terça-feira, 18 de agosto de 2020

‘Acompanhei gestantes de 10 anos em estado grave na UTI’: médica detalha os riscos de uma criança grávida


Grávida com mãos sobre barrigaDireito de imagemGETTY CREATIVE/ISTOCK
Image captionEstudos apontam que gestantes de 10 a 15 anos podem ter, aproximdamente, quatro vezes mais riscos de complicação do que as mais velhas

"Elas chegam ao hospital perplexas e aterrorizadas com todos os eventos traumáticos que vivenciaram." Assim, a ginecologista e obstetra Melania Amorim resume as situações de garotas, de 10 a 13 anos, que engravidam após serem estupradas.

A médica, com mais de 30 anos de profissão, conta ter presenciado casos que a deixaram entristecida. Entre eles, o de uma jovem de 13 anos com paralisia cerebral, que engravidou após ser abusada sexualmente.

A obstetra também acompanhou meninas que lutaram pela vida após ao desenvolverem problemas de saúde causados por gestações precoces.

"Esses casos de gravidez por estupro nessa faixa etária não são raros. Infelizmente, acontecem com certa frequência", pontua Melania, que é professora universitária na Paraíba e em Pernambuco.

Segundo dados tabulados pela BBC News Brasil no Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde, o Brasil registra, em média, ao menos seis abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 aponta que quatro meninas de até 13 anos são estupradas a cada hora no Brasil.

Associado ao trauma causado pelo abuso sexual, aquelas que engravidam também vivem os riscos da gravidez. Isso porque estudos apontam que gestações de garotas de até 15 anos são muito mais arriscadas do que entre mulheres mais velhas. Quanto mais nova, maiores os riscos.

A gravidez na infância e na adolescência tem estado no centro das discussões nos últimos dias, após o caso da menina de 10 anos do Espírito Santo. A criança, que teve de ser levada a outro Estado para abortar, teve o nome e o hospital em que faria o procedimento expostos pela militante de extrema-direita Sara Giromini, conhecida como Sara Winter.

Médica Melania Amorim olhando em direção a computador em sala repleta de estantes e livrosDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionMédica Melania Amorim explica que riscos de gestação entre garotas de 10 a 15 anos são altos

A fachada da unidade de saúde em que a garota fez o aborto se tornou palco de religiosos que protestaram contra a ação. Horas depois, outros grupos chegaram ao local para defender o direito da criança ao aborto.

O Código Penal brasileiro permite a interrupção da gravidez, com o consentimento da gestante, em casos de estupro e quando há risco à vida da mulher. A Justiça havia autorizado o aborto da garota do Espírito Santo — a menina tinha dito que não queria ter o bebê e foi apoiada por parentes.

Entretanto, movimentos intitulados pró-vida e militantes bolsonaristas tentaram impedir o aborto por meio dos protestos e medida na Justiça, sob o argumento de que estariam tentando proteger duas vidas: a da gestante e a do filho. A iniciativa, porém, foi em vão. A garota conseguiu abortar, conforme assegurado pela Lei.

Para Melania, a tentativa de impedir o aborto da garota causa "perplexidade, espanto, indignação e revolta".

Os riscos da gestação na infância

Uma gravidez aos 10 anos é considerada extremamente arriscada. Especialistas apontam que há, aproximadamente, quatro vezes mais chances de mortes entre grávidas adolescentes, com 15 anos ou menos, do que entre as mais velhas.

Um estudo publicado no American Journal of Obstetrics and Gynaecology, feito com jovens gestantes na América Latina, apontou que as grávidas com 15 anos ou menos têm mais propensão a desenvolver anemia grave, riscos elevados de hemorragia pós-parto e os bebês podem nascer pequenos, em comparação ao período gestacional, e há mais chances de morte neonatal precoce.

Melania ressalta que a gravidez entre jovens de 10 a 15 anos tem riscos elevados de pré-eclâmpsia — aumento da pressão arterial, em geral acompanhada de excesso de proteína na urina — e de eclâmpsia — convulsões recorrentes.

"Além disso, também existem complicações na gravidez, porque os bebês dessas meninas podem não ganhar peso. Há restrição de crescimento (em razão da estrutura corporal da garota) e, por isso, muitos nascem prematuros", diz a médica.

Ela pontua que uma situação que faz com que gestações de garotas de 10 a 13 anos sejam ainda mais arriscadas é o fato de elas estarem em fase de desenvolvimento.

"O corpo e os órgãos internos delas ainda não estão desenvolvidos. Elas não têm, por exemplo, a bacia completamente formada e isso impede a progressão do trabalho de parto", relata.

A especialista afirma que o aborto legal é muito mais seguro, para essas meninas, do que o parto.

"O parto traz riscos para qualquer mulher, em qualquer fase. Para uma garota, é ainda mais perigoso. Grave mesmo seria um aborto inseguro, que a mulher teria que fazer na clandestinidade", diz.

"O aborto em casos legais, com acompanhamento médico, é muito mais seguro que o parto. É muito diferente expulsar um concepto ou um feto de pouco mais de 500 gramas ou menos do que um bebê de três quilos ou mais", declara.

A médica conta que em alguns países africanos, onde até algum tempo ainda era permitido o casamento infantil, eram frequentes os casos de garotas com fístula (ferimento interno) entre a bexiga e a vagina. "Elas engravidavam e tinham o parto sem assistência ou com assistência sem acesso à cesárea. O bebê saía rasgando tudo e dilacerava a vagina, a bexiga e ficava vazando urina pela vagina durante muito tempo, após o parto", diz.

Mulher grávida apoiada em cercaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEspecialista alerta que órgãos e o corpo da adolescente ainda estão em formação e isso pode causar graves dificuldades durante a gravidez

As sequelas

Melania já trabalhou em serviços de atendimento a casos de violência sexual. A ginecologista conta ter acompanhado vítimas de diversas idades: de seis meses de vida a 92 anos de idade. "Não há idade que nos protege do estupro. Nós, mulheres, não estamos protegidas em nenhuma faixa etária", lamenta.

"Quando é muito criança, não engravida. Mas muitos abusos começam nessa fase e vão até o período em que a garota começa a ovular e, infelizmente, resulta na gravidez", diz. O caso da garota do Espírito Santo é semelhante a muitos que a médica acompanhou: a menina era estuprada pelo tio — que está foragido — havia quatro anos e engravidou aos 10.

Nem todos os casos de gravidez terminam em aborto. A médica relata que algumas jovens vítimas de estupro chegam ao hospital pouco antes de seus filhos nascerem. "Muitas meninas não sabem que têm direito ao aborto previsto em Lei. Para elas, não se trata de uma opção."

A médica relembra o primeiro caso de morte materna que acompanhou na vida. Melania tinha 17 anos e estava no início da faculdade de Medicina.

"Era uma menina de 13 anos, que morreu por causa de um aborto inseguro. E o mais triste é que ela tinha direito ao aborto legal", diz.

Ao longo das três décadas como médica, Melania já presenciou diversas situações com jovens grávidas.

"Já atendi a casos de gestantes de 10 anos com eclâmpsia, que tiveram de ser intubadas na UTI, após quase morrerem em decorrência de graves crises convulsivas", diz. "Nenhuma das que acompanhei morreu. Mas o risco de morte em casos de eclâmpsia é elevado, por isso é uma situação de risco", declara.

Jovem grávida sentada em sofá, com roupinhas de bebê estendidas no móvelDireito de imagemMARCELLO CASAL JR./ABR
Image caption'O parto traz riscos para qualquer mulher, em qualquer fase. Para uma garota, é ainda mais perigoso', diz a médica Melania Amorim

Uma das situações que mais marcaram a carreira de Melania foi no início dos anos 90, quando ela tinha poucos anos de formada. Uma adolescente de 13 anos com paralisia cerebral foi vítima de estupro. A garota era tetraplégica e respirava por meio de ventilação mecânica.

"A mãe lavava roupa para sobreviver e deixava a filha tomando sol, em frente à casa em que moravam. Estupraram essa garota e ela engravidou. Quando chegou ao hospital, ninguém estava disposto a interromper a gravidez dela, porque se diziam contra o aborto", diz.

"Eu, uma recém-formada, fui chamada, porque ninguém queria se responsabilizar por aquela intervenção. Eu era muito jovem. Olhei para a menina, li o prontuário e fiz ali, sozinha, minha primeira interrupção de gravidez. Em meio à solidão, administrei os medicamentos e esperei a expulsão, para depois fazer a curetagem. Fiz aquilo porque tinha a plena convicção de que estava salvando a vida daquela criança e que aquilo era um direito de uma vítima de estupro", relata, com a voz embargada. "Até hoje isso me emociona", revela.

O caso do Espírito Santo

Para Melania, o caso do Espírito Santo se diferencia dos que ela acompanhou ao longo da carreira em virtude da divulgação do nome da vítima e do hospital em que a criança faria o aborto.

"Esse aborto é previsto em Lei para casos assim e há o máximo rigor técnico e respeito ao sigilo e confidencialidade", pontua Melania.

A médica ressalta que faltou respeito ao sigilo de identidade no caso da garota do Espírito Santo. "Essa divulgação precisa ser investigada. É uma situação muito grave. Como a Sara Winter chegou a esses dados?", questiona.

Juristas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a divulgação das informações de uma criança, sem a autorização dos responsáveis, pode ser considerada criminosa, segundo o Código Penal e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Melania critica também a demora para que o aborto da criança fosse feito. Após autorização da Vara de Infância e Juventude de São Mateus, no Espírito Santo, a menina deu entrada na ala de atendimento a vítimas de violência sexual de um hospital estadual de Vitória, mas voltou para casa porque os médicos se recusaram a realizar o procedimento, sob a alegação de que a gravidez, de 22 semanas e quatro dias, estava avançada.

A secretaria estadual de Saúde do Espírito Santo recorreu a uma unidade de saúde de Recife, onde a criança fez o aborto, acompanhada pela avó.

"Qualquer serviço que atenda grávidas tem obrigação de realizar o aborto. É previsto em Lei. Não há necessidade de alvará judicial ou delongas. Ficaram esperando uma autorização judicial no Espírito Santo e quando chegou, alegaram que a gravidez estava avançada. Avançou porque esperaram muito tempo. Não deveria ter sido assim", assevera a médica.

A garota passa bem após o aborto, informaram representantes do hospital de Recife.

Para Melania, é fundamental que a menina, assim como todas as outras vítimas de abuso sexual, receba cuidados psicológicos.

"O estupro deixa marcas para sempre. Essas meninas chegam ao hospital traumatizadas. Elas são meninas, não mães. Não querem o fruto da violência em seus ventres. Se receberem todo o apoio, poderão ter seus planos e dignidade recuperados", diz.

Depois de décadas acompanhando vítimas de violência sexual, Melania viu muitas situações que a entristeceram. No entanto, ela conta que não perde o sentimento de revolta a cada novo caso que acompanha.

"A gente pensa que depois de tantos anos na área, vai se acostumar. Mas cada caso, como o dessa garota, causa um misto de sentimentos ruins. Neste caso da criança do Espírito Santo, a revolta não é só pelo estupro e pela gravidez, mas também porque a menina foi violada por anos e sofreu uma nova violação da sociedade, ao tentar tirar dela o direito ao aborto", afirma.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 15 de agosto de 2020

ENQUETE: Quem fez mais pela saúde de Bom Jardim nos últimos 8 anos?



Neste ano 2020 serão realizadas eleições  para escolha de vereadores e prefeitos de todo Brasil.
No município do Bom Jardim-PE, João Lira e Miguel Barbosa, são pré-candidatos. No passado foram aliados. Hoje, adversários. Os dois governaram Bom Jardim nos últimos 8 anos. 
O que fizeram pela saúde do povo de Bom Jardim? O que prometeram e realizaram? O que prometeram e não foi realizado?  O que não fizeram pela saúde? 
Miguel enfrentou a Chikungunya transmitido por picadas do Aedes Aegypti. João Lira enfrenta o coronavírus.
Quem merece seu apoio e confiança pelo desempenho e atenção dada na saúde do povo bonjardinense? Reflita e responda quem fez mais pela saúde de Bom Jardim nos últimos 8 anos? Quem fez melhor pela saúde?


Dê sua opinião, faça sua avaliação, participe da ENQUETE da CIDADANIA promovida pelo Blog ProfessorEdgarBomJardim 
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Ministro do STJ manda Queiroz de volta à prisão; entenda o que acontece agora


Queiroz aparece sentado dando entrevistaDireito de imagemREPRODUÇÃO/YOUTUBE/SBT
Image captionFabrício Queiroz em entrevista ao SBT em dezembro de 2018; nova decisão do STJ levará ex-assessor de Flávio Bolsonaro de volta à cadeia

O ministro Superior Tribunal de Justiça (STJ) Felix Fischer derrubou a prisão domiciliar concedida a Fabrício Queiroz durante o plantão judicial. Com isso, o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro terá que voltar à cadeia.

A decisão também vale para a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, que esteve foragida da Justiça até o benefício da prisão domiciliar ser concedido pelo presidente do STJ, João Otávio de Noronha.

Ele havia decidido que Queiroz deveria cumprir a prisão preventiva em casa por estar em tratamento de câncer, o que o colocaria no grupo de risco da covid-19. Noronha também deu o benefício a Aguiar com o argumento de que ela seria a responsável por auxiliar o marido nos cuidados com sua saúde.

Queiroz e sua mulher são suspeitos de participar de um esquema de desvio de recursos do antigo gabinete de deputado estadual de Flávio Bolsonaro. Eles foram presos em 18 de junho por determinação do juiz Flavio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que viu indícios suficientes de que ambos estavam agindo para atrapalhar as investigações.

A íntegra da decisão de Felix Fischer que coloca os dois na cadeira não foi divulgada pelo STJ porque o caso está em segredo de Justiça, mas o sistema de acompanhamento processual da Corte indica que o ministro recusou o habeas corpus do casal e derrubou a liminar concedida por Noronha.

A decisão do presidente do STJ, embora tenha seguido a recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para concessão de prisão domiciliar a presos em grupo de risco, raramente é adotada na Corte, o que alimentou críticas de que ele teria agido para agradar o presidente Jair Bolsonaro — visando uma indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro, quando o ministro Celso de Mello se aposenta.

Agora, Queiroz e sua mulher ainda poderão tentar voltar à prisão domiciliar recorrendo da decisão de Fischer à Quinta Turma do STJ ou ao STF.

Além disso, outro habeas corpus que tenta derrubar totalmente a prisão preventiva já foi apresentado no STF e foi direcionado "por prevenção" ao ministro Gilmar Mendes, já que ele foi sorteado anteriormente para julgar outros recursos relacionados à mesma investigação.

Habeas corpus por causa da pandemia são raros no STF e no STJ

Considerando as jurisprudências do STJ e do STF, as chances do casal retornar à prisão domiciliar parecem pequenas.

Um painel no site do STF com estatísticas sobre as decisões da Corte relacionadas ao coronavírus indica que a maioria dos habeas corpus com esse argumento tem sido recusada.

O mesmo ocorre na Quinta Turma do STJ. Levantamento da BBC News Brasil por meio da ferramenta de buscas por jurisprudência da Corte mostrou que houve 115 decisões desse colegiado no primeiro semestre envolvendo pedidos de liberdade, de prisão domiciliar ou de progressão de pena que citavam os riscos de contágio por covid-19 como argumento. A grande maioria desses pedidos (112 ou 97,4% do total) foi recusada, e apenas 3 foram concedidos.

As decisões foram sempre unânimes, mostrando o forte alinhamento entre os integrantes da Quinta Turma — além de Felix Fischer, composta pelos ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Joel Ilan Paciornik e Ribeiro Dantas.

Na maioria dos casos, os ministros recusam os pedidos de relaxamento da prisão usando dois fundamentos: um argumento processual, de que a solicitação precisa primeiro ser submetida a instâncias inferiores do Judiciário; ou destacando que o preso não demonstrou estar em grupo de risco.

No entanto, há recusas mesmo para pessoas idosas ou com estado delicado de saúde, como uma detenta de 52 anos hipertensa e portadora de HIV, presa em Santa Catarina. Nesse caso, a decisão da Turma destaca que "a penitenciária em que está internada a paciente vem tomando as precauções necessárias em relação à possível contaminação pelo coronavírus e possui recursos para proporcionar o devido tratamento das enfermidades de que sofre a interna (hipertensão e HIV)".

Os três casos em que a Quinta Turma permitiu a saída da prisão apresentam aspectos diferentes do de Queiroz e não parecem servir como precedentes para a análise do seu recurso. Dois deles foram autorização de prisão domiciliar a mulheres com filhos menores de 12 anos. Essas decisões, embora citem também o contexto de pandemia para conceder o benefício, seguem principalmente uma determinação do STF de 2018, em que ficou estabelecido que mães com filhos pequenos devem prioritariamente ficar presas em casa, perto das crianças.

A terceira decisão liberou um homem de pagar fiança de R$ 3 mil para que pudesse deixar a prisão, após ser detido por ter cometido uma contravenção penal (vias de fato) e ter resistido à ação policial. Os ministros entenderam que, devido à crise econômica causada pela pandemia, não é razoável manter uma pessoa presa apenas pelo não pagamento de fiança.

O ministro Felix Fischer de toga e sentado em sala de tribunalDireito de imagemLUCAS PRICKEN/STJ
Image captionFelix Fischer derrubou a prisão domiciliar concedida a Queiroz durante o plantão judicial

Entenda a investigação da 'rachadinha'

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) investiga Flávio Bolsonaro, Queiroz e outros ex-funcionários do antigo gabinete de deputado estadual do filho mais velho do presidente por um suposto esquema de rachadinha (desvio de parte dos salários dos assessores parlamentares).

Queiroz nega as acusações e diz que recolhia parte dos salários para conseguir contratar mais pessoas para atuar pelo mandato de Flávio no Estado do Rio de Janeiro. Já o hoje senador afirma que não tinha conhecimento do que seu ex-assessor fazia.

No mais recente desdobramento do caso, foi revelado que a mulher do presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, recebeu 27 depósitos de Queiroz e sua mulher que totalizam R$ 89 mil, entre 2011 e 2016.

A informação veio da quebra de sigilo fiscal e bancário do casal, autorizada pela Justiça.

Segundo reportagem da revista Crusoé de sexta-feira (07/08), a quebra de sigilo mostrou que Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016, somando R$ 72 mil. O jornal Folha de S.Paulo e o portal G1, por sua vez, descobriram também que a abertura das informações bancárias de Marcia Aguiar revelou mais seis cheques depositados por ela para a primeira-dama entre janeiro e junho de 2011, no valor total de R$ 17 mil.

Antes da quebra de sigilo do casal, sabia-se que Michelle tinha recebido R$ 24 mil de Queiroz. As novas informações contrariam versão do presidente sobre essa operação — Bolsonaro havia dito que o valor foi depositado para sua mulher como pagamento por um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. No entanto, a abertura dos dados bancários do amigo do presidente não mostram o recebimento desse empréstimo, segundo os veículos da imprensa que tiveram acesso à quebra de sigilo.

Até a noite de quinta-feira (13/08) o presidente e a primeira-dama não apresentaram qualquer esclarecimento sobre as novas informações sobre os depósitos.

A apuração do MP-RJ indica que Queiroz seria o operador do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro e aponta que ele teria feito até 2018 diversos pagamentos em dinheiro vivo de contas do então deputado estadual, como boletos de plano de saúde da família e mensalidades escolares de suas duas filhas. Em entrevista ao jornal O Globo publicada na semana passada (05/08), Flávio reconheceu pela primeira vez que Queiroz pagava contas suas, mas negou ilegalidades.

"Pode ser que, por ventura eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?", justificou o senador.

Ao término da investigação, Queiroz e Flávio podem vir a ser denunciados pelos crimes de peculato (desvio de recurso público), lavagem de dinheiro e organização criminosa. No momento, porém, o caso está em suspenso à espera de uma definição do Supremo Tribunal Federal STF sobre se Flávio tem ou não direito a foro privilegiado.

Inicialmente, a investigação contra o hoje senador correu na primeira instância da Justiça do Rio, já que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado aos casos de crimes relacionados com o exercício do atual mandato político da pessoa investigada. Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu em junho que o hoje senador teria direito nesta investigação ao foro de deputado estadual, levando o caso para a segunda instância judicial.

O Ministério Público, então, recorreu da decisão do TJ-RJ ao STF e o caso está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ele aguarda a manifestação da PGR sobre o recurso para pautar seu julgamento na Segunda Turma do Supremo. Decisões anteriores do STF sobre foro privilegiado indicam que a Corte deve derrubar a decisão do TJ-RJ e retornar o caso para a primeira instância, abrindo caminho para uma denúncia do MP contra Queiroz e Flávio Bolsonaro.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Coronavírus: como informações falsas sobre a pandemia mataram mais de 800 pessoas


Facebook, Twitter e aplicativos como o WhatsApp têm sido terreno fértil para informações falsas sobre covid-19Direito de imagemREUTERS
Image captionFacebook, Twitter e aplicativos como o WhatsApp têm sido terreno fértil para informações falsas sobre covid-19

Ao menos 800 pessoas morreram ao redor do mundo por causa de informações falsas relacionadas à pandemia de covid-19 nos três primeiros meses do ano, segundo pesquisadores.

Um estudo publicado no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene afirma que quase 5,8 mil pessoas deram entrada em hospitais por causa de informações falsas recebidas em redes sociais.

Muitas delas morreram após ingerir metanol ou produtos de limpeza à base de álcool por acreditarem erroneamente que esses produtos eram a cura para o vírus.

Os pesquisadores analisaram 2.311 registros de boatos, estigmas e teorias conspiratórias em 25 línguas em 87 países. Quase 25% eram ligados à doença, transmissão e mortalidade e 21%, a tratamentos e curas que não funcionam.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse anteriormente que a “infodemia” em torno do novo coronavírus se espalha tão rápido quanto o vírus em si, com teorias conspiratórias, boatos e estigmas que contribuem para mortes e lesões.

Informações falsas custam vidas

Muitas das vítimas seguiram conselhos semelhantes a informações médicas confiáveis, como comer grandes quantidades de alho, urina de vaca ou ingerir grandes quantidades de vitaminas, com o objetivo de prevenir infecções.

Segundo os autores do estudo, todas essas atitudes acarretam implicações potencialmente graves para a saúde.

O artigo conclui que é responsabilidade de agências internacionais, governos e plataformas de redes sociais combater a “infodemia”. Empresas de tecnologia têm sido amplamente criticadas pela resposta demorada e insuficiente.

Leis para regular esses danos onlines devem demorar anos para surgir em países como o Reino Unido, por exemplo.

Grafite anti-5G em Nova York
Image captionGrafite anti-5G em Nova York

Uma investigação conduzida pela BBC sobre informações falsas ligadas à covid-19 apontou a relação de uma série de agressões, incêndios e mortes com desinformações sobre o vírus.

Boatos na internet levaram a ataques na Índia e envenenamento em massa no Irã. Engenheiros de telecomunicações foram ameaçados e atacados, e torres de transmissão foram incendiadas em diversos países, por causa de teorias conspiratórias contra a tecnologia 5G amplificadas em redes sociais.

Essas plataformas também ajudaram golpistas a ganharem dinheiro ao se aproveitarem da pandemia para vender promessas falsas de cura, algumas delas com produtos de limpeza diluídos.

Teorias conspiratórias ameaçam vacina contra covid-19

Em meio ao avanço dos estudos para descobrir uma vacina contra o novo coronavírus, há uma crescente campanha de desinformação de cidadãos anti-vacina para tentar convencer as pessoas a não se proteger com a imunização (caso um dia ela seja aprovada).

Apesar de iniciativas em redes sociais para remover essas informações, ou classificá-las como falsas, pesquisas de opinião nos Estados Unidos apontaram que 28% dos cidadãos acreditam que Bill Gates quer usar vacinas para implantar microchips nas pessoas.

Para médicos ouvidos pela equipe anti-desinformação da BBC, a busca por uma vacina eficaz e segura contra o coronavírus, e a eventual distribuição dela para imunização em massa, pode ser completamente abalada pela desinformação.

BBC



Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

O "judiciário" transparente que fomenta o racismo



A defesa do acusado vai pedir a nulidade do processo ‘pelo crime de racismo e evidente parcialidade da juíza’

A juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba (PR), proferiu uma sentença atrelando a raça de um suspeito a possíveis crimes de furtos e organização criminosa. Natan Vieira da Paz, de 48 anos, foi condenado a 14 anos e 2 meses de prisão, mas sua defesa quer anular a processo por causa de racismo.

Em um trecho da sentença condenatória, Zarpelon destaca: ““Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”.

Além de Vieira da Paz, outros oito suspeitos foram julgados e condenados no mesmo caso pela juíza.

A suspeita é de que o grupo integre uma organização criminosa que, entre os meses de janeiro de 2016 e julho de 2018, praticou furtos e “saidinhas” de banco nas praças Carlos Gomes, Rui Barbosa e Tiradentes, na região central de Curitiba (PR).

Eles teriam furtado mochilas, bolsas, carteiras e celulares.

A advogada de defesa de Vieira da Paz, Thayse Pozzobon, afirmou à reportagem de CartaCapital que pedirá a nulidade da sentença “pelo crime de racismo e evidente parcialidade da juíza”.

“Vou solicitar a nulidade às comissões de Igualdade Racial e Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil e também recorrer ao Conselho Nacional de Justiça e à Corregedoria”, afirmou.

“Independentemente do que está sendo apurado no processo, ela não tem o direito de avaliar a raça dele. Trata-se de um crime patrimonial e a lei deve se ater a isso. O que as circunstâncias de integrar uma organização criminosa ou praticar crimes têm a ver com a raça dele?”, questiona a advogada.

“Isso revela seu olhar parcial e um racismo latente que ainda temos que conviver em pleno século XXI”, criticou.

Pozzobon também mencionou o caso em um post em suas redes sociais, onde afirma que um julgamento que parte desta ótica está “maculado”.

“Um julgamento que parte dessa ótica está maculado. Fere não apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira. O Poder Judiciário tem o dever de não somente aplicar a lei, mas também, através de seus julgados, reduzir as desigualdades sociais e raciais. Ou seja, atenuar as injustiças, mas jamais produzi-las como fez a magistrada ao associar a cor da pele ao tipo penal”, avaliou.

O Tribunal Pará noticiou a prisão de Vieira da Paz em fevereiro de 2019, bem como de outros suspeitos de praticar o crime do “cavalo louco” em Curitiba, que é o furto na saída de agências bancárias.

Segundo a advogada de defesa, no momento, ele se encontra respondendo ao crime em liberdade pelo excesso de tempo de julgamento do crime.

Motoboy humilhado

Na semana passada, o entregador de aplicativo Matheus Pires Barbosa foi humilhado com injúrias racistas por um morador de um condomínio em Valinhos, interior de São Paulo, ao efetuar uma entrega. No vídeo que circulou nas redes sociais, é possível ver Mateus Almeida Prado, o morador, dizendo a Barbosa que ele tem “inveja” dos moradores do condomínio e de sua cor branca.


A defesa do motoboy apresentou, na segunda-feira 10, uma representação criminal por injúria racial contra o homem. De acordo com o advogado Márcio Santos Abreu, a defesa de Barbosa vai tentar provar que o agressor não estava em surto provocado pela esquizofrenia, como alegou o pai do rapaz.

OAB/PR manifesta repúdio

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná publicou uma nota de repúdio sobre o caso. No texto, a organização afirma que irá encaminhar o caso às autoridades do Poder Judiciário e do Ministério Público e solicitar um pedido de apuração e aplicação das sanções cabíveis, além de acompanhar o desenrolar dos fatos.

Veja a nota na íntegra:

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná, juntamente com suas comissões da Advocacia Criminal e da Igualdade Racial, vem a público manifestar seu veemente repúdio à fundamentação lançada em sentença da magistrada Inês Marchelek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, ao tecer considerações sobre a cor de um cidadão como algo negativo, na análise de sua conduta social. Na decisão, afirmou-se que referida pessoa seria “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”.

A afirmação é inaceitável e está na contramão do princípio constitucional da igualdade e da não discriminação. Cor e raça não definem caráter e jamais podem ser utilizadas para fundamentação de sentença, notadamente na dosimetria da pena.

A humanidade deve caminhar no sentido da eliminação de todos os preconceitos, notadamente os relacionados à origem, raça e cor, pois somente assim alcançaremos o ideal de uma sociedade livre, justa, fraterna, igualitária e solidária, estabelecido, na Constituição Federal, como um dos objetivos da República Federativa do Brasil.

A cultura de séculos de opressão, que vem desde o sequestro violento de negros na África para exploração de suas vidas Brasil, com a violação repetida e sistemática de seus mais fundamentais direitos, é narrada em incontáveis publicações científicas atestando as consequências terríveis que geram na Justiça Criminal.

A OAB-PR comunica que, na condição de defensora intransigente das garantias fundamentais, está encaminhando às autoridades do Poder Judiciário e do Ministério Público pedido de apuração e aplicação das sanções que o caso reclama e que acompanhará todo o desenrolar desses fatos.


Com informações de Carta Capital

Professor Edgar Bom Jardim - PE