segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Luiz Gama: textos inéditos mostram como abolicionista denunciava violência policial no século 19




César Mello como Luiz Gama

CRÉDITO,DIVULGAÇÃO

Legenda da foto,

O ator César Mello vive Luiz Gama no filme Doutor Gama, que estreia no dia 5 de agosto nos cinemas

Um caso bárbaro de violência chocou o advogado abolicionista Luiz Gama em 1880. Quatro jovens negros e escravizados se apresentaram à delegacia de uma vila da cidade fluminense de Paraíba do Sul, que hoje se chama Três Rios, na divisa com Minas Gerais. Ao delegado, eles confessaram ter matado o filho do seu senhor — um homem rico e dono de muitos cativos.

Matar o senhor e voluntariamente confessar o crime era comum à época. Muitos negros preferiam a prisão à escravidão, que vivia seu período final e só seria abolida pela Lei Áurea oito anos depois, em 13 de maio de 1888. Mas a punição da Justiça aos quatro jovens foi diferente neste caso.

Segundo Luiz Gama, as autoridades policiais, ao saberem do assassinato, chamaram a população da cidade à delegacia. Compareceram 300 pessoas armadas e sedentas de vingança pelo assassinato de um membro importante da sociedade. A polícia então abriu as portas da delegacia.

Em um texto publicado em um jornal da época, Gama narra as cenas de barbárie que se seguiram. Ironicamente, ele pede aplausos aos linchadores, a quem chama "patriotas armados":

" (...) E, aí, a virtude exaspera-se, a piedade contrai-se, a liberdade confrange-se, a indignação referve, o patriotismo arma-se, trezentos concidadãos congregam-se, ajustam-se, marcham direitos ao cárcere e aí (oh! é preciso que o mundo inteiro aplauda), à faca, a pau, à enxada, a machado, matam valentemente a quatro homens; menos ainda, a quatro negros; ou, ainda menos, a quatro escravos manietados em uma prisão!"

Esse texto, um dos mais conhecidos do abolicionista, faz parte das Obras Completas de Luiz Gama que serão lançadas nos próximos dias pela editora Hedra, um acontecimento importante para os estudos do abolicionismo, da escravidão e do pensamento do advogado. Serão dez volumes com 750 textos, mais de 600 deles inéditos, segundo a editora. O material, que também contém teses jurídicas, nunca tinha vindo a público depois de publicados em jornais da época ou processos judiciais.

Os textos foram garimpados pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História do Direito na Universidade de Frankfurt, na Alemanha, e pesquisador do Instituto Max Planck. Lima estuda a vida e a obra de Luiz Gama há mais de uma década e descobriu a maioria dos artigos em arquivos públicos espalhados por São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

Bruno Rodrigues de Lima

CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL

Legenda da foto,

O historiador Bruno Rodrigues de Lima estuda a vida e a obra de Luiz Gama há mais de uma década

A obra vem à luz em um momento de crescente interesse por Luiz Gama, um ex-escravo que se tornou tipógrafo, jornalista, dono de jornal, poeta, escrivão de polícia, abolicionista e advogado autodidata que, usando apenas a lei, libertou centenas de pessoas da escravidão no século 19.

Nos últimos anos, uma série de publicações tem resgatado seu legado, como o livro Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro (Edições Sesc), lançado no ano passado e organizado pela pesquisadora Lígia Fonseca Ferreira.

Na quinta-feira (5/8), estreia o filme Doutor Gama, baseado na vida do abolicionista e dirigido pelo cineasta Jeferson De. O ator César Mello interpreta o advogado no longa.

Crônica policial

Parte dos textos inéditos revelados agora reforçam uma característica de Gama pouco conhecida do grande público: além de advogado que lutava contra a escravidão nos tribunais, ele foi um dos primeiros jornalistas que se dedicaram a denunciar nos jornais a violência sofrida pela população negra do país, principalmente no Estado de São Paulo.

"Gama era uma espécie de cronista da violência e da cidade", explica Bruno Lima, que escreveu milhares de notas explicativas sobre os textos no calhamaço de 5 mil páginas das Obras Completas do advogado. "Como ele viajava bastante para atuar nos tribunais, ficava sabendo de casos que aconteciam em muitas comarcas de São Paulo. Ele usava os jornais para fazer essas denúncias, que, em alguns casos, até viraram processos em que ele mesmo atuava."

Muito antes do jornalismo policial ter importância na imprensa brasileira, Gama escreveu sobre casos de violência policial, espancamentos, invasão de domicílio e assassinatos. "Ele sempre teve como mote a denúncia da violência da escravidão, mas também a violência racista sofrida pela comunidade negra que já era livre", diz Lima.

Segundo o historiador, o caso dos quatro jovens espancados até a morte não é importante apenas como registro histórico, mas também para entender o pensamento de Gama em relação à escravidão.

Há uma frase atribuída ao ativista, embora ele nunca tenha escrito exatamente dessa forma: "O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata, sempre, em legítima defesa".

Ilustração de quatro jovens negros presos e rodeados pela população
Legenda da foto,

Os 'quatro Spartacus' foram espancados até a morte pela multidão em fúria

"Esse conceito aparece muitas vezes na obra de Gama. Ele acreditava que, como a escravidão era uma violência contra o direito natural e inalienável do homem, o escravizado não só podia matar o seu senhor, como tinha razão moral de fazê-lo. Para Gama, os criminosos não eram os quatro jovens, mas o senhor que os escravizava. Então, quando mataram o senhor, eles praticaram um direito natural à legítima defesa contra essa primeira violência. Para Gama, eles eram as vítimas", explica Lima.

No texto, o jornalista diz invejar os "quatro Spartacus" envolvidos no assassinato do fidalgo. Spartacus, escravo que liderou uma revolta contra o Império Romano, é um personagem importante na trajetória do Gama, que assinou vários de seus artigos com esse nome. Ele também escreveu sob o codinome de John Brown, em referência a um abolicionista americano que liderou uma revolta armada contra a escravidão, no século 19.

Segundo Lima, a escolha dos heterônimos não foi aleatória: era uma característica do projeto abolicionista e literário de Gama. "Ele se colocava nessa posição, não apenas de um advogado que trabalhava com as leis, mas de um escritor que radicalizava os conceitos e a prática. Uma pessoa que enxergava a resistência radical à escravidão como uma saída", diz.

Para Marcelo Ferraro, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), Gama foi nos últimos anos celebrado por movimentos conservadores em contraponto a nomes do movimento negro ligados a uma resistência guerreira, como Zumbi dos Palmares. Isso porque Gama ainda é visto como um ativista "moderado".

"Mas essa é uma visão equivocada da trajetória dele. Gama tinha um pensamento radical, de enfrentamento da escravidão com uso da reação como legítima defesa. Esse texto sobre o linchamento dos jovens deixa explícita essa ideia", explica.

Segundo Ferraro, o linchamento dos "quatro Spartacus" era uma "violência nova" no Brasil do século 19: esse tipo de crime era mais comum nos Estados Unidos.

"Nessa época, em 1880, esse tipo de violência já era contestada e criticada entre as classes mais esclarecidas, que já se colocavam contra a escravidão em alguns jornais que não pertenciam às elites escravocratas. José do Patrocínio também fazia denúncias parecidas nos jornais do Rio. Era para esse público que Gama e outros abolicionistas escreviam", diz Ferraro, que pesquisa violência e escravidão no Brasil e nos Estados Unidos.

'Não é permitido ao negro divertir-se'

Ilustração de um homem sendo preso pela polícia dentro de casa.
Legenda da foto,

O moçambicano Joaquim Antonio foi preso pela polícia ao fazer uma festa em casa, conta Luiz Gama

Um dos textos inéditos de Luiz Gama, revelado agora pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, conta outra história de abuso policial contra a população negra de São Paulo.

Em uma curta crônica no jornal Gazeta do Povo em junho de 1881, Gama relatou que um moçambicano livre chamado Joaquim Antonio tinha sido autorizado pela polícia a dar uma festa em casa. Na época, pessoas negras precisavam informar e até pagar às autoridades pelo direito de realizar alguma comemoração.

"O africano livre Joaquim Antonio, morador ao marco da Meia Légua, obteve do digno sr. capitão Almeida Cabral, subdelegado do distrito, licença para dar um divertimento. Já não é pouco: neste país clássico da liberdade não é permitido ao negro divertir-se, em sua casa, sem licença da polícia!", escreveu Gama, sempre com um toque irônico ao falar do Brasil.

O texto não diz exatamente onde ocorria a festa. Mas, segundo Lima, provavelmente foi no Brás, Zona Leste de São Paulo, bairro à época de periferia e ocupado principalmente por trabalhadores negros livres. "Os marcos de meia légua demarcavam a distância de 3,3 km de cada ponto cardeal com a praça da Sé. Gama e sua família viviam nessa região. Provavelmente, ele soube do caso porque era vizinho do africano", diz o historiador.

O jornalista continua a crônica: o moçambicano Joaquim Antonio festejava com os amigos dentro de casa quando escutou um chamado da polícia do lado de fora, pedindo para que ele interrompesse o encontro.

"Joaquim Antonio fechou a sua porta e continuou a divertir-se, com outros seus amigos negros. A patrulha arrombou a porta, penetrou na casa (era meia noite!), saqueou-a, mediante rigorosa busca, prendeu o africano livre, que reclamara contra o ato e, em seguida, arrombou mais duas casas de africanos, sem fundamento nem razão!", relatou Gama.

Ele finaliza a crônica com um alerta às autoridades: "A pessoa que isto escreve está de tudo bem informada; e já instruiu aos pretos que, em análogas circunstâncias, repilam a agressão a ferro e à bala. O exmo. sr. dr. chefe de polícia tem meios de impedir desaforos desta ordem. Sabemos, pelo seu nobre caráter, que é incapaz de autorizar tropelias tais".

Para Lima, a crônica tinha também um caráter de "petição jurídica", porque Gama endereçou o texto ao chefe de polícia de São Paulo, além de citar o capitão responsável pelo caso e o nome da vítima da agressão.

"Há uma estrutura de petição de direito. Gama ainda avisa que, como advogado, instruiu as vítimas a atirar nos policiais caso ocorresse uma nova invasão ilegal. Isso é o abolicionismo negro radical, fincado na defesa armada", explica o historiador.

Crimes atuais

Luiz Gama

CRÉDITO,WIKICOMMONS

Legenda da foto,

Luiz Gama foi figura-chave no movimento abolicionista brasileiro

Os textos de Gama sobre crimes e abusos no século 19 apontam para um problema que ainda hoje assombra a sociedade brasileira: a violência policial. No ano passado, por exemplo, 6.416 pessoas foram mortas pelas forças de segurança no país, segundo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Público. É um recorde histórico.

Desse total, 78,9% das vítimas eram negras e 76,2% tinham entre 12 e 29 anos. Das 50 mil mortes violentas registradas no Brasil no ano passado, 76,2% tiveram pessoas negras como vítimas - 54% da população brasileira é formada por negros (pretos e pardos), segundo o Instituto Brasileiro de Geografoa e Estatística.

Essa proporção desigual se repete quando os policiais são as vítimas: 62,% dos 194 policiais mortos violentamente no ano passado também eram negros.

Para Lívio Rocha, investigador da Polícia Civil de São Paulo e mestre em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas, a violência denunciada por Luiz Gama demonstra que, já no século 19, as forças de segurança tinham como projeto a proteção e o cuidado da elite branca e rica, em detrimento da população pobre e negra, muitas vezes tratada com brutalidade.

"A violência estatal é uma característica da história do Brasil. Ela passa pela Monarquia, por Getúlio Vargas, pela ditadura militar e pela democracia. É um problema estrutural, que independe se o governo é de esquerda, de direita, de centro. Nunca houve interesse político em tornar a polícia mais democrática", diz Rocha, que também é pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"A formação do policial não é crítica. Discussões sobre racismo e direitos humanos são feitas de maneira formalista e protocolar, sem espaço para reflexão sobre a atuação do policial. Costumo perguntar para meus colegas: quantos chefes negros você já teve na polícia? São muito poucos. Os policiais negros também são os que mais morrem no trabalho, mas o próprio policial não fala sobre isso", diz Rocha, que também milita no movimento negro.

Morrer livre

ilustração de mulher fugindo para floresta
Legenda da foto,

O sonho de Brandina era morrer livre, conta Luiz Gama

Luiz Gama morreu em 24 de agosto de 1882. Portanto, depois de décadas militando contra a escravidão, o advogado e jornalista não viu a abolição completa que só viria pela Lei Áurea.

Pouco mais de um ano antes, ele escreveu uma crônica, redescoberta por Lima, sobre uma escravizada que "sonhava em morrer livre". Para isso, ela guardou dinheiro durante a vida para comprar sua liberdade, como tinha direito de fazer.

"Há mais de um ano a preta Brandina, maior de 70 anos, escrava do fazendeiro sr. Barbosa Pires, do distrito de Pirassununga, requereu a alforria por meio de retribuição pecuniária e exibiu, com a sua petição, pecúlio regularmente constituído, no valor de 200$000 em dinheiro", começa Gama.

Mas, dessa vez, o obstáculo para a liberdade não era só o senhor de escravos, mas a Justiça. O fidalgo, "para evitar maus exemplos" contra seu direito patrimonial, não aceitou a libertação de Brandina. O caso chegou ao tribunal. "Os juízes, que não apreciam monomania emancipadora e dão razão ao sr. Barbosa Pires, não depositaram a libertanda, deixaram-na em poder do senhor", conta Gama.

Mas a história de Brandina, impedida pela Justiça de gozar uma morte livre, não termina aí.

"Brandina, a desgraçada velha candidata à mortalha, para evitar os rigores do cativeiro, no derradeiro quartel da vida, fugiu da casa do senhor, meteu-se pelos matos, já que não encontrou juízes humanos nas povoações, no seio das sociedades civilizadas", escreveu Luiz Gama.

  • Leandro Machado
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 1 de agosto de 2021

Os sinais de que a China está aumentando seu poderio nuclear




Militares chineses batem continência durante desfile de aniversário de 60 anos da República Popular da China em foto de 2009

CRÉDITO,REUTERS

Legenda da foto,

Campo em construção foi o segundo descoberto em menos de dois meses

Pesquisadores americanos que descobriram um campo de silos para mísseis em construção no oeste da China afirmam que o país pode estar em meio à maior expansão já vista de seu arsenal nuclear.

Em relatório, a Federação de Cientistas Americanos (FAS, na sigla em inglês) compartilha imagens de satélite do local em que estariam sendo construídos os silos — estruturas subterrâneas usadas para armazenamento e lançamento de mísseis —, na província de Xinjiang.

As instalações teriam capacidade para acomodar cerca de 110 silos, volume semelhante ao de outro campo em construção identificado recentemente.

Localizado também no oeste da China, em uma área de deserto próxima à cidade de Yumen, na província de Gansu, o local teria espaço para 120 silos, conforme noticiou no mês passado o jornal Washington Post.

O campo de silos em Xinjiang foi descoberto com a análise de imagens de satélite comerciais. Os cientistas do FAS puderam, contudo, fazer uma avaliação mais detalhada usando material fornecido pela empresa de imagens de satélite Planet.

As instalações se localizam na cidade de Hami, a cerca de 380 km do campo de Yumen, e estão em um estágio menos avançado de desenvolvimento, ainda de acordo com o relatório.

Arte mostra imagem de satélite com possível área de construção de silos

Potências nucleares

Enquanto a China expande sua capacidade para armazenar e lançar mísseis nucleares, Estados Unidos e Rússia têm discutido o controle à proliferação de armamentos.

A aproximação entre a vice-secretária de Estado dos EUA, Wendy Sherman, e o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, está sendo vista como um primeiro passo para a retomada das negociações para redução do arsenal nuclear dos dois países - que, juntos, detêm 90% do poderio nuclear global.

Os dois representantes se reuniram em Genebra (Suíça) na última quarta-feira (28/7) para dar início a um diálogo sobre como "criar uma base para futuro controle armamentista e medidas de redução de riscos". Uma segunda reunião está prevista para setembro.

Em seu relatório, os cientistas do FAS chamam atenção para o ambiente de cada vez mais competição entre as potências militares globais.

Países que possuem armas nucleares, continua o texto, têm desenvolvido seus arsenais, tanto nucleares quanto "convencionais", e melhorado suas defesas antimísseis.

Detalhe mostra cúpula de silo para míssil em imagem de satélite

A China argumenta ter uma postura de "dissuasão mínima" em relação às armas nucleares, ou seja, manter armas em nível suficiente apenas para resguardar a segurança nacional. Diante do maior investimento de rivais nessa área, contudo, o limite do que o país considera "o mínimo" pode ser flexível e aumentar no médio prazo, dizem os cientistas.

A China conta com um estoque nuclear estimado de mais de 200 ogivas. Os EUA têm aproximadamente 3,8 mil, dizem analistas.

O Comando Estratégico dos Estados Unidos, órgão do Departamento de Defesa, expressou em um tuíte preocupação diante das informações reveladas pelo relatório na segunda (26/7): "Esta é a segunda vez em dois meses que o público descobre o que temos falado desde o início sobre a crescente ameaça que o mundo enfrenta e a atmosfera de sigilo que a cerca."

No início de julho, o Departamento de Estado americano classificou como preocupante aumento da capacidade nuclear chinesa, afirmando que o país parecia estar "se desviando das décadas de estratégia nuclear baseada na dissuasão mínima" e pedindo que Pequim se engajasse em "medidas práticas para reduzir os riscos de corridas armamentistas desestabilizadoras", informa a agência Reuters.

O congressista republicano americano Mike Turner, que integra o Subcomitê de Forças Estratégias dos Serviços Armados na Câmara de Representantes, disse que a escalada chinesa é "sem precedentes" e configuraria uma ameaça "aos EUA e seus aliados".

A recusa chinesa em negociar o controle de armas, disse ele, "deve ser motivo de preocupação e condena por parte de todas as nações responsáveis".

Pequim, por sua vez, acusa os EUA de criarem um "inimigo imaginário" para supostamente desviar a atenção de seus problemas internos e suprimir a China internacionalmente. Também se disse pronta para conduzir diálogos bilaterais em segurança estratégica "na base da igualdade e do respeito mútuo".

BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 31 de julho de 2021

A incrível civilização antiga que mumificava os mortos 2 mil anos antes dos egípcios




Múmia chinchorro

CRÉDITO,IMAGEN DE CHILE/FELIPE CANTILLANA

Legenda da foto,

Múmias da cultura chinchorro foram incluídas na Lista do Patrimônio Mundial pela Unesco nesta semana

"As mais antigas evidências arqueológicas conhecidas de mumificação artificial de corpos", segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), estão presentes na América do Sul, na costa árida do deserto do Atacama.

Há mais de 7 mil anos, essa região foi habitada por uma sociedade de caçadores-coletores na qual os mortos tinham grande importância. As habilidosas técnicas de mumificação da cultura chinchorro datam de 2 mil anos antes dos egípcios.

O valor foi reconhecido pela Unesco, que incluiu no fim de julho de 2021, suas múmias e a área que guarda seus achados arqueológicos na Lista do Patrimônio Mundial.

Múmia chinchorro

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

No início, técnica era usada apenas em crianças e recém-nascidos mortos

Uma sociedade de pescadores

A cultura chinchorro habitou a região entre os portos de Ilo, no Peru, e Antofagasta, no Chile.

Apesar de muito árida, a área tinha recursos marinhos em abundância devido aos efeitos da corrente fria de Humboldt, que cria um fenômeno chamado ressurgência no oceano, e dos diversos riachos que a atravessam para desembocar no mar.


Assim, os chinchorro se especializaram na exploração dos recursos marinhos e chegaram a desenvolver diversas ferramentas para facilitar a atividade pesqueira, como um anzol feito de espinhos de cactos e pontas de arpão.

A descrição feita pela Unesco fala ainda de "ferramentas feitas de materiais de origem mineral e vegetal, bem como instrumentos simples feitos de ossos e conchas".

Informações do Museu Chileno de Arte Pré-Colombiana dão conta de que, "a partir de tumores encontrados nas orelhas das múmias da época, sabe-se que mergulhavam em grande profundidade".

A habilidade para a pesca permitiu que eles construíssem assentamentos semipermanentes na foz dos rios e riachos da área.

Embora existam poucas informações sobre a forma como se organizavam, há indícios de que se reuniam em grupos de 30 a 50 pessoas que aparentemente tinham alguma relação de parentesco.

Múmia chinchorro e pesquisadores

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Até hoje foram analisadas cerca de 208 múmias

Como os chinchorro mumificavam os mortos

Segundo informações da Universidade de Tarapacá, no Chile, que tem liderado a pesquisa e conservação da cultura chinchorro, o processo de mumificação consistia na extração dos órgãos e vísceras dos mortos por meio de incisões e na sua substituição por vegetais, penas, pedaços de couro, lã e outros materiais.

Também se removia o couro cabeludo e a pele do rosto e abria-se o crânio para retirar o cérebro — depois de seco, ele era preenchido com cinzas, terra, argila e pelos de animais.

Por fim, modelava-se o rosto, que era adornado com uma peruca feita com cabelo humano. O corpo ganhava uma vestimenta de tecido vegetal e era coberto com uma camada de argila.

Embora no início os chinchorro mumificassem apenas recém-nascidos e crianças — que eram preservados junto de estatuetas de barro —, em seu auge, por volta de 3.000 a.C., eles chegaram a mumificar todo tipo de membro da sociedade, independentemente da idade.

Diferentes tipos de múmias

Ainda segundo a Universidade de Tarapacá, até o momento foram analisadas 208 múmias. O estudo da amostra revelou que as técnicas de embalsamamento usadas por esse povo variaram ao longo do tempo e foram simplificadas nos estágios finais, ao contrário do que aconteceu com os egípcios, que foram sofisticando suas técnicas.

Há múmias negras, cobertas por óxido de manganês; múmias vermelhas, pintadas com óxido de ferro; e múmias enfaixadas. Entre os pontos em comum que compartilham estão a peruca, uma máscara facial e bastões para reforçar o corpo.

"A cultura chinchorro considerava suas múmias como parte do mundo dos vivos, o que explica por que deixavam os olhos e a boca abertos e usavam macas, feitas de fibra vegetal ou pele de animal, para transportá-las", destaca a Universidade de Tarapacá.

As avançadas técnicas de embalsamamento, auxiliadas pelas condições climáticas do ambiente desértico e salino do Atacama, levaram à preservação das cerca de 120 múmias que hoje estão no acervo do Museu Arqueológico de San Miguel de Azapa, no Chile.

BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE