segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Dia das Crianças: geração conectada ainda gosta de brincar






Nativos digitais, as crianças que comemoram o dia dedicado a elas na data de hoje - 12 de outubro - não conhecem o mundo sem os tablets, internet e toda a gama de conexão e tecnologia que existe atualmente. Chamada de geração alfa, as crianças nascidas a partir de 2010 ainda sonham em ser médico ou dentista quando crescerem, mas, como o Rubens Benith Belo, de 6 anos, também querem fazer robô.

“Quero ser dentista como minha irmã, quero ser médico e ser mecânico para consertar carros. Mas, também quero fazer robô”, disse o garoto, que é irmão gêmeo da Lorena, que quer ser dentista. “Porque gosto de mexer no dente!”, disse a menina.

Enquanto não crescem, os irmãos gostam de brincar de boneco, boneca, lego, jogos de tabuleiro, mas, como a maioria das crianças dessa geração, adoram uma tela e gostam dos jogos digitais. “Gosto de encontrar o meu irmão no jogo do Roblox [jogo online]. Gosto de assistir desenho, mas também de brincar de mico [jogo de baralho]. Acho o mundo maravilhoso, mas tenho medo de gente malvada. Não gosto da pandemia, nem das queimadas, não acho legal”, opinou Lorena, que contou ainda que pediu uma boneca de presente de Dia das Crianças, já que “dá para inventar mundos, como se estivesse montando um filminho.”

O irmão contou que também pediu um boneco “porque ele tem máscara”. E continuou: “Gosto de brincar de Lego, aí eu monto coisas, eu sou criativo. Também gosto de jogar Roblox e de ver filmes na TV. Acho o mundo legal, mas é meio malvado, porque tem ladrão e ladrão que mata policial”, disse Rubens.

A mãe dos gêmeos, a professora Angélica dos Santos Benith Belo, disse que eles acham engraçado quando conta que na infância dela não existia celular. “A tecnologia para eles é uma realidade, mas não entendem quando a gente fala, por exemplo, que na nossa época não tinha celular, que não tinha isso ou aquilo, eles acham engraçado porque eles já nasceram na era digital”.

Apesar de eles gostarem de jogos digitais, ela disse que coloca limite no tempo de tela. “Com relação à tecnologia, se a gente não colocar um limite, eles querem o tempo todo ficar com o tablet, mas a gente está sempre de olho e explica que tem que ser com moderação”.

também mãe de uma bebê de um ano, Angélica espera que no futuro suas crianças sejam pessoas de bem. “Imagino um futuro no qual eles possam fazer o que quiserem, no sentido de ter a profissão que quiserem, e eu imagino que serão pessoas de bem, engajadas, porque a gente tenta, de toda a maneira, criar com apego e com carinho para que eles não sintam necessidade de buscar fora de casa alguma coisa para eles. A gente tenta criá-los com empatia, ensinando a se colocar no lugar do outro.”

Futuro da geração alfa
Assim como a Angélica, a relações públicas Lays Ribeiro, mãe do Vincenzo, espera um futuro mais empático para o seu filho viver. “Um futuro em que a escolha do gênero não interfira em que somos, em 2020 ainda vivemos com estereótipos. E que a educação dada agora o ajude a ser emocionalmente saudável e que busque para si sempre o melhor. E que o sucesso tão procurado por todos, seja em se sentir bem, estar com alguém que goste e amar o que ele faça.”

O pequeno Vincenzo, de 4 anos, também falou que gosta de jogos digitais, mas ainda de outras brincadeiras. “Gosto de montar o parque do Jurassic World, com muitos dinossauros”. Quando perguntado sobre o que acha do mundo em que vive, ele ainda não tem noção das malícias, e responde: “Gosto muito de tomar sol lá fora”. Sorte do Vincenzo, que quer ser paleontólogo e pescador.

A mãe dele conta que ele vê o mundo como uma grande brincadeira. “No dia a dia lidamos as tarefas como missões, para que possa ter noção de responsabilidades. Não ligamos noticiários, então ele não sabe o que está acontecendo lá fora exatamente. Sabe os porquês da restrição de não sair de casa, e de nós cuidarmos para não passar o vírus aos avós”.

Lays conta ainda que as telas são usadas com cautela, mesmo em tempos de isolamento. “Tem dias que passam um pouco do combinado, mas vemos claramente que a restrição de telas ajuda a ter criatividade, proatividade e desperta o livre brincar. Como consequência, tenho uma criança mais ativa e que interage com todos ao redor, é muito curiosa, menos ansiosa e irritada”, detalhou.

“A geração denominada Alfa já nasceu com a tecnologia inserida em seu contexto diário, mas se bem estimadas, também adoram o brincar desconstruído”, afirma a pedagoga com especialização em educação transdisciplinar, autora de literatura infantil e infanto-juvenil, Elisabete da Cruz. “O que observo é este brincar precisa ser mais instigante. Elas não gostam do jogo pronto, mas da possibilidade de criar suas próprias regras. São mais autônomos e frequentemente desafiadores.  Precisam de outros estímulos que estimulem seu lado criativo e imediatista.

É o que também pensa a neuropsicopedagoga Viviani Zumpano. “A criança precisa se pautar pelo toque, pela leitura do corpo, das expressões e das atitudes do outro. A lição mais importante que os pais podem ensinar aos filhos pertencentes a geração alfa é a de saber equilibrar as relações tecnológicas e presenciais, entender que não podemos banir a tecnologia de nossas vidas , mas fazer dela ferramenta que nos ajuda a ler o mundo”, aconselha.

Tecnologia, infância e pandemia
Como a tecnologia faz parte dessa geração, cabe aos pais o papel de não cercear, e sim, auxiliar os seus filhos a utilizar a tecnologia com equilíbrio, defende Viviani.  “Os pais podem ensiná-los a estabelecer uma relação de “usuário e consumidor consciente” dos meios tecnológicos desde cedo, pois eles impactam diretamente nas relações sociais e acadêmicas que os filhos estabelecerão por toda a vida.”

A neuropsicopedagoga explica que, devido a intensa influência tecnológica, as crianças alfa são muito inteligentes, curiosas, multitarefas e tem intensa necessidade de interagir, inventar e se conectar. “Boa parte das brincadeiras são realizadas por meio da tecnologia, ou seja, os amigos podem ser virtuais ou não, mas o meio de relação entre eles é o mesmo: a tecnologia,”

A pandemia intensificou o uso das tecnologias e a sala de aula virou a tela do computador/tablet/celular. Esse “novo normal” para as crianças pode mudar a relação delas com o mundo. “O período de quarentena vivenciado por todos nós aumentou consideravelmente o “tempo de tela” de adultos e crianças, gerando alguns problemas que são notados de perto por todos: a exposição intensa gera dificuldades de concentração, atenção, memória e irritabilidade, problemas ocasionados pelo isolamento social e também pela instabilidade do sono”, disse.

“A tecnologia, nesse caso, nos possibilitou algumas situações que eram feitas presencialmente. A viabilização dessas situações por meio da tecnologia foi o que nos permitiu continuar, mesmo que em adaptação, algumas atividades essenciais do nosso cotidiano”, destacou a pedagoga especialista em Gestão e Docência no Ensino de EaD [Educação à Distância], Regina Madureira.

Para Regina, esse período de pandemia vai refletir no futuro das crianças. “Temos que considerar as mudanças na rotina, a incerteza – não só da criança, mas dos adultos que convivem com ela – enfim, teremos impactos no futuro, que podem ser positivos ou de melhoria para os seres humanos.”

Na opinião da Elisabete da Cruz, o uso das tecnologias pelas crianças não é responsável por despertar inseguranças. “Nesse isolamento, as dificuldades, a ausência do convívio dos amigos e familiares pode gerar inseguranças, medos e até aflorar outras emoções no futuro, o uso da tecnologia não, ela faz parte do contexto desta geração alfa e para eles é apenas uma ferramenta”, afirmou.

“O que não podemos perder de vista é que somos seres humanos geneticamente sociais e apesar dos relacionamentos interpessoais se darem também por meio da tecnologia, necessitamos do afeto físico. Nossas crianças precisam ser educadas também para se relacionar de forma física. O afeto ultrapassa as telas de computadores e dispositivos móveis”, ressaltou a neuropsicopedagoga Viviani Zumpano.

Conteúdos infantis e tempo de tela
Nem herói, nem vilã, as telas devem ser vistas como uma realidade, apontaram as especialistas. Mas o que muito se discute entre os pais é se limitar o tempo de tela é necessário. A pedagoga Elisabete destaca a importância da família para estabelecer regras.

“A criança não tem discernimento do que é bom para ela, a família é seu norteador, os limites são necessários para seu crescimento como ser humano. Não existe uma quantidade de horas pré determinadas, porque cada família possui sua própria rotina. Acredito no equilíbrio. Brincar, comer, se exercitar, usar o tablet ou celular, assistir um filme, ler um livro. A vida tem nos mostrado que o equilíbrio é o caminho. Opte pelo equilíbrio e não deixe de acompanhar as atividades que a criança tem tido acesso”, aconselha.

A pedagoga Regina Madureira completa que é preciso orientar e otimizar. “O tempo precisa ser de qualidade, principalmente com os recursos tecnológicos. Não podemos só focar na tecnologia e deixar as outras atividades como brincadeiras que estimulem coordenação motora e lateralidade, por exemplo. O desenvolvimento infantil precisa ser holístico e diversos fatores precisam ser considerados para termos um processo sólido e de efetividade para facilitar esse processo das crianças”.

Para as especialistas, é necessário pensar também no conteúdo a ser acessado pelas crianças. “Estar atento, acompanhar, buscar informações sobre a programação, limitar acessos e principalmente fazer parte disto. Ser presente, se familiarizar com o que está sendo o centro de interesses da criança, participar quando possível desta experiência e oferecer também possibilidades de conteúdo”, disse Elisabete, que ainda orienta aos pais a utilizarem ferramentas de moderação.

“Hoje existem centenas de plataformas, sites, blogs, empresas de projetos educativos e outras infinidades de recursos facilmente encontrados na internet para dar este suporte, até a contratação de um profissional especializado para estas orientações.”

Construir uma relação saudável das crianças com a internet/telas, é possível, concorda  Regina. “Estar junto à criança nas atividades, entender o propósito delas, se conectar com as crianças. Todos os momentos são únicos porque são momentos de orientação para o uso efetivo e consciente da tecnologia, tendo em mente o propósito dela que é ser uma ferramenta para facilitar e servir o ser humano."

Outro conselho da pedagoga Elisabete é usar a tecnologia a seu favor promovendo atividades fora da tela, mas usando suas referências. “Frequente mais a cozinha, faça receitas encontradas nos aplicativos e coloque a criança para cozinhar com você, faça atividades manuais, brincadeiras, jogos. A felicidade está nas coisas simples, então, descomplique. Exercite o equilíbrio porque não existe receita pronta. Cada criança é um ser único, e independente de sua geração, precisa de afeto e proteção.”

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 11 de outubro de 2020

QANON: QUATRO CANDIDATOS A VEREADOR MOSTRAM COMO CONSPIRAÇÃO INVADIU ESTAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS

Uns são descarados. Outros, mais discretos. E alguns compartilham os delírios sem nem saber do que se trata.




“AGUARDEM OS ACONTECIMENTOS da próxima semana. Especialmente os do dia 11 de setembro. Storm!”, postou no Twitter o candidato a vereador no Rio de Janeiro pelo PSD Alan Lopes Santana em 6 de setembro. Nos dias seguintes, ele tuitou sobre operações da Polícia Federal relacionadas a crimes sexuais contra crianças e tráfico de drogas – sempre invocando uma tal Operação Storm. Seus seguidores foram ao delírio. “A Operação Storm está agindo faz tempo e ninguém percebe! Tentem pesquisar mundo a fora. vocês vão ver que não tem nada parado. luta é grande FÉ!”, disse uma delas.

Storm, tempestade em inglês, é o termo que os seguidores da teoria da conspiração QAnon usam para definir uma fictícia operação militar transnacional. Oculta e não-oficial, ela lutaria contra supostas redes internacionais de pedofilia que seriam coordenadas pelo que podemos resumir como um misterioso grupo secreto de canibais pedófilos satanistas. 

Parece mentira – e é. Mas o movimento, que vem sendo usado por partidários de Donald Trump para inflamar as eleições dos EUA, realmente propaga que o mundo é dominado por canibais pedófilos, usando o pânico moral para vencer nas urnas. Provável arma eleitoral do bolsonarismo em 2022, a teoria da conspiração já é ensaiada no Brasil na disputa pelas câmaras municipais este ano. 

Alan Lopes é um dos candidatos que já está usando a retórica mentirosa. O político se apresenta como correspondente do site bolsonarista Terça Livre, notório propagador de notícias falsas capitaneado por Allan dos Santos. Ele ainda lidera o Movimento Direita Inteligente, apadrinhado pelo senador Arolde de Oliveira, também do PSD e dono de um império de comunicação evangélico considerado por pesquisadores um dos que mais espalharam desinformação.

O aspirante a vereador segue os passos dos tutores, mas se especializou na linguagem QAnon para mobilizar seus mais de 50 mil seguidores no Twitter. Tentei falar com ele por telefone, Whatsapp e pelo Facebook para entender sua relação com o movimento QAnon. Ele não respondeu aos pedidos de comentário e usou seu Twitter para expor meu telefone, pedindo que seus seguidores “brincassem” comigo. O post foi apagado, mas circulou entre influenciadores da cena QAnon.

Foi assim que o candidato respondeu ao pedido de entrevista.

Apenas no dia 28 de setembro, Lopes respondeu aos meus contatos para dar sua visão. Por telefone, o candidato corroborou sua crença na Operação Storm, explicando que seria uma operação transnacional que combate, segundo ele, tráfico de órgãos, crianças, pedras e drogas. O candidato, porém, não vê relação com a teoria conspiratória americana. “Isso não é uma defesa de QAnon nem nada do tipo. O que eu falo é apenas um raciocínio sobre tudo o que está acontecendo”.

Também procurei o PSD do município do Rio de Janeiro diversas vezes nas últimas semanas para questioná-los sobre a disseminação de teorias conspiratórias. Embora eu tenha mandado quatro e-mails para o secretário-geral do partido no Rio, Carlos Portinho, até o momento não houve resposta.

‘Não é uma defesa de QAnon. O que eu falo é apenas um raciocínio sobre tudo o que está acontecendo’.

Outro candidato a vereador que já publicou conteúdo similar é Diego Henrique de Sousa Guedes, mais conhecido como Dom Lancellotti, do Republicanos de Fortaleza. Uma das lideranças do grupo Gays com Bolsonaro, o jovem já vem falando sobre o movimento QAnon desde 2018.

“Minha galera do QAnon tá toda no Gab, Reddit, 4chan, 8chan… Não arrisco falar tanto disso por aqui porque a gente, mais do que nunca, precisa ter o Twitter ativo no Brasil”, escreveu em julho de 2019, se referindo a fóruns online com menos moderação e, portanto, mais usados para conteúdos controversos. 

Mais recentemente, ele considerou que a notícia de que a cantora Anitta teria se inspirado no trabalho da artista performática sérvia Marina Abramovic seria indício de um pacto feito pela brasileira. Guedes não explicita em seu tweet que pacto seria esse, mas as hashtags #pedogate #qanon e #pizzagate indicam que seria algo relacionado à satanismo e pedofilia. Marina Abramovic é há anos vista por movimentos conservadores – o que inclui QAnon – como uma satanista devido ao teor provocativo e às vezes chocantes de suas obras.

A reportagem entrou em contato com Guedes por meio de seu WhatsApp, Twitter e Instagram, mas ele não respondeu aos pedidos de comentário. Em vez disso, expôs a solicitação de entrevista em suas redes sociais. O diretório do Republicanos no Ceará, por sua vez, não respondeu até o momento os pedidos de comentários solicitados por e-mail.

Em todos os lugares

Nos EUA, Brasil, Itália, Alemanha e diversos outros países já há protestos organizados pelo movimento QAnon para chamar a atenção do público. As manifestações geralmente giram em torno de pautas morais de difícil contestação e cooptam os slogans e hashtags de organizações reais destinadas ao combate ao tráfico infantil, como a Salvem as Crianças, em atividade desde 1919. Estive presente em uma delas, ocorrida na praia de Copacabana em 23 de agosto, e presenciei ao vivo como eles instrumentalizam a luta contra o tráfico humano e o abuso sexual de crianças para disseminar o movimento para o público geral de forma mais amena. 

Em outro protesto, no dia 22 de junho em Brasília, o motorista de aplicativos Daniel Augusto Rocha Carneiro, hoje candidato a vereador em Belo Horizonte, apareceu ao lado de uma conhecida influencer da cena QAnon, que ostentava um cartaz com os dizeres Obamagate e uma letra Q, símbolo do movimento. 

Nas duas postagens que fez no local, Rocha usou várias hashtags conhecidas entre os apoiadores do movimento, como #qstorm, #qanons, #qanonstorm e outras variações.

Em uma das fotos, o candidato inclusive usa a frase “estamos em todos os lugares”, outro lema dos seguidores da teoria. Entrei em contato com ele em seu Instagram, WhatsApp e por telefone uma vez para perguntar sobre sua relação com o QAnon. Ele não respondeu por nenhum meio, mas apagou os dois posts. Já o Podemos disse apenas que o posicionamento do candidato não é o do partido.

No dia 2 de junho, o candidato a vereador Luis Alexandre Mandú, do Solidariedade em Pindamonhangaba, São Paulo, tentou surfar a mesma onda. No Twitter, ele postou a sigla WWG1WGA, que significa where we go one we go all, onde vai um, vamos todos, em tradução livre – e a frase Trust the plan – em português, “confie no plano”, dois bordões QAnon.

Perguntei a ele sobre sua relação com o movimento conspiratório. Por telefone, ele me disse que ficou assustado quando soube da natureza do movimento e tratou de apagar a postagem. “Não sou adepto, não sou favorável, não concordo, não apoio, não tenho nada a ver com isso”. 

Em nota, o diretório estadual do Solidariedade disse que “não tinha até agora nenhum conhecimento acerca de candidatos que manifestem apoio a teorias de conspiração”. Disse ainda que “tais práticas não se coadunam com as diretrizes da agremiação e serão apuradas”, além de manifestar repúdio a ataques à democracia. 

Candidato espalhou até a hashtag. Quando questionado, desconversou: ‘não concordo, não apoio, não tenho nada a ver com isso’.

A nova cartilha da extrema direita

O QAnon surgiu em 2017 no fórum online de discussões anônimas 4chan. Em uma postagem de outubro daquele ano, um usuário que se intitulou Q disse ter acesso a dados sigilosos do governo americano que expunham uma “guerra secreta” que estaria acontecendo entre o presidente Donald Trump e o grupo imaginário de satanistas pedófilos.

Com o passar do tempo, novas postagens deste usuário foram inserindo novas mensagens crípticas e desnecessariamente confusas para serem “desvendadas” pelos seus seguidores. Desde então, quase 5 mil posts, chamados de Q-Drops, foram publicados em diversos fóruns online.

Para Alexander Reid Ross, professor da Universidade de Portland, nos Esados Unidos, e pesquisador do Centro para Análise da Direita Radical, o QAnon é um movimento de direita político e religioso que tem aspectos ocultistas e sincréticos. “Isso é, que contém uma leitura que tenta decifrar o desconhecido e o místico por meio de uma estrutura de crenças que integra e incuba outras teorias conspiratórias, sejam antigas ou novas”, explicou ao Intercept. 

De crianças resgatadas em túneis até a mentirosa correlação entre o 5g e a epidemia de coronavírus, de alienígenas até a volta de John F. Kennedy Jr., herdeiro político do clã Kennedy que morreu em um acidente de avião em 1999, o QAnon virou o grande guarda-chuva de teorias da conspiração.

Essa versatilidade acaba permitindo que o movimento seja instrumentalizado ou disseminado tanto por políticos de direita, personalidades públicas como o ex-apresentador Gilberto Barros, extremistas religiosos ou até mesmo comunidades da Nova Era.

Os bolsonaristas, que não têm o menor pudor em comprar a cartilha da extrema direita americana, logo abraçaram os termos, a linguagem e os métodos dos conspiradores dos EUA. Allan dos Santos, por exemplo, já fez postagens com tópicos específicos da teoria conspiratória, como Pizzagate – uma tese que envolveria o Partido Democrata dos EUA, redes de pedofilia e simbologia oculta. Por causa dessa teoria, um homem foi a um restaurante que faria parte do esquema e atacou a tiros o local em busca de supostas crianças perdidas.

Allan dos Santos, do site Terça Livre, ajudou a propagar a mentirosa ligação do casal Clinton com pedofilia e satanismo.

Outro influenciador conservador de extrema direita que publica conteúdos sobre QAnon em suas redes é o médico e youtuber Alessandro Loiola. Ele chegou a ser coordenador-geral de Empreendedorismo e Inovação da Secretaria Especial de Cultura de Roberto Alvim, mas foi exonerado pouco tempo depois do chefe, demitido em janeiro após postar um vídeo com referências nazistas. Atualmente, ele é colunista de um site de notícias pró-Bolsonaro, que lançou uma revista dedicada exclusivamente ao movimento QAnon.

Posts trazem referências veladas, insinuando que algo grande vai acontecer.

Bernardo Küster, palestrante e youtuber católico, por sua vez, repostou uma publicação de autoria de um conhecido perfil da comunidade QAnon. Nela, defende que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro seria uma “marionete” do bilionário George Soros, tradicional alvo da direita mundial. Atualmente, a publicação está ocultada devido ao bloqueio do perfil de Küster por decisão judicial.

Print feito antes da postagem sair do ar.

Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PSL, é mais sutil. Ele não fala de forma explícita da “operação”, mas se utiliza da simbologia da palavra tempestade, ou storm, em inglês, para atiçar a base bolsonarista que acredita na teoria. Em postagem recente no Parler, uma rede social usada majoritariamente pela direita, ele passa a mensagem de que há “uma tempestade (STORM) chegando”

Eduardo Bolsonaro preferiu uma referência velada: a palavra “storm”.

Uma consultoria que analisa redes sociais também detectou uma mudança de foco em 200 grupos bolsonaristas nas redes sociais: entre julho e agosto, a pedofilia se tornou o assunto principal nas redes de extrema direita. 

“Já há alguns dias o tema ‘combate à pedofilia’ aparece com mais intensidade no universo bolsonarista. Vem criando-se um espantalho de que a esquerda e a mídia liberal progressista teriam a intenção de descriminalizar a pedofilia”, diz o relatório, revelado no blog do jornalista Rubens Valente. “Nessa toada, acusam e difamam personalidades por supostamente serem favoráveis ao projeto, como o Felipe Neto, Xuxa e o deputado Marcelo Freixo [PSOL-RJ]”. 

Ainda segundo o relatório, a figura mais associada ao tema, além de Jair Bolsonaro, é a ministra Damares Alves, vista como saída para o problema. No final de jullho e início de agosto, revelou Valente, Damares surfou a onda: em nove dias, postou 18 vezes sobre pedofilia em suas redes sociais, tema ecoado pela Secom, a Secretaria de Comunicação do governo. Segundo os que defendem a teoria conspiratória, a ministra seria uma das responsáveis por trazer a “operação” para o Brasil.

A ministra Damares Alves é apontada como uma das responsáveis por combater a tal rede – e ela aproveitou os holofotes.

Um levantamento da agência de checagem Aos Fatos mostrou que, no Twitter, há cerca de 212 autoridades brasileiras seguindo 1.400 contas que ajudam a propagar os delírios do QAnon. Desse total, 34 seguem ao menos 10 desses perfis conspiratórios. O PSL é a sigla de 16 (47%) dessas autoridades. Podemos e Democratas, com três autoridades listadas cada, aparecem em seguida.

Para Odilon Caldeira Neto, professor de história contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora, essa adaptação do QAnon no país segue passos semelhantes à gênese nos EUA, com uma relação mais voltada à denúncias de tráfico humano e pedofilia. 

“Há, sim, sub-teorias no QAnon mais limítrofes e fora da realidade, mas aqui no país parece existir um núcleo forte que promove interação com setores mais amplos do bolsonarismo, como o conservadorismo evangélico”, diz ele. A escolha das pautas não é por acaso: elas têm alta visibilidade por serem essencialmente morais e de apelo para além do conservadorismo.

Para Yasodara Córdova, especialista em internet e sociedade e mestranda em políticas públicas da Harvard Kennedy School, é importante não legitimar tais movimentos. Para ela, o QAnon tem as mesmas características de “hoaxes”, ou mentiras baseadas em pseudociência, que não podem ser provadas falsas.

“Se esse mito se perpetuar, sempre vai ter um grupo de pessoas fiéis, assim como outras seitas limítrofes”, afirma Córdova, alertando que o perigo à democracia é o crescimento de tais movimentos para além dessa bolha, podendo causar danos financeiros ou até mesmo à outras pessoas.

Não à toa, o movimento QAnon é considerado pelo FBI, a Polícia Federal Americana, como um risco à segurança nacional. Além disso, pessoas que acreditam na teoria já se envolveram em ao menos seis incidentes violentos nos EUA.

Por isso, grandes empresas de redes sociais como o Facebook, Twitter e Instagram começaram a banir grupos e hashtags específicas do movimento. Ontem, o Facebook anunciou que banirá conteúdos relacionados ao grupo conspiratório de todas as suas plataformas.

https://theintercept.com/

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Papa Francisco liga para padre Julio Lancellotti e diz: ‘Não desanime’





O padre Julio Lancellotti, líder da Pastoral do Povo da Rua e pároco da Arquidiocese de São Paulo, recebeu uma ligação do Papa Francisco no sábado 10.

A informação foi confirmada pela igreja e pelo próprio padre nas redes sociais, que destacou uma das frases ditas: para não “desanimar” frente os desafios postos.


A ligação foi feita por volta das 14h15, horário de Brasília.

“O Papa disse que viu as fotos que enviamos para ele e que sabe das dificuldades que passamos, mas que não desanimemos e façamos sempre como Jesus, estando junto dos mais pobres.”, diz a nota da Arquidiocese, escrita por Julio.

“Pediu para transmitir a todos os moradores de rua o seu amor e proximidade e que todos rezem por ele. Ele reza por todos nós também.”, encerra.

Lancellotti foi alvo de insultos do candidato à Prefeitura de São Paulo Arthur do Val, o “Mamãefalei”, e depois recebeu ameaças enquanto estava realizando seu trabalho com a população em situação de rua de São Paulo.

“O risco que estou correndo é cada vez maior, e a responsabilidade vocês sabem de quem é”, disse o padre em vídeo. Ele registrou um boletim de ocorrência.


Carta Capital

Professor Edgar Bom Jardim - PE

'Somos a espécie mais perigosa da história': cinco gráficos sobre o impacto da atividade humana na biodiversidade



Membros do WWF chegam a um local de garimpo ilegal de ouro na Guiana Francesa.
Legenda da foto,

Os humanos estão causando a extinção de outras espécies através da caça, mineração, pesca predatória e derrubada de florestas.

A atividade humana está destruindo a natureza, causando uma aceleração alarmante na extinção de espécies da flora e fauna.

Alguns líderes mundiais têm prometido diversas ações para tentar resolver o problema. Mas elas vão ser suficientes?

O que é biodiversidade e por que ela é importante?

Biodiversidade é a variedade de seres vivos na Terra e os ecossistemas aos quais eles pertencem, que fornecem oxigênio, água, alimentos e inúmeros outros benefícios.

Recentemente, um conjunto de relatórios e estudos alertou sobre o atual estado da natureza. Veja-os em gráficos:


Gráfico

"Não temos tempo para esperar. A perda da biodiversidade, a perda da natureza, está em um nível sem precedentes na história da humanidade", diz Elizabeth Mrema, secretária-executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica, da ONU. "Somos a espécie mais perigosa da história mundial."

Os humanos estão causando a extinção de outras espécies por meio da caça, pesca predatória e derrubada de florestas.

Somos quase inteiramente responsáveis ​​pela extinção de várias espécies de mamíferos nas últimas décadas, de acordo com um estudo recente publicado na revista especializada Science Advances.

E as previsões sugerem que outras 550 espécies de mamíferos serão perdidas neste século, se continuarmos no caminho atual.

Gráfico

Como podemos sair do caminho da destruição?

Abandonar o modelo devastador que adotamos exigirá grandes mudanças.

Na Cúpula da ONU sobre biodiversidade, realizada no dia 30 de setembro em Nova York, o secretário-geral da entidade, Antonio Guterres, afirmou que "a humanidade está travando uma guerra contra a natureza e precisamos reconstruir essa relação".

grafico

Qual é o plano para o futuro?

Os países estão sendo instados a assinar um acordo, que representaria para a biodiversidade o que o acordo climático de Paris foi para as mudanças climáticas.

Isso se enquadra no que se conhece como Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), tratado internacional firmado na chamada "Cúpula da Terra" realizada no Brasil em 1992.

Gráfico

Este acordo tem três objetivos: a conservação da diversidade biológica; o uso sustentável de seus componentes; e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos.

Os países tinham até este ano para atingir as metas estabelecidas há uma década, que vão desde conter a extinção até reduzir a poluição e preservar as florestas.

Gráfico

Apesar de alguns avanços, nenhum dos objetivos foi alcançado.

Agora, os líderes mundiais estão sendo chamados a assinar um pacto para salvar a biodiversidade do planeta por meio de um plano que prioriza a vida selvagem e o clima.

Segundo a comunidade científica, não é tarde para reverter o declínio da natureza, mas é preciso muito empenho e o real cumprimento de promessas.

  • Helen Briggs
  • Repórter de Meio Ambiente da BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Como uma professora inspirou meu projeto de vida no Ensino Médio





Muitas dúvidas sobre o futuro pairavam sob minha cabeça quando estava no Ensino Médio. Estudei toda a vida em escola pública, era boa de Matemática e a minha primeira opção de carreira era Engenharia. Embora o que eu realmente gostasse de fazer fosse escrever e contar histórias, a Engenharia me trazia uma perspectiva de melhor qualidade de vida para mim e para minha família do que o Jornalismo. Mas foi uma conversa com a professora Viviane Sousa, conhecida e chamada carinhosamente de Vivi, da Escola Estadual Vital Fogaça de Almeida, na capital paulista, que me fez acreditar que eu poderia cursar o que eu realmente tinha desejo, mesmo em uma profissão cheia de desafios como a de jornalista.

“Não importa o que você fizer. Você precisa ser boa naquilo que faz e se esforçar muito mais do que os alunos de fora da escola pública”, ela me disse nessa conversa. A frase foi forte, mas ao mesmo tempo, abriu meus olhos para o que eu iria encontrar para fora das paredes da escola.

Depois de mais de 6 anos sem qualquer contato, há algumas semanas nos falamos por telefone. Ao saber minha trajetória e que optei pelo Jornalismo, ela ficou muito feliz. “Fico emocionada, porque às vezes a gente pensa que pode ser apenas uma conversa do dia a dia, mas não é”, disse. Assim como aquela conversa para mim foi uma abertura para pensar meu projeto de vida, muitas outras conversas com professores me ajudaram para além da sala de aula.

Vivi era minha professora de Geografia, uma disciplina que eu não tinha tantos amores durante meu Ensino Médio. Mas sua forma de levar o conteúdo e falar outros temas conectados com a vida prática chamaram minha atenção e faziam com que meu engajamento da aula fosse cada vez maior. Sempre com o cabelo amarrado, livros nas mãos, ela falava com a gente pelos corredores. Relembrando aquela época, vejo que o cuidado com as correções de atividades feitas por mim e meus colegas, sempre trazendo ponderações para aprimorar os nossos textos, se assemelham com o trabalho de edição feito no dia a dia das reportagens jornalísticas que produzimos em NOVA ESCOLA.

No meu reencontro por telefone com a Vivi, também conversamos sobre como foi importante eu ter ouvido que enfrentaria desafios para entrar na universidade, sendo uma aluna de escola pública, que na muitas vezes não possui os mesmos acessos ao ensino superior e mercado de trabalho. “Nem todos os alunos vão fazer faculdade, mas é importante a gente como professor mostrar que ele precisa estar preparado para abraçar as oportunidades que podem surgir”, me contou. Para Vivi, o professor tem um papel muito importante até no lado emocional do aluno. “Hoje, com o ensino a distância, eu tenho percebido ainda mais como é essencial a gente estar próximo do aluno e se tornar acessível mesmo”.

Na ligação descobri que ela virou professora pela “oportunidade de mudar de vida”. No fim do Ensino Médio, a dona de uma casa onde ela trabalhava se ofereceu para pagar sua faculdade na capital paulista. “Ela me disse que só conseguiria pagar o curso de Licenciatura, então, como gostava de Geografia, escolhi essa disciplina”, relembra.

Com a proposta, ela saiu de Santa Bárbara (SP), onde morava com seu pai e seus irmãos, e veio para São Paulo. Vivi me contou que, para ela, o destino escolheu a profissão de ser professora, já que era a única oportunidade de cursar o ensino superior. Ela abraçou a chance e construiu sua carreira como docente. E que sorte a minha e de tantos outros adolescentes tiveram de cruzar nossos caminhos com o dela!

Nos meus últimos dois anos na escola, eu ainda tive a oportunidade de trabalhar com a Vivi. Fui monitora do programa Acessa São Paulo, do governo estadual, e passava 4 horas, no contraturno, cuidando da sala de informática da escola. Foram anos muito importantes para minha formação e que ao final deles pude fechar de uma forma muito gratificante e sempre presente nas minhas memórias: uma festa na escola com meus professores e outros educadores da instituição.

A Vivi, como sempre muito presente nos meus dias escolares, me deu uma caneca com uma imagem de coruja e um bilhete escrito “muito sucesso na sua nova jornada”. Mal eu sabia que depois de alguns anos estaria escrevendo este texto para falar que ela foi muito mais do que uma professora para mim.

Todos os dias os professores acabam, nas palavras, gestos e atitudes abrindo muito mais portas do que imaginam. Feliz dia dos professores para quem, assim como a minha professora, inspira tantos alunos nos seus projetos de vida.

POR:
Ana Paula Bimbati 
Nova Escola
Professor Edgar Bom Jardim - PE