quinta-feira, 12 de agosto de 2021

‘Parte da elite se afastou de Bolsonaro e não vai embarcar em aventura’, diz herdeira do Itaú



Maria Alice Setubal

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Sem uma tradição de se manifestar politicamente, o empresariado brasileiro viu no questionamento das eleições pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) um ponto de virada que levou parte do setor privado a romper seu costumeiro silêncio.

"Na hora em que você questiona o sistema eleitoral, você está questionando a democracia e gerando uma possível instabilidade que sempre assusta o mercado", diz Maria Alice Setubal, conhecida como Neca.

Aos 70 anos, a presidente do conselho curador da Fundação Tide Setubal e herdeira do conglomerado Itaú, foi uma dos 267 signatários iniciais de um manifesto em defesa do sistema eleitoral e da ordem democrática, que posteriormente reuniu milhares de apoiadores.

Publicado em página inteira nos principais jornais do país na última quinta-feira (5/8), o documento reuniu nomes de peso do setor empresarial como Luiza e Frederico Trajano (Magazine Luiza), Jayme Garfinkel (Porto Seguro), Guilherme Leal (Natura), Horácio Lafer Piva (Klabin) e Carlos Jereissati Filho (Iguatemi Shopping Centers), além de figurões do setor financeiro — Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (Itaú Unibanco), José Olympio Pereira (Credit Suisse), Daniel Leichsenring e Luis Stuhlberger (Verde Asset), entre outros.

"Não é da tradição brasileira empresários ou o setor produtivo — o 'mercado' — se manifestar politicamente, diferente de outros países, especialmente os Estados Unidos", observa Neca.

"Isso acontece porque o governo federal tem uma influência muito grande nas empresas, nos diferentes setores, na alocação de recursos e na prioridade das políticas, o que gera dificuldade de manifestação pública com alguma crítica a posicionamentos governamentais", avalia a educadora e socióloga.

O "manifesto do PIB" em defesa das eleições — como o documento passou a ser chamado pela imprensa — veio a público dias depois de uma empresa do setor financeiro da Faria Lima, avenida nobre da capital paulista, instalar em sua sede uma estátua em homenagem ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Isso num país que soma um recorde de quase 15 milhões de desempregados e deve fechar o ano com uma inflação perto dos 8%.

Questionada se o episódio revela um alheamento das elites, e particularmente do setor financeiro, com relação à situação do país e da parcela mais pobre da população, Neca afirma que não se pode generalizar. E destaca que parte dessa elite esteve em princípio com Bolsonaro, mas se afastou gradualmente. Para ela, o manifesto da semana passada é mais um indicativo nesse sentido.

"Parte expressiva da Faria Lima se posicionou a favor do sistema eleitoral brasileiro, a favor da democracia e a favor da estabilidade política", afirma. "Então é difícil dizer 'as elites' — as elites são divididas. Parte dessa elite, que esteve num primeiro momento com Bolsonaro se afastou dele. E eu acho que esse manifesto da semana passada foi um sinal importante de que parte da elite não vai adentrar qualquer aventura que possa acontecer politicamente."

'Democracia brasileira está em risco´

Veículo blindado da Marinha com Congresso ao fundo

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Veículos militares foram exibidos em dia de votação delicada no Congresso

Graduada em sociologia, com mestrado em ciência política e doutorado em psicologia da educação, Maria Alice diz ter clareza de que a democracia brasileira está em risco.

"Como tem sido amplamente discutido por sociólogos e politicólogos, os ataques à democracia do mundo contemporâneo, no século 21, normalmente não são dados através de golpes, mas pelo enfraquecimento contínuo [das instituições] a partir de dentro da própria democracia", observa, citando como exemplos Trump nos EUA, Erdogan na Turquia, Orbán na Hungria, além das Filipinas, Venezuela e o próprio Brasil.

"O Brasil está dentro desses casos de governos eleitos democraticamente, mas que vão corroendo as próprias instâncias democráticas. Tanto através de mudanças na legislação, como, no Brasil, da eliminação de 90% dos diferentes conselhos que faziam parte da governança das políticas públicas."

Através da Fundação Tide Setubal, Neca tem se dedicado há anos ao tema da promoção da diversidade. Ela avalia que a destituição dos conselhos de participação é parte de um retrocesso mais amplo das políticas públicas relacionadas ao tema na esfera federal.

"Por outro lado, é importante ressaltar que há uma reação em relação a isso", afirma. "Especialmente a partir do evento [do assassinato nos EUA, em maio de 2020, do cidadão negro] George Floyd, há um avanço grande na sociedade civil brasileira de enxergar o racismo estrutural", observa. Para ela, "passamos em muito pouco tempo de um olhar de uma [suposta] democracia racial, para nos enxergarmos como uma sociedade racista, isso é uma virada de chave muito importante e vem acompanhada de um aumento crescente das ações e iniciativas para superar a desigualdade racial e promover as diversidades como um todo."

Neca afirma que a Fundação Tide Setubal deve ser atuante no processo de revisão da Lei de Cotas das instituições de ensino superior em 2022. A reavaliação decenal, estabelecida pela própria lei aprovada em 2012, tem gerado preocupação no movimento negro, pois será realizada sob o governo Bolsonaro e em ano eleitoral, quando o debate político tende a ser mais ideologicamente polarizado.

"Estamos acompanhando e apoiando muito de perto essa questão, por que ela [a Lei de Cotas] foi fundamental", diz Neca. "A pandemia também mostrou isso de forma muito concreta, com a grande quantidade de lideranças negras nas comunidades que se destacaram e que têm formação universitária, mestrado, doutorado. Ficou muito clara a importância de já termos hoje uma geração de lideranças oriundas das periferias, das favelas, de origem racial negra ou indígena — em menor quantidade, mas que também já temos."

"Isso é fundamental também para que as empresas possam encontrar no mercado de trabalho pessoas qualificadas para ocuparem cargos e funções de liderança", acrescenta. "A Lei das Cotas, fruto de um amplo trabalho e da luta do movimento negro, é um sucesso e tem um impacto positivo enorme para a sociedade brasileira como um todo."

'Brasil tem experiência para recuperar tempo perdido por alunos'

Com longa atuação na área de educação, Maria Alice avalia que é possível recuperar o tempo perdido pelas crianças e jovens brasileiros durante a pandemia, mas que isso deve exigir alguns anos de trabalho e o acolhimento de estudantes que estarão em diferentes níveis de aprendizagem e que tiveram sua saúde mental muito afetada pela crise.

"A boa notícia é que temos experiências de aceleração da aprendizagem, de reforço escolar, de escola multisseriada — que é uma escola com vários níveis em uma mesma sala de aula. Então, temos projetos de sucesso nesses eixos fundamentais de serem trabalhados agora e que podem ser recuperados e adaptados", afirma.

Maria Alice Setubal

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'Brasil poderia ter um papel de liderança, como teve em outros tempos, mas infelizmente todas as políticas do nosso governo vão na direção contrária'

Ela destaca que esse esforço precisará ser coordenado pelas secretárias de educação dos Estados e municípios.

"Infelizmente não temos um Ministério da Educação que organize, que centralize as informações, dê normatizações e apoie as secretarias", observa. "Essa falta de uma política nacional de educação é dramática, porque faz com que cada Estado e cada município vá para um lado, sem um olhar coordenador e orientador disso tudo."

No meio ambiente, outra área de sua atuação — ela foi apoiadora de primeira hora das candidaturas à Presidência de Marina Silva e ajudou na captação de recursos para viabilizar a criação da Rede Sustentabilidade, partido da ex-ministra —, Maria Alice também lamenta a perda de protagonismo do governo federal.

"O cenário é dramático e o relatório da ONU desta semana foi absolutamente contundente quanto à importância que terá a COP 26 agora em Glasgow", diz a pedagoga, citando a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, prevista para acontecer entre 31 de outubro e 12 de novembro na cidade escocesa.

"O Brasil poderia ter um papel de liderança, como teve em outros tempos, mas infelizmente todas as políticas do nosso governo vão na direção contrária — no dia de publicação do relatório, por exemplo, tivemos a publicação no Diário Oficial de uma lei de 'carvão sustentável', quando o relatório indica a necessidade de acabarmos com a indústria baseada em carvão. 'Carvão sustentável' é uma coisa que não existe. Estamos na contramão do mundo", afirma.

Ela destaca que o setor privado tem atuado por meio de planos para zerar a emissão de carbono em suas atividades e de iniciativas como a Concertação pela Amazônia (que reúne líderes empresariais interessados no desenvolvimento sustentável da região) e o Plano de Recuperação Verde, lançado em julho pelos governadores dos Estados da Amazônia.

"As empresas têm se posicionado apoiando as políticas públicas ligadas a governos estaduais, mas em tudo isso fica faltando a parte do governo federal", avalia Maria Alice. "As empresas têm um poder de governabilidade até certo ponto, os governos estaduais também, mas a falta de uma política firme de governo contra o desmatamento é muito grande, impede um avanço maior do país e, ao contrário, abre espaço a um retrocesso muito grande."

Voto em Lula num segundo turno contra Bolsonaro em 2022

Luiz Inácio Lula da Silva

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Mesmo tendo sofrido ataques pelo PT, Maria Alice Setubal já declarou que votará em Lula num eventual segundo turno entre o petista e Bolsonaro

Além de apoiar Marina Silva, Maria Alice Setubal declarou voto em Aécio Neves (PSDB) no segundo turno de 2014, após Dilma Rousseff (PT) acusar a então candidata do PSB de ser "sustentada por banqueiros", devido a sua proximidade com a herdeira e acionista do Itaú.

Mesmo tendo sofrido ataques pelo PT, ela já declarou em entrevista à Folha de S.Paulo que votará em Lula num eventual segundo turno entre o petista e Bolsonaro.

"Como cidadã e como figura pública, vejo que Lula tem um compromisso com a defesa da democracia e com todas as suas instituições. Ele também se compromete com o projeto de um país mais justo, menos desigual, no qual as diferentes vozes, brancas, negras e indígenas, poderão ser ouvidas e apresentarem suas demandas e visões de mundo", disse na entrevista.

À BBC News Brasil Maria Alice reafirma que votará em Lula "sem a menor dúvida" no cenário que hoje parece ser o mais provável para o segundo turno de 2022. Mas ela avalia que ainda há espaço para que outros candidatos se fortaleçam para a disputa.

"Ainda temos um ano e meio até as eleições, ainda tem espaço não sei se para uma terceira via, mas para que outras candidaturas possam ganham força", afirma.

"O cenário brasileiro está muito instável, a cada dia é uma nova situação, um novo contexto. É muito difícil fazer uma previsão para 2022 — nem sabemos se haverá Bolsonaro ou se terá um processo de impeachment ou o avanço de outros processos que ele está sofrendo no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e no STF [Supremo Tribunal Federal]."

Ela se diz confiante na vitória do que chama de "campo progressista" em 2022, mas afirma que isso não significa que a reconstrução do país está dada. "Cada um de nós tem que se responsabilizar pela construção de um novo país a partir de 2022. A visão conservadora de extrema-direita vai continuar aí, então no dia seguinte das eleições vamos ter que continuar lutando e trabalhando para a implementação de uma nova visão de mundo."

Para Maria Alice, há dois riscos principais no caminho entre o presente e esse possível futuro melhor: o próprio governo Bolsonaro e seus apoiadores, devido a sua absoluta imprevisibilidade, e o risco de o campo progressista não conseguir dialogar para além dos seus próprios limites.

"Há a extrema-direita, a esquerda e um meio de campo grande. Esse meio de campo já votou no Lula, votou no Bolsonaro e agora está em disputa", afirma. "Se não souber falar, ficar com aquela linguagem hermética, esquece, a gente já perdeu. O grande desafio é o campo adversário a Bolsonaro conseguir dialogar para além das suas bolhas."

  • Thais Carrança
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Múltiplas Leituras de Bom Jardim: Professor Rubens, Valquíria Leal, Gra...

Múltiplas Leituras de Bom Jardim. A história acontece com a participação das pessoas. História é gente em movimento, relações que se estabelecem, contradições, transformações que ocorrem ao longo do tempo. A história é inacabada. É preciso conhecer os lados, o contraditório, buscar outras verdades ou versões.

TCE-PE faz fiscalização simultânea de vacinação nos 184 municípios do Estado




O Tribunal de Contas do Estado realizou nesta terça-feira (10) uma fiscalização simultânea nos 184 municípios pernambucanos para avaliar os procedimentos de vacinação contra a Covid-19. A operação, denominada “Blitz na Vacinação”, envolveu 100 equipes de auditorias, sob a supervisão da Coordenadoria de Controle Externo do TCE.

Durante os trabalhos foram analisadas as condições dos locais de armazenamento, dos equipamentos de frio e das salas de imunização, bem como os procedimentos de guarda, armazenamento, aplicação e registro das imunizações.

Em cada município, as equipes visitaram pelo menos um local de armazenamento de imunizantes, além de um ponto fixo e, em alguns casos, de um ponto provisório de vacinação, somando aproximadamente 550 pontos em todo o Estado. Também foram vistoriados cerca de 1.100 equipamentos de armazenamento ou conservação de vacinas.

Na avaliação do TCE, foram também  considerados diversos normativos sanitários, dentre eles, a nota técnica da ANVISA - que traz recomendações para os serviços de vacinação durante o período da pandemia e o Manual de Rede de Frios do Ministério da Saúde, que estabelece normas sobre equipamentos de frio - câmaras refrigeradas e geladeiras - e uso de caixas térmicas para o acondicionamento de imunizantes.

Balanço
Uma sala de monitoramento foi instalada no prédio do TCE para acompanhamento da blitz, passo a passo, desde o início da operação. Até o fim da tarde, (horário das 16h40), as equipes tinham visitado 151 municípios, num total de 386 locais vistoriados, sendo 173 unidades de saúde, 95 estruturas provisórias e 118 outros locais, além de 346 equipamentos inspecionados, dentre geladeiras e câmaras refrigeradas.

Os resultados preliminares apontam que, de uma forma geral, os locais e equipamentos fiscalizados estão dentro dos padrões e critérios exigidos.

As eventuais inconsistências encontradas serão reportadas aos conselheiros relatores, para quem façam a comunicação aos gestores responsáveis, como também, compartilhadas com as autoridades sanitárias. 

“A blitz possui um caráter pedagógico, antes de qualquer responsabilização, para orientar o gestor público sobre os aspectos envolvidos numa ação excepcional de vacinação como a que estamos vivenciando, de modo a que sejam evitadas perdas de doses e se garanta o melhor resultado para os cidadãos pernambucanos", destacou o chefe da Gerência Metropolitana Sul do TCE, Elmar Pessoa.

A ação realizada hoje é um dos trabalhos prioritários definidos pelo Plano de Controle Externo 2021/2022 do TCE. “A blitz marca o início de um trabalho mais amplo de fiscalização relativa ao Plano Nacional de Imunização. A atuação do TCE pretende contribuir para o incremento da cobertura vacinal de doenças imunopreveníveis em nosso estado” acrescentou a Coordenadora de Controle externo, Adriana Arantes.

O presidente do TCE, conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Júnior, acompanhou uma das equipes de fiscalização, na cidade de Bezerros. Ao lado do inspetor Paulo Ricardo Lins da Silva, ele visitou um dos locais de vacinação na cidade e a central de armazenamento, que fica no prédio da Secretaria de Saúde do município. A Inspetoria de Bezerros é responsável pela fiscalização de 25 municípios da região do Agreste. 

“Esta ação é um desdobramento natural de tudo que vem sendo feito pelo TCE desde o início da pandemia”, afirmou o presidente Dirceu Rodolfo. “Em relação à vacinação, começamos nos preocupando com a fila de prioridades que precisava ser cumprida. Num segundo momento, passamos para uma busca ativa, uma vez que percebemos que havia um esvaziamento no que diz respeito à aplicação da segunda dose. Nesta ação de hoje o que a gente quer é ter uma fotografia geral de como está se dando a vacinação, os locais de imunização, de armazenamento e distribuição de doses, de forma a colaborar com o gestor para ele possa desenvolver boas práticas e fazer com que o gasto público seja o mais efetivo possível, com os objetivos alcançados e sem desperdício de recursos, ou seja, com um  viés de atuação colaborativa”, disse ele.

Folha de Pernambuco

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Bolsonaro sabe que será derrotado em 2022

  



Bolsonaro assistindo a desfile militar

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Para Vinicius de Carvalho, do King's College London, Bolsonaro faz 'barulho' para desviar a atenção de problemas fundamentais do país

O desfile de veículos militares na Esplanada dos Ministérios, realizado no mesmo dia previsto para a votação da PEC do Voto Impresso no Congresso Nacional, é uma "tática de distração" de Jair Bolsonaro para mobilizar sua base eleitoral e retirar o foco dos principais problemas do país, avalia Vinicius Mariano de Carvalho, diretor do Brazil Institute da universidade King's College London, no Reino Unido.

Especialista em Defesa e Forças Armadas, Carvalho também é pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Marinha brasileira, além de ter sido oficial técnico temporário no Exército Brasileiro.

Para ele, mais do que seguir uma estratégia de longo prazo, com um objetivo específico, Bolsonaro governa provocando "barulho" e direcionando a atenção da imprensa e das autoridades de um tema polêmico para o outro.

Com isso, seu governo é poupado de escrutínio sobre questões essenciais, como saúde, educação, redução da pobreza e gestão econômica.

"O que estamos vendo são explosões de ações que desviam a atenção daquilo que deve ser olhado. Em um momento, tudo é voltado para cloroquina, em outro momento, tudo é voltado para voto eletrônico. Acho que o que há por trás é uma tática de distração com esses tipos de ações", disse Carvalho em entrevista à BBC News Brasil.




"Se a PEC do Voto Impresso for derrubada, outra questão vai ser levantada para causar desconforto na condução do trato republicano e para mobilizar as forças que sustentam o presidente da República."

Na manhã desta terça (10/08), Bolsonaro assistiu à passagem de cerca de 30 veículos de guerra pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e recebeu convite para participar de um exercício militar da Marinha em Formosa, Goiás.

O exercício militar ocorre desde 1988, mas o uso de um desfile de tanques para a entrega do convite é inusitado e foi visto por parlamentares como uma tentativa de intimidação do Congresso Nacional.

tanques

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Cerca de 30 tanques militares passaram pelo Congresso Nacional, Supremo e Palácio do Planalto nesta terça (10)

Para Vinicius de Carvalho, o episódio evidencia "a imaturidade democrática" do Brasil como um todo e das Forças Armadas em particular, ao reforçar a percepção de que Exército, Marinha e Aeronáutica são atores políticos.

"Levar adiante essa atividade, especialmente se não foi ordem do próprio presidente, mas sim uma iniciativa das Forças Armadas, acaba reafirmando o que tem sido dito, de que as Forças Armadas estão atuando politicamente", disse.

Segundo Carvalho, essa dúvida sobre o papel das Forças Armadas alimenta fissuras e quebras de hierarquia na instituição, que podem levar a "aventuras" golpistas.

"É bom lembrar que, em 1964, quem iniciou o golpe militar foi um general de três estrelas em Juiz de Fora. Ele pôs as tropas na rua e ativou o que ficou conhecido como o golpe", recorda. "Ou seja, o grande problema é quando essa estrutura Forças Armadas perde a coesão, quando essas fissuras se acentuam, fraturando uma instituição que depende fortemente de hierarquia."

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Qual o impacto político desse desfile de tanques pela Esplanada no dia previsto para a votação da PEC do Voto Impresso no Congresso?

Vinicius Mariano de Carvalho - O que nesse caso é importante dizer é que um ato como esse traz mais a percepção de que as Forças Armadas estão agindo politicamente, contradizendo o que dizem seus próprios chefes. Acho essa é a chave da questão aqui. Levar adiante essa atividade, especialmente se não foi ordem do próprio presidente, mas sim uma iniciativa das Forças Armadas, acaba reafirmando o que tem sido dito, de que as Forças Armadas estão atuando como ator político.

É muito difícil falar das Forças Armadas no singular, dizer que elas estão ou não com Bolsonaro. Não trataria no singular, dizendo que as Forças Armadas estão com o presidente, como uma unidade. Mas isso os traz para esse berço de definição de que são atores políticos. Isso é ruim para as Forças porque as distraem daquilo que fundamentalmente deveriam estar ocupadas e preocupadas, que é o pensamento estratégico, a defesa nacional e a consolidação de sua capacidade profissional de defender a nação.

BBC News Brasil- E quais os possíveis interesses de integrantes das Forças Armadas nessa atuação política?

Carvalho - Acho difícil responder a pergunta, porque estaria admitindo que as Forças Armadas são atores políticos. Se eu admito que há interesses, admito que são atores políticos e que não estão subordinadas aos Poderes da República. Forças Armadas não tem que ter interesses. Continuar perguntando isso é admitir que elas podem ter interesses. É importante começarmos a desconstruir isso e dizer se tem ou não, isso não interessa a República. Eles têm que cumprir o papel de se subordinar aos poderes da República. Se têm algum interesse específico, devem se dirigir ao seu ministro e pleitear.

BBC News Brasil - Há uma estratégia por parte do presidente Bolsonaro em questionar a legitimidade do sistema eletrônico eleitoral, manter esse desfile hoje e repetir frequentemente que só se submete ao poder do povo, desconsiderando as instituições?

Carvalho - Não se se há uma estratégia no sentido literal do termo, porque uma estratégia é um exercício meticuloso, de cuidado, de olhar os meios disponíveis para alcançar certos fins. O que estamos vendo são explosões de ações que desviam a atenção daquilo que deve ser olhado, do que é importante.

Em um momento tudo é voltado para cloroquina, em outro momento, tudo é voltado para voto eletrônico. Se isso é um capítulo que se fecha, então vai ser outra coisa. Acho que o que há por trás é uma tática de distração com esses tipos de ações que, na verdade, não são estrategicamente conectadas.

São ações para causar desconforto, para causar barulho em torno de uma questão. Acho que são decisões explosivas, táticas e não estratégias. Agora o foco é a PEC sendo votada sobre o voto eletrônico. Se isso for resolvido hoje, com o Congresso derrubando a proposta de voto impresso, outro evento ou questão deve ser levantada para causar esse movimento de desconforto na condução do trato republicano e para mobilizar as forças que sustentam o presidente da República.

BBC News Brasil - Nesse sentido, o desfile de tanques deve ser visto como demonstração de força ou como sinal de que o presidente está enfraquecido a ponto de ter que causar distração?

Carvalho - É uma boa pergunta. Todas as vezes que a gente tem que colocar tropas na rua para fazer paradas etc., é para mostrar uma coisa que não é óbvia. Isso pode ser um sinal negativo, pode ter efeito contrário. Se a ideia é dizer: 'veja, tenho as Forças Armadas do meu lado, vieram fazer um desfile no Palácio', se tem uma segunda intenção de querer coagir o Congresso ou o Supremo, ela acaba desconstruindo pontes.

Vinicius de Carvalho

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Diretor do Brazil Institute da Universidade King's College London, Carvalho estuda Forças Armadas há mais de dez anos

O que o presidente não se deu conta é que essa tática de desfazer pontes acaba transformando o ambiente com poucos acessos para a saída. Todos esses atos diminuem as pontes necessárias para a execução de uma política nacional. Ao fazer isso, talvez o presidente pense que tem o apoio das Forças Armadas para qualquer circunstância, mas ao mesmo tempo ele está desfazendo muitas pontes.

Temos dar atenção ao dano que o presidente pode provocar às Forças Armadas frente à população brasileira, uma boa parte da população brasileira. Claro que há muitos apoiadores do presidente que acham que as Forças Armadas estão aí para isso, para serem atores políticos. Mas não é toda a população brasileira e os parceiros internacionais que veem da mesma forma.

BBC News Brasil - Há uma pergunta até agora sem resposta sobre até que ponto vai o apoio das Forças Armadas ao governo Bolsonaro. Parcela das Forças Armadas está disposta a apoiar uma eventual tentativa de golpe?

Carvalho - É uma pergunta de um milhão de dólares. O que eu digo é: tudo isso provoca fissuras dentro da estrutura hierárquica das Forças Armadas. As Forças Armadas são uma instituição que depende profundamente de coesão e de disciplina. As Forças subordinadas têm que reconhecer a autoridade no seu chefe, têm que ser coesas e responder coesamente a esse modo hierárquico.

Cultivar a dúvida, como essa que você tem, que jornalistas e diverso brasileiros têm (sobre se as Forças Armadas encampariam algum tipo de golpe), ela também alimenta a dúvida dentro da própria estrutura das Forças Armadas, criando o que eu chamo de fissuras, que podem se transformar em fraturas na coesão. E isso pode conduzir a insubordinações, quebras de hierarquias e, consequentemente, a arroubos aventureiros de um ou outro grupo.

Não sei se estamos perto ou longe disso. Não sei até que ponto a gente pode dizer que há um risco iminente de isso acontecer, mas precisamos ser cuidadosos nos danos que tudo isso têm causado ao edifício ou estrutura chamada Forças Armadas. É bom lembrar que, em 1964, quem iniciou o golpe foi um general de três estrelas em Juiz de Fora. Ele pôs as tropas na rua e ativou o que ficou conhecido como o golpe. Ou seja, um general de três estrelas.

Tínhamos um alto comando de generais de quatro estrelas e não começou de lá. Houve uma quebra da coesão e, em seguida, muitos se agregaram a ele e muitos generais quatro estrelas deram apoio. Alguns não e foram retirados de lá, foram removidos. O grande problema é quando esse edifício perde a coesão, quando essas fissuras se acentuam, fraturando uma instituição que depende de coesão e de hierarquia.

BBC News Brasil - O governo Bolsonaro alimenta essas fissuras?

Carvalho - A situação política do Brasil atual, para a qual Bolsonaro é fator fundamental, como também o Congresso, a oposição e o Supremo, eles têm participado deste momento complexo da política nacional, ajudando com que fissuras aconteçam dentro da estrutura das Forças Armadas.

BBC News Brasil - Mas qual o papel ou o peso nesse processo de falas do presidente Bolsonaro sobre ter as Forças Armadas ao seu lado e obedecer apenas ao povo, desconsiderando as instituições?

Carvalho - Essas declarações reforçam uma imaturidade nacional como um todo. Votamos num presidente como se ele fosse nosso grande líder, rei, acima do bem e do mal, que tudo vai dar certo, que ele é o messias, o salvador. Nossa formação democrática nos faz esquecer que nós também votamos no Parlamento. Eles são os representantes do povo. Eles não entraram lá por graça do Espírito Santo, mas por voto direto.

mulher em frente a tanque

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Para Carvalho, fissuras dentro e quebras de hierarquias dentro das Forças Armadas podem levar a 'aventuras' antidemocráticas

Então, essa imaturidade democrática nacional, de atribuir a uma só pessoa o papel de salvador, facilita muito esses arroubos messiânicos, de que eu sou o grande líder, o chefe das Forças Armadas, o salvador. Há uma retroalimentação por falta de maturidade democrática. Esquecemos que votamos em deputados e senadores e que eles são nossa voz no governo. O chefe do Executivo não precisa consultar o povo, porque o povo está na sala ao lado, no Congresso Nacional, essa sim é a casa do povo. O Planalto executa essa vontade do povo.

BBC News Brasil - Qual o nível de maturidade democrática dentro da estrutura da Forças Armadas? Houve uma sedimentação da importância da democracia entre os militares desde a redemocratização?

Carvalho - As Forças Armadas são parte do Brasil. Elas replicam dentro da sua estrutura os mesmos dilemas e percepções que o país tem de si mesmo, seja de incompreensão democrática ou incompreensão social. Elas têm que entender que o papel de Forças Armadas em democracias modernas é um papel de subordinação ao poder civil do país. Esse poder civil executa o que é garantido e exigido pela Constituição ao mesmo tempo em que presta contas ao Congresso Nacional. As Forças Armadas não são forças do Executivo, são uma instituição de defesa nacional e, portanto, subordinada aos três Poderes da República.

BBC News Brasil - Mas esse papel está claro dentro das Forças Armadas que temos hoje?

Carvalho - Não está claro, não está claro.

BBC News Brasil - É razoável o temor de que as ações do presidente, de levar à cabo esse desfile, questionar o voto eletrônico e se afirmar como chefe supremo das Forças Armadas podem levar a uma tentativa de golpe no ano que vem?

Carvalho - Eu não vou dizer que sim ou não, porque tem aquele velho ditado no Brasil de que lá até o passado pode mudar. Há muita coisa que pode acontecer até o ano que vem para podermos dizer que vai acontecer um golpe ou para dizer que não vai. O que eu repito é que nós precisamos realmente reforçar as instituições imediatamente, inclusive frente à população civil, para que compreenda que não serão soluções autoritárias, fora da regularidade democrática, que farão com que o Brasil melhore. Precisamos reforçar que não há solução mágica ou um líder que vai resolver os problemas da nação. Numa república democrática moderna, ninguém tem que perguntar o que Forças Armadas pensam de alguma coisa.

  • Nathalia Passarinho - 
  • Da BBC News Brasil em Londres
  • Bolsonaro usa "tática de distração" com tanques e ataque as eleições, diz especialista em Forças Armadas
Professor Edgar Bom Jardim - PE