quarta-feira, 13 de maio de 2020

Muito além da princesa Isabel, 6 brasileiros que lutaram pelo fim da escravidão no Brasil



Ilustração brasileiros que lutaram contra a aboliçãoDireito de imagemANDRÉ VALENTE | BBC BRASIL
Image captionBatalha pela abolição já ocorria nas províncias brasileiras anos antes da assinatura da Lei Áurea, e reunia escravos, negros libertos, pessoas da classe média e da alta sociedade
O fim da escravidão no Brasil completa 132 anos em 13 de maio deste ano. Em 1888, a princesa Isabel, filha do imperador do Brasil Pedro 2º, assinou a Lei Áurea, decretando a abolição - sem nenhuma medida de compensação ou apoio aos ex-escravos.
A decisão veio após mais de três séculos de escravidão, que resultaram em 4,9 milhões de africanos traficados para o Brasil, sendo que mais de 600 mil morreram no caminho.
Mas a abolição no Brasil está longe de ter sido uma benevolência da monarquia. Na verdade, foi resultado de diversos fatores, entre eles, o crescimento do movimento abolicionista na década de 1880, cuja força não podia mais ser contida.
Entre as formas de resistência, estavam grandes embates parlamentares, manifestações artísticas, até revoltas e fugas massivas de escravos, que a polícia e o Exército não conseguiam - e, a partir de certo ponto, não queriam - reprimir. Em 1884, quatro anos antes do Brasil, os Estados do Ceará e do Amazonas acabaram com a escravidão, dando ainda mais força para o movimento.
A disputa continuou no pós-libertação, para que novas políticas fossem criadas destinando terras e indenizações aos ex-escravos - o que nunca ocorreu.
Conheça abaixo as histórias de seis brasileiros protagonistas na luta pelo fim da escravidão:

Luís Gama, o ex-escravo que se tornou advogado

Luís Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 1830, em Salvador, filho de mãe africana livre e pai branco de origem portuguesa. Quando o menino tinha quatro anos, sua mãe, Luísa, teria participado revolta dos Malês, na Bahia, pelo fim da escravidão.
Uma reviravolta ocorreu quando Gama tinha dez anos: ficou sob cuidados de um amigo do pai, que o vendeu como escravo. O menino "embarcou livre em Salvador e desembarcou escravo no Rio de Janeiro", escreve a socióloga Angela Alonso no livro Flores, Votos e Balas, sobre o movimento abolicionista. Depois, foi levado para São Paulo, onde trabalhou como escravo doméstico. "Aprendi a copeiro, sapateiro, a lavar e a engomar roupa e a costurar", escreveu o baiano.
Retrato de Luís Gama, o ex-escravo que se tornou advogado de escravosDireito de imagemACERVO BIBLIOTECA NACIONAL - BRASIL
Image captionCalcula-se que Luís Gama tenha ajudado a libertar cerca de 500 escravos
Aos 17 anos, Gama aprendeu a ler e escrever com um estudante de direito. E reivindicou sua liberdade ao seu proprietário, afinal, nascera livre, livre era.
Em São Paulo, Gama se tornou rábula (advogado autodidata, sem diploma) e criou uma nova forma de ativismo abolicionista: entrava com ações na Justiça para libertar escravos. Calcula-se que tenha ajudado a conseguir a liberdade de cerca de 500 pessoas.
Gama usava diversos argumentos para obter a alforria. O principal deles era que os africanos trazidos ao Brasil depois de 1831 tinham sido escravizados ilegalmente. Isso porque naquele ano foi assinado um tratado de proibição do tráfico de escravos. Mais de 700 mil pessoas tinham entrado no país nessas condições. Apenas em 1850 o tráfico de escravos foi abolido definitivamente.
"As vozes dos abolicionistas têm posto em relevo um fato altamente criminoso e assaz defendido pelas nossas indignas autoridades. A maior parte dos escravos africanos (...) foram importados depois da lei proibitiva do tráfico promulgada em 1831", disse Gama na época.
O advogado ainda entrou com diversos pedidos de habeas corpus para soltar escravos que estavam presos, acusados, sobretudo, de fuga. Ainda trabalhou em ações de liberdade, quando o escravo fazia um pedido judicial para comprar sua própria alforria - o que passou a ser permitido em 1871, em um dos artigos da Lei do Ventre Livre.
Luís Gama morreu em 1882, sem ver a abolição. Seu funeral, em São Paulo, foi seguido por uma multidão. "Quanto galgara Luís Gama, de ex-escravo a morto ilustre, em cujo funeral todas as classes representavam-se. Comércio de porta fechada, bandeira a meio mastro, de tempos em tempos, um discurso; nas sacadas, debruçavam-se tapeçarias, como nas procissões da Semana Santa", relata Alonso.
Na hora do enterro, alguém gritou pedindo que a multidão jurasse sobre o corpo de Gama que não deixaria morrer a ideia pela qual ele combatera. E juraram todos.

Maria Tomásia Figueira Lima, a aristocrata que lutou para adiantar a abolição no Ceará

Filha de uma família tradicional de Sobral (CE), Maria Tomásia foi para Fortaleza depois de se casar com o abolicionista Francisco de Paula de Oliveira Lima. Na capital, tornou-se uma das principais articuladoras do movimento que levou o Estado a decretar a libertação dos escravos quatro anos antes da Lei Áurea.
Segundo o Dicionário de Mulheres do Brasil, ela foi cofundadora e a primeira presidente da Sociedade das Cearenses Libertadoras que, em 1882, reunia 22 mulheres de famílias influentes para argumentar a favor da abolição.
Ao fim de sua primeira reunião, elas mesmas assinaram 12 cartas de alforria e, em seguida, conseguiram que senhores de engenho assinassem mais 72.
As mulheres conseguiram, inclusive, o apoio financeiro do imperador Pedro 2º para a iniciativa. Juntamente com outras sociedades abolicionistas da época, elas organizaram reuniões abertas com a população, promoviam a libertação de escravos em municípios do interior do Ceará e publicavam textos nos jornais pedindo a abolição em toda a província.
Maria Tomásia estava presente na Assembleia Legislativa no dia 25 de março de 1884, quando foi realizado o ato oficial de libertação dos escravos do Ceará, que deu força à campanha abolicionista no país.
Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará, em 1884; há homens e mulheres dentro do ParlamentoDireito de imagemACERVO BIBLIOTECA NACIONAL - BRASIL
Image captionNessa pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará, em 1884, é possível ver diversas mulheres entre os homens

André Rebouças, o engenheiro que queria dar terras aos libertos

André Rebouças nasceu na Bahia, em 1838, em uma família negra, livre, e incluída na sociedade imperial. Quando jovem, estudou engenharia e começou a trabalhar na área. Foi responsável por diversas obras de engenharia importantes no país, como a estrada de ferro que liga Curitiba ao porto de Paranaguá. Conquistou posição social e respeito na corte. A Avenida Rebouças, importante via em São Paulo, é uma homenagem a André e a seu irmão Antonio, também engenheiro.
Em uma das obras de que participou, outro engenheiro pediu que Rebouças libertasse o escravo Chico, que era operário e tinha sido responsável pelos trabalhos hidráulicos. "Foi quando sua atenção recaiu sobre o assunto", escreve Angela Alonso, também em Flores, Votos e Balas. Chico foi, então, libertado.
"Sou abolicionista de coração. Não me acusa a consciência ter deixado uma só ocasião de fazer propaganda para a abolição dos escravos, e espero em Deus não morrer sem ter dado ao meu país as mais exuberantes provas da minha dedicação à santa causa da emancipação", discursou certa vez Rebouças, na presença do imperador Pedro 2º.
Retrato de André RebouçasDireito de imagemMUSEU AFRO BRASIL
Image captionAndré Rebouças era adepto de uma reforma agrária que concedesse terras para os ex-escravos
Na década de 1870, Rebouças se engajou na campanha pelo fim da escravidão. Participou de diversas sociedades abolicionistas e acabou se tornando um dos principais articuladores do movimento. Um de seus papéis foi fazer lobby - uma ponte entre os abolicionistas da elite e as instituições políticas, para quem executava obras de engenharia.
As ideias de Rebouças incluíam não apenas o fim da escravidão. Ele propunha que os libertos tivessem acesso à terra e a direitos, para serem integrados, não marginalizados. "É preciso dar terra ao negro. A escravidão é um crime. O latifúndio é uma atrocidade. (...) Não há comunismo na minha nacionalização do solo. É pura e simplesmente democracia rural", proclamou Rebouças.
O engenheiro também se opunha ao pagamento de indenização para os senhores de escravos em troca da liberdade - para Rebouças, isso seria uma forma de validar que uma pessoa fosse propriedade da outra.
Apoiador da monarquia e da família real brasileira, Rebouças foi ainda um dos responsáveis pela exaltação da Princesa Isabel como patrona da abolição.

Adelina, a charuteira que atuava como 'espiã'

Filha bastarda e escrava do próprio pai, Adelina passou a vender charutos que ele produzia nas ruas e estabelecimentos comerciais de São Luís (MA). Suas datas de nascimento e morte não são conhecidas. Seu sobrenome, também não.
Como escrava criada na casa grande, Adelina aprendeu a ler e escrever. Trabalhando nas ruas, assistia a discursos de abolicionistas e decidiu se envolver na causa.
Ilustração AdelinaDireito de imagemANDRÉ VALENTE | BBC BRASIL
Image captionComo não há registros fotográficos de Adelina, a charuteira, ilustração foi baseada em fotografias de escravas minas que viviam no Maranhão na época
De acordo com o Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, de Clóvis Moura (Edusp), Adelina enviava à associação Clube dos Mortos - que escondia escravos e promovia sua fuga - informações que conseguia sobre ações policiais e estratégias dos escravistas.
Aos 17 anos, Adelina seria alforriada, segundo a promessa que seu senhor fez a sua mãe. Mas, segundo o Dicionário, isso não aconteceu.

Dragão do Mar, o jangadeiro que se recusou a transportar escravos para os navios

O jangadeiro e prático (condutor de embarcações) Francisco José do Nascimento (1839-1914), um homem pardo conhecido como Dragão do Mar, foi membro do Movimento Abolicionista Cearense, um dos principais da província, a primeira do Brasil a abolir a escravidão.
Em 1881, o Dragão do Mar comandou, em Fortaleza, uma greve de jangadeiros que transportavam os negros e negras escravizados para navios que iriam para outros Estados do Nordeste e para o Sul do Brasil. O movimento conseguiu paralisar o tráfico negreiro por alguns dias.
Ilustração Dragão do MarDireito de imagemANDRÉ VALENTE | BBC BRASIL
Image captionFrancisco José do Nascimento se recusou a transportar escravos das praias de Fortaleza para navios negreiros
Com o comércio de escravizados impedido nas praias do Ceará, Nascimento foi exonerado do cargo, segundo o registro de Clóvis Moura. E se tornou símbolo da batalha pela libertação dos escravos.
Depois da abolição, ele tornou-se Major Ajudante de Ordens do Secretário Geral do Comando Superior da Guarda Nacional do Estado do Ceará e morreu como primeiro-tenente honorário da Armada, em 1914.

Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora abolicionista

A maranhense Maria Firmina (1825-1917) era negra e livre, "filha bastarda", mas formou-se professora primária e publicou, em 1859, o que é considerado por alguns historiadores o primeiro romance abolicionista do Brasil, Úrsula. O livro conta a história de um triângulo amoroso, mas três dos principais personagens são negros que questionam o sistema escravocrata.
A escritora assinava o livro apenas como "Uma maranhense", um expediente comum entre mulheres da época que se aventuravam no mercado editorial, e só agora começa a ser descoberto pelas universidades, segundo a professora de literatura brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Constância Lima Duarte.
Ilustração Maria FirminaDireito de imagemANDRÉ VALENTE | BBC BRASIL
Image captionRomance de Maria Firmina dos Reis é considerado o primeiro a trazer o ponto de vista de personagens negros no Brasil escravocrata
Maria Firmina também publicava contos, poemas e artigos sobre a escravidão em revistas de denúncia no Maranhão.
De acordo com o Dicionário de Mulheres do Brasil: de 1500 Até a Atualidade (Ed. Zahar), ela criou, aos 55 anos de idade, uma escola gratuita e mista para crianças pobres, na qual lecionava. Maria Firmina morreu aos 92 anos, na casa de uma amiga que havia sido escrava.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Medo do Brasil: 'É a principal ameaça’. Situação de pandemia no Brasil gera temor em vizinhos na América do Sul




jornal paraguaio Ultima HoraDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionJornal paraguaio reproduziu declaração de presidente do país

Com mais de 11 mil mortes por coronavírus e a maior taxa de letalidade por covid-19 na América do Sul, o Brasil virou motivo de grande preocupação e temor nos países vizinhos — levando aliados do presidente Jair Bolsonaro a colocar a afinidade política de lado e adversários na região a intensificar suas críticas ao líder brasileiro.
Assim que registrou os primeiros casos da doença, no início de março, o governo do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, simpatizante de Bolsonaro, fechou as fronteiras com o Brasil. Militares paraguaios foram enviados para a região fronteiriça para impedir a entrada de automóveis e ônibus de excursões de compradores brasileiros no lado paraguaio. Além de arame farpado, foram construídas valas para impedir o trânsito do Brasil para seu vizinho, em Pedro Juan Caballero, um dos pontos fronteiriços.
Falando à BBC News Brasil de Ciudad del Este, um dos principais elos na fronteira entre os dois países, o vice-ministro de Atenção Integral à Saúde e Bem-Estar Social, Juan Carlos Portillo Romero, disse que a questão sanitária passou a ser a prioridade neste momento de pandemia. "Os dois governos, do Paraguai e do Brasil, têm muita afinidade, mas a nossa preocupação agora é com a saúde dos paraguaios. O Brasil é uma preocupação pelo número de casos, mas estamos tomando todas as medidas preventivas", disse o vice-ministro. Segundo ele, foi intensificado, na semana passada, o controle para a entrada de paraguaios que chegam do Brasil à terra natal.
"Além da quarentena, estamos fazendo testes para o coronavírus quando eles chegam e quando concluem o isolamento antes de viajarem para suas casas aqui no Paraguai. No nosso país, os casos da doença são importados, vieram de vários lugares, mas principalmente do Brasil", disse.
Oficialmente, o Paraguai, de cerca de 7 milhões de habitantes, registrou, na segunda-feira, um dos mais baixos índices da covid-19 na região, com 724 casos confirmados e dez mortes. "Com a quarentena, ganhamos tempo para preparar o sistema de saúde e fizemos dois hospitais de emergência, com 200 leitos, mas os hospitais estão vazios", afirmou.

Mario Abdo BenítezDireito de imagemEPA
Image captionO presidente do Paraguai Mario Abdo Benítez tem proximidade política à Bolsonaro

A apreensão com a situação no Brasil, o maior e mais populoso da América Latina, que faz fronteira com dez países, tem movimentado as altas esferas da política regional, além de ser citada, com frequência e em tom crítico, em programas de televisão nas nações vizinhas.
Na sexta-feira (8), o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, disse que não tem previsão para a reabertura das fronteiras e afirmou que o Brasil é "a principal ameaça" na luta contra a pandemia. "Com o que o Brasil está vivendo, não passa por nossa cabeça a reabertura das fronteiras, já que talvez seja um dos lugares (o Brasil) onde há maior circulação da covid-19 e isso é uma grande ameaça para nosso país", disse Abdo Benítez.
Na sexta-feira (8), a imprensa local informou que paraguaios faziam fila, inclusive no frio da noite, na Ponte da Amizade, entre Foz de Iguaçu e Ciudad del Este, esperando para entrar no país, onde são levados para albergues para a quarentena obrigatória. Muitos paraguaios trabalham no Brasil, principalmente em São Paulo, que registra altos índices da doença, o que contribui para a preocupação entre autoridades locais.
Fernando Masi, do Centro de Análises e Difusão da Economia Paraguaia (Cadep) Membro-Investigador, entende que o Paraguai não tinha outra alternativa. Que a saída para evitar a propagação da doença no país era fechar as fronteiras, disse pelo telefone, falando de Assunção. "Nosso sistema de saúde é muito deficiente. Uma epidemia do coronavírus aqui seria catastrófica. Quando o governo central enviou militares para a fronteira, políticos das cidades vizinhas do Brasil reclamaram porque dependem desse comércio de vendas para os brasileiros que chegam de ônibus de várias partes do país, mas a questão sanitária falou muito mais alto. Agora, vemos que foi positivo", disse Masi.
Historicamente apontado como locomotiva econômica - e às vezes até política - da região, o Brasil hoje, pela situação da pandemia e estilo político do presidente Bolsonaro,tem gerado distanciamento ou cautela por parte de alguns vizinhos. "Politicamente, percebemos uma hegemonia dura por parte do governo Bolsonaro. Muito diferente da linha que era exercida, por exemplo, na época do ex-presidente Lula, apesar de, no atual governo brasileiro, muitas das obras que estavam paradas terem sido retomadas", disse Masi.

Argentina


Mulher com máscara e bebê na Villa 31, um dos bairros mais afetados pela pandemia em Buenos AiresDireito de imagemEPA/JUAN IGNACIO RONCORONI
Image captionNa Argentina, fronteiras com o Brasil e outros países continuam quase totalmente fechadas

Na Argentina, por sua vez, as fronteiras com o Brasil e outros países continuam quase totalmente fechadas e, além disso, quase todos os voos permanecem suspensos.
A cidade de Paso de los Libres, na província de Corrientes, ao lado do território brasileiro, é o único ponto habilitado para o trânsito entre os dois países. Foi o primeiro lugar argentino a implementar a exigência do uso de máscaras e onde é realizado controle médico "rigoroso". Os que passam por ali, segundo o jornal La Nación, de Buenos Aires, são obrigados a seguir direto e sem paradas ao seu local de destino — onde terá de cumprir quarentena.
Em março, a prefeitura de Paso de los Libres determinou que os argentinos que tinham viajado para o Brasil e voltavam para a Argentina evitassem passar pela cidade, buscando caminhos alternativos para seguir a viagem. "O trânsito foi fechado para cerca de seis mil argentinos que voltavam do Brasil", informou a imprensa local, na ocasião, atribuindo o fato ao âmbito da pandemia.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse que o Brasil é um mau exemplo no combate à covid-19. Inimigo político de Bolsonaro, ele trocou farpas com seu colega brasileiro até pouco antes da pandemia; ambos jamais conversaram, segundo informação oficial.
"Os que (deram prioridade à atividade econômica) acabaram juntando mortos em caminhões frigoríficos e enterrando (corpos) em fossas comuns", disse Fernández recentemente à rádio Con Vos. Assessores do governo argentino disseram à BBC News Brasil que as declarações foram "sem dúvida" uma crítica ao presidente Bolsonaro. Fernández disse ainda, durante entrevista coletiva na sexta-feira (8), que preferiria que uma fábrica estivesse vazia porque seus trabalhadores estão em quarentena do que saber que a ausência teria ocorrido por eles terem adoecido ou morrido (pelo novo coronavírus).
O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, seguiu a mesma linha, dizendo que o Brasil "escolheu manter a economia em marcha e assumiu um risco enorme. Nós optamos por não colocar a vida dos argentinos em risco".

O presidente da Argentina Alberto FernándezDireito de imagemREUTERS
Image captionO presidente da Argentina Alberto Fernández não tem alinhamento político com Bolsonaro

A postura argentina levou o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Sergio Danese, a escrever um artigo no La Nación, em abril, dizendo que os argentinos estavam sendo induzidos "a um medo extra nesta temporada global de medos: de que o Brasil supostamente 'não faz nada' em relação ao vírus Sars-CoV-2... e que representaria uma ameaça sanitária para a Argentina". Para ele, este é um erro já que o país, escreveu, vem adotando medidas contra o novo coronavírus e era cedo para dizer que algum país já controlou o avanço da doença.
Na segunda-feira (11/05), a Argentina, que tem cerca de 40 milhões de habitantes, registrava 6.021 casos da doença e 305 mortes. Quase diariamente, emissoras de televisão locais, como a América TV, comparam os dados da Argentina e do Brasil, mostrando que a doença disparou no território brasileiro. O Brasil, disseram, "sem liderança clara neste combate e sem uma linha uniforme" contra a doença.
Para o professor de relações econômicas internacionais Raul Ochoa, da Universidade Tres de Febrero (Untref), de Buenos Aires, a pandemia passará a exigir maior controle sanitário dos produtos comercializados entre os dois países, de um lado e de outro da fronteira para evitar a expansão do vírus. "Vamos precisar de novos protocolos e de maior controle ainda. Mas para isso seria importante uma linha sanitária comum", disse Ochoa.
A preocupação com o incremento de casos da Covid-19 no Brasil inclui outros países que fazem fronteira com o território brasileiro, como Uruguai, Bolívia, Peru e Colômbia. Peru e Colômbia compartilham o rio Amazonas com o Brasil e estão atentos ao que vem ocorrendo em Manaus, onde a quantidade de mortes e a falta de leitos, de insumos e até de locais para sepultamentos têm sido uma das principais notícias na América do Sul.

Uruguai

Na semana passada, o secretário da Presidência do Uruguai, Álvaro Delgado, informou que o governo uruguaio está "preocupado" com a situação de algumas localidades na fronteira, principalmente do lado brasileiro. Ele disse que o presidente, Lacalle Pou, orientou todos os ministros a aumentarem a presença de suas equipes na região fronteiriça. Em algumas destas localidades, brasileiros e uruguaios compartilham trabalhos comuns, além das mesmas ruas, avenidas e até praças, como informou a agência de notícias EFE. País com pouco mais de três milhões de habitantes, o Uruguai contava, na segunda-feira, com 707 casos de coronavírus e 19 mortes.

Bolívia

A Bolívia fechou, em março, suas fronteiras terrestres e fluviais e suspendeu voos. A quarentena, iniciada há quase dois meses, seguirá até o dia 17 de maio nas grandes centros urbanos do país, como Santa Cruz de la Sierra, perto da fronteira com o Brasil e com maior número de casos de covid-19 no país. "Aqui, apesar dos fortes vínculos entre Santa Cruz e o lado brasileiro, a maior preocupação é com os contágios no nosso próprio país e não do território brasileiro. As fronteiras foram fechadas e só passam casos de emergência ou do comércio, e com muito controle", contou o jornalista Ronald Fessy, pelo telefone.
Em outro ponto da fronteira entre os dois países, em Guayaramerin, no departamento de Beni, com Guayará-Mirim, em Rondônia, a quarentena foi intensificada nas últimas horas com o registro dos primeiros casos da doença. Mas, ali também, segundo jornalistas do portal La Palabra del Beni, a preocupação é mais "interna" do que com os casos que poderiam chegar do Brasil.
De La Paz, o analista boliviano Javier Gómez, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário (Cedla, na sigla em espanhol), disse que a "preocupação" é com a extensa fronteira da Bolívia com o Brasil, o que torna o controle na fronteira complicado. "A situação no Brasil nos leva a pensar que talvez tenhamos mais casos da covid-19 do que os registrados e, principalmente, nas populações que moram ao lado do Brasil", disse Gómez. A Bolívia registra 2437 casos de coronavírus e 114 mortes.

Peru e Colômbia

No Peru, a Organização Regional de Povos Indígenas do Oriente (Orpio) destacou num comunicado, na semana passada, a vulnerabilidade dos povos indígenas da região de fronteira com o Brasil e a Colômbia. E comunicou que cinco indígenas ticuna faleceram por covid-19.
O médico Omar Montes, do centro de saúde de Bella Vista de Callarú, no Departamento de Loreto, na Amazônia peruana, disse à imprensa local que estima que os primeiros casos foram importados de Tabatinga, no Brasil, ou de Leticia, na Colômbia, na fronteira, onde moradores estiveram fazendo compras.
Líderes indígenas peruanos disseram, porém, que os casos na região amazônica ocorreram depois que muitos viajaram para outros pontos do país para retirar benefícios do governo central nesta pandemia e voltaram para as comunidades com o coronavírus.

Médico em Iquitos, na Amazônia peruanaDireito de imagemEPA/GINEBRA PENA
Image captionPaís com cerca de 32 milhões de habitantes, o Peru sofreu nos últimos dias uma escalada no número de coronavírus, com mais de 68 mil casos confirmados e 1961 mortes

País com cerca de 32 milhões de habitantes, o Peru sofreu nos últimos dias uma escalada no número de coronavírus, com mais de 68 mil casos confirmados e 1961 mortes.
O incremento estaria ligado, entre outros motivos, às dificuldades do cumprimento da quarentena, iniciada há quase dois meses, já que mais de 60% dos peruanos são trabalhadores informais e "se não trabalham não comem", disse, pelo telefone, o professor de economia Carlos Aquino, da Universidade San Marcos, de Lima.
Como no Peru, a preocupação na Colômbia em relação ao aumento de casos de coronavírus no Brasil reside, principalmente, na Amazônia colombiana, onde está Leticia. Na sexta-feira, a Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic) informou que 55 indígenas de diferentes povos indígenas tiveram resultado positivo para o novo coronavírus. E que seis morreram nos últimos dias.
De acordo com a organização, a situação passou a ser preocupante com o aumento de casos nos países vizinhos — Peru, Brasil, Equador e Venezuela. Com cerca de 49 milhões de habitantes, a Colômbia tinha, na segunda-feira, 11 mil casos confirmados e 463 mortes por covid-19.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Pernambuco:como Fernando de Noronha se tornou exemplo no combate à Covid-19




Praia do Porto de Santo Antônio, em Fernando de Noronha
Praia do Porto de Santo Antônio, em Fernando de NoronhaFoto: Divulgação
Um dos primeiros locais do Brasil a adotar medidas mais rígidas de isolamento social contra a Covid-19, o Arquipélago de Fernando de Noronha, localizado a 545 quilômetros do Recife, conseguiu zerar os casos da doença e se tornou exemplo no combate ao novo coronavírus. Ao todo, a Ilha registrou 28 infecções. Todos os pacientes foram curados e não houve nenhuma morte. O hospital de campanha montado na Escola Arquipélago esvaziou seus leitos.

O bom resultado do distrito pernambucano no combate à doença pode ser explicado pela adoção de medidas restritivas logo no início da doença, como a quarentena obrigatória - que terá início no próximo sábado (16) em cinco cidades da Região Metropolitana do Recife, conforme decreto do Governo de Pernambuco.

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Fernando de Noronha zera casos de Covid-19
Governo de Pernambuco decreta quarentena em Fernando de Noronha
O primeiro caso de infectado por Covid-19 em Fernando de Noronha foi confirmado no dia 27 de março, o de um funcionário do Aeroporto Wilson Campos, um homem de 48 anos. Nove dias depois, em 5 de abril, quando eram registrados apenas sete casos confirmados, a entrada na Ilha foi proibida para moradores e turistas. O acesso às praias também foi bloqueado, assim como as aulas nas escolas foram suspensas.

Em 20 de abril, a Administração deu início à quarentena obrigatória em Noronha. Apenas trabalhadores de serviços essenciais, como saúde e segurança, podiam seguir com suas atividades. Foi disponibilizado um formulário para autorização de circulação de pessoas por vias públicas. A essa altura, o balanço de infectados contabilizava 26 pacientes. Desde então, apenas mais dois casos foram confirmados, em 22 de abril.

Nos 16 dias seguintes, não houve mais nenhuma contaminação local e, finalmente, na última sexta-feira (8), os últimos dois pacientes apresentaram cura clínica, elevando a 100% a taxa de recuperação. Os últimos quatro casos ainda em investigação foram descartados no sábado (9).

Os resultados de Noronha são similares a de países insulares como Taiwan, Cingapura, Nova Zelândia e Austrália. Na Nova Zelândia, por exemplo, que aplicou mais de 37 mil testes por milhão de habitantes, houve apenas 1.492 infecções e 21 mortes. Em Taiwan, as autoridades contabilizam 440 casos e seis mortes.

O gráfico a seguir mostra a evolução dos casos de Covid-19 em Fernando de Noronha. É possível observar o achatamento da curva, algo tão pedido pelas autoridades de saúde.




Administrador fala sobre os resultados
Por ser uma ilha com população regular de aproximadamente 3,3 mil habitantes, Fernando de Noronha teve vantagem para vencer a Covid-19. Essa predisposição geográfica aliada às medidas tomadas de forma precoce e à obediência da população ajudaram nos resultados alcançados, como defende o administrador Guilherme Rocha. “O resultado se deu principalmente pelo respeito que a população teve por esse momento. No início sofremos muito, principalmente quando anunciamos o lockdown, afirmando que era uma medida rígida, mas necessária”, disse.

“Mostramos ao Brasil e ao mundo que o isolamento é o caminho correto. Fizemos e está aí o resultado: 100% de curados e nenhuma morte”, acrescentou Guilherme Rocha. O administrador ressalta que não houve nenhuma infecção em idosos e pessoas com comorbidades, integrantes do grupo de risco da Covid-19. “O próximo passo é abrir a Ilha para a própria comunidade. Dois meses atrás parecia um sonho distante, mas todo esse trabalho traz esse resultado. A primeira batalha foi vencida, mas a guerra continua”, continuou Guilherme.

“Em vez de comemorar agora, vamos rezar pelo Brasil. Não podemos comemorar enquanto temos mortes diárias no País. Se estamos sendo um exemplo, que esse exemplo seja seguido. Vamos pedir para que as mentes se abram um pouco e tenham compaixão com a população, que vem sofrendo tanto”, concluiu Guilherme Rocha.

Agora, a população da Ilha precisa seguir com as medidas de higiene e apenas serviços essenciais permanecem funcionando. Um protocolo para a flexibilização foi desenhado pela Administração e um estudo epidemiológico irá estudar a circulação do vírus da Covid-19 em Noronha. “Esse estudo vai dizer se o vírus ainda circula na Ilha e se circulou onde não sabíamos. Vamos saber qual a matriz de risco de Noronha aqui e em relação ao continente”, detalhou Guilherme.

Segundo o administrador, o resultado do estudo deve sair em um prazo de 15 a 20 dias. “Enquanto isso vamos trabalhando na flexibilização. A primeira etapa é começar a reabrir para a comunidade. Vamos nos cuidar para não sofrermos uma segunda onda”, explicou. Uma cartilha com uma série de recomendações à população para manter o controle sobre o novo coronavírus foi preparada para ser distribuída. A volta dos moradores de Fernando de Noronha que voltaram ao continente é estudada, mas, segundo Guilherme Rocha, ainda não há uma data específica.
Administrador de Fernando de Noronha, Guilherme Rocha
Administrador de Fernando de Noronha, Guilherme Rocha - Foto: Divulgação
Com informações de Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE