Um menino de 14 anos foi morto a tiros dentro de casa em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, durante uma operação contra tráfico de drogas das polícias Civil e Federal na última segunda-feira (18).
João Pedro Matos Pinto se tornou pelo menos a quarta pessoa com menos de 14 anos a morrer num contexto de operação policial no último ano, desde maio de 2019.
- Policial aprende a ser autoritário na favela e submisso fora, diz ex-comandante da PM do Rio
- A indignação nos EUA pelo assassinato de jovem negro que se exercitava na rua
- Como a milícia ameaça as matas do Rio de Janeiro
Além dele também morreram nesse período Ágatha Félix, de 8 anos, Kauê Ribeiro dos Santos, de 12 anos, Kauan Rosário, de 11 anos, segundo levantamento da ONG Rio de Paz com base em casos relatados na imprensa.
Esses são apenas os casos no último ano. No total, a ONG contabiliza 69 casos de crianças vitimadas por arma de fogo em contexto de violência no Rio de Janeiro desde 2007 — muitos deles ocorridos durante operações policiais.
Apenas um desses casos resultou numa denúncia do Ministério Público, o de Ágatha Félix. A BBC News Brasil relata abaixo as circunstâncias dessas mortes de crianças e adolescentes e o que aconteceu depois em cada caso.
A Polícia Militar, que atuava em grande parte dessas situações, não respondeu sobre os casos individualmente.
Disse, em nota, que "lamenta a morte de vítimas inocentes ocorridas no Estado como resultado de ações criminosas". Afirmou ainda que muitas vezes policiais são recebidos a tiros e apenas revidam — essa costuma ser a versão da corporação quando há mortes em operações. "O comando da Corporação repudia qualquer tentativa de prejulgamentos contra policiais militares que atuam, dia após dia, em defesa da sociedade, muitas vezes perdendo a própria vida", conclui.
João Pedro Matos Pinto, 14 anos, 18/5/2020
João Pedro foi morto dentro de casa, no complexo de favelas do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio.
As polícias Civil e Federal faziam uma operação no local para cumprir dois mandados de prisão. Parentes e amigos de João Pedro que estavam presentes no momento de sua morte dizem que agentes entraram na casa atirando e balearam o menino. A versão da polícia é de que houve confronto e o menino foi atingido. Depois, ele foi levado até um helicóptero para ser socorrido, e a família, sem mais notícias, procurou por ele nos hospitais da região.
Seu corpo só foi localizado na manhã desta terça-feira (19) — estava no Instituto Médico Legal (IML) de São Gonçalo.
Em nota, a Polícia Civil disse que, "durante a ação, seguranças dos traficantes tentaram fugir pulando o muro de uma casa. Eles dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes. No local foram apreendidas granadas e uma pistola".
E acrescentou que a Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) instaurou inquérito para apurar a morte.
A Polícia Federal disse que reitera o que afirmou a Polícia Civil.
Já a Polícia Militar declarou ter dado apoio aéreo à operação e não ter sido solicitada para realizar o socorro de pessoas feridas durante a ação.
Ágatha Félix, 8 anos, 20/09/2019
A menina de oito anos foi atingida por tiros nas costas enquanto estava dentro de uma kombi, no Complexo do Alemão, conjunto de favelas na zona norte do Rio.
De acordo com denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o policial militar Rodrigo José de Matos Soares estava em serviço quando atirou de fuzil contra duas pessoas que estavam em uma moto por achar que se tratavam de integrantes do tráfico de drogas local.
O PM errou a mira. Um dos projéteis, segundo a denúncia, ricocheteou num poste de concreto, "sendo certo que um desses fragmentos teve sua trajetória alterada, vindo a atingir a criança Ágatha Vitória Sales Felix", diz o documento.
O MPRJ denunciou Rodrigo José de Matos Soares por homicídio qualificado. Se for condenado, o policial poderá pegar pena de 12 a 30 anos de prisão.
Kauê Ribeiro, 12 anos, 8/09/2019
O menino morreu na favela da Chica, no Complexo do Chapadão, na zona norte do Rio de Janeiro.
Moradores disseram na época que ele estava subindo a favela com um amigo quando foi baleado na cabeça por policiais.
A polícia não respondeu ao questionamento da reportagem sobre o caso. No entanto, quando aconteceu a morte de Kauê, afirmou a veículos de comunicação que havia ido ao Chapadão para verificar uma denúncia de roubo de carga e foi recebida a tiros.
Em novembro de 2019, a Polícia Civil disse à BBC News Brasil que o caso havia sido registrado na 27ª DP (Vicente de Carvalho) e remetido a 31ª DP (Ricardo de Albuquerque). Agora afirma que ele foi enviado à Justiça. Ainda não houve denúncia.
Kauã Vítor Nunes Rozário, 11 anos, 10/05/2019
Kauã foi baleado por um tiro durante confronto entre policiais militares e suspeitos no bairro de Bangu, zona oeste Rio.
O menino chegou a passar uma semana internado no Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, também na zona oeste, mas não resistiu.
A polícia não respondeu ao questionamento da BBC News Brasil sobre o caso.
Segundo relatos da imprensa da época, a corporação afirmou que agentes faziam um patrulhamento de rotina quando foram atacados e revidaram.
Em novembro de 2019, a Polícia Civil disse que o caso havia sido registrado na 34°DP (Bangu) e que a investigação estava em andamento. Não informou, até a publicação deste texto, se houve algum avanço desde então.