presidente é de todo mundo e tem que olhar para quem é pobre”, diz Maria de Fátima, que já foi eleitora do PT e não faz ideia a quem dará seu voto no ano que vem. “Nem sei quem são os candidatos ainda. Espero que Bolsonaro leia minha carta e faça a vida da gente andar. Não sei de quem é a culpa, só sei que está tudo muito difícil”, emenda. Ela não conseguiu entrar no local onde o presidente discursou.

Maria de Fátima vive com 250 reais por mês em Juazeiro do Norte.
Maria de Fátima vive com 250 reais por mês em Juazeiro do Norte.FERNANDA SIEBRA

Desde junho do ano passado, Bolsonaro intensificou suas viagens ao Nordeste. Em 2020, foi três vezes mais a cidades da região do que no seu primeiro ano de mandato. Neste ano, já passou por cinco dos nove estados nordestinos. No seu discurso em Juazeiro do Norte, afirmou que o valor investido no auxílio em 2020 equivaleria a 13 anos de Bolsa Família. Admitiu a inflação, que criou alimentos proibitivos como a carne e levou famílias a voltarem a cozinhar à lenha, mas colocou a conta da crise no colo dos governadores. E ainda que tenha defendido suas pautas conservadoras —como o combate ao comunismo e a defesa da família e da propriedade—, se vendeu como um grande finalizador de construções inacabadas pelos Governos anteriores. Tem dito que já inaugurou mais de 4.700 obras desde 2019 na região, entre elas a Transposição do São Francisco, iniciada nos Governos petistas. Para coroar, prometeu prorrogar o auxílio até novembro e explorou o que poderá ser seu grande trunfo eleitoral no ano que vem: um novo e turbinado Bolsa Família, que agora se chamará Auxílio Brasil, apagando o nome que é marca lulista.

“Vou votar em Bolsonaro. Já votei a primeira vez e não acho que ele seja ruim pro comércio. Se não fosse o auxílio, tinha muito mais gente passando fome. Eu mesma parei de trabalhar por meses na pandemia e passei até precisão”, conta a comerciante Maria Lúcia da Silva, de 65 anos, que trabalha há mais de 40 anos em uma lanchonete no mercado público do centro de Juazeiro do Norte.

A comerciante Maria Lúcia da Silva, de 65 anos, trabalha há mais de 40 anos em uma lanchonete no mercado público de Juazeiro do Norte.
A comerciante Maria Lúcia da Silva, de 65 anos, trabalha há mais de 40 anos em uma lanchonete no mercado público de Juazeiro do Norte.FERNANDA SIEBRA

Ainda que a implantação do auxílio tenha lhe rendido alguma simpatia de parte dos beneficiários, a tarefa de Bolsonaro em conquistar este eleitorado não é fácil diante de tanta gente que se agarra a uma memória de estabilidade econômica e de maior facilidade de consumo durante o Governo Lula, enquanto associa a alta inflação e a redução do poder de compra ao atual presidente.

“Bolsonaro vai prometer um monte de coisa para não sair da Presidência, mas aqui nosso voto é de Lula. Foi ele que deu mesmo oportunidade ao pobre, até pra estudar”, diz Idenilson Lima Monte, de 27 anos. Ele trabalha em um terreno arrendado na zona rural de Juazeiro, onde planta para comer e cuida do gado do patrão. Ao lado dele, a esposa Luana Neves de Oliveira, de 30 anos, afirma, com a filha pequena nos braços, que também pretende votar no petista. “O auxílio do Bolsonaro está só caindo e o preço de tudo subindo. Recebo 250 reais e hoje só dá mesmo para a fralda e o leite da minha filha. Um perfume que a gente precisa não podemos mais comprar”, emenda.

Carne todo dia

Quando Maria Jocimar da Silva recebeu as primeiras parcelas de 1.200 reais do auxílio no ano passado, a família conseguiu comer carne todos os dias e colocar gasolina no carro que usa para levar os vizinhos que precisam ao hospital. Mas o valor do benefício diminuiu para 250 reais em abril deste ano, e o preço de tudo aumentou. O resultado é que um botijão de gás, que custa 130 reais, dura mais de um mês porque há pouca comida para cozinhar, conta o marido dela, o agricultor Francimar de Lima, de 41 anos, morador da Vila Horácio, zona rural de Juazeiro do Norte. “Não tem mais aquela história de comer a hora que quer aqui”, ele diz. “Agradeço a Bolsonaro porque foi uma comida a mais na mesa naquele tempo, mas o que ele deu já tirou com tudo caro. Ele dá com uma mão pra tirar com a outra”, reclama.

O agricultor Francimar de Lima e a esposa Maria Jocimar da Silva, com o carro que agora só roda em emergência pela alta da gasolina.
O agricultor Francimar de Lima e a esposa Maria Jocimar da Silva, com o carro que agora só roda em emergência pela alta da gasolina.FERNANDA SIEBRA

A família de Francimar vive com a ajuda dos programas do Governo, do que planta e da venda do excedente. Ele conta que a energia está atrasada, a plantação neste ano não foi farta e o dilema agora é vender ou não o carro conquistado a duras penas há 10 anos e que agora só roda em situações de máxima emergência. “O que a gente tem neste Governo é dívida. Bolsonaro só quer mudar o nome das coisas que Lula fez, como o Bolsa Família, mas não faz as dele e nem olha pro pobre. Foi Lula que abriu crédito pra eu comprar o carro, e agora não tenho nem o [dinheiro] da gasolina”, queixa-se. “Eu tenho até medo. Bolsonaro diz que vai aumentar o Bolsa Família, mas e se acabar? O que ele diz não se escreve né?”, emenda Maria Jocimar.

Eles esperam que o próximo presidente priorize projetos para o campo e o pequeno agricultor, como linhas de crédito para comprar materiais para a plantação e estímulo à pecuária, o que os permitiria melhorar a renda mensal com seu trabalho. Ambos votaram no petista Fernando Haddad nas últimas eleições e dizem que votarão em Lula ou em quem ele indicar em 2022. “Não queria votar no Lula porque acho que ele não tem mais idade pra cuidar de um Brasil desse jeito que tá não, mas confio nele pelo histórico de tirar gente da pobreza. Bolsonaro acha que agradando os ricos vai ter os pobres com ele”, argumenta Francimar.

Às investidas de Bolsonaro com inaugurações de obras e promessas de aumentar em pelo menos 50% o valor do atual Bolsa Família, Lula reage com a primeira caravana pelo seu berço eleitoral desde que voltou a ser elegível. Sua estratégia neste momento foca na costura de alianças políticas com vistas a 2022 e em encontros com movimentos sociais. O petista está no final da excursão de 11 dias por seis Estados nordestinos e já mudou até seu avatar nas redes sociais para uma imagem em que usa um chapéu de cangaceiro, como quem indica sentir-se em casa. Mas também terá de trabalhar para manter sua ampla vantagem de preferência nas eleições.

“Tem mais gente na disputa”

“A única certeza que eu tenho é que neste presidente que tá aí [Bolsonaro] eu não voto. Lula hoje está em primeiro lugar, mas ainda não tenho 100% de certeza se vou nele”, diz o agricultor Juarez Timóteo, de 52 anos. Da televisão de sua casa no assentamento 10 de Abril, uma comunidade rural a cerca de 25 quilômetros da cidade de Crato, ele acompanha tudo o que acontece no país pela televisão. Acredita que Bolsonaro virou as costas para os pobres e errou em não comprar vacinas logo para combater a pandemia. Também está aborrecido com o “mau exemplo” provocando aglomeração até na vizinha Juazeiro do Norte e diz morrer de vergonha ao assistir a CPI da Pandemia. “Lula ainda vou observar porque foi bom, mas tem mais gente que vai disputar. Ciro Gomes e Cid também ajudaram muito a gente aqui”, diz.

Foi no Governo Lula que a família de Juarez conseguiu uma cisterna para armazenar água da chuva, a casa e uma moto para tanger o gado. “Com este de agora onde a gente anda é só lamentação. Ele disse que ia ajudar o Nordeste. Em quê? Não vi nada ainda. No lugar de ter gastado estes rios de dinheiro em obra e asfalto, devia comprar vacina para diminuir a crise dessa pandemia. A gente aqui no Brasil tem pressa para outras coisas”, reclama ele, que perdeu dois primos com covid-19.

A família de Juarez está dividida entre Ciro, Lula e Bolsonaro.
A família de Juarez está dividida entre Ciro, Lula e Bolsonaro.FERNANDA SIEBRA

Na caótica crise brasileira, Juarez não está certo nem se irá mesmo escolher um candidato nas próximas eleições. “Para um presidente ganhar meu voto, eu vou ter que observar muito”, diz, ao lado da filha Vitória, de 18 anos, que vai votar pela primeira vez no ano que vem e diz simpatizar com Bolsonaro. “O Auxílio Emergencial dele foi bom. Não acho Bolsonaro ruim, talvez eu vote nele”, justifica. Com os 1.200 reais do programa no ano passado, a mãe dela, Cirene Ventura dos Santos, realizou o sonho de cimentar todo o piso da casa onde eles moram.

Mas quatro meses depois o valor do benefício caiu para 600 reais e agora está em 250 reais, complicando o orçamento doméstico. Cirene não viu faltar comida à mesa como tantas famílias brasileiras durante a crise, mas precisou voltar a cozinhar à lenha porque já não consegue comprar gás suficiente para usar só o fogão. Ela quer uma estabilidade financeira para realizar um novo sonho, o de construir um alpendre em casa. Acha que o discurso de Bolsonaro está muito distante da realidade deles, com críticas ao comunismo, ataques ao voto eletrônico e defesa às armas. É a única da família que já sabe o número que vai digitar na urna no ano que vem. “Voto 13, em Lula, que no tempo dele a vida era mais fácil. Com fé em Deus o próximo presidente vai ser ele.”

Fotos: Fernanda Siebra

Agosto2021

El País. 

Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Recife investirá, até 2024, R$ 150 mi para fortalecer educação infantil e criar vagas em creches




No dia da Infância e na véspera do dia da Educação Infantil, a Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Educação, lançou o programa Infância na Creche. Com o objetivo de fortalecer a Educação Infantil e ampliar as vagas em creches, a previsão é de que R$ 150 milhões sejam investidos no programa até o ano de 2024, que é considerado o maior de expansão de vagas em creches da história. O programa ainda deverá gerar novas 7 mil vagas até 2024. 

O decreto que autoriza o programa foi assinado durante cerimônia no Teatro do Parque, nesta terça-feira (24), pelo prefeito João Campos, pela vice-prefeita Isabella de Roldão e pelo secretário municipal de Educação, Fred Amâncio. 

O Infância na Creche vai atuar em quatro eixos: construção de creches com foco na expansão da infraestrutura própria; ampliação e requalificação de unidades já existentes, permitindo o aumento de vagas e melhoria da estrutura; parcerias com instituições sem fins lucrativos, atuando em conjunto com unidades comunitárias vinculadas a ONGs, Fundações e Cooperativas Educacionais; e estudos para parceria público privada (PPP), que viabilizará a construção de creches através de parcerias. 

Evento de lançamento do programa ocorreu nesta terça-feira (24)Lançamento do programa ocorreu nesta terça (24), no Teatro do Parque | Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco 

De acordo com o prefeito João Campos, os R$ 150 milhões são oriundos de recursos próprios, para beneficiar a educação da cidade. “É dentro dos recursos próprios do município do Recife, educação é nossa prioridade. A gente anuncia mas já tem compromisso sendo executado, seis creches em obras, e outros 10 projetos sendo licitados. São ao menos 26 unidades em fase de execução ou início de execução. Temos construção de creches próprias, expansão do que existe, vamos adequar o modelando parceria ao Fundeb, parcerias público-privadas, para aumentar velocidade de construção”, afirmou. 

De acordo com a Prefeitura do Recife, o programa cria uma estratégia permanente para os próximos dez anos para as famílias e para o desenvolvimento das crianças, além de estar alinhada com o Plano Municipal para Primeira Infância do Recife. Até 2024, a meta é dobrar o número de vagas em creches na Rede Municipal do Recife, ofertando pelo menos sete mil novas vagas.

Segundo Fred Amâncio, também haverá uma ampliação das vagas, atendendo a uma demanda deixada pela pandemia da Covid-19. 

“Esse projeto tem como objetivo ampliar a oferta de vagas de creche. São eixos implantados, como a construção em várias localidades, e outro na ampliação e requalificação de unidades já existentes. A meta é de dobrar a quantidade de vagas, passando de 3,5 mil, para ter 7 mil vagas. Vamos fazer um estudo para saber quais localidades devem receber novas unidades. Atualmente temos seis creches já em construção na cidade”, disse. 

Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Fotógrafo registra há 50 anos a natureza que o Brasil está destruindo





Ribeirinhos do rio Jufari brincam nas raízes da Sumaúma. Amazonas, 2016

CRÉDITO,ARAQUEM ALCANTARA

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Ribeirinhos do rio Jufari brincam nas raízes da Sumaúma. Amazonas, 2016

"A fotografia tem um papel importante porque ela é uma crônica. Quando feita com arte e com informação, é a crônica da beleza e do extermínio. Eu venho acompanhando o processo de desertificação desse país. É impressionante."

Em 2021, o fotógrafo Araquém Alcântara completou 70 anos, 50 deles dedicados a preservar em imagens a natureza que o Brasil está destruindo.

Com o que considera um olhar amadurecido para o exercício de paciência e contemplação que é a fotografia de natureza, Araquém volta à Amazônia neste fim de agosto para registrar o que é esperada para a ser a pior temporada de queimadas dos últimos anos, em meio à forte seca que assola o Brasil e ao enfraquecimento da fiscalização ambiental promovido pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido).

Ao mesmo tempo, planeja para novembro o lançamento do livro comemorativo dos seus 50 anos de profissão; para o primeiro semestre de 2022, um livro sobre a Amazônia voltado ao público europeu; e ainda sem data, um terceiro livro, sobre a fauna brasileira para escolas.

Mico-de-cheiro com filhote no Parque Nacional da Serra do Divisor. Acre, 2006

CRÉDITO,ARAQUEM ALCANTARA

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Mico-de-cheiro com filhote no Parque Nacional da Serra do Divisor. Acre, 2006

Também prepara uma mostra do seu trabalho para influenciar os líderes mundiais na tomada de decisões na COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, prevista para acontecer de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasgow, na Escócia.


"Meu trabalho é resistência da memória. Mais de 50% do Cerrado já foi; restam só migalhas, nem 1% das matas de araucárias; e a Amazônia começa a entrar no seu ponto de declínio, no seu ponto de savanização e daqui a pouco não produz mais chuva", diz Araquém à BBC News Brasil.

"O [historiador americano] Warren Dean em determinado momento se pergunta: 'Não deveria esse holocausto produzido pelo homem ser relatado de geração para geração? Não deveria o manual de história aprovado pelo Ministério da Educação começar assim: Crianças, vocês vivem em um deserto, vamos lhes contar agora como foi que vocês foram deserdadas'", afirma o fotógrafo, citando o autor de A Ferro e Fogo, clássico da história ambiental sobre a devastação da Mata Atlântica brasileira.

"É preciso documentar, é preciso mostrar isso, é preciso gritar por mudança já. Ainda bem que, para isso, eu tenho o texto e a foto."

Fogo na Transamazônica. Janeiro de 2010

CRÉDITO,ARAQUEM ALCANTARA

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Fogo na Transamazônica. Janeiro de 2010

'Comecei cantando minha aldeia'

Nascido em Florianópolis, em 1951, Araquém estudou em colégio interno, num seminário carmelita de Itu, no interior de São Paulo. A princípio um amante da escrita, se apaixonou pela imagem numa sessão de cinema promovida em Santos pelo agitador cultural francês Maurice Lègeard.

"Eu era meio 'hippão' — ou totalmente 'hippão' —, cabeludão à la Jimi Hendrix. Era um janeiro de 1970, eu tinha 17 anos, nem sabia direito que filme era, e de repente me aconteceu", lembra o fotógrafo.

"O filme se chamava A Ilha Nua, de Kaneto Shindô, e eu vendo aquilo ali fui ficando transido no escuro diante de tanta beleza. Quando acabou o filme, teria uma festa, eu falei à namorada que não iria. 'Eu vou para a praia, preciso pensar'. Na praia do Gonzaga em Santos, tirei o tênis, fui andando pela beirada da água e me veio um insight. No dia seguinte, virei fotógrafo."

Menino Karajá brinca com pirarucu no Rio Araguaia. Goiás, 2014

CRÉDITO,ARAQUEM ALCANTARA

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Menino Karajá brinca com pirarucu no Rio Araguaia. Goiás, 2014

Ele conta que começou a fotografar com uma câmera emprestada. "Fui fotografar as putas do cais e os urubus de Santos, tema do meu primeiro ensaio."

Mas foi o apocalipse da Cubatão dos anos 1980 — cidade que ficou conhecida como "Vale da Morte", devido à elevada concentração de poluentes industriais, impossibilitados de se dispersar pelo paredão da Serra do Mar — que despertou Araquém para a questão ambiental.

"Comecei a cantar minha aldeia. E a minha aldeia, a baixada santista, tinha Cubatão, o rico 'Vale da Morte'. Eu comecei ali a entender o que significava sustentabilidade — ou insustentabilidade. Crianças sem cérebro, a destruição em função da ganância", relata, lembrando das mais de 30 crianças nascidas mortas devido a anencefalia causada pela exposição das mães à poluição excessiva.

"Ao tomar uma chuva ácida nas costas, ali eu comecei a ser um precursor da fotografia de natureza e comecei a minha andança, minha Odisseia, que dura até hoje."

Desde então, Araquém passou por veículos diversos da imprensa nacional (os jornais Cidade de Santos, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, O Globo, Tribuna de Santos, a revista IstoÉ), fundou sua própria editora — a Terra Brasil, batizada a partir do livro de mesmo nome, lançado em 1998 e que desde então já vendeu mais de 130 mil cópias, num país onde a tiragem média das obras é de 2,5 mil — publicou 58 livros e ganhou mais de 100 prêmios em todo o mundo.

Mata Atlântica no Parque Estadual Carlos Botelho. São Paulo, 2018

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Mata Atlântica no Parque Estadual Carlos Botelho. São Paulo, 2018

A velhice e as redes sociais

Araquém vive agora a experiência de envelhecer como um fotógrafo ainda na ativa.

"Agora, o olhar mais amadurecido já hospeda melhor o silêncio, a percepção, eu já simplifico as coisas. A fotografia é um grande exercício de paciência e de contemplação, sobretudo a de natureza. O verdadeiro fotógrafo de natureza perde 99% de suas fotos, mas aquele 1% corrige tudo sob o céu", afirma, de forma grandiloquente.

Bastante ativo nas redes sociais, o fotógrafo teve no início de agosto uma de suas imagens apagadas pelo Instagram. A fotografia mostrava uma jovem indígena do povo Zo'é dando de mamar ao seu filho, ao lado de uma outra jovem indígena com os seios à mostra.

A rede social alegou que a imagem ia "contra as diretrizes da comunidade sobre nudez".

"Acho muito importante para o meu trabalho e o de outros fotógrafos e artistas a divulgação nas redes sociais. Mas não dá para entender a falta de critério, a burrice dos algoritmos", diz.

"O Instagram precisa mudar seus filtros e os artistas precisam se movimentar nesse sentido. O meu grito de repúdio teve esse objetivo", completa.

Menina Zo'é na Frente de Proteção Etnoambiental do Cuminapanema. Pará, 2007

CRÉDITO,ARAQUEM ALCANTARA

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Menina Zo'é na Frente de Proteção Etnoambiental do Cuminapanema. Pará, 2007

Um andarilho na pandemia

Autodefinido como um "fotógrafo andarilho", Araquém decidiu abandonar o isolamento imposto pela pandemia quando, em meados de 2020, o Pantanal começou a queimar de forma sem precedentes.

"Quando o Pantanal começou a ser incinerado eu pensei: 'Eu não posso ficar aqui'. E aí me expus", lembra o artista. "Nessa ida para o Pantanal, no período em que fiquei lá, eu vi a face do horror. Vi que é possível tudo virar cinza e deserto."

Araquém Alcântara no meio do fogo na Rodovia Transpantaneira. Setembro de 2020

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Araquém Alcântara no meio do fogo na Rodovia Transpantaneira. Setembro de 2020

Esse ano, Araquém volta a campo para uma nova temporada na Amazônia, que deve se estender do fim de agosto a outubro, auge do período de queimadas na região.

"Estou indo para a Amazônia novamente porque as perspectivas são catastróficas", afirma.

"A seca está muito severa e o enfraquecimento todo da fiscalização sugerem mais um ano de recordes", alerta, lembrando que o maior número de focos de queimadas dos últimos 14 anos foi registrado em junho, mês que ainda não é de temporada de fogo.

"É fundamental uma moratória. É fundamental parar o desmatamento já e a fotografia tem um papel importante nisso."

Rodovia Cuiabá-Santarém. 2017

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Rodovia Cuiabá-Santarém. 2017

As fotografias da viagem de agora devem ser aproveitadas no livro sobre a Amazônia voltado para o mercado europeu, que deverá ser dividido em três partes: A Terra, O Homem e O Desequilíbrio — uma referência aos Sertões de Euclides da Cunha, cuja obra seminal sobre o conflito de Canudos é dividida entre A Terra, O Homem e A Luta.

Primeiro fotógrafo a documentar todos os parques nacionais do Brasil, Araquém avalia que a mudança da política ambiental nacional no período recente é "criminosa".

"É uma coisa catastrófica, um crime de lesa humanidade", afirma. "A questão fundiária na Amazônia precisa ser resolvida e é preciso manter a floresta em pé imediatamente. Os governos ignoram a ganância das quadrilhas de grileiros, em nome de um falso progresso que só enriquece uma minoria."

"Eu sou uma testemunha ocular dessa barbárie, porque fotografo a natureza desse país há meio século. E me parece que o [antropólogo, historiador, sociólogo e escritor] Darcy Ribeiro tinha razão quando ele disse há vinte anos atrás: 'Só o engajamento total da opinião pública mundial pode salvar a Amazônia'. Então meu grito é um grito por atitude, minha fotografia está a serviço da vida."

Tamanduá-mirim cego e queimado na Transamazônica. Pará, 2005

CRÉDITO,ARAQUEM ALCANTARA

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Tamanduá-mirim cego e queimado na Transamazônica. Pará, 2005

Por

  • Thais Carrança
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE